Você está na página 1de 10

__________________________________________________________________________

Princípio da Precaução
Exemplos Práticos e Perspectivas Teóricas

O Princípio da Precaução é não só um princípio político mas também um


princípio ético.
Foi na Conferência Rio 92 que este princípio foi proposto formalmente com o
nome de Princípio da Precaução. A sua definição, dada a 14 de Junho de
1992, foi a seguinte:
“O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de
acordo com o estado actual do conhecimento, não podem ser ainda
identificados. Este princípio afirma que tanto a ausência de certeza científica
formal como a existência de um risco de um dano sério ou irreversível
requerem a implementação de medidas que possam prever esse dano”.

Por muito actual que este tema seja, e na realidade é o que acontece, a
verdade é que o Princípio da Precaução não é novo. A sua consciencialização
também não é nova. Apenas a sua formulação e nome o são.
Já Hipócrates (400 anos a.C.) tinha proposto que, ao tratar os doentes, o
primeiro dever era o de ajudar e o segundo o de não causar dano.

Pascal (filósofo, físico e matemático, séc. XVII) propôs a noção de risco e só


então se começou a associar o dano com a sua probabilidade de ocorrência e
com a sua magnitude.

Se era possível ter, pelo menos alguma, objectividade na classificação dos


danos para as colectividades, para os indivíduos o dano pessoal continuou a
ser uma incerteza ou uma ignorância.

Cristina Carapeto 1
__________________________________________________________________________

Avaliação do Risco pela relação Dano / Ocorrência

Dano
Grande
Dano
Médio
Dano
Pequeno
Improvável Pouco Muito Extremamente
provável provável provável
Ocorrência do Evento

Situação de baixo risco associado


Situação de alto risco associado

Claude Bernard (médico, séc. XIX) propôs que o interesse de salvaguardar a


integridade do ser humano como indivíduo estava acima dos interesses da
sociedade. Nenhum dano previsível deveria ser imposto a um participante de
uma pesquisa, mesmo que houvesse o potencial de um grande benefício
social.
Ao longo do séc. XX muitos documentos procuraram estabelecer normas e
directrizes para pesquisas que implicassem seres humanos.
 Prússia 1901
 Código de Nuremberga (1947)
 Declaração de Helsínquia (várias edições desde 1964)

Cristina Carapeto 2
__________________________________________________________________________

Instrução sobre Intervenções


Médicas com Objectivos Outros que
Não Diagnóstico, Terapêutica ou
Imunização

Anweisung an die Vorsteher der Kliniken, Polikliniken under sinstigen


Krankenanstakten

Prússia - 1901

É absolutamente proibido realizar intervenções médicas com objectivos


outros que não diagnóstico, terapêutica ou imunização quando:

1) a pessoa em questão for um menor ou não esteja plenamente


competente em suas capacidades;
2) a pessoa considerada não tenha declarado, de forma inequívoca,
que consente com a intervenção;
3) a declaração não foi dada com base em explicações apropriadas
das consequências adversas que podem resultar das intervenções
propostas.

Todas as intervenções deste tipo devem ser aprovadas pelo diretor da


instituição médica e os registros devem ser arquivados para provar que
todas as condições foram obedecidas.

Cristina Carapeto 3
__________________________________________________________________________

Código de Nuremberg

Tribunal Internacional de Nuremberg - 1947


Trials of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law
1949;10(2):181-182.

1 O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso


significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser
legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre
direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude,
mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter
conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse
último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o
propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as
inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do
participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no
experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do
consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento
ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem
ser delegados a outrem impunemente.

2 O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade,
que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser
feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.

3 O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e


no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa
maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento.

4 O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos


desnecessários, quer físicos, quer materiais.

5 Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para
acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando
o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.

6 O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema que o
pesquisador se propõe a resolver.

Cristina Carapeto 4
__________________________________________________________________________

7 Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do


experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que
remota.

8 O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente


qualificadas.

9 O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do


experimento.

10 O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos


experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar
que a continuação do experimento provavelmente causará dano, invalidez ou
morte para os participantes.

Em todos estes documentos e ainda nas discussões mais actuais um dos


pontos fundamentais é a avaliação da relação risco – benefício.

Risco - probabilidade de ocorrência de um evento desfavorável

Benefício – o benefício provável é um critério vinculado ao princípio da


efectividade (o critério da efectividade é orientado para o futuro)
Ou seja, quando um risco é conhecido é um dado objectivo e que se pode
calcular, o benefício não, é uma presunção baseada em propostas subjectivas,
são intenções, expectativas.

Na década de 1950, Van Rensselaer Potter (Professor e criador dos


fundamentos da Bioética) utilizou o conceito de “conhecimento perigoso”.
Poderá parecer uma incongruência, principalmente numa época em que todos
defendemos a democratização do conhecimento e a sua absoluta necessidade.
Todavia, o conceito de conhecimento perigoso então proposto, mantém-se
actual e deveria, quiçá, ser tido em consideração mais frequentemente.

Cristina Carapeto 5
__________________________________________________________________________

______
Conhecimento perigoso aquele que se adquire demasiado depressa não
havendo por isso tempo para o assimilar correctamente, para o compreender e
gerir.

Dois exemplos de conhecimento perigoso:


1- o uso da talidomida
2- o aparecimento da engenharia genética

No caso da talidomida, esta droga foi considerada segura com base tanto em
estudos científicos como em experiências pessoais. O problema foi que as
consequências apenas se revelaram a longo prazo e eram irreversíveis.

A engenharia genética surgiu nos anos 70 e tendo aprendido lições tardias


anteriores, foram os próprios investigadores que se preocuparam com a
utilização deste novo conhecimento e estabeleceram a primeira moratória
voluntária de pesquisa.
A Conferência de Asilomar é um marco da história da ética aplicada à
investigação pois pela primeira vez foram discutidos princípios éticos e morais
ligados à ciência.

Cristina Carapeto 6
__________________________________________________________________________

Conferência de Asilomar

Prof. José Roberto Goldim

Em fevereiro de 1975 foi realizada uma reunião de 140 cientistas norte-


americanos e estrangeiros realizada no Centro de Convenções de
Asilomar, localizado em Pacific Grove, Califórnia. Esta reunião científica
decorreu da proposta de moratória nas pesquisas que envolvessem
manipulação genética, feita em 1974, por um grupo de pesquisadores.
Esta sugestão foi publicada simultaneamente nas revistas Nature e
Science. Em abril de 1974, esta moratória foi discutida e implantada em
uma reunião científica realizada no Massachusetts Institute of
Technology (MIT).

Nesta ocasião ficou decidido que o Comitê Assessor para DNA


recombinante (RAC), que havia sido criado em 1974, seria o responsável
pela elaboração das diretrizes de Asilomar para a segurança dos
experimentos com DNA recombinante. Este documento ficou pronto em
23 de junho de 1976.

A reunião de Asilomar é um marco na história da ética aplicada à


pesquisa, pois foi a primeira vez que se discutiu os aspectos de proteção
aos pesquisadores e demais profissionais envolvidos nas áreas onde se
realiza o projeto de pesquisa.

Berg P, Baltimore D, Boyer HW, Cohen SN, Davis RW, Hogness DS, Nathans D, Roblin R, Watson
JD, Weissman S, Zinder ND. : Potential biohazards of recombinant DNA molecules. [Letter]
Science, 1974 Jul 26; 185(148):303.

Milano G. Bioetica dalla A alla Z. Milano: Fetrinelli, 1997:182-183.

Berg P, Baltimore D, Brenner S, Roblin RO, Singer MF. Summary statement of the Asilomar
conference on recombinant DNA molecules. Proc Natl Acad Sci U S A, 1975 Jun; 72(6):1981-4

Cristina Carapeto 7
__________________________________________________________________________

A proposta da moratória de pesquisas, reconhecendo o novo conhecimento


como potencialmente perigoso, e as directrizes estabelecidas posteriormente
como forma de prevenir acções que pudessem acarretar riscos demasiado
grandes, pode ser tida como uma situação claramente percursora do Princípio
da Precaução.
Nos anos 80 Hans Jonas (filósofo) caracterizou o Princípio da
Responsabilidade. Hans Jonas achava que os pacientes e participantes de
investigações não tinham condições de entender adequadamente não só a
noção de risco como os próprios riscos que lhes eram propostos. Por isso
propunha que os cientistas e profissionais deveriam, além de informar,
resguardar as pessoas de possíveis situações de risco previsíveis.

A questão de que um risco que não é conhecido é inexistente é completamente


FALSA.

Retoma-se o problema do “conhecimento perigoso” cuja única forma de


combater é gerando mais conhecimento e informação.

Sintetizando:
 O Princípio da Precaução não é novo.
 O Princípio da Precaução deve ser aplicado tanto nas questões
políticas como éticas
 O Princípio da Precaução aplica-se a todas as questões da vida do ser
humano como indivíduo ou em sociedade
 O Princípio da Precaução não pode nem deve servir de entrave ao
avanço da ciência nem à aplicação de novas tecnologias
 O Princípio da Precaução não exclui o Princípio da Responsabilidade

Cristina Carapeto 8
__________________________________________________________________________

Como foi afirmado logo no início, o Princípio da Precaução é não só um


princípio político mas também um princípio ético. A dimensão ética traduz-se
no processo político principalmente através
 Da responsabilidade
 Da aceitação e abertura a valores diferentes

Como aplicar o Princípio da Responsabilidade?

Informação Educação

Transparência no processo de análise das hipóteses

Liberdade de escolha e de acção

Da aceitação e abertura a valores diferentes

O conflito de valores é um processo natural

Entre gerações Entre extractos sociais Entre culturas

Aceitar a diferença é o melhor ponto de partida para a construção ou


reconstrução de alguma coisa.

O Princípio da Precaução deve servir o avanço da ciência e o conforto social


se aliado ao Princípio da Responsabilidade.

Cristina Carapeto 9
__________________________________________________________________________

A maior vantagem que o Princípio da Precaução oferece é o de que


O conflito passa-se antes de ocorrerem danos.bb

No entanto ….mm

O Princípio da Precaução, tal como é correntemente entendido, revela-se


perigoso, basicamente por três ordens de razão:
1- Assume sempre o pior cenário
2- Afasta as pessoas e os decisores políticos da resolução dos riscos reais,
provados, para a saúde humana
3- Nunca assume qualquer risco para a saúde e para o ambiente com a
aplicação das suas propostas e restrições

Cristina Carapeto 10

Você também pode gostar