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A VERDADE PARA HOJE

O Evangelho Segundo

MARCOS – PARTE 4

Editor: Eddie Cloer

Tradução de Solange D. Soares


 
O MINISTÉRIO PÚBLICO DE JESUS (CONTINUAÇÃO) (7:1—8:38)

MAIS OPOSIÇÃO A JESUS (7:1–37)

“JESUS É O CRISTO” (8:1–38)

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Estudo do Texto: Martel Pace

Abordagem para Pregação e Ensino do Texto: Eddie Cloer


-------------------- 

“Comeram e se fartaram; e dos pedaços restantes recolheram sete


cestos. Eram cerca de quatro mil homens” (Marcos 8:6b-9a).

1
Cristianismo em Ação - Marcos 1:14, 15

O Que É Realmente Importante? 

Este ministério do Filho de Deus é o maior ministério que o


mundo já conheceu ou conhecerá. Certamente o que Jesus fez, o
que Ele enfatizou, o que Ele pregou e o que Ele escolheu fazer
com o Seu tempo indicam não só o que era importante para Ele,
mas também o que deve ser importante para nós, Seus seguidores. 
1. Jesus começou o Seu ministério declarando que “o tempo
estava cumprido” (1:15a), ou seja, que aquele era um tempo
importante. As palavras de Paulo em Gálatas 4:4 também poderiam
ser aplicadas, pelo menos em parte, a esse tempo: “Mas quando a
plenitude do tempo chegou, Deus enviou Seu Filho, nascido de uma
mulher, nascido debaixo da Lei”. Duas eras, a patriarcal e a
mosaica, apontavam para esse momento específico e especial em
que teria início o ministério de Jesus. 
Jesus viveu num tempo importante: os anos do Seu
ministério; nós também vivemos num tempo importante: a era
cristã. Vivemos na era do cristianismo do Novo Testamento, com
todas as suas bênçãos e oportunidades de viver na plenitude de
Deus. Não devemos viver como se estivéssemos simplesmente
buscando nossa própria felicidade. Não! Esta é a era para a qual
o passado apontava, e o tempo está se movendo rapidamente em
direção à gloriosa consumação desta era na eternidade.
2. Em Sua pregação, Jesus defendeu que o reino de Deus era
importante, pois “estava próximo” (1:15b). O reino ainda não
havia chegado, mas estava próximo. Grandes eventos estavam
acontecendo e iriam acontecer, os quais literalmente
transtornariam e transformariam o mundo inteiro. Uma parte
importante disso seria a chegada do grandioso reino eterno de
Deus.
Jesus dedicou-se à preparação do povo para a chegada do
reino. Ele anunciou que o reino estava próximo. Daniel disse que
o Deus do céu estabeleceria um reino que jamais seria destruído
(Daniel 2:44). Ele profetizou que esse reino de Deus seria
estabelecido durante os dias dos reis romanos.
O reino de Deus - a igreja de Cristo, o corpo de Cristo, a
entidade que Jesus criou ou trouxe através de Sua morte -
caracteriza a era cristã. Temos o privilégio de fazer parte
desse reino, pregá-lo e plantá-lo em outros países. Qual chamado
é mais excelente do que esse?
3. Jesus alertou Seus ouvintes a darem uma resposta
importante ao evangelho que Ele estava pregando (1:15c). A maior
entidade na terra é o reino de Deus. Dentre todos os tópicos
sobre os quais Jesus poderia ter pregado, qual Ele escolheu? Do
começo ao fim do Seu ministério, Jesus pregou o reino de Deus.
Jesus dividiu o conceito de obediência em duas partes:
arrependimento e fé (o ato de crer). Ninguém pode

2
verdadeiramente se arrepender, sem realmente crer, e ninguém
pode verdadeiramente crer, sem realmente se arrepender de seus
pecados. O evangelho exige arrependimento e fé (o ato de crer).
Qualquer resposta ao evangelho sem um desses elementos será
inadequada.
Conclusão: identificamos o que era importante para Jesus
simplesmente observando o que Ele pregou no começo, no meio e no
fim de Sua vida. Toda a pregação de Jesus está registrada
resumidamente no Evangelho de Marcos. Em cada fase do Seu
ministério, nós O encontramos pregando o reino de Deus.
O que é realmente importante para nós hoje? A resposta é
esta: encontrar o reino de Deus, entrar nele, viver nele e
pregá-lo aos que estão fora dele. O que será realmente
importante para nós fazermos amanhã? A resposta é a mesma. Se
Jesus dedicou Seu ministério terreno ao reino, não devemos
dedicar também nossas vidas terrenas ao reino?

3
O Evangelho Segundo MARCOS Capítulo 7
Mais Oposição a Jesus

A fama de Jesus estava, agora, tão difundida, que uma


delegação teológica de Jerusalém, movida por forte preconceito,
foi enviada para confrontá-lO na Galileia. Jerusalém era o
centro da ortodoxia judaica, e os líderes de lá, evidentemente,
acreditavam que os rabinos da Galileia não podiam lidar
adequadamente com o problema dos ensinos de Jesus.

OS “PERITOS” CERCAM JESUS (7:1–4)

1 Ora, reuniram-se a Jesus os fariseus e alguns escribas,


vindos de Jerusalém. 2 E, vendo que alguns dos discípulos dEle
comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar 3 (pois os
fariseus e todos os judeus, observando a tradição dos anciãos,
não comem sem lavar cuidadosamente as mãos; quando voltam da
praça, não comem sem se aspergirem; 4 e há muitas outras coisas
que receberam para observar, como a lavagem de copos, jarros e
vasos de metal e camas).

Versículos 1 e 2. A maneira como Mateus identifica o


grupo que confrontou Jesus mostra que Jerusalém era a principal
fonte de oposição a Ele (Mateus 15:1). Os fariseus e alguns
escribas constituíam uma grande parte dessa oposição. Alguns
deles, porém, pareciam reconhecer em Jesus o cumprimento das
profecias do Antigo Testamento sobre o Messias. Por isso, os
fariseus devem ter escolhido como seus representantes nessa
ocasião os escribas bem doutrinados1. Acreditavam que poderiam
silenciar aquele Pregador inculto da Galileia. 
Os escribas haviam feito uma investigação anterior,
conforme relata o breve comentário de 3:22. Daquela vez,
acusaram Jesus de expelir demônios por Belzebu; mas essa
acusação não foi convincente para os fariseus nem para qualquer
outra pessoa. Os líderes judeus estavam em busca de
uma controvérsia que pudessem usar para condenar Jesus, e
pensaram que a haviam encontrado na questão das exigências
tradicionais de lavar as mãos e de realizar outros ritos de
purificação cerimonial. A crítica sobre o dia de sábado em 2:23–
28 pode ter vindo da mesma fonte. Um comitê semelhante foi até
João Batista questionando sua autoridade (João 1:19, 25). 
O texto diz que “os fariseus e alguns escribas” perceberam
que alguns dos discípulos dEle comiam pão com as mãos impuras,
isto é, por lavar. A crítica nessa ocasião não era uma
preocupação genuína com higiene, mas com a observância da
tradição oral. Acreditavam que, sempre que um pecador os
tocasse, estavam cerimonialmente impuros (ou com “mãos impuras”)
1
Alguns escribas e fariseus também eram chamados de “intérpretes da Lei” (veja Mateus 22:35; Lucas 7:30; 10:25;
11:45; 14:3) e “mestres da Lei” (Lucas 5:17; Atos 5:34) por conhecerem a Lei.

4
até que realizassem rituais de purificação. Esses ritos incluíam
esfregar as duas mãos imersas em água. 
Para manter a pureza cerimonial, os judeus tinham de se
lavar antes de comer (7:2, 5). Eles não estavam preocupados com
germes, pois nada sabiam sobre germes2. Só sabiam que o Antigo
Testamento exigia certos rituais, por isso, desenvolveram
práticas diárias de lavagem e purificação3. E assim criaram
muitos rituais de purificação que a Lei jamais exigiu.
Os fariseus não eram os únicos a impor um jugo pesado sobre
o povo. Ronald J. Kernaghan expôs este fato: “Em alguns casos, o
que Jesus chamou de tradições dos anciãos eram interpretações
dos mandamentos que os escribas haviam desenvolvido para evitar
que o povo quebrasse inadvertidamente um mandamento” 4. Sendo
assim, os judeus geralmente acreditavam que observar as
tradições orais os protegeria de violar as leis de Deus. Os
sacerdotes do Antigo Testamento tinham de lavar as mãos e os pés
antes de trabalhar no tabernáculo (Êxodo 30:17 a 21). Talvez
essa lavagem devesse ser feita para manter a limpeza física que
também significava a pureza espiritual. No entanto, isso nunca
foi ordenado para a população em geral. Os fariseus talvez
acreditassem que era necessário os sacerdotes realizarem essa
lavagem para que o público em geral os considerasse possuidores
de maior justiça. 
Versículos 3 e 4. Os fariseus consideravam o público em
geral como pecadores. Fazer todas as lavagens rituais reforçava
a ideia de que eles eram mais piedosos do que as massas
ignorantes. O versículo 3 indica que todos os judeus, observando
a tradição dos anciãos haviam adotado a prática de não comer sem
lavar cuidadosamente as mãos5. Isso fez os discípulos de Jesus
se destacarem, na melhor das hipóteses, como péssimos pecadores
aos olhos dos fariseus.
“Todos” (  , pas) pode significar “pessoas em geral” e
geralmente significa uma maioria no Novo Testamento. Marcos 1:5
diz que “todos” foram batizados por João, enquanto Lucas 7:29 e
30 esclarece que os fariseus haviam rejeitado o batismo de
João. 
Quando [“os fariseus e todos os judeus”] voltam da praça,
não comem sem se aspergirem; e há muitas outras coisas que
receberam para observar, como a lavagem de copos, jarros e vasos

2
Sabiam que poderiam se contaminar ao tocar em pessoas, animais ou objetos acometidos de lepra e de outras
doenças; e sabiam obedecer às leis de isolamento citadas em Levitico 13.
3
Escavações em Jerusalém revelaram que as casas do primeiro século de qualquer tamanho tinham um sistema de
tanques ou cisternas. Rampas de escoamento que vinham das ruas permitiam que a água entrasse no primeiro
tanque, o qual era conectado a outro tanque para que os moradores tivessem “água corrente”, ou seja, água não
“impura” ou estagnada. Acreditava-se que isso era necessário para fornecer água “pura”. 
4
Ronald J. Kernaghan, Mark, The IVP New Testament Commentary Series. Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press,
2007, p. 135.
5
O historiador Flávio Josefo concordou que os fariseus tinham o apoio da multidão. (Flavio JOsefo, Antiguidades
13.10.6 [298].) Permanece o debate acadêmico sobre essas regras serem ou não consideradas iguais à lei
de Moisés, mas é evidente que elas eram consideradas muito importantes. 

5
de metal e camas). A palavra traduzida por “lavagem” deriva de
(baptizo), que sempre significou mergulhar, imergir ou
submergir. Esse mesmo vocábulo foi usado para a “lavagem” ou
imersão realizada quando uma pessoa invocava o nome do Senhor
para ser salva, como relata, por exemplo, Atos 22:16. No
entanto, alguns comentaristas argumentam que a forma cognata
desse vocábulo (baptismos, “batismo”) pode significar tanto
“aspersão” como “lavagem”6. Deduzem isto com base na menção da
lavagem de “camas”, termo que nas versões inglesas King James
[KJV] e English Standard Version [ESV] foi traduzido por “mesas”
e “sofás”, respectivamente. Uma vez que essas mobílias não
poderiam ser “lavadas”, mas somente “aspergidas”, esses
comentaristas deduzem que baptismos pode, portanto, significar
também “aspersão”. Apesar de utilizar a KJV em seu comentário,
L. A. Stauffer disse: “A redefinição [de baptismos significando
'aspersão'] é... desnecessária, falha, tendenciosa“7.
A explicação em 7:3 e 4 evidencia que Marcos escreveu para
leitores gentios. Os leitores judeus já sabiam
desses rituais . A questão da lavagem das mãos ilustrou um
8

grande contraste entre os fariseus e Jesus, o qual seria vital


para determinar quem tinha autoridade. 
Quem eram esses fariseus? Os membros dessa seita do
judaísmo apareceram pela primeira vez no reinado de João Hircano
(135 a.C.), quando também eram conhecidos como chassidim, que
significa “amados de Deus” ou “leais a Deus”. O nome “fariseus”
( , farisaios) significa “os separados” ou “separatistas”9. 
Os judeus alegavam que havia duas leis, a lei escrita de
Moisés e uma lei tradicional que fora dada oralmente por Moisés,
mas que inicialmente não era escrita. Para os fariseus,
a lei oral era igual à Lei escrita dada a Moisés.
As leis orais foram finalmente registradas na forma escrita
por volta de 185 d.C., sendo baseadas nos entendimentos vigentes
nessa época. A redação do texto foi feita em Tiberíades, quando
os rabinos começaram a compilar a Mishná. Este livro contém
decisões e tradições do primeiro século a.C., supostamente
baseadas na lei oral10.
Em última análise, o farisaísmo e o judaísmo tornaram-se
quase sinônimos de legalismo. O rabino Eleazar de Modin disse:
“Se um homem... revela significados na Lei que não estão de

6
Veja mais sobre as distinções escrupulosas dos fariseus em William Barclay, The Gospel of Mark, 2a. ed., The Daily
Study Bible. Filadelfia: Westminster Press, 1956, pp. 168-69.
7
L. A. Stauffer, Mark, Truth Commentaries, Guardian of Truth Foundation. Bowling Green, Ky.: Standard Publishing
Co., 1999, p. 156.
8
Donald English, The Message of Mark: The Mystery of Faith, The Bible Speaks Today. Downers Grove, Ill.:
InterVarsity Press, 1992, p. 142.
9
Lorman N. Petersen, “Pharisees” em The Zondervan Pictorial Bible Dictionary, ed. Merrill C. Tenney. Grand Rapids,
Mich.: Zondervan Publishing House, 1963, p. 647.
10
A Mishná e a Guemará (comentário sobre o Mishná) compõem o Talmude judaico. (“Talmud” em Baker’s Concise
Dictionary of Religion, ed. Donald T. Kauffman. Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1967, p. 407.)

6
acordo com a Halaká, mesmo que ele tenha o conhecimento da Lei e
as boas obras, ele não tem parte no mundo por vir.”11
No Talmude, a Mishná contém uma coletânea de tradições como
esta: “Meu filho, seja mais cuidadoso na [observância das]
palavras dos escribas do que nas palavras da Torá... quem quer
que transgrida qualquer das promulgações dos escribas incorre em
pena de morte”12.
As regras inventadas pelos fariseus tinham de ser
interpretadas pelos rabinos. Cada rabino bem-conceituado via-se
no dever de acrescentar mais “explicações” a essas
tradições. Por exemplo, os escribas e os fariseus passaram a
exigir não só o lavar as mãos, mas também que a água para essa
finalidade fosse mantida em jarros de pedra, a fim de não se
tornar cerimonialmente impura. Não lavar as mãos supostamente
exporia o fiel aos ataques de um demônio chamado “Shibta”13. Os
fariseus “não interagiam com pessoas que haviam se contaminado
através de uma enfermidade. Na verdade, acabaram dificultando a
vida para si mesmos e a amargando para outros”14.

“VOCÊS HONRAM A DEUS COM OS LÁBIOS, E NÃO COM O CORAÇÃO” (7:5–


8)15

5 Interpelaram-nO os fariseus e os escribas: Por que não andam


os Teus discípulos de conformidade com a tradição dos anciãos,
mas comem com as mãos por lavar? 6 Respondeu-lhes: Bem
profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está
escrito:
Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim.
7 E em vão Me adoram,
ensinando doutrinas que são preceitos de homens. 8
Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos
homens.

Primeiramente, Jesus respondeu ao problema da ênfase dos


fariseus na lei oral. Em segundo lugar, Ele negou as doutrinas
pesadas e opressivas peculiares a essa seita. A oposição de
Jesus atacava justamente o âmago do poder e da autoridade dos
fariseus. Jesus não se valia de regras e cerimônias feitas pelo
homem. A repreensão mais incisiva a um grupo feita por Jesus foi
contra os fariseus e escribas em Mateus 23, relativa a esse
mesmo assunto. Os líderes religiosos não podiam conceber o fato

11
Mishná Aboth 3.12.
12
Talmude Erubin 21b.
13
Shibta é mencionado como um bom motivo para se lavar as duas mãos antes de alimentar uma criança em
Talmude Yoma 77b.
14
Petersen, p. 647.
15
O relato paralelo está em Mateus 15:1–3a, 7–9.

7
de que, se Jesus tocasse em alguém, esse indivíduo já não
estaria cerimonialmente impuro. 
Versículo 5. Interpelaram-nO os fariseus e os escribas: Por
que não andam os Teus discípulos de conformidade com a tradição
dos anciãos, mas comem com as mãos por lavar? O comitê que
confrontou Jesus não conseguiu encontrar em Jesus um exemplo de
desobediência à lei de Moisés. Então, acusaram o Senhor de
desobedecer às suas tradições. Nem toda “tradição” ( ,
paradosis; 7:3) é necessariamente ruim. Essa palavra foi usada
por Paulo em 2 Tessalonicenses 2:15 para se referir ao conjunto
das verdades doutrinárias transmitidas pelos apóstolos aos
líderes da igreja.
Famílias bem-sucedidas sabem que boas tradições podem ser
de grande ajuda para unir seus integrantes. Contudo, práticas
religiosas que se desviam da autoridade das Escrituras podem
levar à condenação; e algumas tradições tornaram-se tão
consolidadas que aqueles que as observam nem percebem que foram
inventadas pelo homem. Devemos recorrer diligentemente às
Escrituras para ter certeza de que não estamos seguindo
tradições inúteis inventadas pelo homem, mas sim as orientações
estabelecidas por Deus. Não devemos acrescentar nada ao que Deus
ordenou (Apocalipse 22:18, 19)16.
Jesus não se opôs a todo tipo de cerimônia, como afirmam
alguns. Ele enfatizou o batismo e instituiu a ceia do Senhor, os
quais são instituições ordenadas por Deus. Ele não negou a
validade da purificação exigida pelos sacerdotes, conforme
ordenado na Lei, nem se opunha à lavagem de recipientes ou das
mãos antes de comer. No entanto, os fariseus exigiam uma
purificação desnecessária. Porque Jesus ignorou as regras
humanas dos fariseus, eles O consideraram iníquo, juntamente com
Seus discípulos. 
Versículos 6 e 7. Jesus continuou respondendo à pergunta
dos fariseus: Bem profetizou Isaías a respeito de vós,
hipócritas, como está escrito: Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim. E em vão Me adoram,
ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Jesus admitiu
que há uma relação entre doutrina e vida sem a qual as
tentativas de adorar são inúteis (veja Mateus 15:7-9). 
A resposta de Jesus foi em dois níveis - um simples e outro
mais profundo. Primeiro, Ele os chamou de “hipócritas” ( ,
hupokrites), o que significava, naquela época, “atores”; é a
palavra grega para um ator de teatro. Este é o primeiro exemplo
de Jesus chamando os fariseus por esse nome17.  No momento em que
16
É claro que há espaço para optarmos pelo que for conveniente quando o mandamento é geral e não
específico. Por exemplo, Noé foi instruído a fazer a arca de tábuas de cipreste e num determinado prazo - mas não
há menção do cumprimento das tábuas individuais.
17
A palavra hebraica (chanef) é traduzida por "hipócrita" na versão inglesa King James (Jó 34:30; 36:13),
descrevendo “pessoas más”. No Novo Testamento, o significado de “hipócrita” é um pouco diferente do uso
moderno, mas Jesus usou o termo com o sentido de uma pessoa má; “indivíduo que deliberadamente e por hábito
professa ser bom, quando está consciente de que não é” (H. L. Ellison, “Hipócrita” em J. D. Douglas, ed., O Novo

8
Áquila de Sinope revisou a Septuaginta (LXX)18, a palavra tinha
uma conotação ativamente má, indicando a tentativa de aparentar
ser justo; mas Jesus estava usando o termo aqui no sentido de
alguém que desempenha um papel, fingindo ser o que não é19. Ainda
significava “aquele cuja bondade se destina, não a agradar a
Deus, mas a agradar a homens, o homem que não diz ‘Glória a
Deus!’, mas ‘Graças a mim!’”20
A palavra “hipócrita” hoje não tem necessariamente a
conotação de alguém mau. Refere-se a alguém que faz as coisas
corretas exteriormente, mas seu comportamento não reflete o que
está em seu coração e nos seus pensamentos. “Um hipócrita [7:6],
então, é um enganador, fraudulento, impostor, uma serpente sobre
a relva, um lobo em pele de cordeiro. Ele finge ser o que, na
verdde, não é”21.
Jesus estava atacando todo o sistema da tradição judaica,
com suas leis orais inventadas por homens. Os líderes judeus
transformaram a Lei dada por Deus num meio rigoroso de condenar
os outros e, ao mesmo tempo, justificar seus próprios
erros. Isto se evidencia em Mateus 23:16-19:

“Ai de vós, guias cegos, que dizeis: Quem jurar pelo santuário,
isso é nada; mas, se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica
obrigado pelo que jurou! Insensatos e cegos! Pois qual é maior:
o ouro ou o santuário que santifica o ouro? E dizeis: Quem jurar
pelo altar, isso é nada; quem, porém, jurar pela oferta que está
sobre o altar fica obrigado pelo que jurou. Cegos! Pois qual é
maior: a oferta ou o altar que santifica a oferta?”

É certo que os fariseus tinham um espírito legalista; eles


obedeciam à letra da Lei, mas frequentemente não entendiam o
espírito ou preceito por trás da Lei. Hoje em dia, alguns têm a
atitude de obedecer à lei por amor à lei, em vez de por amor a
Cristo, o qual nos amou e se entregou por nós. Crer e seguir
falsas doutrinas transforma toda e qualquer tentativa de adorar
a Deus em algo “vão” (veja Mateus 15:8, 9).
A citação de Jesus de Isaías 29:13 não corresponde
exatamente ao texto do Antigo Testamento hebraico. Seguindo a

Dicionário da Bíblia. R. Shedd, ed. Trad. João Bentes. 3a. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 590.). William
Barclay descreveu o desenvolvimento da palavra da seguinte maneira: “Começa significando simplesmente alguém
que responde; passa a significar logo o que responde em um diálogo ou em uma conversa estbelecidos, isto é, um
ator teatral, e finalmente significa, não simplesmente um ator em cena, mas alguém cuja vida é uma atuação sem
nenhuma sinceridade” (Barclay, p. 170).
18
“Aquila” em John M‘Clintock and James Strong, Cyclopedia of Biblical, Theological, and Ecclesiastical Literature
Nova York: Harper & Brothers, 1896, vol. 1, p. 326. Publicado como uma revisão da LXX em 128 d.C., a obra de
Áquila foi a primeira a usar “hipócrita” com o nosso significado moderno;  pois, até então, o termo significava
apenas uma "pessoa má". A palavra equivalente no Antigo Testamento é traduzida por “ímpio” em Jó 34:30. 
19
William Barclay, A New Testament Wordbook. Nova York: Harper & Row, s.d., p. 57.
20
Ibid., p. 58.
21
William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento, Exposição do Evangelho de Marcos. Trad. Elias Dantas. São
Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 353.

9
prática comum dos judeus daquela época, Jesus citou a
Septuaginta (LXX) em vez do hebraico22. O texto da LXX muitas
vezes parece ser uma paráfrase, mas o significado fundamental é
invariavelmente o mesmo23. Isso indica que os líderes judeus e
Jesus falavam grego e estimavam a LXX.
O que Isaías dissera sobre o povo de sua época aplica-se
igualmente aos judeus do tempo de Jesus. A citação desta
passagem foi um caso de dupla aplicação da Palavra profética. A
história estava se repetindo; por isso, o mesmo princípio
ensinado no livro de Deus aplicava-se ao público de
Jesus. Sempre que a religião procede da mente do homem e não de
Deus, ela está vinculada a tradição e, portanto, altamente
suscetível a erros.
Jamais devemos substituir a lei de Deus por doutrinas
humanas. A religião verdadeira não pode ser o produto da mente
do homem. Um antigo rabino disse: “Maior rigor se aplica à
observância das palavras dos escribas do que à observância das
palavras da lei [escrita]”24. Contudo, “a verdadeira religião
deve sempre advir, não de descobertas de um homem, mas do
simples ouvir e aceitar a voz de Deus”25.
Versículo 8. Jesus não citou apenas a Escritura de Isaías,
mas acrescentou Seu comentário igualmente autoritário,
interpretando o texto para os Seus ouvintes: Negligenciando o
mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. As palavras
de Jesus no Novo Testamento são iguais a qualquer “assim diz o
Senhor” do Antigo Testamento.
Como os judeus foram capazes de impor ao povo suas
tradições acima da Palavra escrita de Deus? Eles acreditavam que
o ensino oral procedia de Deus e era mais importante do que o
ensino escrito. No entanto, a Lei escrita de Deus era tudo para
Jesus. 

“VOCÊS ESTÃO INVALIDANDO A PALAVRA DE DEUS” (7:9–13)26

9 E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de


Deus para guardardes a vossa própria tradição. 10 Pois Moisés
disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser a seu pai
ou a sua mãe seja punido de morte. 11 Vós, porém, dizeis: Se um
homem disser a seu pai ou a sua mãe: Aquilo que poderias
aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta para o Senhor, 12
então, o dispensais de fazer qualquer coisa em favor de seu pai
ou de sua mãe, 13 invalidando a palavra de Deus pela vossa

22
A Septuaginta é a tradução grega das Escrituras Hebraicas. Comumente chamada de “LXX”, que significa
“setenta”, a tradução foi produzida por cerca de setenta eruditos em Alexandria, por volta de 250 a.C.
23
Sempre que Jesus ou os apóstolos citavam o Antigo Testamento na versão da Septuaginta, apesar de ser um texto
parafraseado do hebraico, eles estavam apresentando uma interpretação do texto bíblico aprovada por Deus.
24
Mishná, Sanhedrin 11.3.
25
Barclay, Mark, p. 171
26
Há um relato paralelo em Mateus 15:3-6.

10
própria tradição, que vós mesmos transmitistes; e fazeis muitas
outras coisas semelhantes.

Versículo 9. Os fariseus tinham inventado maneiras de


desobedecer a leis específicas de Moisés. Eles haviam
desenvolvido uma tradição para encobrir a cobiça. Jesus parecia
estar fazendo um elogio a esses homens: Jeitosamente rejeitais o
preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição. Jesus
estava usando de ironia27 ou talvez até de sarcasmo ao dizer
“jeitosamente rejeitais”. Uma possível tradução seria: “Vocês
são especialistas em deixar de lado e anular o mandamento de
Deus, a fim de manter suas tradições e regulamentos”. Jesus
estava dizendo que eles tinham uma maneira inteligente de violar
o mandamento de Deus e fazê-lo parecer religioso. Nisto,
estavam praticamente tomando o lugar de Deus!28 Eles estavam
ignorando, deixando de lado, ou de fato “invalidando
a palavra de Deus” (7:13). 
Versículos 10 a 12. Pois Moisés disse: Honra a teu pai e a
tua mãe; e: Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe seja punido de
morte. Vós, porém, dizeis: Se um homem disser a seu pai ou a sua
mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é,
oferta para o Senhor, então, o dispensais de fazer qualquer
coisa em favor de seu pai ou de sua mãe.
Esses homens alegavam amar a Deus, apesar de não
demonstrarem amor pelos próprios pais. Por isso não amavam
verdadeiramente a Deus! Poderíamos apropriadamente inserir
“pais” no lugar de “irmão” em 1 João 4:20: “Se alguém disser:
Amo a Deus, e odiar a seu irmão [seus pais], é mentiroso; pois
aquele que não ama a seu irmão [seus pais], a quem vê, não pode
amar a Deus, a quem não vê”. Os fariseus estavam agindo contra o
mandamento: “Honra teu pai e tua mãe”, citado por Jesus29.
Os laços familiares naturais não deveriam ser revogados,
ainda que viria um tempo em que a lealdade ao nosso Senhor
deveria superar a lealdade aos pais (10:29). Debaixo da lei, a
morte era a punição autorizada aos que desobedecessem ao quinto
mandamento. O mandamento de Deus não terminava nessa primeira
frase, mas era complementado por esta consequência extremamente
severa: “Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe será morto” (Êxodo
20:12; 21:17). Jesus poderia estar insinuado que isso era o que
os fariseus receberiam de Deus por desobedecer à Sua lei e
substituí-la por tradições feitas pelo homem.
Mostrar respeito pelos mais velhos é um tema geralmente
negligenciado em nosso ensino sobre o viver piedoso. Os filhos
27
J. W. McGarvey comentou que esse é “um dos poucos exemplos de ironia nas falas do Salvador se reportando a
outros” (J. W. McGarvey, The New Testament Commentary, vol. 1, Matthew and Mark. Des Moines: Eugene S.
Smith, 1875, p. 307).
28
Hendriksen, p. 357.
29
Veja Êxodo 20:12; 21:17; Deuteronômio 5:16; Mateus 19:19; Marcos 10:19; Lucas 18:20; Efésios 6:2 e o
relato paralelo em Mateus 15:4.

11
devem primeiro aprender a mostrar piedade em casa para com toda
a família. Devem ser ensinados a respeitar o princípio do Novo
Testamento de que serão responsáveis por cuidar de seus pais ou
avós algum dia. “Mas, se alguma viúva tem filhos ou netos, que
estes aprendam primeiro a exercer piedade para com a própria
casa e a recompensar a seus progenitores; pois isto é aceitável
diante de Deus” (1 Timóteo 5:4).
“Corbã” ( , Korban) era uma palavra que originalmente
significava um “presente... dedicado a Deus”30, uma oferta a
Deus, ou qualquer coisa sacrificada a Deus. A oferta Corbã em
dinheiro era armazenada no templo e podia ser usada por um filho
sem ser gasta com os pais. Ele até podia manter o dinheiro em
seu poder desde que fosse designado como Corbã.
Além disso, o indivíduo que tivesse concedido um empréstimo
podia dizer ao seu devedor: “A dívida que você me deve é
Corbã; portanto você deve a Deus”, usando uma espécie de
chantagem religiosa”31. Por outro lado, o devedor poderia fazer
uma contribuição simbólica do dinheiro para o templo, mas
guardar a maior parte para si mesmo. Essa era uma maneira de
livrar-se do pagamento de dívidas honestas e de evitar ter que
usar os fundos para sustentar pais idosos ou dependentes. 
Provavelmente os escribas não endossavam essas práticas
oficialmente, mas tudo indica que elas eram feitas sem
condenação pública ou, talvez, até sem o conhecimento da
população em geral. No entanto, Jesus sabia de tudo e falou do
assunto abertamente, incorrendo na ira dos fariseus32.
A hipocrisia desse sistema era tão flagrante que até os
pagãos podiam perceber essas práticas. Mais tarde, os rabinos
admitiram a insensatez de suas incoerências e rejeitaram essa
prática, embora alguns a tivessem aceitado claramente durante o
ministério de Jesus. 
Vários estudiosos da Bíblia de hoje apresentam
interpretações de passagens do Novo Testamento que não podem ser
confirmadas. Suas teorias, por vezes, chegam a atribuir um
significado oposto ao que os textos dizem. Os líderes judeus
cometiam esse tipo de pecado. 
Versículo 13. Um dos sinais de uma sociedade decadente é a
falta de preocupação com os idosos. Jesus disse que não
demonstrar compaixão pelos pais invalidava a palavra de
Deus. Isso incluía prestar ajuda aos pais sempre que estes
necessitassem e sempre que os filhos tivessem condições de fazê-
lo. Obviamente, a ideia da oferta Corbã estava sendo denunciada
aqui, embora o nome não seja mencionado.
E fazeis muitas outras coisas semelhantes33 poderia vir
seguido de uma citação de outras brechas criadas pelos fariseus
30
Barclay, Mark, p. 172.
31
Ibid., p. 173.
32
Podemos imaginar os fariseus guardando sigilo sobre assuntos como este, mas Deus conhecia os seus
pensamentos interiores. 

12
ao fazerem acréscimos à lei de Deus. Jesus conhecia esses
acréscimos e o ensino a respeito deles, embora algumas dessas
práticas fossem guardadas em segredo entre eles!34
Em Mateus, esta parte da conversa é seguida pela pergunta
dos discípulos: “Sabes que os fariseus, ouvindo a tua palavra,
se escandalizaram?” (15:10–20). O comentário de Jesus a essa
pergunta foi uma afronta ainda maior a esses religiosos: “Toda
planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Deixai-
os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego,
cairão ambos no barranco” (Mateus 15:13-14).
Nesse momento, Jesus não se importou se eles ouviram o que
Ele disse. O Senhor quase os desafiou a encontrar uma razão para
matá-lo.

“NADA FORA DO HOMEM PODE CONTAMINÁ-LO” (7:14-16)35

14 Convocando Ele, de novo, a multidão, disse-lhes: Ouvi-


Me, todos, e entendei. 15 Nada há fora do homem que, entrando
nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o
contamina. 16 [Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.]

Versículo 14. Jesus convocou... a multidão para dar uma


explicação do Seu ataque à autoridade da tradição oral. Disse
Ele: Ouvi-Me, todos, e entendei. Esse tópico complexo que Jesus
acabara de abordar só poderia ser entendido se os ouvintes se
esforçassem.
Os discípulos de fato comiam sem lavar as mãos em
conformidade com a tradição farisaica. A questão era se isto era
ou não pecaminoso aos olhos de Deus. E se a lei ritual (isto é,
a tradição oral) fosse válida, os discípulos estariam
condenados.
Embora Jesus tivesse deixado os fariseus desconcertados em
relação ao modo como evitavam dar honra aos pais, isto não
implicava que os discípulos estivavam certos. Para defender a
atitude dos discípulos, Jesus precisou atacar toda a estrutura
da lei oral visando mostrar como ela violava a Lei escrita.
Qual a finalidade da Bíblia escrita, se a base para se
interpretar a autoridade bíblica forem tradições? A lista a
seguir mostra as tradições feitas pelo homem em contraste com a
revelação de Deus no Novo Testamento:

Tradições humanas Verdades divinas


Escravidão a formas exteriores Liberdade de fé interior
Regras superficiais Princípios fundamentais

33
Porque a expressão “fazeis muitas outras coisas semelhantes” no final de 7:13 não está em muitos dos
melhores manuscritos, algumas versões a omitem, como a NVI.
34
Porque Jesus conhecia os corações de todos os homens, Ele podia se reportar diretamente aos pensamentos e
motivações de seus ouvintes. 
35
O relato paralelo está em Mateus 15:10, 11.

13
Piedade exterior Verdadeira santidade
interior
Substituição da Palavra de Deus Exaltação da Palavra de
Deus36

Substituir os mandamentos de Deus por tradições resulta em óbvia


desobediência a Deus.
Versículo 15. A declaração de Jesus sobre o que contamina o
homem foi surpreendente para os judeus. Disse Jesus: Nada há
fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que
sai do homem é o que o contamina. Muito provavelmente, nenhum
judeu ortodoxo creria no que Jesus estava ensinando. Levítico 11
contém uma longa lista de animais denominados “imundos” ou
“impuros” - isto é, impróprios para alimentar seres humanos.
Antíoco IV (“Epifânio”), no início do segundo século a.C., havia
tentado reprimir a fé judaica. Em seu mandato, ele forçou os
judeus a comerem carne suína37. Centenas de judeus morreram se
negando a cometer esse crime contra a fé. Antíoco Epifânio
morreu em campanha na Média em 164 a.C.38 Os judeus devem ter
pensado que Deus providencialmente causou a morte do rei por
maltratar Sua nação escolhida.
No entendimento dos ouvintes de Jesus, aceitar o que Ele
dizia equivalia praticamente a rejeitar a história judaica. Nem
os discípulos mais íntimos pareciam estar prontos para essa
admoestação. Jesus estava preparando o terreno para desconstruir
todo o conceito de impureza cerimonial. Jesus nunca minimizou a
importância de observar as exigências da lei mosaica sobre a
pureza cerimonial. No entanto, Ele deixou implícito que estava
próximo o tempo de abolir as distinções “limpo” e “imundo”.
A lei ritualística existiu para o período de infância das
interações de Deus com o Seu povo. Ela reforçava a necessidade
de serem uma nação e raça separada e distinta. Essas regras
ajudaram a manter os judeus separados dos gentios. Um judeu não
deveria sequer comer na casa de um gentio. Razões sanitárias e
higiênicas possivelmente estavam envolvidas. Paulo, em Gálatas
4:9, chamou essas questões devidamente de “rudimentos fracos e
pobres” (ARA), “princípios elementares, fracos e sem poder”
(NVI), “princípios insignificantes, fracos e pobres” (KJA),
“espíritos elementares, fracos e miseráveis” (BJC). A alma não
pode ser contaminada pela impureza cerimonial.
Os fariseus não entenderam a ideia principal exposta por
Jesus. Julgaram-nO desprezível por comer com “pecadores”, pois

36
Adaptado de Warren W. Wiersbe, Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: vol. I. Trad.
Suzana E. Klassen. Santo André, SP: Geográfica editora, 2006, p. 175.
37
Barclay, Mark, p. 175. Esses fatos ocorreram por volta de 165 a.C. (veja 1 Macabeus 1:62,63). Embora 1
Macabeus seja um relato histórico bastante confiável de partes do Período Intertestamentário, o mesmo não pode
ser dito a respeito de 2 Macabeus.
38
D. H. Wheaton, “Antíoco” em J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia. Trad. João Bentes. São Paulo: Ed.
Vida Nova, 3a. ed., reimpressão, 2007, p. 58.

14
acreditavam que tal interação O contaminava. Foi essa
mentalidade muito difundida que fez Pedro espantar-se ao entrar
na casa de um gentio.
Deixar de lavar as mãos antes de comer pode não ser o
melhor hábito a ser seguido, mas não torna ninguém “pecador”
diante de Deus. Os fariseus pensavam que quem não seguisse a
rígida interpretação deles a respeito da pureza cerimonial
estava automaticamente pecando, sendo uma companhia imprópria.
No entanto, a impureza cerimonial era só um símbolo da
contaminação espiritual que prevalece através do pecado. Todo o
sistema judaico de “pureza” e “contaminação” teve seu
cumprimento no ensino de Jesus sobre o que verdadeiramente
contamina uma pessoa. 
Versículo 16. O comentário de Jesus Se alguém tem ouvidos
para ouvir, ouça sugere que Seus ouvintes tinham a
responsabilidade de ouvir e entender o que Ele estava dizendo 39.
Até temas difíceis podem ser compreendidos se nos esforçarmos
com diligência. Este é o ensino de Jesus e devemos estar
dispostos a ouvir adequadamente as Suas palavras.

O QUE DE FATO CONTAMINA O HOMEM (7:17–23)40

17 Quando entrou em casa, deixando a multidão, os Seus


discípulos O interrogaram acerca da parábola. 18 Então, lhes
disse: Assim vós também não entendeis? Não compreendeis que tudo
o que de fora entra no homem não o pode contaminar, 19 porque
não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar
escuso? E, assim, considerou ele puros todos os alimentos. 20 E
dizia: O que sai do homem, isso é o que o contamina. 21 Porque
de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus
desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os
adultérios, 22 a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a
inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. 23 Ora, todos estes
males vêm de dentro e contaminam o homem.

Versículo 17. Os discípulos de Jesus O interrogaram acerca


da parábola. Obviamente, foram impactados pelas declarações do
Senhor, que culminaram na interrupção do ensino aos eruditos
religiosos de Jerusalém. A palavra “parábola” (parabole) é usada
aqui num sentido incomum. Kernaghan escreveu: “Marcos 7:14–23
pode ser chamado de parábola irônica. Ela tem a forma, mas não o
conteúdo das outras parábolas narradas em Marcos”41. Nesse
relato, o que os discípulos precisavam entender não era uma
“história”, e sim uma nova doutrina. Jesus usou esse

39
O versículo 16 possivelmente foi mprestado de Mateus 11:15. Ele não aparece nos manuscritos mais antigos ou
na maioria das versões modernas.
40
Há um relato paralelo em Mateus 15:15-20.
41
Kernaghan, p. 137.

15
vocábulo para algo que era difícil de entender, um “dito”
parcialmente velado42.
Os discípulos lançaram uma pergunta sobre essa “parábola”,
que era um ensino novo e estranho (para um judeu fiel) sobre os
alimentos que podiam ser ingeridos. Esse estilo didático de
Jesus às vezes era confuso para eles, de modo que não puderam
crer no que estavam ouvindo, quando Jesus se opôs às conhecidas
regras de contaminação.
Versículo 18a. Jesus falou muito claramente a Seus
discípulos, praticamente chamando-os de “estúpidos”: Assim vós
também não entendeis? Mais tarde, eles receberiam o Espírito e
teriam um entendimento mais amplo (João 14:26; 16:13). Quem se
converte a Cristo consegue entender muito mais. Os apóstolos
receberam “revelação” e “inspiração”. Os cristãos de hoje não
recebem nem revelação, nem inspiração, muito menos um
“esclarecimento especial”, como muitos costumam alegar. Contudo,
quando obedecemos à verdade, nos tornamos mais conscientes das
verdades apresentadas nas Escrituras. “Crescemos em
conhecimento”, passando a ter mais interesse na obra do Senhor e
em como ser mais semelhantes a Ele. Tendo essa nova atitude,
amadurecemos conforme ordenam as instruções de 2 Pedro 1:5–10,
que mencionam certas etapas desse crescimento. Quando atingimos
o pináculo da fé praticando o amor agape (2 Pedro 1:7), temos a
garantia de duas graças: frutos através do conhecimento e
capacidade de jamais tropeçar (2 Pedro 1:10).
Mateus 15:12 relata que os discípulos pediram um certo grau
de cautela a Jesus porque os fariseus haviam se escandalizado
seriamente com o Seu ensino. Em resposta, Jesus tornou-se ainda
mais contundente. Às vezes, é apropriado afastar-se dos falsos
mestres. Em Mateus 15:13 e 14, por exemplo, Jesus aconselhou
Seus discípulos a “deixá-los”. Por quê? Porque eram “cegos,
guias de cegos” num nível espiritual. Os discípulos deviam estar
alertas ao ensino dos fariseus; mas eles não deviam temê-los,
pois logo o poder deles sobre o povo desapareceria. Jesus disse:
“Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada”.
Ele sabia que o falso ensino e a hipocrisia dos fariseus
causariam sua autodestruição. Nosso Senhor queria que os Seus
discípulos não se misturassem com eles. No entanto, há momentos
em que os falsos mestres devem ser confrontados com uma mensagem
mais forte, como fez Jesus em Marcos 7:18.
Após a admoestação para “se acautelarem do fermento dos
fariseus” (Mateus 16:6), Jesus esclareceu o que acabara de
dizer. “Então, entenderam que não lhes dissera que se
acautelassem do fermento de pães, mas da doutrina dos fariseus e
dos saduceus” (Mateus 16:11, 12). O “fermento dos fariseus”
talvez consistisse em serem “tão seguros de si mesmos que não
42
A palavra (parabole) tem uma variedade de significados no Novo Testamento. Uma parábola pode esclarecer
uma grande verdade, e também pode ser usada em outro contexto referindo-se a um mistério. A função básica de
uma “parábola” é colocar uma ideia ao lado de outra para efeito de comparação.

16
estavam dispostos a fazer a vontade de Deus. Trata-se da
consumada hipocrisia”43.
Versículos 18b e 19. Não compreendeis que tudo o que de
fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra
no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso? Marcos
inseriu esta explicação sobre o que Jesus estava dizendo neste
contexto: E, assim, considerou ele puros todos os alimentos.
Jesus não disse que todos os alimentos eram puros naquele
período da história; mas Ele estava começando a preparar o
caminho para que Pedro entendesse a ideia principal da visão que
teria em Atos 10:9–16, antes de ir pregar o evangelho na casa de
um gentio chamado Cornélio. Esse ensino não foi totalmente
entendido pelos apóstolos quando apresentado pela primeira vez.
O relato em Atos 10:13-15 revela que a abstinência de
alimentos “impuros” em vigor no período do Antigo Testamento não
deveria ser repassada aos membros da igreja do Senhor. Pedro não
deveria impor a Lei a si mesmo nem aos gentios convertidos. A
sequência de fatos narrados no Livro de Atos foi mais longe do
que ensinar que todos os alimentos são puros (não contamimados);
Deus estava afirmando que os gentios eram bem-vindos no reino
(Atos 11:18), embora essa verdade ainda não fosse compreendida
pela maioria dos judeus cristãos.
As exigências de Deus impostas ao Seu povo, especialmente
aos gentios, mudaram drasticamente quando a nova aliança
substituiu a antiga aliança. Pedro teve que aprender essa lição
através de uma visão tríplice (Atos 10 e 11). Ele deve ter
mantido os hábitos alimentareis judaicos por muito tempo depois
de ter aprendido esse princípio (Atos 10:14). Não havia nada de
errado em fazer isso, desde que não o impusessem aos gentios,
que nunca receberam a Lei, nem os desprezassem por serem
gentios.
Entender plenamente a afirmação “todos os alimentos [são]
puros” deve ter sido muito útil para os cristãos de Roma que
tinham ascendência judaica. Muitos irmãos romanos, que
desconheciam os costumes judaicos, também precisavam saber desse
fato44. Essa verdade não apenas se opunha às leis tradicionais
dos fariseus, mas também contradizia todas as leis mosaicas
sobre as quais eles acreditavam que suas regras de limpeza foram
fundados. Jesus estava “cumprindo a lei” (Mateus 5:17-19)
mostrando que a verdadeira intenção de Deus é purificar o
coração e não somente o corpo cerimonialmente.
Este foi um dos esclarecimentos de Jesus a respetio de Sua
declaração: “Não vim para revogar, vim para cumprir”, em Mateus
5:17, 18. Uma vez cumprida, a Lei foi removida como um código
estrito. O espírito de amor facilita a vida do servo do Senhor.
A admoestação de Cristo para que a nossa justiça exceda em muito
43
Kernaghan, p. 152.
44
Muitos judeus residiam em Roma, exceto em meados do primeiro século, quando Cláudio os baniu de Roma (veja
Atos 18:2).

17
a dos escribas e fariseus (Mateus 5:20) não significa
necessariamente fazer mais, mas fazer aquilo em que sinceramente
cremos de coração – com base no ensino bíblico - para que nossas
consciências reajam sempre de modo justo em nossas vidas
diárias. Assim não seremos justos somente por fora.
O ensino e a vida de Cristo deram uma nova profundidade às
leis morais da antiga aliança. O grande ensino sobre fazer tudo
com o coração - pois era no coração que a Lei deveria estar
escrita - apontava para o cumprimento da Lei (veja Jeremias
31:31-34; Hebreus 8:8-12).
Alguns acreditam que somente a parte da Lei por eles
denominada “cerimonial” foi eliminada, não os ensinos “morais”
(os quais, segundo eles, incluem a lei do sábado). Contudo, as
Escrituras não citam uma lei “moral” que não tenha se cumprido
e, consequentemente, sido removida. Em nenhuma das passagens que
discutem o cumprimento e o fim da lei de Moisés em relação aos
cristãos, encontramos uma descrição de uma lei formada por duas
partes (moral e cerimonial).
Hebreus anuncia a cessação da Lei sem fazer essa distinção
entre mandamentos “morais” e “cerimoniais” (7:12–14, 18, 19;
8:13). A mesma ideia aparece em 2 Coríntios 3:4-6. O ensino do
Antigo Testamento veio em preparação para o que haveria debaixo
da nova aliança. Por isso, a Lei em sua totalidade expirou na
cruz (Efésios 2:14-16; Colossenses 2:14). Paulo disse aos
coríntios que a nova aliança tinha tanta glória que fez a glória
da antiga aliança perder o resplendor (veja 2 Coríntios 3:10).
A lei para a qual Paulo disse que nós estamos “mortos”, em
Romanos 7:1-7, inclui o mandamento “não cobiçarás”. Cobiçar
certamente era condenado na “lei moral”. Obviamente, Paulo não
quis dizer que a cobiça é permissível debaixo do Novo
Testamento. Ele simplesmente quis dizer que não estamos sob
a lei das “obras perfeitas”, e sim sob uma aliança que enfatiza
o principal mandamento de Jesus: “Amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração” (Mateus 22:37–40). É improvável alguém
roubar o seu próximo, se o ama devidamente. A lei que ordenava:
“Não cobiçarás” (Êxodo 20:17) também incluía: “Lembra-te do dia
de sábado, para o santificar” (Êxodo 20:8). Ambas são parte da
Lei para a qual nós, cristãos, estamos “mortos”45.
Versículos 20 a 22. Os fariseus pensavam que eram puros
porque não comiam alimentos impuros, mas Jesus estava mostrando
que o que sai do homem, isso é o que o contamina. Os versículos
21 e 22 contém um catálogo de males que contaminam de dentro. Os
seis primeiros itens estão na forma plural [no texto original],
e descrevem atos que surgem dentro do indivíduo e não de algum
alimento ingerido. O desejo de cometer esses atos vem do

45
Todavia, Jesus estava explicando justamente neste contexto que a “cobiça” está entre os comportamentos que
contaminam o homem. Todos os princípios contidos nos dez mandamentos, exceto a observância do sábado,
também são ensinados no Novo Testamento.

18
coração, não do estômago46. Cada um desses males gera uma
contaminação espiritual, e não exterior.
Os maus desígnios são a origem do pecado, pois todo ato
exterior procede do interior do ser humano (veja
Tiago 1:13, 14). É possível que a expressão “maus [ , kakos]
desígnios” tenha a ver com o pensamento geral do homem. Isto é,
o vocábulo pode ser entendido como uma espécie de “termo
includente de todos os itens seguintes”47.
A prostituição ( , porneia) é um pecado definido como
“relação sexual ilícita em geral”48. A palavra porneia abrange
mais do que o ato de adultério; engloba todo tipo de pecado
sexual. William Barclay a definiu como “toda classe de vício
sexual”49. Isto inclui adultério, fornicação, homossexualidade e
bestialidade. É universalmente acordado que este termo abrange
todo tipo de relação sexual fora do casamento, incluindo o sexo
antes do casamento.
Os furtos ( , klopē) são cometidos por ladrões furtivos,
como Judas (João 12:6). Furtar objetos e agir com preguiça no
local de trabalho deve ser enquadrado nesta categoria.
Os homicídios (  , phonos) procedem de um coração
pervertido ou cheio de ódio; de outra forma, esses atos
seriam considerados autodefesa ou homicídio acidental. O
assassinato dos bebês em Belém foi horrível, mas não foi pior do
que o incalculável número de crianças mortas por aborto!
Independentemente do que pensam as maioriasico a respeito do
aborto, para Deus, ele é de fato um “homicídio”!
Adultérios ( , moicheia) refere-se a relações sexuais
entre um homem, casado ou não, e uma mulher casada50. A mulher
envolvida nesse ato é, portanto, uma adúltera. Este pecado abriu
uma exceção permissível à lei contra o divórcio dada por Jesus
(veja Mateus 5:32 e 19:9). O adultério rompe
o vínculo matrimonial como nenhum outro pecado pode fazer!
A avareza ( , pleonexia) tem referência a atos
decorrentes da cobiça. O desejo de possuir algo que não se tem
direito moral de possuir, por pertencer a outro indivíduo, é
cobiça, a qual muitas vezes leva ao furto.
As malícias são uma referência geral ao caráter
daqueles que cometem maldades, os quais se deleitam com injúrias
que causam tragédias. A palavra grega é (ponēria), de
(poneros), sendo usada na expressão “o maligno”, um título de
Satanás (João 17:15; 1 João 5:19). Segunda Tessalonicenses 3:3
usa esse título desta maneira: “Todavia, o Senhor é fiel; ele
vos confirmará e guardará do Maligno”. Quem comete pecados
46
English, p. 146.
47
Allen Black, Mark, The College Press NIV Commentary. Joplin, Mo.: College Press Publishing Co., 1995, p. 134.
48
Joseph Henry Thayer, A Greek-English Lexicon of the New Testament (Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing
House, 1962), 532.
49
Barclay, Mark, p. 176.
50
As relações ilícitas com uma mulher não casada se enquadram na categoria “prostituição” ou “fornicação”.

19
classificados como ponerai é descrito como um filho de Satanás
(João 8:44).
O dolo ( , dolos) equivale à trapaça ou fraude, tal como
a isca usada por um pescador ou o cavalo de madeira de Troia (na
literatura grega clássica). Em qualquer contexto, envolve a
mentira.
Lascívia (   , aselgeia) é o desejo carnal desenfreado e
a devassidão, uma disposição que se ofende com toda e qualquer
restrição. Lascivo é aquele que perdeu a decência, que já não se
importa em cobrir suas vergonhas como a maioria das pessoas faz;
é uma “falta de vergonha” descarada51. Na LXX, esse termo é usado
para Jezabel quando ela construiu um santuário pagão para Baal
com um altar na cidade de Samaria (1 Reis 16:32). A palavra
caracteriza muitas atividades praticadas no mundo antigo e ainda
nos dias atuais. Barclay a chamou de “a palavra mais feia na
lista de pecados [do Novo Testamento]”52.
Inveja deriva de uma palavra que significa “um olho
maldoso”, (ofthalmos). Dessa mesma raiz, temos
“oftalmologista”; mas o “olho maldoso” pertence ao coração. Pode
se referir a um coração com inveja ou infelicidade diante do
sucesso alheio. A palavra “inveja” “vem do latim in-video, que
significa 'olhar contra'”, ou olhar para os outros com má
vontade53. Figuradamente, significa um “olho sinistro” que olha
para os outros com má intenção. A inveja já deu origem a
inúmeros pecados (como o assassinato de Abel cometido por Caim).
Blasfêmia vem diretamente do grego (blasfemia),
consistindo no discurso prejudicial contra um homem ou contra
Deus. Tudo indica que o termo era usado para uma maldição
emitida contra outro ser humano; mas geralmente se entende que
esse pecado consiste especificamente em falar contra a Divindade
(veja 3:28, 29): proferindo uma palavra contra Deus ou
desprezando Sua majestade com palavras ofensivas.
Soberba (  , huperēfania) é a arrogância, literalmente
“mostrar-se acima de” ou desprezar a todos, menos a si mesmo.
“Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tiago
4:6; veja Provérbios 3:34).
Loucura (  , afrosunē) é a insensatez moral.
A palavra não se refere a quem não possui capacidade mental, mas
a quem se recusa a usar de bom senso.
Esta lista de pecados vergonhosos nos faz corar e
estremecer. Posteriormente, Paulo reproduziu listas semelhantes
em  1 Coríntios 6:9 e 10 e Gálatas 5:19-21.
Versículo 23. Jesus concluiu dizendo: Ora, todos estes
males vêm de dentro e contaminam o homem. Quando o coração de
uma pessoa se corrompe, pode ser que o objeto de sua tentação
esteja fora dela; mas a verdadeira fonte do pecado é a fraqueza
51
Thayer, p. 79.
52
Barclay, Worbook, p. 26.
53
Hendriksen, p. 288.

20
interior. Cada indivíduo é responsável por permitir que um
dessas coisas resida em seu coração. A fraqueza individual é o
que contamina e acaba destruindo a alma. Alguns cristãos judeus
no primeiro século continuaram a observar certos costumes da
Lei, como adorar no templo de várias maneiras. (Por exemplo,
Pedro e João foram ao templo para orar em Atos 3:1.) Paulo
parece ter seguido a maioria dos costumes judaicos, a fim de
ganhar os judeus, desde que esses costumes não comprometessem o
evangelho (1 Coríntios 9:20). Ele aparentemente adorou no templo
quando esteve em Jerusalém (veja Atos 22:17–24). E só comeu
comida kosher quando esteve junto de irmãos judeus, porém não
impôs esse costume aos cristãos gentios. (Veja a confrontação
entre Paulo e Pedro em Gálatas 2:11–21.) Jesus estava ensinando
esta verdade: “o que sai do coração do indivíduo” revela o seu
“caráter, a sua visão e perspectiva a respeito da vida”54.

PARTINDO PARA O NORTE (7:24a)55


24a Levantando-se, [Jesus] partiu dali para as terras de
Tiro [e Sidom].

Após Jesus passar um tempo ocupado com o ministério,


conforme registrado em 1:14-7:23, chegou a hora de descansar e
fugir do perigo das tentativas homicidas dos fanáticos da
Judeia. Apesar de ter algum descanso enquanto esteve no
território gentio, Jesus também teve muitas oportunidades para
realizar curas ali. Outro possível propósito dessa viagem foi
preparar o povo daquela região para o grandioso convite de
participarem do reino quando acontecesse a dispersão narrada em
Atos 8.
Versículo 24a. Levantando-se, [Jesus] partiu dali para as
terras de Tiro [e Sidom]. A travessia para a outra margem do mar
da Galileia, sentido norte, pode ter sido a única vez em que
Jesus deixou Sua terra natal durante o Seu ministério de
pregação. Tiro ficava quase 40 km ao sul de Sidom, uns 160 km a
noroeste de Jerusalém e aproximadamente 80 km ao norte de
Nazaré. A região chamada “Fenícia” ficava a noroeste da Galileia
e se estendia por 240 km aproximadamente na costa do mar
Mediterrâneo.
Tiro tinha sido um dos principais portos marítimos do mundo
nos dias de Davi e Salomão. Ezequiel 26 previu a destruição
total de Tiro, e a parte insular já não existia no primeiro
século d.C. Ela foi conquistada pelos babilônios, depois pelos
persas e depois por Alexandre, que invadiu a ilha em 332 a.C.
construindo uma espécie de aterro até a ilha.
O nome “Tiro” ( , Turos) significa “a rocha”. Os
navegadores de Tiro foram os primeiros a aprender a navegar

54
English, p. 144.
55
Há um relato paralelo em Mateus 15:21.

21
usando as estrelas. Até então, os navegadores ficavam perto da
costa e nunca se afastavam muito delea. Os fenícios foram os
primeiros a viajar no mar Mediterrâneo até o estreito de
Gibraltar, cehgando à Grã-Bretanha; e é possível que tenham
contornado toda a África.

A FILHA DE UMA SIRO-FENÍCIA É CURADA (7:24b–30)56

24b Tendo entrado numa casa, queria que ninguém o soubesse; no


entanto, não pôde ocultar-se, 25 porque uma mulher, cuja
filhinha estava possessa de espírito imundo, tendo ouvido a
respeito dele, veio e prostrou-se-lhe aos pés. 26 Esta mulher
era grega, de origem siro-fenícia, e rogava-lhe que expelisse de
sua filha o demônio. 27 Mas Jesus lhe disse: Deixa primeiro que
se fartem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e
lançá-lo aos cachorrinhos. 28 Ela, porém, lhe respondeu: Sim,
Senhor; mas os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas
das crianças. 29 Então, lhe disse: Por causa desta palavra,
podes ir; o demônio já saiu de tua filha. 30 Voltando ela para
casa, achou a menina sobre a cama, pois o demônio a deixara.

Versículo 24b. Depois de mostrar que as distinções entre


puro e impuro logo seriam anuladas (7:1-23), Jesus viajou para
terras gentílicas (7:24a) para mostrar Sua preocupação e o amor
de Deus por esses povos. Essa viagem prepararia o palco para o
que estava por vir em Atos. Jesus entrou no que, obviamente, era
uma casa de um gentio, reafirmando que Ele se recusava a seguir
o padrão “puro e impuro”. Talvez fosse uma hospedaria, mas é bem
provável que, naquela nação gentia, houvesse muitas pessoas
dispostas a oferecer hospedagem para o Senhor. Jesus tinha sido
chamado de “pecador” por causa de suas interações com indivíduos
considerados “maus”; os judeus ortodoxos estavam convencidos de
que cometera heresia ao aceitar os gentios e abençoá-los. Alguns
O chamaram de “pecador” em João 9:24 e 25. Logo, Ele enfrentaria
Seus acusadores corajosamente, porém nesse momento Ele precisava
estar só.
Queria que ninguém... soubesse de Sua presença, no entanto,
não pôde ocultar-se. Uma verdadeira celebridade não pode se
esconder; a reputação de Jesus O precedia aonde quer que Ele
fosse. No entanto, o Senhor estava tentando deliberadamente
fugir das multidões da Galileia. Ele deve ter enfrentado essas
multidões com emoções mistas. Ele fora enviado somente para os
judeus, mas os gentios também queriam estar com Ele.
Aparentemente, Jesus não ensinou publicamente nessa região. No
entanto, Deus lhe deu a oportunidade de manifestar o Seu poder a
fim de prepará-los para uma obra posterior e maior de conversões
nessa área.

56
Há um relato paralelo em Mateus 15:22-28.

22
Versículos 25 e 26. Uma mãe, cheia de ansiedade, cuja
filhinha estava possessa de espírito imundo... veio e prostrou-
se-Lhe aos pés. Essa mulher não foi impedida pela costumeira
aversão que os judeus tinham pelos gentios. A mulher rogava-lhe
que expelisse de sua filha o demônio. A mulher reconheceu que
Jesus era o Messias, chamando-o de “Filho de Davi”
(Mateus 15:22). Ela se pôs a implorar a ajuda de Jesus de uma
forma que deve ter criado uma comoção, a ponto de nõa haver
silêncio perto de Jesus.
Inicialmente, Jesus não disse uma palavra em resposta ao
veemente pedido da mulher, dando a impressão de que a tratava
como era esperado de qualquer judeu. Foi só uma impressão, pois
Ele finalmente atendeu ao desejo daquela mãe. Ela importunou os
discípulos quando Jesus a rejeitou; eles a viam como um incômodo
e pediram que Jesus a mandasse embora. É possível que os
discípulos quisessem que Jesus realizasse um milagre apenas para
a verem ir embora. Eles sabiam que Ele já havia feito um milagre
para outro gentio - o servo do centurião (Mateus 8:5-13). O mais
provável é que só queriam que Ele a mandasse embora porque ela
não parava de “chamá-los” (Mateus 15:23). O pedido da mulher não
era exorbitante, mas fora de hora; aquele não era exatamente o
momento de os gentios serem incluídos nas grandes bênçãos
espirituais de Deus.
Grega (   , helleñnis) era a designação normal para os
não-judeus desde o tempo de Alexandre. A influência grega
abrangera grande parte do mundo. Os fenícios eram descendentes
dos cananeus e a região onde moravam fazia parte da Síria. Essa
mulher era das “terras de Tiro” (7:24), que os israelitas nunca
haviam conquistado totalmente como lhes fora ordenado no tempo
de Josué. Ela e descrita como sendo de origem siro-fenícia ou
“mulher cananeia” (Mateus 15:22).
Versículo 27. A resposta de Jesus reflete a ideia
judaica de que a nacionalidade dessa mulher era inferior à
deles, porque Ele foi “enviado senão às ovelhas perdidas da casa
de Israel” (Mateus 15:24). De fato, o evangelho devia ser
pregado primeiro aos judeus (Romanos 1:16)57. No entanto, Jesus
abriu disicretamente a porta do aprisco, dizendo: Deixa primeiro
que se fartem os filhos. Por “filhos” ( , teknon), Ele ser
referia aos judeus - os “filhos” reconhecidos por Deus58.
Jesus colocou outros obstáculos no caminho da mulher para
desafiar-lhe a fé, usando as expressões o pão dos filhos e os
cachorrinhos. O “pão” ( , artos) mencionado aqui era o pão da
vida preparado para a nação judaica. Era comum os gentios serem

57
Muitas profecias indicavam que os gentios seriam incluídos. Por exemplo, veja Gênesis 22:18; Isaías 11:10; 60:3;
65:1; Oseias 2:23; Miqueias 4:1–3.
58
Jesus, no entanto, ajudou os gentios durante o Seu ministério, incluindo o centurião, cujo servo estava doente
(Mateus 8:5-13; Lucas 7:1-10) e o homem endemoninhado que vivia entre os túmulos (Marcos 5:1-20). A parábola
de Jesus sobre o bom samaritano em Lucas 10:30-37 mostra a compaixão que Ele tinha pela gente dessa nação
desprezada.

23
chamados de “cães” pelos judeus. É verdade que Jesus usou o
termo especificamente para uma casa de cães ou cachorrinhos (
, kunarion), mas isso talvez não diminua o impacto de Suas
palavras na mente da mulher. Ele estava testando a humildade e a
fé da mulher nEle. É impossível pensar que Jesus quisesse
humilhá-la; Ele estava permitindo que ela demonstrasse humildade
diante dEle e fé em Seu poder. A mulher aceitou de bom grado o
título de “cachorrinho” para si mesma, desde que o Mestre
curasse sua filha. O grande amor pela filha a faria vencer
qualquer desafio59.
Jesus sabia o que Elias havia feito por uma viúva de
Sarepta, cidade dessa mesma região (1 Reis 17): Deus proveu que
a panela de farinha e a botija de azeite continuassem cheias,
sem jamais se esvaziarem enquanto Elias ali esteve. A maior
bênção de Elias sobre essa viúva de Sarepta ocorreu mais tarde,
quando ele ressuscitou o filho dela. Embora essa história tenha
ocorrido séculos antes da visita de Jesus, é possível que os
habitantes de Tiro e Sidom a conhecessem. Essa história bem
conhecida teria estimulado a crença de que Jesus também ajudaria
uma pobre mulher gentia como fez Elias, provando ser um
verdadeiro profeta de Deus.
Versículo 28. A mãe desesperada ofereceu uma resposta
inteligente. Ela não estava tentando usurpar o lugar honrado dos
judeus ao receber bênçãos de Deus. Ela era sábia, porém humilde,
e tinha muita fé para se expressar dessa maneira. Respondeu que
as migalhas das crianças seriam suficientes. Os ricos costumavam
varrer da mesa as migalhas de pão para os cachorrinhos, debaixo
da mesa, as comerem.
Versículo 29. A mulher mostrou sabedoria, humildade e fé.
Jesus viu a fé da siro-fenícia e consentiu-lhe o rogo. A seguir,
Jesus proferiu um dos elogios mais nobres e mais citades, desde
então: Por causa desta palavra, afirmou Jesus, o demônio já saiu
de tua filha. Phillips Brooks, pregador da Nova Inglaterra
(Estados Unidos), colocou as palavras de Mateus 15:28 na lápide
de sua mãe: “Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como
queres”60.
Que estranho o Senhor da misericórdia não ter,
inicialmente, demonstrado misericórdia! Também é estranho que
Jesus tenha elogiado mais a fé de gentios (como a do centurião;
veja Mateus 8:10) do que daqueles nos quais Ele esperava achá-
la. Talvez seja surpreendente que os gentios tivessem alguma fé.
Versículo 30. Depis de ser curada por Jesus, a menina foi
encontrada pela mãe sobre a cama, um sinal de que ela devia
estar exausta pois o demônio a deixara61. Podemos imaginar a
grandiosa volta da mãe ao lar, encontrando a filhinha bem. Ela
59
Alguns comentaristas já sugeriram que Jesus fez todos esses comentários esboçando um sorriso para encorajá-la.
60
F. O. Osborne, citação na Annual Conference of Church Clubs, registrada em The Church Standard 80. Em 13 de
fevereiro de 1901, p. 575.
61
Veja 9:14-29.

24
deve ter se alegrado com a filha ao contar do Messias que
a curou a distância. Esse milagre certamente fortaleceu-lhe a
fé, embora ela já possuísse grande fé antes da cura da menina,
pelo que ouvira falar de Jesus e de Seu poder.

A CURA DE UM HOMEM SURDO E QUE FALAVA COM DIFICULDADE (7:31-37)62

31De novo, se retirou das terras de Tiro e foi por Sidom até ao
mar da Galileia, através do território de Decápolis. 32 Então,
lhe trouxeram um surdo e gago e lhe suplicaram que impusesse as
mãos sobre ele. 33 Jesus, tirando-o da multidão, à parte, pôs-lhe
os dedos nos ouvidos e lhe tocou a língua com saliva; 34 depois,
erguendo os olhos ao céu, suspirou e disse: Efatá!, que quer
dizer: Abre-te! 35 Abriram-se-lhe os ouvidos, e logo se lhe
soltou o empecilho da língua, e falava desembaraçadamente. 36 Mas
lhes ordenou que a ninguém o dissessem; contudo, quanto mais
recomendava, tanto mais eles o divulgavam. 37 Maravilhavam-se
sobremaneira, dizendo: Tudo ele tem feito esplendidamente bem;
não somente faz ouvir os surdos, como falar os mudos.

Versículo 31. Jesus saiu das terras de Tiro, ao norte,


passando por Sidom. De lá, Ele começou o que pode ter sido uma
jornada muito lenta para o sudeste, de volta a Decápolis. Este
era o lugar onde o ex endemoninhado possivelmente fez sua
pregação (5:20). As dez cidades formavam praticamente uma região
e Jesus pode ter passado por outra parte dessa região visando
levar a Sua mensagem a outras pessoas. Alguns estudiosos
especulam que toda essa jornada pode ter demorado oito meses. O
fato de Jesus ter ido até os gentios teria encorajado os
romanos, destinatários do Evangelho de Marcos. E se os primeiros
leitores de Marcos estavam em Roma (como é bem possível), eles
teriam apreciado particularmente o cordial tratamento do Senhor
para com os fenícios. Os antepassados de muitas dessas pessoas
haviam sido colocados ali por Alexandre, o Grande, e os atuais
residentes estavam predominantemente sob influência romana, a
ponto dessas cidades serem apelidadas de “Roma longe de Roma”63.
São vários os prováveis motivos por que Jesus viajou para
fora de Sua terra natal. 1) Ele sabia que os líderes judeus
queriam matá-lo, e não, no cronograma divino, não estava na hora
disso acontecer. 2) Jesus tinha chegado primeiro ao povo de
Israel, mas Ele sabia que Sua mensagem se espalharia para o
mundo inteiro após a Sua morte e ressurreição; por isso, nessa
viagem, Ele preparou outras terras para receberem o evangelho.
3) A fragilidade humana de Jesus era como a nossa; Ele estava
cansado e exausto de todo o trabalho já realizado na terra

62
Marcos é o único Evangelho que relata essa cura. Veja Mateus 15:29-31.
63
Wiersbe, p. 381.

25
judaica. Queria sair sem ser visto, mas isso não foi possível
(7:24).
Se os líderes religiosos da Judeia ouvissem que Jesus
operou milagres e ensinou nessas terras, ficariam decepcionados
com Ele por ajudar abertamente os gentios. Afinal, só os judeus
podiam alegar: “Somos o povo de Deus, a nação escolhida de
Israel. Se esse homem é o Messais pelo qual estivemos esperando,
Ele é só nosso”. Israel já não seria o único filho de Deus. A
igreja que logo seria estabelecida deveria incluir judeus e
gentios e seria conhecida como o novo “Israel de Deus”
(Gálatas 6:14-16). 
Versículo 32. Então, Lhe trouxeram um surdo e gago e lhe
suplicaram que impusesse as mãos sobre ele. A história de Jesus
curando um homem surdo e gago, ou que “mal podia falar” (NVI)
só aparece neste Relato do Evangelho. A condição do homem era
literalmente de “gagueira” (Young’s Literal Translation).
Poderíamos esperar que Jesus fizesse um grande espetáculo desse
milagre, pois restaurar a audição e dar a capacidade de falar
eram fatos inéditos naquele tempo e até em séculos posteriores.
Jesus não operava milagres de acordo com a nossa
expectativa. Naamã, o leproso, reagiu insensatamente quando
Eliseu não o curou como ele previa (2 Reis 5). Naamã esperava
algo mais espetacular do que ter de mergulhar no lamacento rio
Jordão. Sendo há tempos um grande general do exército
sírio, ele estava acostumado a fazer as coisas acontecerem do
seu jeito.
Versículos 33 e 34. Jesus, tir[ou-o] da multidão, à parte
para evitar confusão, pois o homem poderia se assustar ao ouvir
de repente todos os ruídos ao seu redor. Jesus queria que o
homem entendesse o que Ele estava prestes a fazer. Então, usou
uma linguagem de sinais rudimentar a fim de prepará-lo para o
que aconteceria em seguida64. Pôs-lhe os dedos nos ouvidos e lhe
tocou a língua com saliva. Ele tocou a língua do homem para
mostrar-lhe o que estava prestes a acontecer assim que a sua
língua fosse libertada da deformidade. Na época do Novo
Testamento, acreditava-se que a saliva tinha poder curativo65. O
surdo talvez soubesse disso e talvez tenha sido encorajado por
esse jesto, pois simbolizava que Jesus o curaria. Se alguém
pudesse ser curado por tocar em Suas vestes, Sua saliva também
devia ter poder semelhante.
Jesus, erguendo os olhos ao céu, suspirou para mostrar que
a cura procedia de Deus. Olhando para o alto e suspirando, Jesus
indicou que Seu pedido era um sério pedido de ajuda a Deus.

64
Esta parece ser outra indicação de que Jesus entendia os problemas de todas as pessoas, independentemente de
suas enfermidades. 
65
Barclay, Mark, p. 184. Segundo uma antiga crença, a saliva de um cão tem mais poder curativo que a de um ser
humano. Se isso for verdade, então as lambidas nas feridas de Lázaro em Lucas 16:19-21 realmente o aliviaram um
pouco.

26
Jesus sabia que o homem surdo podia entender através das
expressões faciais.
A palavra traduzida por “suspirar” ( , stenazo) é a
mesma traduzida por “gemidos” e “gemer” em Romanos 8:23 e 26. O
Espírito Santo nos ajuda com “gemidos”, talvez traduzindo nossos
pedidos para uma linguagem celestial. Será que enquanto esteve
na terra, na forma de homem, Jesus Cristo esteve limitado na
oração? O “suspiro” nesta ocasião pode indicar essa
possibilidade. Jesus pode ter recorrido, assim como nós, à ajuda
dos “gemidos” do Espírito, ao orar. Até o nosso Senhor carregou
fardos na oração.
Então Jesus proferiu uma palavra em aramaico: Efatá! O
aramaico era a língua materna de Jesus e talvez desse homem, que
logo estaria apto para falar claramente. O texto explica que
“efatá” significa abre-te.
Versículo 35. Assim que a palavra “efatá” foi dita,
abriram-se-lhe os ouvidos, e logo se lhe soltou o empecilho da
língua. O fato dele se por a falar desembaraçadamente mostra um
duplo milagre. Ele não poderia falar claramente sem nunca ter
ouvido a fala antes. Esse tipo de deficiência exigiria um
processo de aprendizado lento. Toda a “Criação ouviu o
mandamento do Criador, e o homem foi curado”66.
Versículo 36. Jesus ordenou que as testemunhas oculares a
ninguém o dissessem, referindo-se ao milagre (veja 5:43).
Contudo, por causa da natureza humana, quanto mais recomendava,
tanto mais eles o divulgavam. Admitiram que um milagre havia
sido operado por Cristo. Isso certamente não prova, como às
vezes é sugerido, que Jesus tinha essa intenção ao proibir
pessoas de falarem dos milagres que haviam visto ou vivenciado.
Pelo contrário, esses indivíduos não compreendiam a natureza do
reino e não estavam prontos para comunicar o significado dos
milagres. Até que a missão de Jesus estivesse clara em suas
mentes, eles não estavam preparados para cumprir a “Grande
Comissão”.
Além disso, Jesus não queria ser conhecido como um mero
operador de maravilhas. Ele almejava que dessem mais atenção à
Sua mensagem, o que seria impossibilitado por uma empolgação
indevida. Ele logo seria conhecido como o Salvador do mundo.
Nessa hora, Seu poder para curar desapareceria do cenário. Assim
que Jesus retornasse ao céu, as habilidades miraculosas do
Espírito seriam concedidas perpetuamente aos apóstolos (e aos
que recebessem esse dom pela “imposição de mãos”; Atos 8:18). Os
milagres gradualmente desapareceriam, e todos saberiam deles
somente pela Palavra, como acontece nos dias de hoje (veja
João 20:30, 31). Os milagres de Jesus estabeleceram quem Ele
era; e o maior milagre, Sua ressurreição, comprovou Sua
identidade.

66
Wiersbe, p. 123.

27
Versículo 37. Anteriormente, depois de expelir demônios
perto dessa região, a população reagiu forçando-O a ir embora
dali (5:1-20). Agora, estavam corretos ao dizer: Tudo Ele tem
feito esplendidamente bem67. Os eventos narrados em Marcos 7 nos
remetem à profecia de Isaías 35:5 e 6:
Então, se abrirão os olhos dos cegos,
e se desimpedirão os ouvidos dos surdos;
os coxos saltarão como cervos,
e a língua dos mudos cantará...

O povo ficou totalmente impressionado com os feitos de


Jesus. Embora aquele território fosse gentio, antes de Jesus
partir, o povo estava louvando o Deus de Israel
(veja Mateus 15:30, 31).

Meditações em Marcos 7

Tradições e Desobediência (7:1-8)


Jesus tinha permanecido na Galileia, porque em Jerusalém
levantou-se uma hostilidade contra Ele que Ele não quis
enfrentar naquele momento de Seu ministério. Ele desejava poder
ensinar livremente. A região da Galileia parecia oferecer
melhores condições para Jesus ensinar. No entanto,
alguns fariseus decidiram ir até a Galileia com o intuito de
encontrar algum erro em Seus ensinamentos ou atos.
Enquanto esses fariseus observavam Jesus, flagraram os
discípulos do Mestre ignorando suas tradições judaicas feitas
pelo homem. Essa era uma questão seriíssima para eles, de modo
que criticaram Jesus. Acusaram-nO do seguinte: “E, vendo que
alguns dos discípulos dele comiam pão com as mãos impuras, isto
é, por lavar” (7:2). Marcos 7:3 e 4 acrescenta uma explicação da
queixa apresentada pelos fariseus:

(Pois os fariseus e todos os judeus, observando a tradição dos


anciãos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos; quando
voltam da praça, não comem sem se aspergirem; e há muitas outras
coisas que receberam para observar, como a lavagem de copos,
jarros e vasos de metal [e camas]).

A acusação dos fariseus não era que os discípulos do Senhor


comessem com mãos impuras, mas que eles não observavam as
lavagens cerimoniais exigidas pelas tradições dos anciãos. Dois
tipos de lavagens estão relacionados com essa questão. O
primeiro tipo, e a principal preocupação deles, era a lavagem
cerimonial exigida pelas tradições judaicas, às vezes
relacionada à alimentação. O segundo tipo, relevante para os
tempos modernos, era a higienização das mãos antes de comer. O
67
Gênesis 1:31 descreve as obras de Deus como sendo “boas”. O nosso Deus de fato faz todas as coisas para nós da
melhor maneira possível.

28
primeiro caso consiste na pureza interior e o segundo, na pureza
exterior. Os fariseus só questionavam a lavagem cerimonial
exigida pela tradição judaica.
A pergunta específica deles a Jesus foi: “Por que não andam
os teus discípulos de conformidade com a tradição dos anciãos,
mas comem com as mãos por lavar?” (7:5). Jesus ouviu a pergunta,
mas não se reportou ao fato de Seus discípulos guardarem ou não
as tradições judaicas. Ele simplesmente respondeu indicando que
as tradições humanas dos anciãos haviam se tornado atos de
desobediência.
Analisemos com atenção a explicação do Senhor. A réplica
dEle nos ajudará a passar pelas tradições religiosas ao nosso
redor em busca da obediência pura à Palavra de Deus.
1. Jesus afirmou que as tradições se tornam desobediência
quando substituem a Palavra de Deus. As palavras claras de Jesus
aos fariseus foram: “Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais a tradição dos homens” (7:8). E acrescentou:
“Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a
vossa própria tradição” (7:9).
As tradições judaicas não eram mandamentos de Deus. Eram
regulamentos estabelecidos pelos rabinos vinculados aos
mandamentos de Deus. Quando começaram a substituir a Palavra de
Deus por suas tradições, os pais do judaísmo estavam
desobedecendo, em vez de obedecer.
Exemplificando, se decidíssemos que “é melhor celebrarmos a
ceia do Senhor somente no Natal e na Páscoa”, estaríamos
eliminando a observância da ceia do Senhor no primeiro dia da
semana. O memorial da ceia deve fazer parte da adoração de cada
domingo, como nos instruiu o Espírito Santo - através do exemplo
dos primeiros cristãos. Não temos autorização para modificar a
forma bíblica de observar a ceia por uma forma tradicional. As
tradições dos homens não podem substituir a Palavra de Deus.
Quando isso acontece, passamos da obediência para a
desobediência.
2. Jesus também deixou implícito que as tradições se tornam
desobediência quando conflitam com a Palavra de Deus. Algumas
tradições levavam os judeus a cometer atos errados aos olhos de
Deus porque eram contrárias à Sua Palavra. Por exemplo, quando a
tradição dos judeus induzia um filho a comprometer o
seu dinheiro com as doações ao templo, a ponto desse adorador
não poder ajudar seus pais idosos, essa tradição conflitava com
a vontade de Deus. A lei de Moisés ordenava que todo judeu
honrasse seu pai e sua mãe (Êxodo 20:12); e isso incluía cuidar
deles até a morte. Jesus disse aos judeus: “[Estais] invalidando
a palavra de Deus pela vossa própria tradição, que vós mesmos
transmitistes; e fazeis muitas outras coisas semelhantes”
(7:13).
Se decidíssemos convidar pessoas a serem batizadas em
Cristo, borrifando ou aspergindo água sobre suas cabeças, isso

29
seria aceitável a Deus? O único tipo de batismo literal no Novo
Testamento é o batismo por imersão em água. O Novo Testamento
nunca menciona aspersão de água referente ao batismo. E
se introduzíssemos a tradição de aspergir água sobre a cabeça
como forma de batismo em Cristo, estaríamos inserindo uma
tradição em violação à Palavra de Deus. Uma tradição desse tipo
nos transportaria da obediência para a desobediência e entraria
em conflito com a Palavra de Deus.
3. Jesus disse que quando as tradições desprezam ou
minimizam a Palavra de Deus, elas se tornam desobediência em vez
de obediência. Em alguns casos, as tradições dos rabinos eram
consideradas mais importantes que a lei. Citando Isaías,
Jesus disse: “E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são
preceitos de homens” (7:7). Os judeus estavam procurando adorar,
mas elevaram os “preceitos de homens” e os tornaram mais
importantes do que a Palavra de Deus.
Vejamos como ilustração o uso da música instrumental na
adoração pública. São três os tipos de música conhecidos: o
canto, a música instrumental e o canto com acompanhamento
instrumental. O Novo Testamento só descreve o canto como sendo a
forma empregada nas assembleias da igreja primitiva. Os
historiadores da igreja concordam que a igreja primitiva não
usava música instrumental nos cultos de adoração. Todas as
discussões sobre o uso da música instrumental no culto
devem começar com a pergunta: “A igreja primitiva a usava?”
Que tal, se disséssemos: “Acreditamos que a música
instrumental soa melhor do que só cantar. Achamos que seria
melhor usá-la em nossos cultos de adoração. Vamos desconsiderar
o que a igreja primitiva fazia ao ser guiada pelo Espírito
Santo, e vamos usar a música instrumental em nossos cultos de
adoração”? Esse raciocínio denegriria o que a igreja primitiva
fazia sob orientação do Espírito Santo, e minimizaria a Palavra
de Deus em favor de nossa própria tradição. Também desprezaria a
vontade de Deus revelada no exemplo dos apóstolos e da igreja
primitiva. Se nossas tradições minimizam a Palavra de Deus,
então elas estão erradas; elas nos colocam em desobediência.
Conclusão: Jesus, ao discutir com os escribas e fariseus,
usou a palavra “hipócritas” em 7:6. De que maneira Ele a
usou? Ele descreveu os fariseus como pessoas que fingem ser uma
coisa por fora, sendo totalmente diferentes por dentro. Em seus
corações, eles seguiam suas tradições, e não a Palavra de Deus.
Exteriormente, se apresentavam como seguidores de Deus fortes e
fiéis. Jesus disse: “Bem profetizou Isaías a respeito de vós,
hipócritas, como está escrito: Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim” (7:6). Todos os tipos de
armadilhas religiosas podem nos cercar, porém, se nossos
corações forem dedicados a Deus em obediência genuína, Ele nos
aprovará.

30
Invalidando a Palavra de Deus (7:9-13)
Os discípulos de Jesus estavam sendo acusados de comer sem
lavar cerimonialmente as mãos. Em essência, os escribas e
fariseus diziam: “Seus discípulos não estão seguindo as
tradições dos anciãos, e a culpa é Sua porque eles são Seus
discípulos” (veja 7:5).
Jesus não Se pronunciou a respeito de Seus discípulos terem
ou não violado as tradições judaicas. Ele mencionou
indiretamente os Seus discípulos e as tradições confrontando a
desobediência dos próprios fariseus. Jesus elevou a discussão
para um nível diferente.
Mirando diretamente no que os fariseus estavam fazendo com
a Palavra de Deus, Jesus praticamente disse: “Vamos falar de
vocês, fariseus, de como desobedecem e desonram os mandamentos
de Deus”. As tradições dos anciãos deveriam ser vistas como
sugestões de como obedecer à Palavra de Deus, mas elas se
intensificaram a ponto de suplantarem os mandamentos de Deus. O
pensamento central na discussão que se seguiu foi a observância
dos mandamentos de Deus. Tinham os fariseus colocado as
tradições em primeiro lugar ou as igualado com a Palavra de
Deus? A resposta a essa pergunta era de suma importância.
1. Jesus respondeu à acusação dando uma explicação clara do
que os fariseus estavam fazendo. Ele aplicou uma profecia de
Isaías a eles: “Vocês Me honram com os lábios, mas o seu coração
está longe de Mim” (veja 7:6; Isaías 29:13). E disse mais:
“Negligenciando o mandamento de Deus, vocês guardam a tradição
dos homens” (veja 7:8). Jesus estava denunciando que eles
seguiam suas tradições com tanta tenacidade que tinham
abandonado a Palavra de Deus. Essa conclusão implicava uma
terrível acusação: “Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus
para guardardes a vossa própria tradição” (7:9). Transformaram-
se em artistas ao descobrir meios de diminuir a ênfase na
Palavra de Deus com a intenção de exaltar suas tradições.
2. Dando continuidade à Sua explicação, Jesus usou uma
ilustração concreta para esclarecer o que Ele quis dizer.
Ele praticamente disse: “Vejam dois dos mandamentos da lei de
Moisés”. O primeiro que Ele mencionou foi o quinto dos dez
mandamentos: “Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20:12). O segundo
foi um princípio negativo vinculado ao quinto mandamento: “Quem
maldisser a seu pai ou a sua mãe será punido de morte” (7:10).
Os fariseus sabiam que esses mandamentos eram a Palavra de Deus,
mas o que fizeram com eles? Jesus basicamente lhes disse: “Vou
lhes dizer o que vocês fizeram com eles. Vocês invalidaram esses
mandamentos de Deus. Vocês os tornaram nulos”.
A essa altura, Jesus foi mais específico sobre como usavam
indevidamente a Palavra de Deus, expondo-lhes como atendiam a
esses dois mandamentos. Disse Jesus: “Vós, porém, dizeis: Se um
homem disser a seu pai ou a sua mãe: Aquilo que poderias
aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta para o Senhor” (7:11),

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ele é liberado de sua obrigação de ajudar seu pai idoso ou sua
mãe. Ele não os assiste de forma alguma porque afirma ter dado
todos os seus bens a Deus”. Usando essa ilustração, Jesus
repreendeu os fariseus com uma condenação poderosa. Ele disse
que aqueles líderes religiosos estavam “invalidando a palavra de
Deus pela própria tradição [deles] que eles mesmos transmitiram”
(7:13a). E acrescentou: “e fazeis muitas outras coisas
semelhantes” (7:13b).
“Invalidar” significa “tornar vão” ou “anular”. Em outras
palavras, Jesus confrontou os fariseus com palavras fortes a fim
de levá-los a entender que suas tradições invalidavam ou
anulavam a Palavra de Deus naquilo que ensinavam e viviam. Eles
estavam tornando a Palavra de Deus inútil. Astuciosamente,
retiraram o poder e a força das Escrituras da mente do povo. Em
vez de oferecer ao povo orientação para guardarem os mandamentos
de Deus, retiraram-nos da vida do povo e os substituíram por
suas tradições, conforme julgaram conveniente.
O que era “Corbã”? Deveria ser uma dádiva oferecida a Deus.
A tradição judaica basicamente dizia: “Qualquer um que tenha
dado sua herança a Deus não é mais obrigado a ajudar seu pai e
sua mãe financeiramente em seus últimos anos”. Esse tipo de
tradição não colocava os mandamentos nos corações das pessoas
para serem obedecidos; de fato, desviava o povo daquilo que
precisavam fazer para servir a Deus.
3. Não deveríamos aplicar a nós o que Jesus disse a esses
fariseus? Certamente. Que trágico seria cairmos na mesma
armadilha que esses líderes judeus caíram!
Hoje é comum grupos religiosos estabelecerem um sacerdócio
paralelo para seus adeptos. Esse sacerdócio pretende servir de
ponte entre as pessoas e o Senhor. Assim, quem quiser se
aproximar de Deus deve fazê-lo através desse sacerdócio
estabelecido por homens. É óbvio que esse não é o plano que o
Senhor revelou em Sua Palavra. Pedro disse aos seus irmãos
leitores: “também vós mesmos, como pedras que vivem, sois
edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim
de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por
intermédio de Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5). Esses cristãos, disse
Pedro, constituem o sacerdócio divino da igreja na era cristã.
Cada cristão é um sacerdote. Portanto, designar um sacerdócio
paralelo anularia o sacerdócio que o Senhor escolheu, tornando-o
ineficaz ou desnecessário. Na igreja do Novo Testamento, todos
os cristãos vivem como sacerdotes de Deus. Qualquer tradição que
mude esse planejamento anula ou desconsidera a Palavra de Deus.
Conclusão: Jesus veio para nos salvar, e não para nos
condenar. Ele disse: “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao
mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse
salvo por Ele” (João 3:17). Jesus deixou claro através de Suas
palavras que é impossível por nós mesmos ganharmos a salvação. A
salvação só vem pela graça de Deus e pela fé em Jesus.

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Lembremo-nos de que a verdadeira fé inclui as obras da
justiça; ela obedece à vontade de Deus. A fé não foge da Palavra
de Deus, mas corre para ela. O verdadeiro cristão procura fazer
o que Deus o mandou fazer nas Escrituras; no entanto, ele confia
que só a graça de Deus manifestada na morte de Jesus pode salvá-
lo. Ele sabe que não é perfeito e nunca será perfeito nesta
vida, mas também sabe que pode ser salvo pela graça de Deus e
pela fé obediente.
A vida do cristão pode ser esboçada em quatro passagens
bíblicas:

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio
de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos
igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes;
e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus (Romanos 5:1-2).

Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em


Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois,
sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo
foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim
também andemos nós em novidade de vida (Romanos 6:3, 4).

E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas


antigas já passaram; eis que se fizeram novas (2 Coríntios
5:17).

Se dissermos que mantemos comunhão com Ele e andarmos nas


trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos
na luz, como Ele está na luz, mantemos comunhão uns com os
outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo
pecado (1 João 1:6-7),

Essas quatro passagens representam quatro grandes


temas: graça, fé, obediência e andar na luz. A nova vida resulta
da obediência genuína, generosa e graciosa à Palavra de Deus.
Esse estilo de vida elimina tradições que conflitam ou
substituem a Palavra de Deus e qualquer tipo de legalismo e
hipocrisia.
Não podemos permitir que nada interfira nesta vida que Deus
nos deu, nem mesmo tradições que sejam seguidas há muito tempo.

O Âmago da Questão (7:14–23)


Segundo Jesus, o âmago da questão de viver em retidão é a
questão do coração. Ele disse que o que realmente conta não é o
que entra em uma pessoa como alimento físico; mas é o que sai do
indivíduo na forma de pensamentos, palavras e ações geradas pelo
seu coração.
Jesus estava falando com os escribas e fariseus. A seguir,
convocou de novo a multidão e disse: “Ouvi-me, todos, e

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entendei” (7:14). O que Jesus logo diria sobre servir a Deus e
viver uma vida decente e reta seria de grande valia. Jesus
exprimiu Seus pensamentos nesta declaração: “Nada há fora do
homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do
homem é o que o contamina” (7:15).
Mais tarde, quando Jesus entrou no que provavelmente era a
casa de Pedro, Seus discípulos O questionaram sobre o que Ele
havia dito. Eles queriam saber o que Ele queria dizer com essa
“parábola”, como é denominada em 7:17. Jesus deu uma resposta
pontual:

Assim vós também não entendeis? Não compreendeis que tudo o


que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe
entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso? (7:18-
19).

A conversa de Jesus, até então, foi num plano espiritual, mas os


discípulos não entenderam essa natureza espiritual.
Inicialmente, os fariseus questionaram Jesus a respeito de
Seus discípulos não observarem os rituais judaicos que nada
tinham a ver com pureza física ou espiritual. Os rituais a que
se referiam não purificavam o corpo nem o coração. Eram
tradições feitas por homens, sem nenhum valor espiritual.
Aparentemente, a essa conjuntura da conversa, Jesus expôs
Sua ideia principal: “O que sai do homem, isso é o que o
contamina” (7:20). Jesus lhes disse que o pecado que surge no
coração é o verdadeiro agente contaminador.
Todo discípulo de Cristo deve considerar cuidadosamente o
fato de que o coração é o principal centro da viva. O que Jesus
quis dizer quando declarou que o coração é a questão mais
importante?
1. É no coração que se originam e se organizam os
pensamentos. Quando Deus nos criou à Sua imagem, Ele nos tornou
seres pensantes. Ele também nos deu a posse de nossos corações,
permitindo-nos a liberdade de pensar como acreditamos que
devemos pensar. No entanto, Ele advertiu que devemos guardar
nossos pensamentos (Provérbios 3:7, 8). Quando o coração de um
homem se torna um fosso do mal - isto é, um coração cheio de
“maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os
adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a
inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura” (7:21-22) – sua vida
evidentemente se torna contaminada.
2. É no coração que formulamos e finalizamos nossas
decisões. O coração é o lugar das tomadas de decisão. Com o
coração, assumimos nossos compromissos. Por essa razão, Josué
pôde dizer à nação de Israel: “...escolhei, hoje, a quem
sirvais... Eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Josué
24:15).

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Além de ser o lugar onde tomamos nossas decisões, o coração
é o lugar onde sustentamos as decisões que tomamos. Uma vez que
tenhamos tomado a decisão de servir a Deus, devemos ser fiéis a
ela. Na parábola dos solos, Jesus falou daqueles que receberam a
palavra prontamente, mas cujo procedimento dentro da verdade
durou pouco tempo porque o compromisso com a verdade era
superficial demais (Marcos 4:16, 16).
3. É no coração que concebemos e processamos a linguagem.
Aquilo que está dentro do coração é transformado em discurso e
expelido através da língua e dos lábios. Na mente, produzimos as
ideias e palavras que expressamos em nossas conversas com os
outros.
Jesus, em certa ocasião, disse aos fariseus: “Raça de
víboras, como podeis falar coisas boas, sendo maus? Porque a
boca fala do que está cheio o coração” (Mateus 12:34).
Ele acrescentou:

O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do
mau tesouro tira coisas más. Digo-vos que de toda palavra
frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do
Juízo; porque, pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas
tuas palavras, serás condenado (Mateus 12:35-37).

4. É no coração que escolhemos e controlamos o


comportamento. Alcançamos com as mãos; falamos com a língua;
vemos com os olhos. E com o coração controlamos nossas ações,
ordenando as mãos, línguas e olhos o que fazer.
A única maneira de sermos justos em nossas ações é tendo,
primeiramente, pensamentos justos. Quando uma pessoa é
verdadeira e honrosa, buscando o que é certo, meditando no que é
puro, contemplando o que é amável, insistindo no que é de boa
fama, procurando aquilo que é excelente e buscando aquilo que é
digno de louvor, seus atos acompanharão seus pensamentos e
reflitirão o bom caráter de seu pensamento (veja Filipenses 4:8,
9).
Conclusão: estivemos analisando o âmago da vida. Nossas
palavras, pensamentos, ações e compromissos fluem de nossos
corações.
Provérbios 4 contém uma seção dedicada aos jovens: “Ouvi,
filhos, a instrução do pai e estai atentos para conhecerdes o
entendimento” (4:1). Mais adiante, em 4:23, há esta injunção
reveladora: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o
coração, porque dele procedem as fontes da vida”. O sábio
conselho deste versículo é dado basicamente em duas palavras:
“guarda” e “coração”. “Guardar” significa observar continuamente
e com astúcia, disciplina e responsabilidade. Esta é
a melhor instrução geral que poderíamos receber sobre como viver
a vida.

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No dia do juízo final, Deus julgará o coração de cada um;
pois é nele que realmente vivemos nossas vidas. Por trás dos
feitos de uma pessoa está o coração onde ela pensa em como
viver. O coração justo terá a aprovação de Deus, e o coração
iníquo terá a condenação de Deus.
Uma coisa é tornar-se cristão, outra é seguir o plano para
a vida diária que Jesus oferece. Tornar-se cristão é uma
decisão, mas viver uma vida centrada em Cristo é o que deve
acompanhar diariamente essa decisão. Os dois atos envolvem o
coração. O primeiro utiliza o coração quando a decisão é tomada,
e o segundo envolve o coração pelo resto da vida. Sem o coração
cristão, não há cristão, nem vida cristã, nem esperança cristã.
O coração é a fonte do pensamento piedoso de onde emana o fluxo
de um viver piedoso. Sem o tipo certo de coração, não há nada de
valor real na vida ou na eternidade.

O Desenvolvimento da Fé (7:24-30)
Jesus deixou a região em torno de Cafarnaum e foi para o
lado ocidental da Palestina. Passando por Sidom, chegou às
“terras de Tiro” (7:24). Virando-se para o lado do mar, Ele
atravessou a fronteira dessa região e entrou em território
gentio. Evidentemente era a primeira vez que Ele visitava aquela
localidade. A oposição na Judeia e em outros lugares obrigou-O a
retirar-se para um território mais calmo e acolhedor.
Assim que chegou, Jesus entrou numa casa, aparentemente
planejando passar um tempo ali, livre das multidões e em
silêncio. Pretendendo ficar isolado com os apóstolos a fim de
lhes dar mais instruções, Jesus não queria que soubessem de Sua
presença. Ele estava ali para promover edificação, e não
evangelismo. No entanto, 7:24 diz: “no entanto, não pôde
ocultar-se”. A popularidade de Jesus O precedeu. De alguma
forma, alastrou-se pelo vilarejo a notícia de que Ele estava
ali.
Uma mulher gentia, que de alguma forma veio a crer em
Jesus, ouviu que Ele estava no vilarejo. Ela era siro-fenícia -
parcialmente síria e parcialmente fenícia. Mateus 15:22 a chama
de “mulher cananeia”, indicando que ela era uma das habitantes
não-judias daquela região. Ela tinha uma filha que estava
possuída por um espírito imundo, o que se tornara um fardo
insuportável para ela. Ela ansiava, e talvez até orasse, por uma
oportunidade de levar a filha até Jesus.
Tendo ouvido que Jesus estava ali, essa mulher foi o mais
rápido que pôde até o Mestre. Ao aproximar-se dEle, ela começou
a clamar e suplicar a Seus discípulos que a deixassem vê-lO,
pois não pretendia aceitar “não” como resposta. Os discípulos
queriam que ela fosse embora, acreditando que ela daria a Jesus
o tipo de notoriedade que Ele não queria nem precisava naquele
momento. Entretanto, ela conseguiu passar pelos discípulos e
correu ao encontro de Jesus. Prostrando-se diante dEle, adorou-O

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e disse: “Senhor, socorre-me!” (Mateus 15:25). Marcos indica que
ela repetia sem parar: “Senhor, ajuda a minha filha” (veja
Marcos 7:26). Seu pedido foi específico, fervoroso, vigoroso e
provavelmente temperado com lágrimas.
Jesus respondeu dizendo: “Não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel” (Mateus 15:24). Mas ela não
aceitaria um “não” e por isso continuou a rogar. Então, Jesus
lhe disse: “Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque não
é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”
(Marcos 7:27). Essas palavras deixavam implícito que chegaria a
hora em que os gentios teriam sua oportunidade, porém não
naquele momento. Mostrando-se ainda destemida, em face do
comentário que ouviu do Senhor, a mulher replicou: “Sim,
Senhor; mas os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas
das crianças” (7:28).
Jesus ficou profundamente comovido com a fé persistente
daquela siro-fenícia. Percebendo o tipo de fé que ela possuía, o
Senhor lhe disse: “Por causa desta palavra, podes ir; o demônio
já saiu da tua filha” (7:29). A nota conclusiva de Marcos nesse
episódio ocorrido em Tiro foi: “Voltando ela para casa, achou a
menina sobre a cama, pois o demônio a deixara” (7:30).
Qual o significado do exemplo dessa mulher para nós? A
fervorosa súplica dessa mulher a Jesus fornece um bom esboço de
como um crente no Deus vivo deve orar.
1. Percebemos que a mulher pediu com entusiasmo. Quando
ouviu que Jesus estava ali perto, ela foi até Ele imediatamente,
prostrou-se aos Seus pés em adoração e começou a rogar pela
filha (7:25). Não sabemos que distância ela percorreu. O texto
diz que ela veio “daquelas regiões” em busca de Jesus
(Mateus 15:22a). Nenhuma distância até Jesus seria longa demais
para ela percorrer.
Quando lançou sua súplica ao Senhor, a mulher clamou:
“Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está
horrivelmente endemoninhada” (Mateus 15:22). Ela empregou uma
linguagem messiânica ao se dirigir a Jesus e refez seu pedido
várias vezes: “... e rogava-lhe que expelisse de sua filha o
demônio” (Marcos 7:26).
Mateus 7:7 nos diz que, em relação à oração, devemos
primeiro “pedir”. Não basta apenas pensar no pedido. A natureza
básica da oração é “pedir” a Deus por Suas bênçãos. Temos que
arranjar tempo para isso, empregar energia na súplica e proferir
a oração em nome de Jesus.
2. É impressionante que ela também pediu com persistência.
Ela não desistiria. Na busca pelo que necessitava, ela foi
intensa.
Os discípulos “rogaram-Lhe: Despede-a, pois vem clamando
atrás de nós” (Mateus 15:23b). Essa mãe preocupada teve de abrir
caminho em meio à resistência dos discípulos, a fim de
comparecer perante o Senhor.

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Ela também teve de resistir ao que parecia ser uma
contensão do próprio Jesus. No começo, Ele ficou em silêncio;
depois, respondeu: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da
casa de Israel” (Mateus 15:23, 24). No entanto, o silêncio e os
comentários de Jesus sobre Sua missão só arrancaram da mulher
ainda mais súplicas. Ela sabia que Jesus tinha um coração
compassivo e estava determinada a continuar a rogar.
Então Jesus lhe disse: “Deixa primeiro que se fartem os
filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos
cachorrinhos” (Marcos 7:27). Tudo indica que a mulher não
entendeu que a resposta de Jesus era um “não”. Talvez ela
sentisse que Ele estava testando sua fé no amor e na
generosidade do Messias. A reação dela foi cordial e humilde:
“Sim, Senhor; mas os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das
migalhas das crianças” (Marcos 7:28). Assim como Jesus, ela usou
uma palavra equivalente a filhotes de cachorro. O raciocínio
dela era que até os cães mais insignificantes perto da mesa não
eram deixados de fora. Eles tinham de esperar, mas por fim
apanhavam as migalhas. Ela admitiu que, sendo gentia, era
insignificante na obra de Jesus naquele momento. Talvez ela
entendesse que os gentios teriam de esperar; mas sua esperança
era que, nesse interim, alguns gentios – como sua filha -
pudessem ser abençoadas com algumas migalhas do ministério de
Jesus. Que fé!
3. Ficamos comovidos com o fato dela confiar continuamente.
Ela continuou a crer que Jesus atenderia positivamente o seu
pedido. Embora parecesse que ela recebeu pouquíssimo incentivo,
isso não a impediu. Ela ainda cria no que ouvira sobre Jesus:
que Ele era bondoso, todo-poderoso e amoroso. Com os olhos da
fé, ela enxergou além de tudo que os discípulos disseram e
fizeram e além das palavras de Jesus.
Essa mãe siro-fenícia teve uma reação normal de fé
verdadeira. Independentemente de quão sombrias as circunstâncias
pareçam, independentemente de quão sombria a perspectiva pareça,
a fé verdadeira permanece focada na bondade de Deus. Essa mulher
creu no poder, na bondade e na fidelidade de Jesus. Esses três
princípios a sustentaram. Ela não desistiria de crer, apesar das
circunstâncias.
Conclusão: O exemplo dessa mulher desafia a nossa
determinação em relação à oração. Ele revela três
características importantes da oração: pedir, persistir e
confiar. Será que Deus sempre responde nossas orações da maneira
que esperamos que Ele responda? Certamente que “não”. Se Deus
agisse assim, a nossa fé não precisaria ter as características
da persistência e da confiança. Essa mulher gentia teve de
pedir, persistir e confiar - e nós também.
Nem sempre vamos entender os caminhos de Deus. Alegremo-nos
com as verdades que Deus nos revelou. No entanto, Deus ainda
guarda no Seu coração muitos dos Seus planos, os quais não fazem

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parte da Sua revelação à humanidade. Se Deus nos revelasse
alguns de Seus métodos mais sublimes, não conseguiríamos
entendê-los.
Depositemos a nossa confiança em Deus e em Cristo.
Alegremo-nos com a revelação que Ele já nos deu. Busquemos
entender cada parte dessa revelação. E, finalmente, andemos na
luz da fé e da obediência, confiando que nosso Salvador
preencherá os buracos que às vezes aparecem.

Um Olhar para a Personalidade de Jesus (7:31–37)


Jesus deixou a região de Tiro, atravessou Sidom rumo ao
extremo norte do Mar da Galileia, e desceu para a região de
Decápolis. Em algum lugar entre as montanhas do lado oriental do
mar da Galileia, Jesus sentou-se, talvez para descansar e
refletir nos planos que Ele tinha para o Seu ministério naquele
lugar. É difícil precisar o tempo que Ele ficou nessa região.
Jesus já tinha estado nessa região antes (Marcos 5:1-20).
Nesse mesmo local ele havia expelido uma legião de espíritos
imundos, mandando-os para uma manada de porcos. Depois de curar
o homem infestado de demônios, Jesus mandou-o voltar para casa e
proclamar ao povo como Ele o havia curado. Tudo indica que esse
homem esteve muito ocupado com essa tarefa e era influente.
Parece que a evangelização feita por ele preparou o povo para a
chegada de Jesus nesta ocasião. Eles mudaram de atitude para com
Jesus, e alguns até estavam procurando uma oportunidade para
levar um homem em particular até Jesus para ser curado. Esse
homem era surdo e gago; podemos dizer que ele era acometido por
uma deficiência dupla.
Marcos descreveu a ida deles até Jesus da seguinte forma:
“Então, Lhe trouxeram um surdo e gago e Lhe suplicaram que
impusesse as mãos sobre ele” (7:32). Essas pessoas aprenderam
algo sobre Jesus; e estavam certas de que, se Jesus colocasse
Sua mão sobre aquele homem, ele seria curado.
Jesus imediatamente atendeu ao pedido. Ele levou o homem
para longe da multidão, “pôs-lhe os dedos nos ouvidos e lhe
tocou a língua com saliva; depois, erguendo os olhos ao céu,
suspirou e disse: Efatá!, que quer dizer: Abre-te!” (7:33, 34).
Esse milagre foi óbvio e convincente para todos
os que estavam presentes. Marcos 7:37 narra a reação deles:
“Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: Tudo Ele tem feito
esplendidamente bem; não somente faz ouvir os surdos, como falar
os mudos”. A admiração deles irrompeu em louvores e elogios.
Do total de trinta e quatro milagres registrados em todos
os quatro Relatos do Evangelho, apenas dois são exclusivos a
Marcos: esta cura de um surdo e gago e a cura do cego em 8:22–
26. Cada cura tem aspectos únicos. No caso deste surdo parece
que Jesus empregou uma espécie de linguagem de sinais e no caso
do cego, do capítulo 8, a cura se deu em etapas.

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Devemos lembrar que o ponto central nessa cura era Jesus, e
não o homem que foi curado. Essas narrativas milagrosas foram
escritas para exaltar Jesus e levar a igreja a um pleno
entendimento de Sua identidade. Em cada evento registrado em
Marcos, somos confrontados com novas nuances de significado em
relação aos atributos do caráter do Messias. Esta cena da cura
do homem surdo e gago em 7:31-37 cumpre seu papel em nos ajudar
a contemplar o retrato total da natureza divina de Cristo e,
particularmente, nos ajuda a entender a personalidade de Cristo.
1. No início da narrativa, Jesus é retratado como o Senhor
amoroso, Aquele que não guarda ressentimentos. Quando Jesus
visitou pela primeira vez o território de Decápolis, foi
obrigado a retirar-se dali. É irrelevante se o povo pediu que
Ele fosse embora por medo dEle ou porque O reprovaram quando Ele
destruiu a manada de porcos, enviando-lhe os espíritos imundos.
Nessa ocasião, o povo implorou que Jesus deixasse aquelas
terras. Certamente, esse pedido ofendeu o Mestre. Por que Ele
tinha ido até eles? Ele tinha ido para levar-lhes vida. Tinha
reservado um tempo do Seu ministério para levar-lhes a verdade
de Seu Pai celestial. Em poucos lugares da terra as pessoas
receberam tamanho privilégio, mas o que os habitantes dali
fizeram com isso? Pediram que Jesus se retirasse de suas terras.
Eles nem quiseram ouvir o que Ele tinha a oferecer.
Qual foi a atitude de Jesus diante do que fizeram com Ele?
Disse Ele para Si mesmo: “Nunca mais voltarei a esse lugar
miserável. Disseram “não” para a dadiva celestial que Eu lhes
trouxe. Estão entregues ao destino que eles escolheram”? Não.
Embora não saibamos muito sobre o que aconteceu durante essa
parte de Seu ministério, sabemos que Ele retornou a Decápolis.
Também sabemos que Ele recebeu o pedido para curar um homem, e
Ele prontamente realizou o milagre que Lhe foi pedido.
2. à medida que o milagre é realizado no texto, Jesus é
retratado como o Cristo gentil, Aquele que nunca foi rancoroso
ao ministrar às pessoas. Como Jesus agiu em relação a esse
homem? O homem não podia ouvi-lO. Ele não podia falar com Jesus
de uma forma compreensível. Como Jesus o tratou?
O texto diz que Jesus levou o homem para um lugar privado,
longe da multidão. Isso mostra consideração e uma consciência de
que o homem poderia ficar desconcertado em público.
Além disso, Jesus o tratou com gentileza, talvez até usando
sinais para ajudá-lo a entender o que Ele planejava fazer. Jesus
colocou os dedos nos ouvidos do homem, possivelmente para deixá-
lo saber que Ele estava prestes a curar seus ouvidos. Não
podendo se comunicar oralmente, Jesus mostrou o que faria usando
os dedos.
Jesus também tocou gentilmente na língua do homem para
comunicar que Ele iria curá-lo da dificuldade de fala. Será que
Jesus colocou Seus polegares sobre sua língua e seus dedos
indicadores em seus ouvidos ao pronunciar “Efatá”, a ordem:

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“Abre-te” em hebraico? O texto afirma que Jesus cuspiu, mas não
acrescenta nenhuma explicação. As palavras “com saliva” foram
inseridas em 7:33 pelos tradutores da ARA; pois não aparecem no
texto original. Não sabemos o que Jesus fez com a saliva.
Independentemente desse fato, a cena transmite gentileza, como
seria de se esperar do Grande Médico.
Que tipo de personalidade Jesus tinha? Ele poderia ter
curado esse homem de uma outra forma diferente. Ele escolheu
essa forma porque ela era compatível com a Seu traço de
gentileza para com as pessoas. Jesus nunca fazia nada ao acaso.
Ele sempre empregava o método como uma parte da mensagem que Ele
estava procurando ensinar sobre o caráter de Deus e sobre o tipo
de Salvador que Ele era.
Jesus é o Cristo que tomou as criancinhas nos braços e as
abençoou (Marcos 10:16). Ele é o Cristo que pôs a mão na mão de
uma menina morta de doze anos e disse: “Menina, levanta-te!”
(Lucas 8:54). Ele é o Cristo que gentilmente tirou esse homem à
parte e o tocou para que ele entendesse o que estava sendo feito
por ele. Sim, Ele é o Cristo todo-poderoso, mas também tem um
coração que é o epítome da ternura, bondade e gentileza.
3. Nesta cena, Jesus é retratado como o Salvador que se
compadece, e não um visitante celestial indiferente. Quando
Jesus olhou para o céu para orar pela cura desse homem, Ele
“suspirou” (Marcos 7:34). A palavra grega só ocorre desta vez em
Marcos e é forte. Poderia ser traduzida por “gemeu”. Jesus pode
ter expressado a dor de Seu coração ao pensar nas pessoas que
sofriam como esse homem.
Era como se Jesus “sentisse com” o surdo e gago todo o seu
sofrimento e entrasse no coração desse homem, assumindo sua dor,
constrangimento e autoconsciência. O coração perfeito de Jesus
era o coração mais sensível, compassivo e amoroso que o mundo já
conheceu.
Conclusão: Jesus, o Messias, tem a personalidade mais
atraente que a nossa mente poderia imaginar. A história desse
milagre tem mais a ver com a personalidade e o coração de Jesus
do que com o Seu poder (embora ele seja claramente revelado
aqui). Quem poderia ver o coração de Jesus e não ficar
impressionado?
A personalidade e o poder de Jesus caminham juntos. Quando
vemos Sua personalidade perfeita, somos compelidos a perguntar:
“Quem é esse? Quem poderia ter esse tipo de coração?” Então,
nossas mentes se voltam para o Seu poder e reconhecemos: “Ele
não é outro senão o Cristo enviado por Deus”.
O inverso também é verdadeiro. Quando olhamos para o poder
de Jesus, somos constrangidos a perguntar: “Quem é este Todo-
Poderoso, que acalmou a tempestade e ressuscitou mortos?” Ao
revermos o Seu rosto, só nos resta responder: “Ele é a expressão
de amor, graça e compaixão que Deus enviou ao mundo”.

41
O poder de Jesus sozinho não poderia nos salvar, pois o
mero poder não o levaria à cruz. Sua personalidade de
bondade, amor e compaixão controlou e impeliu o Cristo todo-
poderoso a ir à cruz para ser o sacrifício expiatório pelos
nossos pecados (veja João 10:11–18).

----------------

OS MILAGRES DE CRISTO EM MARCOS

Cura um endemoninhado 1:23–26


Cura da sogra de Pedro 1:29–31
Cura de um leproso 1:40–45
Cura de um paralítico 2:1–12
Restauração de uma mão ressequida 3:1–5
Acalmar de uma tempestade 4:35–41
Cura de um gadareno endemoninhado 5:1–20
Cura de uma mulher hemorrágica 5:25–34
Cura da filha de Jairo 5:35–43
Multiplicação dos Pães e Peixes a cinco mil 6:35–44
Andar sobre o mar da Galileia 6:47–52
Cura da filha de uma siro-fenícia 7:24–30
Cura de um surdo e gago 7:31–37
Multiplicação de Pães e Peixes a quatro mil 8:1–9
Cura de um cego 8:22–26
Cura de um menino possesso de demônios 9:14–29
Cura do cego Bartimeu 10:46–52
A Maldição da figueira 11:12–14

42
O Evangelho Segundo MARCOS Capítulo 8
“Jesus é o Cristo”

A MULTIPLICAÇÃO PARA ALIMENTAR OUTRA MULTIDÃO (8:1-10)68

1 Naqueles dias, quando outra vez se reuniu grande


multidão, e não tendo eles o que comer, chamou Jesus os
discípulos e lhes disse: 2 Tenho compaixão desta gente, porque
há três dias que permanecem comigo e não têm o que comer. 3 Se
Eu os despedir para suas casas, em jejum, desfalecerão pelo
caminho; e alguns deles vieram de longe. 4 Mas os Seus
discípulos Lhe responderam: Donde poderá alguém fartá-los de pão
neste deserto? 5 E Jesus lhes perguntou: Quantos pães tendes?
Responderam eles: Sete. 6 Ordenou ao povo que se assentasse no
chão. E, tomando os sete pães, partiu-os, após ter dado graças,
e os deu a Seus discípulos, para que estes os distribuíssem,
repartindo entre o povo. 7 Tinham também alguns peixinhos; e,
abençoando-os, mandou que estes igualmente fossem distribuídos.
8 Comeram e se fartaram; e dos pedaços restantes recolheram sete
cestos. 9 Eram cerca de quatro mil homens. Então, Jesus os
despediu. 10 Logo a seguir, tendo embarcado juntamente com Seus
discípulos, partiu para as regiões de Dalmanuta.

Esta passagem introduz mais um caso em que Jesus alimentou


uma multidão. É possível diferenciar uma multiplicação da outra
pela observação de que havia cinco mil homens em um caso e
quatro mil no outro69. O local onde esse milagre ocorreu também
nos ajuda a fazer essa distinção, pois este foi na região de
Decápolis, enquanto o outro foi em Betsaida, na Galileia (veja
João 12:21). Além disso, é provável que os quatro mil homens
alimentados nesta ocasião fossem em sua maioria
gentios, enquanto os que foram alimentados no outro caso
provavelmente eram judeus. Este episódio envolveu sete pães e
alguns peixes, mas cinco pães e dois peixes foram usados no
outro relato. Desta vez, sobraram sete cestos. A palavra 
(spuris) representa um cesto grande o suficiente para comportar
um homem (veja Atos 9:25), mas doze cestos menores ( ,
kofinos) de pedaços restantes foram recolhidos em Betsaida
(6:43).
Segundo o relato de Mateus 15:38 havia “quatro mil homens,
além de mulheres e crianças” presentes nessa ocasião; mas em
Marcos 8:9, o gênero não é mencionado em relação aos quatro mil
presentes. Não se evidencia nenhuma contradição entre os dois
relatos. Normalmente, os escritores do Novo Testamento

68
O relato paralelo está em Mateus 15:32-39.
69
Todos os quatro Relatos do Evangelho contêm a multiplicação para cinco mil homens (Mateus 14:13-21; Marcos
6:30-44; Lucas 9:10-17; João 6:1-15). Somente Mateus e Marcos relatam a multiplicação aos quatro mil. Este é o
quarto dos “milagres da natureza” registrados em Marcos: anteriormente, Jesus acalmou a tempestade (4:35-41),
alimentou os cinco mil homens, além de mulheres e crianças (6:30-44) e andou sobre a água (6:45–52).

43
contavam somente os homens. Podemos ter certeza de que os
escritores dos Evangelhos relataram precisamente os fatos
ocorridos nesses dois milagres porque, quando Jesus mais tarde
chamou a atenção da multidão para esse tipo de milagre (8:16-
21), Ele citou claramente duas ocasiões em que multiplicou pães
e peixes.
O que Jesus fez pelos judeus, Ele também fez pelos gentios.
Pouco a pouco, Jesus estava reforçando o conceito de que os
gentios, uma vez que aceitassem o evangelho, já não seriam
considerados impuros.
Versículos 1 a 3. É possível que a reunião desta grande
multidão em torno de Jesus tenha resultado da evangelização
feita pelo homem de quem Jesus havia expelido demônios, o qual
teria saído a pregar pela região de Decápolis 70 (veja 5:1–20). A
multidão parecia ter seguido Jesus (permanecem comigo) por três
dias (na contagem dos judeus). Este é um comentário notável
sobre a profunda preocupação e interesse deles no ensino e na
presença de Jesus. O texto não diz que eles não levaram nada
para comer, mas que, naquele momento, não tinham o que comer.
Jesus reagiu com compaixão antes de termos qualquer indicação ou
reclamação da parte do povo: Se Eu os despedir para suas casas,
em jejum, desfalecerão pelo caminho; e alguns deles vieram de
longe. Jesus sabia das necessidades do povo antes que pedissem
(veja Mateus 6:8). Nas duas situações, Jesus é visto como
verdadeiramente portador do poder divino. Sabemos que Jesus não
curou todos os doentes do mundo daquela época, nem alimentou
milagrosamente todas as pessoas famintas; mas Jesus sempre
mostrou compaixão para com aqueles que Ele encontrou.
A narrativa da multiplicação anterior mencionou que Jesus
compadeceu-se porque as pessoas eram “como ovelhas sem pastor”
(6:34). Neste cenário, Jesus providenciou uma refeição de
confraternização para um grande grupo de gentios, em sua
maioria. Nisto, o Senhor retratou o Seu amor por eles e
prenunciou que logo eles também teriam a oportunidade de entrar
no reino. O propósito de Jesus foi suprir uma necessidade
humana. Jesus se interessa por todas as pessoas, tanto judeus
como gentios. Esta parte de Seu ministério foi introduzida com a
ajuda da mulher siro-fenícia (7:24–30), marcando o início do Pão
da vida oferecido também aos não-judeus.
Versículos 4 a 7. Mas os Seus discípulos Lhe responderam:
Donde poderá alguém fartá-los de pão neste deserto? Poderíamos
perguntar: “Como os apóstolos se esqueceram do milagre anterior,
em que tantas pessoas tinham sido alimentadas?” Os apóstolos
enfatizaram o pronome “nós”, mostrando que estavam pensando na
sua própria incapacidade, e não sugerindo que o Senhor fosse
incapaz. Eles não sabiam o que fazer, assim como antes. 

70
William Barclay, The Gospel of Mark, 2a ed., The Daily Study Bible. Filadélfia: Westminster Press, 1956, p. 188.

44
E Jesus lhes perguntou: Quantos pães tendes? Responderam
eles: Sete. Ordenou ao povo que se assentasse no chão. E,
tomando os sete pães, partiu-os, após ter dado graças. “Dar
graças” traduz uma flexão do verbo grego (eucharisteō), de
onde deriva “eucaristia”. Algumas correntes religiosas
emprestaram esse termo usado para o que Jesus fez quando
alimentou a multidão e o aplicaram à “ceia do Senhor”
(veja 1 Coríntios 11:20). Em nenhum versículo, a Bíblia emprega
esse vocábulo dessa maneira. Jesus partiu os pães e os deu a
Seus discípulos, para que estes os distribuíssem, repartindo
entre o povo. Tinham também alguns peixinhos; e, abençoando-os,
mandou que estes igualmente fossem distribuídos.
Versículo 8. Comeram e se fartaram. O texto não diz
exatamente como ou em que momento o milagre ocorreu. Pode ser
que os pães e os peixes tenham se multiplicado quando Jesus os
abençoou. O milagre pode ter ocorrido imediatamente no fim da
oração ou enquanto Jesus passava o pão, conforme indicado pelo
particípio grego. O texto grego também sugere que Jesus abençoou
os “pães” e os peixes separadamente.
E dos pedaços restantes recolheram sete cestos. Os sete
cestos [grandes] podem ter sido necessários para distribuir os
alimentos e recolher os pedaços restantes. Por que esses cestos
estavam ali disponíveis? Alguns supõem que era costume se colher
grãos nos campos. Esse tipo de “cesto” (spuris) era tão grande
que foi usado para descer o apóstolo Paulo pela muralha de
Damasco (2 Coríntios 11:33).
Versículos 9 e 10. Após alimentar a multidão, Jesus os
despediu. O texto acrescenta que, logo a seguir, tendo embarcado
juntamente com Seus discípulos, atravessaram o lago para a costa
oeste do mar da Galileia. Marcos 8:10 afirma que Jesus partiu
para as regiões de Dalmanuta, ao passo que Mateus 15:39 diz
“território de Magadã”. Embora a localização das “regiões de
Dalmanuta” nos seja desconhecida, podemos dizer com alguma
certeza que tinha relação com Magdala, um local próximo a
Tiberíades, na costa oeste do mar da Galileia71. Os comentaristas
concordam que Dalmanuta era outro nome para Magdala ou outro
vilarejo situado nas proximidades72. A melhor explicação parece
ser a de W. Ewing: “Dessas duas passagens é razoável inferir que
‘os limites de Magadã’ e ‘as regiões de Dalmanuta’ eram
contíguos”73. 

71
The Zondervan Pictorial Dictionary diz que Dalmanuta era “um vilarejo na costa [oeste] do mar da Galileia, que
fazia divisa com Magdala (Mateus 15:39)” (“Dalmanutha” em The Zondervan Pictorial Bible Dictionary, ed. Merrill C.
Tenney. Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing House, 1963, p. 194).
72
J. W. McGarvey e Philip Y. Pendleton, The Fourfold Gospel or A Harmony of the Four Gospels. Cincinnati: Standard
Publishing Co., 1914, p. 406.
73
W. Ewing, “Magadan” em The International Standard Bible Encyclopaedia, ed. James Orr. Grand Rapids, Mich.:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1939, vol. 3, p. 1961.

45
OS FARISEUS DISCUTEM NOVAMENTE COM JESUS (8:11-13)74

11 E, saindo os fariseus, puseram-se a discutir com Ele; e,


tentando-O, pediram-Lhe um sinal do céu. 12 Jesus, porém,
arrancou do íntimo do Seu espírito um gemido e disse: Por que
pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo que a esta
geração não se lhe dará sinal algum. 13 E, deixando-os, tornou a
embarcar e foi para o outro lado.

Versículo 11. Os fariseus (e os Saduceus, segundo


Mateus 12:38) haviam rejeitado os milagres de Jesus, dizendo que
eram feitos por Belzebu (Mateus 12:24; Marcos 3:22; Lucas
11:15). Agora, eram inimigos declarados de Jesus e fariam de
tudo para destruir Sua influência.
Nessa ocasião, novamente tentaram expô-lO como uma fraude.
Tentando-O, pediram um sinal do céu, o que devia significar um
sinal que só Deus teria poder para dar - como o maná que Deus
mandou do céu para os israelitas (Êxodo 16) ou o fogo sobre o
altar no desafio de Elias aos profetas de baal (1 Reis 18). Os
fariseus queriam sinais como a separação das águas do
Jordão (Josué 3), a queda das muralhas de Jericó (Josué 6) ou a
paralisação do sol e da lua (Josué 10:12-14). No entanto, os
milagres de Jesus não eram para mero espetáculo. Visavam fazer o
bem, mas, acima de tudo, confirmar que Sua mensagem procedia de
Deus (Marcos 16:20; João 20:30, 31; Hebreus 2:4).
Versículos 12 e 13. Mais uma vez, Jesus suspirou,
arrancou ... um gemido (   , anastenazō). Aqui o termo que
apareceu em 7:34 ( , stenazō) vem acompanhado de um prefixo
que o intensifica, indicando que Jesus estava experimentando
imenso pesar ou exasperação porque os fariseus ainda pediam um
sinal, depois de tudo o que Ele já tinha feito.
Esse constante pedido por um sinal entristeceu Jesus
profundamente, e isso deve ter provocado o “gemido”. Ele
literalmente “gemeu”75 pela falta de fé desses religiosos. O
desejo deles por milagres tem paralelos hoje com aqueles que
buscam milagres para provar que Deus está presente. O fato é que
pessoas como os fariseus, endurecidos pela incredulidade, nem
mesmo presenciar a ressurreição de um morto os convenceria (veja
Lucas 16:31). O preconceito pode ser uma característica
predominante na humanidade. Esse espírito é típico de uma
“geração má e adúltera” (Mateus 12:39; 16:4). Jesus repreendeu
quem só cria depois de ver sinais (João 4:48). O ideal é crer
simplesmente por ouvir a palavra pregada. Pessoas humildes, que
buscam a verdade, anseiam por fazer exatamente isso.
É claro que, nos dias de Jesus, assim como hoje, ouviam-se
falsas alegações de milagres; mas o verdadeiro milagre logo se

74
O relato paralelo está em Mateus 16:1-4.
75
A palavra grega aqui traduzida por “gemido”, anastenazo, só tem esta ocorrência no Novo Testamento.

46
destacava por estar em evidente contraste. Os milagres sempre
foram claramente sobrenaturais na obra de Jesus. Eram, na
maioria, instantâneos. A visão, a audição e a fala de pessoas
eram restauradas; a lepra desaparecia; demônios eram expelidos e
aleijados se recompunham, levantando-se e caminhando
normalmente. Alguns até ressuscitaram dos mortos.
São muitos os que já foram enganados por falsos milagres
devido à sua falta de “amor da verdade” (2 Tessalonicenses 2:8-
12). Parece quase inconcebível que Deus tenha enviado “a
operação do erro” àqueles que se deleitam com a injustiça no
lugar da verdade, mas Ele o fez!
Esses judeus eram como seus antepassados que peregrinaram
no deserto, os quais se desviaram de Deus apesar de todos os
milagres que o Senhor fez por eles. Esta geração ( , genea)
significa todos os vivos naquele tempo. Em 13:30 e 31, Jesus
disse: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que
tudo isto aconteça. Passará o céu e a terra, porém as Minhas
palavras não passarão” (grifo meu; veja Mateus 24:34, 35).
Em verdade (  , amen, “seguramente, com certeza”)
equivalia a um juramento. R. A. Cole explicou que “no discurso
semítico, isto tem toda a força de um juramento, assim como o
duplo ‘amém’ tinha para um judeu” (veja João 1:51). Ele
concluiu: “Era uma recusa veemente da parte do Senhor de tomar a
linha de ação que Ele já havia rejeitado decisivamente na
tentação” (Mateus 4:6, 7)76. Jesus não estava de modo algum
coligado a Satanás. Ele determinara plenamente, no momento de
Sua tentação, não seguir o caminho da mera empolgação e
exibicionismo público.
Essa situação era semelhante à que houve em Nazaré
(Mateus 13:58), quando Jesus não pôde realizar “muitos milagres”
– somente algumas pequenas curas - por causa da incredulidade do
povo. A busca dos judeus por um sinal é mencionada em todos os
quatro Relatos do Evangelho77. Em Marcos 8:12 Jesus disse que
àquela geração não se lhe dar[ia] sinal algum e em Mateus 16:4
Ele disse que nenhum sinal seria dado senão o de Jonas 78. Depois
desta declaração, deixando-os, [o Senhor] tornou a embarcar e
foi para o outro lado.
Aos que obstinadamente estavam cegos para os milagres de Jesus,
qualquer outro sinal teria sido inútil.
Onde havia inclinação para a fé, Jesus daria mais provas
para fortalecê-la; mas onde não havia intenção de crer, Ele
ofereceria poucos ou nenhum milagre. Seus milagres já haviam
demonstrado que o acontecimento mais importante de toda a

76
R. A. Cole, The Gospel According to St. Mark: An Introduction and Commentary, The Tyndale New Testament
Commentaries (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1973), 129.
77
Veja Mateus 12:38–40 e Lucas 11:16, 29; Mateus 16:1 e Mk. 8:11 ; JN. 4:48 ; 6:30 A tendência dos judeus de pedir
sinais também é mencionada em 1 Coríntios 1:22. 
78
Considerando que Marcos foi escrito primariamente para gentios, o livro não inclui essa menção do sinal de Jonas
por boca do Senhor.

47
história havia ocorrido. Quatrocentos anos de silêncio se
passaram sem palavra alguma emitida por um verdadeiro profeta,
mas, agora, Deus estava pronto para colocar em ação uma nova
dispensação, diferente da antiga. Esses líderes judeus, tão
viciados no passado e indispostos a aceitar os muitos sinais que
haviam observado no ministério do Filho de Deus, estavam Lhe
pedindo mais um sinal. Como tinham mentes teimosas e fechadas! O
próprio reaparecimento de milagres após um lapso tão longo
deveria ter-lhes despertado o fato de que Deus estava ativo no
mundo.
Os judeus admitiram que não houve profetas no meio deles
durante o intervalo de quatrocentos anos entre os Testamentos.
Pode ser que muitos cressem que a derrota do exército sírio, com
seus números esmagadores (c. 165 a.C.), era obra miraculosa de
Deus. No entanto, os milagres realizados por Jesus foram
manifestações óbvias do poder de Deus entre eles. 
A demanda por sinais parece ter desanimado Jesus a ponto
dEle voltar para o outro lado do mar da Galileia, onde estaria
entre os gentios que tinham mentes abertas e receberiam Suas
palavras. A declaração em João 1:11 reflete um fato triste e
contínuo: “Veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam”.
A volta para a “Galileia dos gentios” cumpria a profecia e
Isaías 9:1 e 2 é citado em Mateus 4:12–16:

Ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se para


a Galiléia; e, deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, situada
à beira-mar, nos confins de Zebulom e Naftali; para que se
cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías:
Terra de Zebulom, terra de Naftali,
caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios!
O povo que jazia em trevas viu grande luz,
e aos que viviam na região e sombra da morte
resplandeceu-lhes a luz.

Isaías prosseguiu dizendo:

Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu;


o governo está sobre os Seus ombros;
e o Seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte,
Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Isaías 9:6).

“GUARDAI-VOS DO FERMENTO DOS FARISEUS E DE HERODES” (8:14-16)79

14 Ora, aconteceu que eles se esqueceram de levar pães e,


no barco, não tinham consigo senão um só. 15 Preveniu-os Jesus,
dizendo: Vede, guardai-vos do fermento dos fariseus e do

79
O relato paralelo está em Mateus 16:5-7.

48
fermento de Herodes. 16 E eles discorriam entre si: É que não
temos pão.

Versículos 14 a 16. O fermento dos fariseus é uma


referência ao formalismo da religião judaica. Os líderes
religiosos fizeram uma demonstração hipócrita de seu
tradicionalismo. Jesus fez esta descrição clara em Lucas 12:1:

Posto que miríades de pessoas se aglomeraram, a ponto de uns aos


outros se atropelarem, passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos
Seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a
hipocrisia.

Os fariseus exibiram esse espírito na forma como questionaram


Jesus. Questionaram o Mestre, porém não estavam realmente
buscando respostas; pois toda vez que Jesus dava uma resposta,
eles O refutavam e tentavam derrotá-lo e desacreditá-lo. Seus
ensinamentos eram essencialmente os de Moisés (Mateus 23:1–3);
no entanto, suas práticas, juntamente com suas tradições orais,
estavam aquém da retidão sincera.
A Bíblia usa “fermento” como símbolo do mal ou de ensino
falso. Assim como o fermento, o ensino falso pode entrar em
qualquer coisa e infectá-la (Gálatas 5:9)80. O fermento literal
tinha de ser retirado das casas dos judeus na época da Páscoa
(Êxodo 12:18-20). Ele não era permitido nas ofertas. (Veja Êxodo
23:18; 34:25; Levítico 2:11; 6:17).
O fermento de Herodes e “o fermento dos fariseus”, embora
fossem igualmente más influências, eram diferentes. Os líderes
religiosos ensinavam mais tradições do que as Escrituras; por
isso, o ensino deles tinha pouco valor espiritual e redentor. A
alusão a Herodes, cujo estilo de vida era mundano, talvez tenha
sido causada pela visão de seu magnífico palácio em Tiberíades,
enquanto Jesus e os doze navegavam pelo mar da Galileia.
Um seguidor de Jesus seria como Herodes ou os fariseus
deixando-se imitar o mundo ao seu redor. O “fermento” de Herodes
poderia ser a atitude “egoísta” que o levou a prender João
Batista e depois executá-lo, ainda que tivesse se impressionado
com as palavras de João.
Jesus disse: Guardai-vos. Ele queria que Seus apóstolos
tomassem cuidado com o “fermento” das más influências. Práticas
erradas e doutrinas erradas levariam à destruição, e não à vida.
Ouvir essa advertência pode ter levado os discípulos a
se perguntarem: “O que fizemos de errado agora?”. Talvez
esperassem ser acusados de falta de prevenção porque tinham se
esquecido de levar pão; então, mais uma vez, interpretaram

80
Os fariseus estavam convencidos de que deveriam acrescentar às suas práticas religiosas a “lei oral” dos escribas e
outros mestres, embora essa lei oral não estivesse escrita na Torá. Eles a usavam para se exaltar e condenar os
outros. 

49
erroneamente o ensino de Jesus. Viram a repreensão onde não
havia essa intenção.
Jesus não culpou os apóstolos pela falta de prevenção, e
sim pela falta de fé. Não aprenderam com as experiências do
passado que Jesus era o provedor deles. Deveriam saber que Jesus
não estava preocupado com o pão, pois Ele havia provado que
tinha poder para alimentar multidões. O que preocupava o Mestre
era a possibilidade de Seus discípulos virem a sucumbir a
práticas reprovadas ou falsas doutrinas. Ambas faziam parte do
“fermento” dos fariseus e do fermento de Herodes.

“NÃO COMPREENDEIS AINDA?” (8:17–21)

17 Jesus, percebendo-o, lhes perguntou: Por que discorreis


sobre o não terdes pão? Ainda não considerastes, nem
compreendestes? Tendes o coração endurecido? 18 Tendo olhos, não
vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais 19 de
quando parti os cinco pães para os cinco mil, quantos cestos
cheios de pedaços recolhestes? Responderam eles: Doze! 20 E de
quando parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos
cheios de pedaços recolhestes? Responderam: Sete! 21 Ao que lhes
disse Jesus: Não compreendeis ainda?

Versículos 17 e 18a. Jesus, ciente do mal-entendido dos


discípulos, perguntou-lhes: Por que discorreis sobre o não
terdes pão? Eles não haviam entendido o que Jesus estava lhes
revelando, mesmo depois de verem dois milagres de multiplicação
de alimentos. Não haviam entendido o poder ilimitado de Cristo.
A bondade de Jesus se vê na maneira como Ele os repreendeu
através de duas perguntas: Ainda não considerastes, nem
compreendestes? Tendes o coração endurecido? Que momento
lamentável foi esse para Jesus e os discípulos! Ele dedicara
tanto tempo ensinando-os e ainda demoravam a entender o
significado de Suas palavras.
Jesus prosseguiu: Tendo olhos, não vedes? E, tendo ouvidos,
não ouvis? Ele parecia estar dizendo que as palavras terríveis
que Ele havia aplicado aos judeus agora deveriam ser aplicadas
aos Seus discípulos. Ao citar Jeremias 5:21, Jesus estava
dizendo que um dos propósitos do Messias falar em parábolas era
para esconder as verdades daqueles cujos corações “de mau grado
ouviram”, de modo que não entendessem (Mateus 13:13–17). Jesus
estava repreendendo a desatenção e falta de capacidade deles de
compreender ensinamentos incomuns por meio da fé.
Versículos 18b a 21. Jesus fez os discípulos se lembrarem
dos milagres em que alimentou duas multidões para que soubessem
que Ele não os repreendia por se esquecerem de levar pão: Não
vos lembrais de quando parti os cinco pães para os cinco mil,
quantos cestos cheios de pedaços recolhestes? ... E de quando
parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos cheios de

50
pedaços recolhestes? A repreensão era por não se lembrarem
desses dois milagres e, consequentemente, concluírem que Ele
estava ansioso por ter comida suficiente. Jesus tinha poder para
suprir qualquer necessidade. Se pudessem ver isso, também
estariam plenamente convictos de que Ele era o Messias
prometido. Se entendessem quem Ele era, poderiam aplicar a fé
para superar a ansiedade e o medo de não ter comida suficiente,
o medo dos perigos no mar, dos fariseus e quaisquer outros medos
que viessem a surgir.
Ao que lhes disse Jesus: Não compreendeis ainda? Se
compreendermos a verdade sobre quem Jesus é, também seremos
capazes de chegar a um ponto de ruptura e não quebrar; chegar às
profundezas da vida e não afundar e chegar aos pontos altos da
vida e não perder o controle. Praticamente todas as preocupações
dos apóstolos se resumiam ao que iriam comer na próxima
refeição81. Estavam discutindo entre si sobre quem era o culpado.
Problemas sem solução deveriam ser apresentados diretamente ao
Senhor, em vez de serem discutidos entre eles. Mateus 16:12
mostra que eles finalmente entenderam que Jesus se referia ao
“ensino” dos fariseus, e não, literalmente, ao “fermento de
pão”.

A CURA DE UM CEGO (8:22-26)82

22 Então, chegaram a Betsaida; e Lhe trouxeram um cego,


rogando-Lhe que o tocasse. 23 Jesus, tomando o cego pela mão,
levou-o para fora da aldeia e, aplicando-lhe saliva aos olhos e
impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: Vês alguma coisa? 24 Este,
recobrando a vista, respondeu: Vejo os homens, porque como
árvores os vejo, andando. 25 Então, novamente lhe pôs as mãos
nos olhos, e ele, passando a ver claramente, ficou
restabelecido; e tudo distinguia de modo perfeito. 26 E mandou-o
Jesus embora para casa, recomendando-lhe: Não entres na aldeia.

Versículo 22. Então, chegaram a Betsaida. Essa Betsaida não


é aquela próxima a Cafarnaum, mas a que ficava na costa nordeste
do mar da Galileia83. Ela foi construída por Herodes Filipe para
aumentar a coleta de impostos sobre o comércio entre os que
passavam por ali. Herodes deu o nome de “Júlia” à cidade, em
homenagem à notória filha de Augusto César.
Nesse lugar, Jesus e Seus discípulos encontraram um
cego. As pessoas que levaram esse homem a Jesus rogaram-Lhe que
o tocasse. William Barclay fez esta breve observação sobre o
problema geral da cegueira no antigo Oriente Médio:

81
O relato paralelo está em Mateus 16.8-12.
82
Donald English, The Message of Mark: The Mystery of Faith, The Bible Speaks Today. Downers Grove, Ill.: Inter-
Varsity Press, 1992, p. 155.
83
McGarvey e Pendleton, p. 409.

51
A cegueira era, e é ainda, uma das grandes maldições do
Oriente. Era causada em parte por oftalmias e em parte pelo
causticante resplendor do sol. E era grandemente agravada pela
falta geral de conhecimentos de higiene e limpeza. Era comum ver
uma pessoa com secreção nos olhos, sobre a qual moscas
persistiam em pousar. Obviamente isso fazia a infecção
proliferar para outros lugares, tornando a cegueira um terrível
flagelo da Palestina.84
Versículos 23 a 25. Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o
para fora da aldeia para evitar mais agitação. Os discípulos
tinham acabado de superar sua cegueira espiritual, enquanto esse
homem estava precisando de cura para sua cegueira física. Por
isso, a situação parece mui adequada a essa altura da narrativa.
Levaram o cego para que Jesus o curasse. As súplicas pela
misericórdia de Jesus parecem ter procedido mais das pessoas que
conduziram o cego do que dele próprio (8:22).
E, aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos,
perguntou-lhe: Vês alguma coisa? Este, recobrando a vista,
respondeu: Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando.
O uso de saliva sobre os olhos do homem (“aplicando-lhe aos
olhos”) tinha menos a ver com a cura real do que com a
“imposição” das “mãos” de Jesus. No entanto, muitos na época
acreditavam que a saliva tinha propriedades medicinais. Talvez o
cego soubesse disso, sendo assim incentivado pela ação de Jesus,
assim como no caso do surdo e gago, também tocado com saliva
(7:31-37). Jesus apenas chamou a atenção do homem para o que
estava para acontecer. Então, novamente lhe pôs as mãos nos
olhos, e ele, passando a ver claramente, ficou restabelecido; e
tudo distinguia de modo perfeito. Se o milagre fosse
completamente realizado de uma só vez, o homem poderia se
assustar. Então, Jesus operou o milagre em etapas. Ele conhece
todas as necessidades humanas e o fato de levar em conta o
estado desse cego ilustra que Ele conhece nossos sentimentos e
demonstra empatia por nós.
A dupla imposição das mãos foi algo incomum. Em nenhuma
outra cura Jesus colocou as mãos em alguém duas vezes. O
processo concluído em duas etapas deve ter ajudado a gerar mais
fé no homem, que inicialmente parecia ter pouca fé. E também
evitou que ele ficasse incomodado com o que o Mestre iria fazer.
De repente, ver coisas brilhantes e coloridas poderia causar-lhe
um choque. Além disso, ser curado em etapas enfatiza ainda mais
o poder dos milagres realizados rapidamente, isto é, num único
ato ou palavra. Essa abordagem levou apenas alguns minutos ou
segundos.
Pouco depois de se recusar a fazer uma obra poderosa em
Nazaré, Jesus atravessou o mar da Galileia, foi uma região

84
Barclay, p. 193.

52
gentia e lá fez grandes obras. O povo demonstrou ter grande fé,
enquanto em Nazaré, praticamente não se notou fé em ninguém. Os
nazarenos foram teimosos em se recusar a crer; mas esse homem,
embora inicialmente demonstrasse ter pouca fé, estava disposto a
se deixar convencer. Os amigos que o levaram até Jesus pareciam
não ter dúvidas.
Essa cura de um cego retrata a diferença básica entre os
salvos e os perdidos – um grupo está disposto a ser convencido e
o outro não. Lucas 13:24 contém duas palavras para a postura de
quem busca a verdade. A primeira, em 13:24, é (agōnizomai,
“lutar”), de (agōn), a raiz da nossa palavra “agonia”. Esse
termo implica uma grande luta para alcançar a verdade. Devemos
realmente nos esforçar para entrar no caminho estreito. A
próxima frase emprega o verbo (zēteō, “buscar”), que é
uma palavra menos restrita. Os fiéis “buscadores” vão para o
céu, enquanto os “buscadores causais” podem errar o caminho!
Versículo 26. E mandou-o Jesus embora para casa,
recomendando-lhe: Não entres na aldeia. Jesus não desejava ser
conhecido apenas como um operador de milagres, por isso Ele
ordenou que o homem a ninguém falasse da sua cura. Ele
deveria ir direto para casa. Isso também pode refletir uma dose
de preocupação com a família do homem, e não só a intenção
de  Jesus de reduzir a publicidade a respeito do Seu poder. Essa
cura e a do surdo em 7:31–37 são os dois milagres registrados
unicamente por Marcos.

“Quem dizem os homens que sou Eu?” (8:27–30)85

27 Então, Jesus e os Seus discípulos partiram para as


aldeias de Cesareia de Filipe; e, no caminho, perguntou-lhes:
Quem dizem os homens que sou Eu? 28 E responderam: João Batista;
outros: Elias; mas outros: Algum dos profetas. 29 Então, lhes
perguntou: Mas vós, quem dizeis que Eu sou? Respondendo, Pedro
lhe disse: Tu és o Cristo. 30 Advertiu-os Jesus de que a
ninguém dissessem tal coisa a Seu respeito.

O incidente neste texto é reconhecido como o ponto de


virada em Marcos. Ronald J. Kernaghan comentou: “A seção que
começa em 8:27 e termina em 10:52 compõe a porção mais centrada
na morte de Jesus na apresentação que Marcos escreveu sobre as
boas novas”86. De fato, esse momento tem sido chamado de o ponto
alto do Evangelho de Marcos.
Lucas 9:18 diz que Jesus estava orando sozinho nesse
momento, embora Seus discípulos estivessem com Ele. A identidade
de Jesus como o Messias era uma grande revelação e a maior de

85
Os relatos paralelos estão em Mateus 16:13–20 e Lucas 9:18–21
86
Ronald J. Kernaghan, Mark, The IVP New Testament Commentary Series. Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press,
2007, p. 155.

53
todas as verdades a serem reveladas durante o Seu ministério.
Desse momento em diante, os discípulos deveriam entender o
motivo do sofrimento de Jesus. Além disso, o que se aplicava à
Sua messianidade se aplicaria também ao Seu discipulado.
Aqueles que continuassem a segui-lO teriam de sofrer de maneira
semelhante (veja 2 Timóteo 3:12).
Versículos 27 e 28. Evidentemente, essa cena ocorreu perto
do monte Hermom e do distrito de Cesareia de Filipe, fora da
Galileia. Cesareia de Filipe foi reconstruída no local do antigo
Pan (termo grego equivalente a “todos” e também escrito
“Paneas”). Agripa II mudou o nome do local para “Neronias” (em
homenagem a Nero)87. Herodes Filipe (filho de Herodes, o Grande,
que reinou de 4 a 34 d.C.) tinha a reconstruído em homenagem a
si mesmo e ao César reinante. Para distingui-la da Cesareia no
mar, ele a chamou de “Cesareia de Filipe”. Herodes mandou
construir um belo templo de mármore branco onde César era
honrado como um deus. Que oportuno o Filho de Deus extrair de
Pedro a nobre confissão de que Ele era o divino Cristo, o Ser
supremo e todo-poderoso, o verdadeiro Deus de todos.
No caminho, perguntou-lhes: Quem dizem os homens que sou
Eu?
Jesus primeiramente perguntou sobre as impressões do povo.
Alguns O viam como um glutão, bebedor de vinho e amigo de
pecadores, o que O tornava sem valor no conceito deles (Mateus
11:19; Lucas 7:34). Essas declarações que rebaixavam o caráter
do Senhor com certeza vinham daqueles que seguiam a opinião dos
escribas e fariseus. É preciso enxergar além da opinião popular
geral para seguir a Cristo. O conformar-se com o mundo é
condenado na Bíblia (cf. Romanos 12:2; 2 Coríntios 6:14; 1 João
2:15). O reino é para pessoas vigorosas que defendem
corajosamente a verdade.
Os apóstolos relataram as opiniões mais favoráveis que
ouviram a respeito de Jesus: João Batista; outros: Elias; mas
outros: Algum dos profetas. João Batista foi o primeiro a ser
citado. Herodes Antipas pensava que Jesus era João (6:14–16). O
governante imoral e infrator pensavam que João havia ressurgido
dos mortos para assombrá-lo. Sua consciência culpada deve tê-lo
incitado a pensar dessa maneira, e essa consciência
provavelmente foi um fardo para o seu coração pelo resto de seus
dias.
A volta de um “Elias” foi predita em Malaquias 4:5. Na
interpretação de muitos judeus, isso significava que Elias
literalmente reencarnaria. Jesus explicou que Elias havia vindo
na pessoa de João (Mateus 17:12, 13). Gabriel, em sua revelação
a Zacarias em Lucas 1:17, disse que a vinda de João seria “no
espírito e poder de Elias”. Em Mateus 11:14,  Jesus também
explicou que a vinda de João no poder de Elias era o significado

87
Flávio Josefo, Antiguidades 20.9.4 [211].

54
da profecia e acrescentou: “se o quereis reconhecer”. Se
pensavam que João era o sucessor espiritual de Elias no sentido
de realizar a obra de Deus, facilmente também poderiam crer que
ele era “a voz do que clama no deserto” predita em Malaquias
(veja Mateus 3:3; Marcos 1:3). Muitos só conseguiam pensar num
cumprimento literal, não compreendendo o significado real da
profecia.
Jeremias era a outra resposta que deram sobre quem era
Jesus. Esse profeta é mencionado em conjunção com o Cristo
somente no relato paralelo de Mateus 16:14 e não em Marcos. No
livro apócrifo de 2 Esdras 2:18 é predito que tanto Jeremias
quanto Isaías voltariam. No entanto, essa ideia nunca foi aceita
nem promovida por Cristo ou pela igreja primitiva.
Versículo 29. Jesus então perguntou: Mas vós, quem dizeis
que Eu sou? Ele não estava buscando reconhecimento, mas estava
instando Seus discípulos a exprimirem abertamente suas próprias
conclusões. Jesus queria realçar o contraste entre o que
eles vieram a saber e o que os outros diziam.
Respondendo, Pedro lhe disse: Tu és o Cristo. A pergunta
provocou uma confissão semelhante à que os discípulos tinham
feito anteriormente, conforme registrado em Mateus 14:33.
Natanael disse que ele era o “Filho de Deus” (João 1:49). Depois
que os outros viraram as costas para Jesus, Pedro fez uma
confissão cujo conteúdo se aproximava do que foi afirmado aqui:
“Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna; e
nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” (João
6:68, 69).
Pedro, juntamente com o restante dos apóstolos, declarou
que Jesus era o “Filho do Deus vivo” em Mateus 16:16. Essa
confissão claramente implicava que Jesus era o “Messias” ou o
“Cristo”. A palavra “Messias” não é um nome, mas um título, que
significa “ungido de Deus”88.
Marcos contém o seguinte testemunho a respeito de nosso
Senhor:

1:1 - A introdução ao livro diz: “o evangelho de Jesus


Cristo, Filho de Deus”.
1:11 – Deus falou audivelmente a Jesus após o Seu batismo,
dizendo: “Tu és o Meu Filho amado...”
3:11; 5:7 – A identidade de Jesus foi confessada por
demônios.

A omissão de “Filho de Deus”, em 8:29 é insignificante, uma vez


que o livro estabelece bem a identidade de Jesus em outros
versículos.

88
Barclay, p. 200. A palavra hebraica para "Messias" é (Mashiach). Em João 1:41 e 4:25, o termo do Antigo
Testamento é transliterado para (Messias). No entanto, "Cristo" também significa "o ungido". A LXX usa Christos
para traduzir o hebraico Mashiach.

55
Romanos 1:4 mostra por que podemos chamar Jesus de “Senhor
e Cristo”: Ele é quem “foi designado Filho de Deus com poder,
segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a
saber, Jesus Cristo, nosso Senhor”.
Os judeus criam que o Messias viria numa manifestação
sobrenatural. Por exemplo, eles esperavam que Ele destruísse o
mundo e o refizesse, vingando o povo de Deus89.  Além disso,
pensavam que o mundo inteiro se converteria ao judaísmo; isso
fazia parte da expectativa nacionalista. É por isso que viajavam
o mundo para fazer um convertido ou “prosélito” ( ,
prosēlutos) (veja Mateus 23:15). Por outro lado, a destruição de
todos os gentios teria sido motivo de alegria entre
muitos judeus90.
Jesus teve que reeducar os judeus e Seus apóstolos quanto à
natureza do Seu reino. Não é de admirar que muitos O tenham
rejeitado quando ouviram Sua mensagem para se submeterem a Roma
pagando impostos e demonstrando respeito por seus governantes
pagãos. Os judeus da Judeia eram particularmente difíceis de
convencer; em 66 d.C., muitos na Galileia se opuseram tão
violentamente a Roma que não pensavam em manter a paz com esses
opressores. O primeiro tumulto na revolta judaica de 66-73 d.C.
começou na Galileia. Isso marcou o momento oficial em que a
guerra estourou e que essa guerra terminou com a derrota dos
rebeldes em Massada91. 
Versículo 30. Advertiu-os Jesus de que a ninguém dissessem
tal coisa a Seu respeito. Na conjuntura desse versículo, nenhum
dos apóstolos realmente entendia as implicações da messianidade
de Jesus; por isso foram orientados a não ensiná-la. Jesus
estava tentando manter esse fato em segredo. Ele até proibiu
Pedro, Tiago e João de contarem aos outros sobre a
transfiguração enquanto não ressuscitasse dos mortos (9:9).
Naquele momento, os discípulos não poderiam defender nem
explicar apropriadamente o papel do Messias. Quem ouvisse falar
do Messias o imaginaria como quisesse. Tudo indica que Jesus
queria que todos soubessem que Ele era o Messias somente quando
Ele morresse na cruz e ressuscitasse, provavelmente porque Sua
morte lançaria dúvidas sobre Suas reivindicações messiânicas.
Como é indicado em 8:31 e 32, nem Pedro entendeu essas
reivindicações92.

89
Ibid.
90
Ibid., p. 203.
91
Massada era o local que sediava um palácio e uma fortificação construídos por Herodes, o Grande, na costa
sudoeste do mar Morto, no primeiro século a.C. Após a destruição de Jerusalém em 70 d.C., na primeira guerra
judaico-romana, os rebeldes sicarii (um grupo dissidente dos zelotes judeus) fugiram da cidade e se estabeleceram
na fortaleza de Massada. Houve um cerco romano contra eles, que teria durado meses. De acordo com Flávio
Josefo, esse cerco terminou no décimo quinto dia de nisã, quando os 960 residentes da fortaleza de Massada,
incluindo rebeldes e famílias judias, cometeram suicídio em massa, em vez de se sujeitarem aos romanos. Conta-se
que duas mulheres e cinco crianças se esconderam e escaparam do destino fatal, vivendo para contar a história.
(Flávio Josefo, Guerras 7.9.1–2 [389-406].)
92
Allen Black, Mark, The College Press NIV Commentary. Joplin, Mo.: College Press Publishing Co., 1995, p. 155.

56
“ARREDA, SATANÁS” (8:31–33)93
31 Então, começou Ele a ensinar-lhes que era necessário que
o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos
anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse
morto e que, depois de três dias, ressuscitasse. 32 E isto Ele
expunha claramente. Mas Pedro, chamando-O à parte, começou a
reprová-lO. 33 Jesus, porém, voltou-se e, fitando os Seus
discípulos, repreendeu a Pedro e disse: Arreda, Satanás! Porque
não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens.

Desse momento do ministério de Jesus em diante, Ele começou


a advertir Seus discípulos de Sua morte eminente. Esse tema é a
ideia principal em 8:31 a 10:52, uma seção que pode ser
intitulada “Da Galileia a Judá”94. As três passagens específicas
sobre a morte do Filho do Homem encontram-se em Marcos. A
primeira está aqui em 8:31, e as outras duas estão em 9:31 e
10:33 e 34. Parece que os próximos fatos ocorreram enquanto
Jesus voltava os Seus pensamentos para a ida a Jerusalém
(9:30 31).
Versículo 31. Os principais líderes de Jerusalém - os
anciãos, os principais sacerdotes e os escribas - logo uniriam
as forças na tentativa de apanhá-lO numa cilada. Os “principais
sacerdotes”95 são mencionados catorze vezes em Marcos. Esses
“anciãos” mencionados por Jesus, sem dúvida, estavam entre os
setenta membros do Sinédrio. O “sumo sacerdote” ( ,
archiereus) era o mais alto líder e acabou sendo o mais cruel
por levar o Cristo a julgamento (Mateus 26:57).
A tragédia da cruz estava agora bem próxima; a hora de
Jesus estava chegando!96 Não era que essa tragédia aconteceria
simplesmente, mas que ela precisava acontecer. Jesus sabia que a
profecia tinha de se cumprir. Marcos 9:12b diz: “Como, pois,
está escrito sobre o Filho do Homem que sofrerá muito e será
aviltado?” Jesus sabia que Ele seria rejeitado ( ,
apodokimazō). Literalmente, Ele “não seria aprovado pelo
escrutínio” dos líderes judeus. Isso fazia parte do plano divino
de que Ele deveria sofrer muitas coisas pelos nossos pecados.
Isaías 53:3–11 é uma descrição profética do que o Cristo deveria
padecer pelos pecadores.

93
Os relatos paralelos estão em Mateuse 16:21-23 e Lucas 9:22.
94
L. A. Stauffer, Mark, Truth Commentaries, Guardian of Truth Foundation. Bowling Green, Ky.: Standard Publishing
Co., 1999, p. 184.
95
Esses “principais sacerdotes” talvez incluíssem ex sumos sacerdotes.
(G. H. Twelftree, “Sanhedrin” em Dictionary of Jesus and the Gospels, ed. Joel B. Green, Scot McKnight e I. Howard
Marshall. Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 1992, p. 730.)
96
 Alguns acreditam que Marcos foi escrito para os santos em Roma e se concentrou tanto no sofrimento porque os
romanos seriam os principais entre os primeiros cristãos a serem afetados dessa maneira. (Stauffer, p. 185). Isso
pode ser verdade, mas a igreja foi feita para sofrer em todo lugar. 

57
A expressão Filho do Homem provavelmente foi emprestada de
Daniel 7:13. A expressão se refere a uma figura exaltada ligada
aos “santos do Altíssimo” (Daniel 7:18)97. Nessa grande profecia,
o Filho do Homem foi apresentado como um ser humano que seria
morto.
Jesus também deu aos apóstolos uma boa notícia: depois de
três dias, [Ele] ressuscitaria. Somente Marcos emprega essa
expressão; Mateus e Lucas dizem “no terceiro dia” (Mateus 16:21;
17:23; 20:19; Lucas 9:22). Essa contagem de tempo segue o método
judaico de considerar uma parte de um dia como um dia inteiro.
(Um dia consistia na noite e no dia seguinte.) Jesus pode ter
usado ambas as expressões, ou cada escritor do Evangelho pode
ter interpretado o que Ele disse da sua maneira, já que ambas as
expressões têm exatamente o mesmo significado. Para nós, “depois
de três dias” significaria “no quarto dia”, mas esse não seria o
caso, segundo a contagem judaica.
Versículo 32. E isto Ele expunha claramente. Nenhum dos
acontecimentos posteriores sucedidos em Jerusalém pegou Jesus de
surpresa, mas o que Ele disse aqui foi uma surpresa total para
os Seus discípulos. O Seu “sofrer muitas coisas”, incluindo a
Sua morte na cruz, fazia parte do plano de Deus. Jesus veio à
terra para fazer a vontade do Pai. Filipenses 2:7-8 diz:
“...tornando-se em semelhança de homens... a si mesmo se
humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”.
Hebreus 10:5–7 explica claramente por que Jesus recebeu um
corpo:

Por isso, ao entrar no mundo, diz:


Sacrifício e oferta não quiseste;
antes, um corpo Me formaste;
não Te deleitaste com holocaustos e ofertas pelo pecado.
Então, Eu disse: Eis aqui estou (no rolo do livro está
escrito a Meu respeito),
para fazer, ó Deus, a Tua vontade.98

Quando Jesus mencionou aos apóstolos que a Sua morte estava


próxima, Ele falou “claramente” ( , parresia), ou seja,
“abertamente”, isto é, “sem rodeios”. Ele não empregou uma
linguagem simbólica ou comparativa; era tarde demais para isso.
Em Marcos 2:20, Ele usou a figura de um noivo sendo levado
embora. Em João 2:19-23, Ele usou outra metáfora, a destruição
de um templo:

97
Expressões como “o Altíssimo” são usadas para Deus muitas vezes no Antigo Testamento, especialmente
começando com Números 24:16 e terminando com Oséias 11:7. Designações semelhantes ocorrem muitas vezes no
Novo Testamento para Jesus.

98
Veja Salmos 40:6-8.

58
Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três
dias o reconstruirei. Replicaram os judeus: Em quarenta e
seis anos foi edificado este santuário, e Tu, em três dias,
o levantarás? Ele, porém, se referia ao santuário do Seu
corpo.

O sinédrio ouviria as reivindicações de Jesus e O


rejeitaria. Jesus provaria que estavam errados ressuscitando Ele
mesmo dos mortos. Como os discípulos ainda não podiam conceber a
morte de Jesus por eles, tiveram dificuldade com o conceito de
Sua ressurreição. Assim como Marta (João 11:24), podiam
prontamente aceitar uma ressurreição no “último dia”; mas nem
mesmo esses apóstolos, que viram tantos milagres, poderiam
imaginar Jesus ressuscitando dos mortos.
Pedro tinha de dizer alguma coisa sobre isso a
Jesus; chamando-o à parte, começou a reprova-lo. O registro de
Marcos não é tão completo quanto o de Mateus 16:22: “E Pedro,
chamando-O à parte, começou a reprová-lO, dizendo: Tem compaixão
de Ti, Senhor; isso de modo algum Te acontecerá”. Em sua
ignorância, Pedro estava falando expressando justamente o desejo
de Satanás (8:33). Ele tinha boas intenções e pretendia dizer a
Jesus que tivesse uma visão mais positiva da vida99. Ele estava
advertindo Jesus: “Não seja tão pessimista!” No entanto, todos
os pensamentos positivos do mundo não poderiam negar os fatos a
respeito do Messias. Às vezes devemos enfrentar verdades
negativas ou difíceis.
Versículo 33. Pedro era um paradoxo; do ponto mais alto (a
confissão), ele afundou nas profundezas. Pedro presumiu que era
sábio o suficiente para aconselhar o Filho de Deus! Pedro havia
tentado ser educado, tirando Jesus para um ambiente particular
(8:32), mas Jesus não aceitou: Porém, voltou-se e, fitando os
Seus discípulos, repreendeu a Pedro. Jesus retrocedeu, virando-
se para os outros discípulos a fim de repreender a Pedro.
Em primeiro lugar, Jesus disse a Pedro: Arreda, Satanás!
Quando comunicamos o que Satanás tem em mente, somos ferramentas
em suas mãos, ainda que tenhamos as melhores das intenções.
Nesses casos, precisamos do mesmo tipo de repreensão que Jesus
fez a Pedro. Mateus 16:23 usa o termo , skandalon, uma ofensa
ou um motivo de tropeço. Se Jesus tivesse seguido o conselho de
Pedro, Ele teria “tropeçado”. O uso da palavra (Satanas),
Satanás, em vez da palavra grega (diabolos), “diabo”, é
outra indicação da influência do hebraico e aramaico.
Em seguida, Jesus disse a Pedro: Porque não cogitas das
coisas de Deus, e sim das dos homens. “Cogitar das coisas dos
homens” evidentemente significava desejar um Messias poderoso e
terreno, pois era isso o que os judeus e Satanás queriam.
Satanás entrou na mente de Pedro e levou-o a pensar isso;
99
Alguns pensam que Pedro ficou tão assustado que lhe ocorreu que Jesus estava fora de si. (Staufer, p. 188.) Pode
ser por isso que Jesus respondeu reprovando-o com tanta firmeza.

59
recusando as palavras de Cristo, ele caiu na mentalidade do
diabo.
Pedro não levou em conta o real propósito da missão de
Jesus. A resposta de Jesus foi, com efeito: “Estás tentando
fazer com que Eu siga os caminhos do mundo e Me torne um
governante terreno com grande pompa e cerimônia; mas esse é o
caminho de Satanás, não o Meu”. Jesus conhecia o plano celestial
e este nada tinha a ver com o modo de pensar do mundo. Outros
talvez pensassem como Pedro; mas Jesus corrigiu Pedro com toda a
força, de modo que o restante dos discípulos não ousaram falar
contra ele. Jesus queria que todos percebessem que o que Ele
havia dito era a vontade do Pai e era o que deveria acontecer.
Humildade e obediência à vontade de Deus devem vir antes da
honra eterna. Pedro aprenderia essa lição e falaria dela com
frequência:

Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se


necessário, sejais contristados por várias provações, para que,
uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do
que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor,
glória e honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, não havendo
visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com
alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim da vossa fé:
a salvação da vossa alma (1 Pedro 1:6-9; veja 4:12–19; 5:10).

A parte terminada em Marcos 8:33 assinala o fim da


“primeira metade” do Relato do Evangelho, pois, a partir daí,
Jesus voltaria a face para a cruz em Jerusalém.

“QUE DARIA UM HOMEM EM TROCA DE SUA ALMA?” (8:34-38)100

Então, convocando a multidão e juntamente os Seus


34
discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após Mim, a si mesmo
se negue, tome a sua cruz e siga-Me. 35 Quem quiser, pois, salvar
a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e
do evangelho salvá-la-á. 36 Que aproveita ao homem ganhar o mundo
inteiro e perder a sua alma? 37 Que daria um homem em troca de
sua alma? 38 Porque qualquer que, nesta geração adúltera e
pecadora, se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, também o
Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de
Seu Pai com os santos anjos.

Versículo 34. Neste versículo, a cruz é mencionada pela


primeira vez em Marcos. Uma vez que os judeus não tinham o
direito legal de usar esse método de execução para criminosos,
estava implícito que o governador romano estaria envolvido na
condenação de Jesus. Convocando a multidão e juntamente os Seus

100
Os relatos paralelos estão em Mateus 16:24-28 e Lucas 9:23-27.

60
discípulos, disse-lhes [Jesus]: Se alguém quer vir após Mim, a
si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-Me. Jesus iria mostrar
o caminho da autoabnegação.
Em vez de buscar um reino terreno e uma honra mundana, todo
seguidor de Cristo deve buscar o caminho do discipulado eterno;
mas o que é isso? Autoabnegação não significa apenas negar a si
mesmo alguns prazeres. É um modo de vida, uma renúncia de si
mesmo. Jesus não estava dizendo que é preciso sofrer fisicamente
para ser Seu discípulo. Sofrer na carne às vezes pode ser
necessário; houve mártires em todas as épocas em várias partes
do mundo (veja 2 Timóteo 3:12). O sofrimento pode ocorrer quando
colocamos os interesses de Deus acima dos nossos, como fez
Jesus.
No entanto, a submissão deve ser diária; não é o levar a
cruz literal. Em Lucas 9:23, Jesus disse: “Se alguém quer vir
após Mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-
Me” (grifo meu). A religião de nosso Senhor talvez fosse mais
popular se fosse observada apenas um dia por semana. Ao
contrário disso, o discipulado deve ser um
compromisso constante, resoluto e diário.
Versículo 35. O Senhor falou em perder a própria vida: Quem
quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida
por causa de mim e do evangelho salvá-la-á. A palavra grega para
“vida”, (psuche101), também pode ser traduzida por “alma”,
como em 8:36 (Mateus 16:26). E o termo poderia ter sido
traduzido por “vida” em todas as ocorrências, mas tanto a ARA a
NVI optaram por “vida” em 8:35 e “alma” em 8:36. As palavras
para “alma”,   (nepesh) no Antigo Testamento, e (psuchē) no
Novo Testamento, na verdade têm uma ampla variedade de
significados. Psuche refere-se ao “fôlego de vida; a força vital
que anima o corpo” e pode ser usada para um animal e para
uma pessoa102, podendo ser aplicadas a um ser vivo e que respira
- principalmente o homem, incluindo, no caso do Antigo
Testamento, os animais103. Em contraste, (pneuma, “espírito”)
é a alma racional e imortal exclusiva ao homem.
Versículos 36 e 37. Jesus fez duas perguntas nestes
versículos: Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e
perder a sua alma? Que daria um homem em troca de sua alma?
“Perder a sua alma” significa desistir incorrendo uma
penalidade. Jesus poderia estar dizendo aqui: “Se alguém perder
a sua alma eterna, de que maneira poderá comprá-la de volta? Nem
o mundo inteiro poderia pagar o seu preço! Nada pode ser dado em
troca da alma! A palavra psuche é repetida nesses versículos,
porém as versões ARA, KJA e NVI a traduzem por “vida” em 8:35 e

101
As raízes de “psicologia” e “psiquiatria” vêm dessa palavra.
102
Joseph Henry Thayer, A Greek-English Lexicon of the New Testament. Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing
House, 1962, p. 677.
103
A referência a “seres viventes” em Gênesis 1:20 usa a palavra nepesh.

61
por “alma” em 8:36. “Vida” parece ser a melhor interpretação
(veja BJC).
No entanto, também podemos pensar na “vida” humana no
sentido espiritual ou eterno, como sinônimo de “alma”. Este é um
exemplo da linguagem misteriosa ou paradoxal de Cristo. Ele fez
uma declaração que parecia contradizer uma anterior, ainda que
ambas expressem verdades profundas104. Aqueles que perderam a
vida por Cristo certamente a receberão de volta na glória.
Sabemos que nenhuma das coisas materiais desta vida poderemos
levar conosco quando morrermos. No entanto, as almas que
possuímos viverá para sempre - seja na alegria eterna, se formos
fiéis a Cristo, seja na desgraça eterna, se formos desobedientes
ou não permanecermos fiéis até o fim.
Versículo 38. O Senhor resumiu dizendo: Porque qualquer
que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de Mim e
das Minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará
dele, quando vier na glória de Seu Pai com os santos anjos.
“Esta geração adúltera e pecadora” lembra o modo profético do
Antigo Testamento referir-se ao Israel desviado, que cometera
adultério espiritual separando-se de Deus. Kernaghan chamou essa
expressão de “a mais sombria avaliação das perspectivas de
Israel que já se fez”105.
Jesus também usou a expressão “envergonhar-se de Mim e das
Minhas palavras”. Sofreremos vergonha eterna se nos
envergonharmos de Jesus e das Suas palavras. Podemos realmente
separar uma coisa da outra? Se tivermos essa reação para com
Cristo, a vergonha será contra nós quando Ele vier em toda a Sua
glória. Viver uma vida adúltera e pecadora é negar o Senhor. 
Se jamais confessarmos Jesus como o Filho de Deus nesta
vida, Ele nos negará mais tarde (Mateus 10:32, 33). Por outro
lado, a nossa confissão agora certamente redundará em regozijo
“quando vier na glória de Seu Pai com os santos anjos”. Ver o
nosso amado Senhor e todas as Suas legiões de anjos realmente
será glorioso.

Meditações em Marcos 8

As Expectativas de Jesus (8:1-10)


Jesus provavelmente permaneceu em Decápolis (veja 7:31) por
algum tempo. Ele ensinou aos gentios o máximo que pôde e deu
instruções pessoais aos apóstolos. No cenário dessa narrativa
(8:1-10), uma grande multidão O seguiu por três dias. O povo
devia estar fascinado com a personalidade, o poder e a mensagem
de Jesus de tal maneira que não queriam deixá-lO. Estavam tão

104
Black, p. 158.
105
Kernaghan, p. 164.

62
compenetrados em ouvir Jesus que nem se deram conta da
necessidade do pão diário.
Bem diante de Jesus, surgiu uma crise de fome. Sem pedir
aos apóstolos que tomassem alguma providência, Jesus lhes disse
que sentia compaixão dos que tinham estado com Ele naqueles três
dias e agora não tinham nada para comer (8:2, 3).
Os apóstolos não tinham pensado na fome da multidão
presente, por isso não tinham nenhum plano em mente para
resolver a situação. Perguntaram a Jesus: “Donde poderá alguém
fartá-los de pão neste deserto?” (8:4). É assim que Jesus
geralmente nos pega: não pensamos na pobreza que nos cerca. Não
vemos nenhuma emergência. Finalmente, quando a crise é severa e
chama nossa atenção, só podemos dizer: “Isso é impossível.
Ninguém pode resolver este problema!”
Sem ajuda alguma dos apóstolos, Jesus começou a remediar a
dificuldade. Ele praticamente disse: “Vamos começar com o que
temos. Quantos pães temos aqui?” (veja 8:5). Os apóstolos
examinaram suas sacolas e acharam sete pães. Também tinham
alguns peixinhos, talvez oferecidos pelo povo.
Jesus se encarregou de alimentar a multidão (8:6, 7). A
refeição que Jesus providenciou foi suficiente para todas as
pessoas presentes. Ninguém foi deixado de lado. Depois disso, os
pedaços restantes foram recolhidos e estes encheram mias sete
cestos grandes (8:8), do tamanho do cesto usado para descer
Paulo pela “muralha” de Damasco (veja Atos 9:25).
Anteriormente, Jesus havia alimentado uma multidão
de cinco mil homens, além de mulheres e crianças (Marcos 6:33-
44). Aquele milagre teve pontos semelhantes e pontos diferentes
deste. Em ambos os casos, porém, terminada a refeição, Jesus
despediu as multidões. Esses milagres ocorreram publicamente e
poderiam facilmente ser mal interpretados. O povo seria tentado
a reagir a eles dizendo: “Se fores o nosso rei terreno, Te
seguiremos em todo e qualquer lugar”. Jesus não veio para ser
esse tipo de rei. Portanto, devido à natureza do milagre e ao
cenário, foi necessário que Jesus despedisse a multidão e
partisse para outro lugar.
Um dos aspectos únicos desta multiplicação para alimentar
quatro mil é como Jesus lidou com o elemento humano. A maneira
como Ele agiu nos transmite lições importantes sobre a vida e o
serviço, as quais não queremos perder. As responsabilidades do
discipulado são óbvias nas ações de Jesus quando Ele alimentou a
multidão. Podemos ver nessas responsabilidades um tema
importante: “As Expectativas de Jesus”. O que Jesus espera que
Seus discípulos façam?
1. O texto deixa implícito que Jesus esperava que Seus
discípulos pensassem no que deveria ser feito. Jesus não deu
ordens aos Seus discípulos; Ele nem sequer fez uma pergunta. Ele
fez uma declaração que continha uma implicação. Disse-lhes que
estava profundamente comovido por ver a multidão faminta.

63
Jesus queria que os Seus discípulos propusessem um plano.
Não deveriam ter mesmo pensado numa solução para esse problema
da fome?
Jesus não faz o mesmo conosco? Na Sua grande comissão, Ele
nos deu apenas mandamentos gerais. Ele não nos disse como ir, de
carro, de barco, de avião ou a pé. Ele não nos disse quando ir,
na nossa adolescência, aos vinte e poucos anos, na meia-idade ou
nos anos de aposentadoria. Ele não nos disse quais métodos usar
quando chegássemos aos lugares que escolhemos. Jesus deixou
essas questões à nossa escolha. Portanto, Ele espera que
pensemos no que vamos fazer para cumprir a Sua ordem. A
implicação é que Ele quer que olhemos ao redor, avaliemos o
estado do mundo, examinemos os métodos que são eficazes para
ensinar as pessoas e formulemos planos razoáveis para realizar o
trabalho. O que Jesus espera de nós? Ele espera que pensemos.
2. O texto deixa implícito que Jesus esperava que Seus
discípulos se lembrassem do que Ele havia feito anteriormente.
Jesus havia operado um milagre semelhante algumas semanas antes,
mas os discípulos aparentemente não se lembraram de como ou por
que Ele o tinha feito.
O versículo 4 faz soar um acorde destoado em nossos
corações: “Mas os Seus discípulos Lhe responderam: Donde poderá
alguém fartá-los de pão neste deserto?” (8:4). Como os apóstolos
puderam dizer isso? Eles estavam olhando para o Cristo, o Filho
de Deus, que alimentou cinco mil homens (além de mulheres e
crianças) com cinco pães de cevada e dois peixes, pouco tempo
atrás. Depois desse episódio, viram esse Jesus atravessar o mar
da Galileia no barco deles. Um pouco mais tarde, eles O viram
curar um homem infestado de demônios e mandar esses demônios
para uma manada de porcos nessa mesma região. No entanto, nenhum
desses fatos parece ter vindo à mente deles. Estavam respondendo
a Jesus como se nunca tivessem presenciado um único milagre
dEle.
O poder de Jesus é pleno e amplo; Ele pode lidar com
qualquer situação, independentemente do nível de dificuldade.
Ele tinha poder naqueles dias e tem poder hoje também! Devemos
saber e crer nisso. Com Jesus, não há grandes problemas.
Aquele que criou todas as coisas vê as nossas aflições como
pequenos buracos na areia que podem ser tapados com um simples
toque.
Encaramos os nossos problemas como se nunca tivéssemos
visto Jesus agir? Se, ontem, Jesus foi fiel a nós, Ele não será
fiel hoje também? Por que nos preocupamos? E Aquele que é fiel a
nós hoje não será igualmente fiel amanhã? 
Se não nos lembrarmos do que Deus fez, não poderemos louvá-
lO adequadamente. E se não nos lembramos do Seu cuidado
providencial, provavelmente, cederemos às circunstâncias cruéis
que nos confrontam diariamente. O que Jesus espera de nós? Ele
espera que nos lembremos.

64
3. O texto deixa implícito que Jesus esperava que Seus
apóstolos participassem da obra que Ele estava realizando. Sim,
Ele operou o milagre: partiu o pão e serviu os peixes como uma
refeição que alimentaria uma multidão, mas Ele chamou os
discípulos para distribuírem o alimento ao povo ali presente.
Depois de dar graças e multiplicar os pães e os peixes, Ele “os
deu a Seus discípulos, para que estes os distribuíssem,
repartindo entre o povo” (8:6)106. Então Ele abençoou os peixes e
“mandou que estes igualmente fossem distribuídos” (8:7)
Jesus tratou os apóstolos como se eles estivessem numa
espécie de escola preparatória. Em breve, eles seriam líderes na
igreja primitiva. Eles se tornariam uma extensão da vida terrena
e do ministério do Senhor. O pedido de Jesus para que servissem
o povo era uma boa preparação para o que fariam mais tarde.
O fluxograma da liderança deu-se na seguinte sequência:
Jesus, os apóstolos, a igreja primitiva e a igreja posterior.
Nessa sequência de serviço, no devido tempo, nós nos tornamos as
mãos e os pés de Jesus neste mundo. A obra do Senhor vai se
perpetuar no mundo, mas essa obra deverá ser realizada por você
e por mim.
Vemos o plano do Senhor refletido na maneira como Ele
serviu a multidão nessa refeição no deserto. Vemos esse plano
novamente nas palavras de Paulo: “E o que de minha parte ouviste
através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens
fiéis e também idôneos para instruir a outros” (2 Timóteo 2:2).
Ele também pode ser visto na vida da igreja primitiva:

Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só


na minha presença, porém, muito mais agora, na minha
ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor;
porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar, segundo a sua boa vontade (Filipenses 2:12, 13).

O que Jesus espera de nós? Ele espera que participemos do que


Ele está fazendo.
Conclusão: assim como Jesus pôs os Seus apóstolos para
trabalhar, Ele também nos chamou para agir. Ele quer que
continuemos a realizar o Seu ministério na terra. Ele quis
colocar o evangelho em nossas mãos. Será que vamos decepcioná-lO
ou honrá-lO?
Quando lemos sobre como Jesus ofereceu essa refeição, as
seguintes responsabilidades clamam por nossa aceitação: 1)
Devemos ser mais observadores. Nós somos os olhos de Jesus para
ver a fome na vida das pessoas. Todas as dificuldades podem se
tornar oportunidades para nós. 2) Ao dar assistência ao próximo,
devemos começar com o que temos. Um pouco nas mãos de Jesus
pode render muito. 3) Não devemos esperar ter tudo no lugar
106
Até mesmo depois de ressuscitar Lázaro dos mortos, Jesus pediu aos presentes que “o desatassem e o deixassem
ir” (João 11:44).

65
para começarmos. Jesus começou com sete pães e achou alguns
peixes depois. 4) Se Jesus pôde manifestar o Seu poder milagroso
nos dias do Novo Testamento, Ele também pode manifestar o Seu
poder providencialmente hoje. Precisamos olhar para Jesus para
que Ele nos ajude. 5) Devemos confiar em Jesus enquanto servimos
as multidões. O plano do Senhor pode ser diferente do que
tínhamos em mente, mas sempre é o melhor plano. 6) Certifiquemo-
nos de que não negligenciamos ninguém. Jesus nos chama para
ajudar a todos. 7) Devemos chamar os que estão perto de nós, que
muito provavelmente podem nos ajudar. Metaforicamente falando,
eles podem possuir alguns peixes. 8) Devemos estar empenhados em
otimizar os nossos recursos. Devemos aproveitar as sobras. 9)
Lembremo-nos de que Jesus optou por não fazer o Seu trabalho
sozinho. 10) Tenhamos em mente o que Ele já fez ontem, para O
louvarmos hoje.
Talvez seja oportuno aplicarmos o chamado de Deus a Isaías
e a resposta desse profeta a nós mesmos: “Ouvi a voz de Jesus,
que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por Nós? Eu fui para
o céu, mas Minha missão na terra não está terminada. A quem
pedirei que Me ajude a completá-la?” E aqui está a nossa
resposta: Ei-nos aqui, envia-nos a nós! Se nos enviar, Senhor,
iremos e realizaremos a Sua obra” (veja Isaías 6:8). Em
resposta, Jesus nos dirá: “Vão e digam às pessoas que Eu vim ao
mundo, morri pelo mundo e fui preparar morada no céu para
aqueles que Me obedecem. Vão até as pessoas e não parem até que
todas tenham ouvido o Meu evangelho. Se vocês fizerem isso por
Mim, Eu irei com vocês e lhes darei poder para terminar a Minha
missão” (veja Isaías 6:9; Mateus 28:19, 20).

Uma Rejeição Tripla (8:11–13)


Jesus provavelmente passou para o lado ocidental do mar da
Galileia. Ele tinha ido para Dalmanuta, que provavelmente ficava
no lado ocidental do mar da Galileia, perto de Tiberíades.
Os fariseus (os saduceus também são mencionados
em Mateus 16:1) pediram que Jesus lhes desse um sinal do céu.
Eles haviam testemunhado os Seus milagres na terra, mas não os
consideraram suficientes para confirmar Suas reivindicações
messiânicas. Os atos miraculosos que Jesus realizou não os
convenceram de que Ele era o Messias de Deus. Para eles, Seus
milagres pareciam fracos e sem poder; esses guias religiosos
estavam pedindo maravilhas incríveis.
Jesus lhes disse que eles podiam ler os sinais do clima com
precisão, mas não podiam ler os sinais da vinda do Messias:
“Chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está
avermelhado; e, pela manhã: Hoje, haverá tempestade, porque o
céu está de um vermelho sombrio” (Mateus 16:2, 3a). Jesus
repreendeu os apóstolos com esta pergunta: “Sabeis, na verdade,
discernir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos
tempos?” (Mateus 16:3b).

66
Em algum momento da discussão, talvez logo após o pedido
inicial, Marcos retratou Jesus “arrancando do íntimo do Seu
espírito um gemido” (8:12a). Jesus sentia uma suprema alegria
quando as pessoas recebiam a Sua palavra e criam nEle, mas Seu
coração ficava dilacerado quando Ele era rejeitado. A expressão
traduzida por “arrancar um gemido” também poderia ser traduzida
por “gemer”. O Filho de Deus gemeu em resposta ao pedido feito
por aqueles corações incrédulos.
Após o Seu gemido, Jesus anunciou uma sentença severa
contra esses líderes religiosos. Disse Ele: “Uma geração má e
adúltera pede um sinal” (Mateus 16:4a). Esse pedido revelou a
Jesus que os fariseus e os saduceus, que tinham ido até Ele,
tinham um coração endurecido.
Jesus assumiu o papel de profeta encerrando a conversa: “Em
verdade vos digo que a esta geração não se lhe dará sinal algum”
(8:12b; veja Mateus 16:4b). Mateus 16:4c acrescenta uma frase à
sentença do nosso Senhor: “senão o de Jonas”. Essa é uma
referência figurativa à ressurreição de Jesus. O único sinal que
receberiam seria a ressurreição de Jesus dentre os mortos.
As evidências dos milagres de Jesus eram suficientes para
convencer qualquer um que quisesse crer. E quem rejeitasse Jesus
e Seus milagres não seria persuadido nem mesmo pela ressurreição
de Jesus dentre os mortos! Nada que Jesus fizesse convenceria
essa pessoa.
A maior tragédia que se pode imaginar é rejeitar que Jesus
é o Filho de Deus. No caso dos fariseus e dos saduceus, rejeitar
a Jesus envolveu igualmente outras tragédias.
1. A Tragédia da Ignorância Deliberada. Se os fariseus
tivessem buscado saber a verdade sobre Jesus, teriam encontrado.
Se tivessem ido até Jesus de coração aberto, Seus milagres,
conduta e mensagens os teriam convencido.
Quando se trata de assuntos espirituais, a motivação por
trás da busca é o fator decisivo. Os fariseus tinham ido até
Jesus por motivos errados. Foram até o Mestre para prendê-lO,
tentar fazê-lo tropeçar, encontrar alguma razão para condená-lO.
Eles não foram em busca da verdade sobre Jesus. Deliberadamente,
rejeitaram a verdade que Jesus havia trazido e estavam
militantemente tentando livrar-se dEle.
Anteriormente, depois de testemunhar os milagres operados
por Jesus, eles os atribuíram ao poder de Belzebu. Incapazes de
negar o poder de Jesus, argumentaram que Ele estava agindo pelo
poder do príncipe do mal, o diabo.
A verdade é que eles não queriam Jesus. Ele era a
personificação da verdade; e se permitissem que a verdade
enchesse a Judeia, perderiam sua posição, seu poder, suas
riquezas e influência. Então, optaram por rejeitar o verdadeiro
conhecimento que Jesus lhes havia trazido. Era como se dissessem
com rebeldia: “Vamos ficar com o que cremos, ainda que as nossas
crenças pareçam estar erradas”.

67
2. A Tragédia de uma Oportunidade Desperdiçada. Podemos ser
tentados a dizer: “Se eu tivesse visto e ouvido Jesus e se
tivesse testemunhado Seus milagres, eu teria crido. Eu teria
aproveitado esse momento único com todo o coração”.
Presenciar Jesus enquanto Ele esteve na terra certamente
foi o maior privilégio que o mundo já teve ou terá. Teremos um
privilégio ainda maior quando estivermos com Ele na eternidade;
mas, nesta vida, estar perante Ele foi, sem dúvida, a
oportunidade mais notável, a maior honra, a maior alegria que a
terra já experimentou.
Para essas pessoas - os fariseus e saduceus que se
dedicavam ao serviço religioso - a oportunidade de conversar com
Jesus e testemunhar o Seu ministério terreno deveria ter sido a
realização de suas ambições e ministérios. Esse momento de ouro
deveria ter sido a consumação dos seus anseios e sonhos.
O que fizeram esses homens com o tempo precioso que tiveram
com o Filho de Deus? Eles descartaram esse dom da graça como se
tivesse sido entregue pelo próprio diabo.
3. A Tragédia de uma Comunhão Perdida. Além da oportunidade
de aprender a verdade, os fariseus e saduceus também tiveram o
privilégio de estar em comunhão terrena com Jesus, o Cristo.
Ele se sentou diante deles, andou com eles e olhou para eles.
Sempre que tiveram uma oportunidade de aprender com Jesus,
os apóstolos a aproveitaram. Jesus amava esses homens e eles O
amavam. Essa comunhão com Jesus, o divino Filho de Deus, é a
mais pura e significativa comunhão que alguém pode ter.
Os fariseus e os saduceus rejeitaram a amizade com Jesus
porque não O queriam. Assim que chegasse o momento oportuno,
eles O matariam.
A reação de Jesus ao pedido deles por um sinal arrancou-Lhe
um profundo gemido. Em vez de buscá-lO para aprender a verdade,
os fariseus e os saduceus pretendiam testá-lO. Jesus estava lhes
oferecendo a vida eterna, mas eles só estavam interessados em
condená-lO e garantir a morte dEle. Essa rejeição a Jesus
significou a perda da comunhão com o Cristo divino.
Conclusão: rejeitar a Jesus é a maior tragédia de todas. O
incidente nesta passagem envolveu a escolha de afastar-se de Sua
verdade por ignorância deliberada, por rebeldia jogando fora a
oportunidade de receber os benefícios do ministério terreno de
Jesus, e pela escolha de ter comunhão com o mal, no lugar do
Filho de Deus.
O texto conclui com uma nota triste: “E, deixando-os,
tornou a embarcar e foi para o outro lado” (8:13). A partida de
Jesus é relatada em uma breve, porém solene e convincente
referência. Jesus partiu porque naquela aldeia Ele não pôde
fazer o trabalho divino para o qual Ele havia vindo ao mundo.
A graça de Deus tem limites. O amor de Deus tem limites.
Jesus Cristo veio para salvar a todos, mas Ele só pode salvar
aqueles que Lhe abrem o coração.

68
Jesus veio até nós por meio dos quatro Evangelhos. Que
diremos? “Eu preciso de mais provas”? Se dissermos que
precisamos de mais provas além das que constam nas Escrituras,
então, merecemos ouvir: “A única prova que vocês receberão é a
da ressurreição dos mortos no fim dos tempos”. Quando essa prova
for dada, todos, com certeza, crerão; mas será tarde demais.
Agora é a hora de aceitarmos as provas e crermos. A hora “h”
chegou; devemos agarrar essa oportunidade.

Jesus e Nossos Problemas (8:14–21)


Os oito versículos em 8:14–21 são quase inteiramente
retomados na discussão de Jesus com os apóstolos. Ela deve ter
começado no barco, na partida de Dalmanuta para o outro lado do
mar da Galileia, mas ainda não tinha terminado quando chegaram à
costa. O ministério de Jesus estava chegando rapidamente ao fim,
por isso Ele passou a dedicar o máximo de tempo possível à
preparação dos apóstolos para as dificuldades que os aguardavam.
Jesus queria explicar os riscos potenciais. Ele estava cuidando
deles, certificando-se de que estavam se transformando nos
servos fortes que Ele precisava que fossem.
Um problema particularmente enfatizado por Jesus foi os
ensinos dos fariseus, saduceus (mencionados em Mateus 16:1) e os
herodianos. Jesus discorreu acerca do erro desses mestres
empregando uma linguagem figurada, referindo-se à influência
maligna deles como um fermento. Os apóstolos só compreenderam o
significado figurado da exposição depois de chegarem perto de
Betsaida Júlia, no lado oriental do lago. Essa conversa liderada
por Jesus continha referências a três problemas que qualquer
grupo de homens que estão se transformando em líderes no reino,
inevitavelmente, terá de enfrentar.
Os problemas expostos nesse cenário podem sobrevir a todos
nós, mais cedo ou mais tarde. Os pontos fracos que Jesus viu em
Seus apóstolos são provavelmente os mesmos que Ele vê em nós.
Vamos recapitular essa conversa e fazer uma aplicação fiel a nós
mesmos, pois também nos preparamos para servir no Seu reino.
1. O Problema do Esquecimento (ou da Negligência). O início
de 8:14-21 menciona um simples descuido da parte dos apóstolos:
“Ora, aconteceu que eles se esqueceram de levar pães e, no
barco, não tinham consigo senão um só” (8:14).
O esquecimento pode nos causar problemas, como aconteceu
com esses homens nessa viagem. A falha dos apóstolos em se
prevenir e juntar as provisões necessárias para a viagem foi um
descuido significativo. Levaram consigo somente um pão!
O texto revela que os apóstolos e Jesus tiveram de sofrer
as consequências da falha dos apóstolos em se prevenir e se
preparar para o trabalho que iam fazer. Jesus não operou um
milagre para reparar a negligência deles nessa ocasião. Pelo
menos, se Ele o fez, não há registro disso. Estando com eles em
carne e osso, Jesus nunca usou Seu poder miraculoso para

69
satisfação, provisão, ganho ou prazer pessoal. Ele nem usou o
Seu poder miraculoso para libertar-se das tentações do diabo no
deserto, após passar dias sem comer.
Esse erro dos apóstolos ensinou-lhes a necessidade de
planejar com antecedência e ser diligente no trabalho – bem como
antes e depois do trabalho. Dizem que “o homem prevenido vale
por dois”. Poderíamos dizer também: “o prevenido evita
arrependimentos”! Quando descobrimos que estamos despreparados
para realizar uma tarefa, percebemos o quanto mais eficaz e
muito mais agradável o nosso trabalho teria sido, se tivéssemos
nos preparado. Os apóstolos, pelo menos nessa ocasião,
precisavam de mais prudência; e, na maioria dos casos, nós
também.
2. O Problema dos Falsos Ensinos (ou Influências Malignas).
Esse foi o tema principal que Jesus queria discutir com os
apóstolos nessa conversa. Ele advertiu Seus discípulos dos
falsos ensinos dos fariseus, saduceus e herodianos. A urgência é
vista nas palavras “guardai-vos”. Enquanto Marcos 8:15 diz:
“Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes”,
Mateus 16:6 diz: “...dos fariseus e dos saduceus”. O nosso
Senhor classificou sob a palavra “fermento” três tipos de
mestres: fariseus, saduceus e herodianos.
No Antigo e no Novo Testamento, a palavra “fermento” é
frequentemente usada simbolicamente para representar o mal ou a
corrupção. Nesse contexto, Jesus usou-a para se referir à
natureza corruptível dos ensinos desses mestres religiosos e
políticos.
Os fariseus eram tradicionalistas. Eles colocavam suas
tradições no mesmo nível da Palavra de Deus. Sempre que essas
tradições conflitavam com a Palavra de Deus, eles as seguiam. Os
saduceus eram os racionalistas. Eles não acreditavam em anjos,
milagres, no além, nem numa ressurreição geral. Só acreditavam
nos cinco primeiros livros do Antigo Testamento. Os herodianos
eram os pragmáticos. Eles haviam cedido à liderança do Império
Romano, tornando-se defensores especiais da dinastia herodiana.
O Senhor Jesus não aprovou nenhum desses três grupos de
mestres. Cada um representava um sistema diferente de desvio da
verdade. Sendo Ele a verdade (veja João 14:6), Ele se opôs a
todos os três.
Jesus foi inflexível quanto à resposta que os Seus
apóstolos deveriam dar ao erro. As palavras “guardai-vos”
visavam comunicar um alerta retumbante. Mesmo estando com eles,
Ele sabia que os falsos ensinos desses três grupos poderiam, de
várias maneiras, invadir-lhes a mente. Jesus os convocou a se
recusarem a ser influenciados por qualquer tipo de erro.
A palavra “influência” deve ser cuidadosamente ponderada.
Essa palavra denota uma força benigna ou maligna que flui não só
dos que ensinam, mas de todas as pessoas. Todo mestre ou
professor, todo indivíduo, irradia esse poder dinâmico. O fluxo

70
de influência possui quatro características: é claramente
inaudível, geralmente invisível, extremamente poderoso e
constantemente incalculável. Ela flui de nós para os outros e
vice-versa. É sutil, espontâneo, silencioso e atua para
fortalecer ou subverter. Nunca estamos livres de influência.
Quando estamos no meio de pessoas, fazemos parte do seu círculo
de influência. Afetamos os outros e somos afetados por eles.
No entanto, podemos evitar sermos corrompidos por falsos
mestres. Os apóstolos podiam e nós também podemos. Jesus disse
para eles terem cuidado. Ele quer que tenhamos consciência da
natureza dos falsos ensinos. Devemos nos afastar dos falsos
mestres e não permitir que seus ensinos entrem em nossas mentes.
3. O Problema da Falta de Fé (ou Infidelidade). A
princípio, quando Jesus advertiu os apóstolos do fermento dos
falsos ensinos,
eles se puseram a discorrer “entre si: É que não temos pão”
(8:16). Devem ter pensado que Jesus estava repreendendo-os de
uma maneira velada, por não terem se preparado adequadamente
para a viagem até o outro lado do lago.
Em 8:17, Jesus começou a fazer perguntas para os apóstolos:
Disse Ele: “Por que discorreis sobre o não terdes pão? Ainda não
considerastes, nem compreendestes? Tendes o coração endurecido?”
Jesus não estava justificando o fato de terem esquecido de levar
pão, mas estava os repreendendo por se preocuparem com isso. Ele
observou que, ao se perturbarem com o que deveriam ter feito,
estavam demonstrando falta de fé nEle. Jesus ficava
profundamente entristecido quando Seus discípulos não confiavam
nEle. Quando deixamos de confiar nEle hoje, Ele se decepciona
igualmente. Tendo acesso agora a toda a revelação de Deus, a
nossa fé está muito mais fundamentada do que a dos primeiros
discípulos. A repreensão pungente dos apóstolos prosseguiu
enquanto Jesus lhes fez mais perguntas em 8:18–21: “Tendo olhos,
não vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais de
quando parti os cinco pães para os cinco mil, quantos cestos
cheios de pedaços recolhestes? Responderam eles: Doze! E de
quando parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos
cheios de pedaços recolhestes? Responderam: Sete! Ao que lhes
disse Jesus: Não compreendeis ainda?”
Jesus estava pedindo que usassem seus olhos, ouvidos e
inteligência enquanto pensavam nEle. Eles tinham olhos para ver
Suas obras, ouvidos para ouvir Suas palavras e mentes para
receber Suas promessas. Era inaceitável para Jesus que os
apóstolos enfrentassem uma crise sem exercitar a fé nEle. Esses
apóstolos O conheciam muito bem; contudo, diante de um problema,
não conseguiam vê-lo à luz do poder de Jesus.
Quando Jesus está presente, não há necessidade de nos
preocuparmos. No entanto, é um erro pensar que Jesus sempre tem
que operar um milagre para nos fortalecer e nos libertar. Ele
desafiou os apóstolos a lembrarem-se de Seu poder ao alimentar

71
as multidões e aplicar esse conhecimento à situação que estavam
vivendo. Ele é o Cristo todo-poderoso, quer esteja operando um
milagre, quer não esteja. Se Jesus está presente, isso basta.
Assim como Ele manifestou o Seu poder no passado,
milagrosamente, Ele exercerá o mesmo poder agora,
providencialmente.
Conclusão: Jesus é o grande solucionador de problemas,
sejam eles grandes ou pequenos aos nossos olhos. Neste texto,
Jesus lembrou os apóstolos de três problemas desafiadores, e Ele
foi a resposta para os três.
Em relação ao problema do esquecimento, Ele disse: “Não se
preocupem com isso. Lembrem que Eu estou aqui”. Em relação ao
problema do falso ensino, Ele disse: “Cuidado com os falsos
ensinos e ouçam a Mim. Elevem a Minha voz acima de todas as
outras vozes”. Em relação ao problema da falta de fé, Ele disse:
“Vejam quem Eu sou. Vocês viram o Meu poder e sabem o que Eu
posso fazer. Depositem toda a confiança em Mim. Quando Eu estou
com vocês, vocês não precisam se preocupar com nada”.
Jesus quer que acumulemos o maravilhoso amor e poder de Sua
personalidade e ser. Toda vez que lemos sobre o Seu poder e amor
nas Escrituras e refletimos, devemos implantá-los em nossos
espíritos e nossas memórias. Daí, quando enfrentarmos problemas,
independentemente de sua natureza, Ele quer que confiemos nEle.
Não precisamos nos preocupar com nada, porque sabemos que,
segundo o Seu plano, Ele cuidara de nós nas dificuldades. Se
confiarmos devidamente em Jesus, Ele será o nosso tudo tanto nos
piores quanto nos melhores momentos.

Olhando para o Poder de Jesus (8:22–26)


Jesus e os apóstolos haviam chegado a Betsaida Júlia, uma
pequena aldeia que ficava na parte nordeste do mar da Galileia.
Levaram um cego para ser curado por Jesus. Os companheiros do
cego imploraram que Jesus o “tocasse”. Jesus já estivera perto
daquela região antes, e eles ouviram falar muito dEle. Nesse
sentido, sabiam do Seu poder. Criam que se Jesus apenas tocasse
no cego, isso seria o suficiente para fazê-lo enxergar
novamente.
Em certo sentido, a cura desse cego é considerada o milagre
mais notável porque foi operado de forma gradual. Jesus realizou
isso em duas etapas, da cura parcial para a completa. Nenhum dos
outros milagres tem essa característica.
Por que Jesus operou o milagre dessa maneira? Ele poderia
ter curado o homem de sua cegueira com uma só palavra; mas,
nessa ocasião, Ele escolheu fazer isso em duas etapas, e não de
uma vez. A razão para essa exceção não é explicada no texto. No
entanto, o ato divino de Jesus resultou na cura completa desse
cego. Aqui, Jesus é retratado sob uma luz diferente do que já
vimos, confirmando o Seu caráter e revelando novos aspectos do
Seu caráter.

72
Marcos, quando relatou esse episódio, ainda estava
apresentando fastos em favor da credibilidade e do poder de
Jesus, o Servo do Senhor. Talvez, de acordo com a mentalidade
romana, ele quisesse mostrar aqui outra visão do poder de Jesus.
Que tipo de poder Jesus tem?
1. A cura desse cego transmite ao leitor que o poder que
Ele manifestou era um poder pessoal. Isto é, Jesus é o poder.
Ele não extrai poder de algum lugar; Ele é o poder. Ele é o
Cristo todo-poderoso, o segundo membro da Divindade. O poder de
Jesus é intrínseco. Ele fala e a vida começa, as estrelas
brilham e as flores desabrocham. As palavras de Jesus transferem
o Seu poder.
O poder que Jesus estava revelando nada tinha a ver com a
metodologia que Ele usou. Sendo Ele mesmo o poder, Ele podia
operar milagres como bem quisesse.
Poderíamos dizer que Ele operou o milagre dessa forma única
para anunciar que Ele é o poder. Ele não tinha de operar o
milagre desta ou daquela maneira. A cura resultou do toque de
Jesus. Ninguém, exceto Jesus, já teve esse tipo de poder. Sendo
uma das Pessoas da trindade, Ele tem todo o poder.
2. Essa cura mostrou que o poder de Jesus é um poder
gentil. Um raio pode partir uma árvore ao meio e um furacão pode
demolir casas. No entanto, o poder de Jesus tinha como
característica a gentileza e a bondade de Sua personalidade e
graça. Todos que já descobriram e receberam o Seu poder de
salvar podem pegar emprestadas as palavras de Paulo e dizer:
“Embora pudéssemos, como enviados de Cristo, exigir de vós a
nossa manutenção, todavia, nos tornamos carinhosos entre vós,
qual ama que acaricia os próprios filhos” (1 Tessalonicenses
2:7).
Não podemos deixar de observar que Jesus deu uma atenção
pessoal a esse homem. Marcos 8:23 a diz: “Jesus, tomando o cego
pela mão, levou-o para fora da aldeia”. Pode ser que Jesus não
quisesse gerar um alvoroço público nesse incidente, então Ele
escolheu fazer o milagre privadamente. As necessidades do homem
podem ter tido algo a ver com a retirada de Jesus para curá-lo.
Talvez o homem ainda não cresse e não soubesse o que Jesus iria
fazer com ele. Jesus indicou o que seria feito tocando-o e
umedecendo seus olhos.
3. Nessa cena, Jesus manifestou poder com autoridade.
O poder que vemos estava sob o controle de Jesus. Esse poder
fluiu através de suas ordens e instruções. Jesus manifestou ter
autoridade sobre o Seu poder independentemente do método ou da
ocasião que Ele escolhia para oferece-lo.
Marcos descreveu em detalhes (como era típico de sua
escrita) o procedimento de Jesus ao executar a cura desse homem.
A primeira etapa foi conduzida da seguinte maneira: “E,
aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-
lhe: Vês alguma coisa? Este, recobrando a vista, respondeu:

73
Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando” (8:23b,
24)
Jesus colocou a saliva nos olhos do homem, talvez para
proporcionar algum conforto e acalmá-los antes de perguntar se
ele via alguma coisa. Esta ação não teve nada a ver com a cura.
A umidade nos olhos pode ter ajudado o homem a entender que
Jesus iria fazer algo nos seus olhos. Jesus agiu gentilmente
trabalhando com esse homem, preparando-o para o momento em
que ele enxergaria naturalmente.
Depois disso, Jesus pôs as mãos gentilmente nos olhos do
homem por um momento. Retirando as mãos dos olhos do homem,
Jesus perguntou: “Vês alguma coisa?” Este é um retrato do Grande
Médico em ação. Como Jesus foi gentil e bondoso! O homem já
tinha sofrido o bastante na vida; esse sofrimento teria fim
graças às mãos do grande Operador de curas.
Quando abriu os olhos, o homem não enxergou claramente. Ele
disse a Jesus: “Vejo os homens, porque como árvores os vejo,
andando” (8:24). Tudo indica que aquele homem não nasceu cego,
mas perdeu a visão em algum momento no passado; ele já tinha
visto homens e árvores antes de perder a visão. Ele sabia
o que estava vendo; só não conseguia ver claramente. Talvez
Jesus quisesse que ele visse apenas parcialmente a princípio
para entender que Jesus, com o Seu poder, faz as pessoas verem
completa, correta e claramente.
O que Jesus fez em seguida levou o homem à etapa final de
sua cura. Marcos 8:25 diz: “Então, novamente lhe pôs as mãos nos
olhos, e ele, passando a ver claramente, ficou restabelecido; e
tudo distinguia de modo perfeito”. Nessa etapa, a visão lhe foi
restaurada.
Ao utilizar dois estágios, Jesus estava provando um ponto
importante. Ele estava enfatizando que Seus milagres não são
parciais, mas são curas completas. Ele restaurou a visão desse
homem parcialmente, mas logo após uma breve pausa, deu ao homem
a visão perfeita com o toque de Suas mãos.
Jesus não levou o homem de volta ao público. Sem
dúvida, mais tarde, ele se alegrou com seus amigos e com outros
residentes da cidade pelo que havia acontecido.
Conclusão: não sabemos com certeza por que Jesus operou
esse milagre dessa maneira, mas podemos extrair algumas
observações desse incidente. Jesus transformou a visão embaçada
em visão clara. Seus milagres sempre tiveram três
características: compaixão, credibilidade e completitude.
Que tipo de Salvador é Jesus? Ele é um Salvador verdadeiro
e confiável, não é uma farsa. Ele é compassivo, gentil e
amoroso. Ele está interessado na multidão, mas também está
interessado no indivíduo. Ele leva cada um de nós para fora e
fala conosco pessoalmente. Ele é um Salvador que irá remediar
nossa situação de pecado e nos tornar íntegros. Ele não é um

74
Salvador pela metade, nem nos salva até certo grau. O perdão dos
pecados é completo.
O poder desse Salvador todo-poderoso está disponível a quem
precisar. Ele não promete fazer milagres para nós, mas promete
que estará conosco (Mateus 28:19, 20). Jesus nos cerca com o Seu
poder; Ele manifestará esse poder fielmente em nós e através de
nós como julgar adequado.
Jesus espera que cada um de nós vá até Ele e seja salvo por
Seu grande poder, entregando-se à Sua palavra, ao Seu amor e ao
toque de Sua mão que cura.

Preparando-se para o Futuro (8:27–30)


Jesus e Seus apóstolos foram para Cesareia de Filipe, uma
região na extremidade setentrional da terra da Palestina. Indo
de uma aldeia a outra, Ele começou a última parte do Seu
ministério terreno. Jesus estava preparando tudo para a Sua
morte e ascensão ao Pai.
Como discípulos de Jesus, nosso futuro será um pouco como o
dEle. Portanto, também devemos nos preparar espiritualmente para
o futuro.
1. Os textos paralelos em Mateus e Lucas revelam que Jesus
começou a Sua preparação sendo fiel nas súplicas (veja Mateus
16:13-20; Lucas 9:18-21). “Súplica” é o ato de orar
insistentemente a Deus. Nada pode substituir as súplicas.
Lucas inseriu para os seus leitores uma nota em que
mencionou o cenário da conversa que Jesus e Seus apóstolos
estavam prestes a ter. Escreveu ele: “Estando Ele orando à
parte, achavam-se presentes os discípulos, a quem perguntou:
Quem dizem as multidões que sou Eu?” (Lucas 9:18; grifo meu).
Enquanto andavam pelas aldeias, pararam para descansar; e Jesus,
talvez enquanto os apóstolos dormiam, afastou-se deles e orou
pelo que precisava fazer.
Não deveria nos surpreender o fato de Jesus orar num
momento como esse. Jesus estava orando quando Ele saiu das águas
do batismo e passou a noite inteira em oração antes de escolher
os apóstolos (Lucas 3:21; 6:21). Depois de alimentar os cinco
mil homens (além de mulheres e crianças), Jesus despediu a
multidão e os apóstolos e depois “subiu ao monte para orar”
(Marcos 6:46).
Alguém disse: “A tragédia não é não orarmos. A tragédia é
não vermos a necessidade de orar”. Jesus, o Filho de Deus, com
Seu pensamento claro e perfeito, sempre sentiu necessidade de
orar. Isolar-se e levar Seu ministério, Seu futuro e Seus planos
perante Deus era natural para Jesus tanto quanto respirar é
natural para nós. Ele não viveria nesta terra sem isso.
Orar também deve ser vital para nós. Não podemos dizer que
não temos tempo. Jesus estava mais ocupado do que qualquer um de
nós, mas Ele sempre separava um tempo para orar ao Pai. A oração

75
não era um complemento do Seu trabalho; era uma parte
importante.
2. Em todos os quatro Relatos do Evangelho, vemos que Jesus
se preparou para o Seu futuro sendo fiel na confirmação. A
principal ênfase do ministério de Jesus foi ensinar quem Ele era
e porque Ele tinha vindo ao mundo. Ele trabalhou por dois anos
para inculcar na mente das pessoas a verdade sobre a Sua
divindade. Essa verdade é tão profunda que Ele teve de revelá-la
aos poucos, nem sempre dando uma explicação profunda para os
seus ouvintes.
Enquanto Seu ministério ia chegando ao fim, Jesus quis
certificar-se de que estava convencendo Seus apóstolos de Sua
divindade. Ele começou a confirmar isso perguntando qual era a
visão que o povo tinha dEle (8:27). Disseram-lhe que alguns
afirmavam que Ele era João Batista; outros, que era Elias e
outros ainda, que Ele era um dos profetas, como Jeremias (8:28).
As pessoas achavam que Jesus era um homem bom com as qualidades
e características de um profeta enviado por Deus. Viam nEle a
justiça de João, o divino poder que havia sido demonstrado por
Elias, a compaixão de Jeremias (veja Mateus 16:14), e a mesma
veracidade na proclamação demonstrada pelos profetas da
antiguidade. Jesus tinha todas essas qualidades e elas haviam
sido percebidas pelo povo. Estavam indo na direção certa, mas
ainda não haviam compreendido a verdade real sobre Jesus. Não
perceberam que Ele era o Cristo, o Filho de Deus.
Dando continuidade à Sua confirmação, Jesus perguntou aos
apóstolos: “Mas vós, quem dizeis que Eu sou?” (8:29a). Era
importante Jesus saber se Ele tinha progredido no ensino aos
apóstolos. Pedro prontamente Lhe respondeu: “Tu és o Cristo”
(8:29b). Mateus deve ter registrado a resposta completa de
Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16:16).
Pedro respondeu por si mesmo e também pelo resto dos apóstolos.
Jesus elogiou Pedro por fazer essa plena confissão a
respeito dEle. Era nisso que Jesus queria que Seus apóstolos
cressem. A confissão de Pedro continha os dois elementos
essenciais: “o Cristo” e “o Filho do Deus vivo” e foi uma boa
notícia para Jesus; só restava conduzir os apóstolos a um
entendimento mais profundo das palavras emitidas por Pedro.
Estamos treinando pessoas ao nosso redor para darem
continuidade ao nosso trabalho no reino de Deus? A única maneira
de prepará-los para assumir esse papel é ensinando-lhes. Assim
como Jesus, muitas vezes temos que confirmar o progresso na
construção da fé de nossos irmãos aprendizes.
3. Jesus também foi fiel na organização. Ele disse aos
apóstolos: “...sobre esta pedra edificarei a Minha igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus 16:18).
Muito em breve, Jesus realmente traria Sua igreja ao mundo, e
era essencial providenciar alguma organização para esse evento.
Jesus precisava ter certeza de que Pedro e os demais apóstolos

76
estavam prontos para anunciar a devida pregação, quando a igreja
fosse inaugurada. Eles teriam que estar familiarizados com os
termos “reino” e “igreja” e o papel do Espírito Santo na vida da
igreja. Na parte restante de Seu ministério terreno, Jesus deu
uma orientação especial a Seus apóstolos e lançou os fundamentos
para a vinda do reino.
Conclusão: como Jesus se preparou para o futuro? Ele orou
por isso; foi fiel nas súplicas. Ensinou a verdade sobre
quem Ele era e confirmou o desempenho do Seu ensino. Jesus
empenhou-se em pôr em prática o plano traçado. Ele foi fiel em
prover os fundamentos e a rede de comunicação necessários para o
sucesso quando a igreja fosse estabelecida.
Jesus viveu Seus dias nesta terra com fervor e retidão,
tendo em vista o presente e o futuro. Perto do fim de Sua vida
terrena, Ele pôde dizer ao Pai: “Eu Te glorifiquei na terra,
consumando a obra que Me confiaste para fazer; e, agora,
glorifica-Me, ó Pai, contigo mesmo...” (João 17:4-5).
A vida de Jesus na terra foi perfeita, sem pecado, cheia
de graça e cheia de verdade. Ele foi um com o Pai que O enviou.
Ele é nosso maior exemplo de vida. Ele foi impecável nas
súplicas, impecável na confirmação e impecável na organização.
Vamos segui-lO no começo da vida, na continuação da vida e na
consumação da vida.

A Relevância da Grande Confissão (8:27-30)


Enquanto Jesus andava com os apóstolos na região de
Cesareia de Filipe, Ele fez duas perguntas, uma sobre a opinião
popular e outra sobre opinião pessoal. Primeiramente, Ele
questionou a persuasão do público a respeito de Sua identidade:
“Quem dizem os homens que sou Eu?” Responderam que para alguns
Ele era João Batista; para outros, Elias, e ainda outros achavam
que Ele era como Jeremias, um dos profetas.
Depois de iniciar Seu questionamento com o círculo maior de
pessoas, “os homens”, Jesus focou o coração de Seus apóstolos
escolhidos, perguntando: “Mas vós, quem dizeis que Eu sou?”
Pedro foi quem respondeu à pergunta de Jesus, e que resposta ele
deu! Às vezes Pedro respondia sem mal saber o que dizer, como
fez na transfiguração (Marcos 9:5, 6). No entanto, nessa
ocasião, ele sabia exatamente o que dizer - e ele falou
claramente!
De acordo com Marcos, a resposta que Pedro e os apóstolos
deram foi simplesmente esta: “Tu és o Cristo”. É evidente que
para Marcos a palavra “Cristo” incluía a divindade de Jesus, bem
como a Sua natureza messiânica. Lucas relatou que os apóstolos
responderam que Jesus era “o Cristo de Deus” (Lucas 9:20). Em
Lucas a palavra “Cristo” também incluía a dimensão da divindade.
Mateus deve ter registrado a resposta completa que Pedro e os
apóstolos deram: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”
(Mateus 16:16).

77
Jesus se agradou com essa resposta. Porque Pedro
foi quem tinha proferido a confissão para o grupo, Jesus lhe
disse: “Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne
e sangue que to revelaram, mas Meu Pai que está nos céus”
(Mateus 16:17).
Esse testemunho é um dos melhores tributos já prestados a
Jesus. É a maior confissão que o mundo pode ouvir. Façamos uma
pergunta, para o nosso encorajamento e edificação: “Qual é a
relevância dessa grande confissão?”
1. A confissão é relevante porque é exata. A frase “Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo” contém apenas a verdade. É tão
precisa quanto uma declaração pode ser. A revelação divina, as
Sagradas Escrituras, contém essa verdade no centro de sua
mensagem. Desde que as Escrituras são verdadeiras, a confissão é
verdadeira.
Esta confissão é composta de três fatos inegáveis. Pedro
reconheceu que Jesus é o “Cristo”, que significa “o ungido” de
Deus. “Cristo” vem do grego, e seu equivalente hebraico é
“Messias”. O uso de qualquer uma dessas palavras implica outra
verdade: Ele é o Filho do Homem. Jesus, o Messias, é o
Prometido que veio da linhagem de Abraão e Davi. Ele cumpriu
todas as Escrituras do Antigo Testamento sobre o Messias. A
terceira verdade é a confirmação da divindade de Jesus: Ele é o
Filho do Deus vivo. Ele tem um Pai celestial, mas recebeu uma
mãe terrena. Ele foi concebido pelo Espírito Santo,
mas nascido de uma mulher.
2. Esta declaração de fé é relevante porque é completa.
Quando dizemos: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, nada
mais resta a ser dito. Nessa frase está o âmago do cristianismo.
Jesus é o Prometido, o Messias, o perfeito Filho do Homem e o
Enviado do céu, o Filho de Deus. Ninguém pode crer nessa
afirmação sem crer em Deus, no eterno propósito de Deus, no
ministério terreno de Jesus e na divindade, messianidade e
servidão de Jesus. Esse reconhecimento abrange todos os Seus
atributos.
Paulo, em 1 Timóteo 3:16, condensou o ministério terreno de
Jesus numa frase. Ele escreveu:

Evidentemente, grande é o mistério da piedade:


Aquele que foi manifestado na carne
foi justificado em espírito,
contemplado por anjos,
pregado entre os gentios,
crido no mundo,
recebido na glória.

Essas palavras talvez fossem a letra de um hino no mundo do Novo


Testamento. A confissão de Paulo neste versículo contém seis
frases, enquanto a confissão proferida por Pedro contém apenas

78
duas. A confissão de Paulo é mais expressiva, mas a confissão de
Pedro é mais abrangente. As duas frases de Pedro incluem todos
os pensamentos expressos nas seis frases de 1 Timóteo 3:16 e
muito mais. Quando alguém crê na cristandade de Jesus, na Sua
humanidade e na Sua divindade, pode crer em tudo o que é
revelado nas Escrituras sobre Ele.
3. Essa declaração é relevante porque é redentora. Quando
alguém profere a frase “Tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo” está declarando que Jesus é o divino Salvador do mundo. A
salvação é inseparável do Messias, pois o Messias é
Aquele que veio para nos salvar. Como pecadores, precisamos
entender essa verdade e permanecer nela. Ela contém a única
esperança que temos. De acordo com Paulo, “fiel é a palavra e
digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para
salvar os pecadores...” (1 Timóteo 1:15). Verdadeiramente,
podemos dizer o seguinte sobre esse Salvador: “no qual temos a
redenção, pelo Seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a
riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós
em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da
Sua vontade, segundo o Seu beneplácito que propusera em Cristo”
(Efésios 1:7-9).
4. Esse reconhecimento é relevante porque é fundamental.
Quando alguém cita essa afirmação: “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo” está repetindo a plataforma de pedra sobre a qual
repousa o cristianismo. Essa declaração coloca
a palavra “Cristo” em “cristão” e “cristianismo”. Em resposta à
confissão fundamental de Pedro, Jesus lhe disse: “Também Eu te
digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha
igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”
(Mateus 16:18). Jesus Cristo é o fundamento da igreja.
Paulo disse: “Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além
do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Coríntios 3:11).
Paulo enfatizou que Jesus está no centro da vontade de Deus. Na
grande confissão de Pedro, encontramos o fundamento para o reino
de Deus e o fundamento de nossas vidas espirituais.
5. Essa declaração é relevante porque é reveladora. Deus
revelou-nos a gloriosa divindade de Cristo. Quando alguém diz:
“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” está anunciando a
divindade de Jesus, percebida pela revelação divina da Palavra
de Deus.
Jesus disse a Pedro: “...não foi carne e sangue que to
revelaram, mas Meu Pai, que está nos céus” (Mateus 16:17). Pedro
e os apóstolos não fizeram a declaração registrada em
Marcos 8:29b somente para animar Jesus. O próprio Pai revelou
isso a eles. Certa vez, eles O ouviram afirmar essa verdade após
o batismo de Jesus (Mateus 3:17).
Quem faz essa confissão está aceitando como verdadeiras as
palavras de Gabriel a Maria: “Este será grande e será chamado

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Filho do Altíssimo” (Lucas 1:32a). Reconhecer a Cristo é afirmar
a fidelidade destas palavras de Paulo:

Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a


criação; pois, nEle, foram criadas todas as coisas, nos
céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam
tronos, sejam soberanias, quer principados, quer
potestades. Tudo foi criado por meio dEle e para Ele. Ele é
antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste (Colossenses
1:15-17).

Quando alguém aceita essa grande palavra de verdade e a


complementa obedecendo ao evangelho entra na esfera da vida
eterna. João afirmou esse fato em 1 João 4:15: “Aquele que
confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e
ele, em Deus”. João usou a palavra “confessar” como uma
sinédoque, ou seja, a parte no lugar do todo.
A palavra “confessar” inclui todos os outros atos de fé que nos
levam a Cristo e nos mantêm fielmente em Cristo.
Conclusão: por que, então, podemos dizer que a confissão é
relevante? Porque ela é absolutamente precisa, impecavelmente
completa, perfeitamente redentora, singularmente fundamental e
completamente reveladora. 
Se essa confissão dos apóstolos fosse retirada do texto
bíblico, todo o Novo Testamento entraria em colapso. Dizem que o
Novo Testamento gira em torno de uma palavra: o nome “Jesus”.
Todo ensino no Novo Testamento está, de alguma forma,
relacionado com Cristo.
Não sabemos com precisão a profundidade do entendimento dos
apóstolos a essa altura, mas eles estavam começando na direção
certa. Possuíam um conhecimento inicial dos fatos sobre Jesus. E
continuariam a crescer nesse entendimento ao passarem pela morte
e ressurreição de Jesus. Logo chegariam a uma rendição total a
essa verdade; e, depois de abraçá-la por vários anos, a maioria
deles deixaria este mundo anunciando-a com seus lábios.
Cristologia e teologia andam juntas. Cada uma dá suporte à
outra. Deus enviou Jesus para que Ele nos conduzisse até Deus. O
nosso Senhor disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida;
ninguém vem ao Pai senão por Mim” (João 14:6). Há uma unidade
inconfundível em Deus e em Jesus. Quem crê em Jesus também crê
em Deus; quem crê em Deus também crê em Jesus (João 10:30).

O Tripé do Cristianismo (8:27-30)


Quando analisamos o cristianismo, a religião divina que
Cristo nos deu, nossas mentes geralmente ponderam três
pensamentos elevados. Essas ideias fundamentais nos levam
diretamente ao coração do cristianismo. Elas nos permitem ver um
resumo do cristianismo, uma representação em miniatura da

80
religião que Jesus nos trouxe. Elas nos dão a oportunidade de
enxergar o cerne de como Jesus quer que vivamos.
1. Pensamos na grande confissão. Enquanto estava na região
ao extremo norte da Palestina, Jesus perguntou aos Seus
apóstolos: “Quem dizem os homens que sou Eu?” (8:27). Eles
responderam: “João Batista; outros: Elias; mas outros: Algum dos
profetas” (8:28; Mateus 16:14). Então, indo do geral para o
específico, Jesus perguntou: “Mas vós, quem dizeis que Eu sou?”
Tendo Pedro como seu porta-voz, eles responderam: “Tu és é o
Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16:15, 16; grifo meu; veja
Marcos 8:29).
Esta confissão tem em si os elementos básicos da verdade
sobre Jesus. É uma frase absolutamente verdadeira. Ela não
contém aspectos falsos; nenhuma palavra está fora do lugar.
Quem é Cristo? Ele é o Cristo, isto é, o Messias, o Ungido
de Deus. Ele é o Filho do Deus vivo. Ele é o segundo membro da
Divindade, a quem Deus enviou ao mundo para nos redimir. Além
disso, a implicação da palavra “Messias” é que Ele é o Escolhido
de Deus para nos salvar de nossos pecados. Ele é o Messias, o
Filho de Deus, e o nosso Salvador.
É sobre essa verdade que todo o cristianismo se fundamenta.
O cerne da Bíblia é a vinda de Cristo. O Antigo Testamento, por
meio de profecias, apontou para a Sua vinda; os Relatos do
Evangelho dizem que Ele já veio; a parte restante do Novo
Testamento, de Atos a Apocalipse, diz que Ele é a pedra angular
da igreja, o exemplo perfeito para os cristãos e o Cabeça da
igreja. Devemos construir nossas vidas sobre o fundamento
de quem é Cristo.
2. Pensamos no grande mandamento. Um perito na Lei
confrontou Jesus. Provavelmente foram os escribas e fariseus que
o enviaram até Jesus. A conversa em Mateus 22:35-39,
parafraseada, essencialmente foi assim: O perito na Lei
perguntou a Jesus: “Qual é o maior mandamento?” Os rabinos
haviam contado 613 mandamentos no Antigo Testamento107. Esse
perito na Lei queria saber qual era o maior mandamento.
Ele se questionava se haveria um mandamento que poderia abarcar
todos, um mandamento debaixo do qual todos os demais pudessem
ser colocados. Jesus, efetivamente, lhe disse: “Eu vou lhe dizer
qual é o primeiro grande mandamento e qual é o segundo maior”. E
acrescentou:

Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a


tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e
primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois
mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus
22:37-40).

107
Talmude, Makkoth 23b-24a.

81
Todos, até esse perito na Lei, concordaram com o que
Jesus disse.
Jesus veio para nos conduzir a Deus. Sim, a religião que
Ele nos deu é o Crist-ianismo; mas também poderia se chamar
“Deus-ismo”. É a religião que Deus nos deu por meio de Jesus.
Jesus disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém
vem ao Pai senão por Mim” (João 14:6).
O cerne do cristianismo consiste em aprender a amar a Deus
como deveríamos e a amar nossos semelhantes como a nós
mesmos. Se desenvolvermos esse amor a Deus, isso automaticamente
nos ajudará a fazer todas as outras coisas que precisamos
fazer. Se alguém pratica este mandamento regularmente, terá a
devida atitude para com seus semelhantes. Este mandamento provê
a principal diretriz para nossas vidas.
3. Pensamos na grande comissão. Antes de Jesus voltar para
o céu, Ele comunicou aos Seus discípulos o que Ele queria que
fizessem com o evangelho que Ele criou por meio de Seu
ministério terreno, Sua morte, Seu sepultamento e Sua
ressurreição. Ele colocou essa mensagem do evangelho nas mãos
dos Seus discípulos e mandou que fossem e pregassem.
A grande comissão compõe-se de um tripé – toda a
autoridade, toda a incumbência e toda a segurança. Em outras
palavras, Jesus disse: “Por Minha autoridade, vocês devem ir às
nações, ensinar todos a se tornarem Meus discípulos e batizá-los
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Lembrem-se de que
estarei com vocês ao fazerem isso” (veja Mateus 28:18–20).
Esse mandamento explica qual é a nossa missão. Alguns de
nós são professores de escola, alguns são médicos e alguns são
agricultores. Estas são nossas profissões, mas a grande comissão
revela a nossa missão.
Conclusão: o cristianismo se resume a isto: nós nos
tornamos cristãos obedecendo ao evangelho, começamos vivendo os
fundamentos da vida cristã - edificando nossa vida sobre a
verdade da divindade de Jesus, amando a Deus de todo o coração e
levando o evangelho do Novo Testamento ao resto do mundo. O
tripé do cristianismo fala do nosso fundamento, da nossa atitude
e da nossa missão. São ensinamentos que atingem todas as áreas
de nossas vidas.
Cristianismo: Todos podem entende-lo, todos podem vivê-lo e
todos podem ser salvos através dele!

O Sofrimento de Cristo (8:31-33)


Na região de Cesareia de Filipe, os apóstolos confessaram
que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo. Pedro foi o porta-
voz do grupo. Essa confissão reflete todos os aspectos
essenciais da personalidade e do ser de Jesus. Declarar essa
verdade indicou que os apóstolos tinham percebido quem Jesus
era.

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Jesus aceitou a confissão dos apóstolos e anunciou-lhes uma
bênção decorrente dessa confissão. No entanto, mais tarde Jesus
também teve de revelar aos Seus seguidores que eles tinham um
longo caminho a percorrer até entenderem completamente o que
haviam acabado de confessar. Eles sabiam que Jesus era o Messias
e o Filho de Deus, mas não entendiam que Ele seria o Servo
Sofredor descrito em Isaías 53. Naquele momento, possivelmente
ainda imaginavam que Jesus estabeleceria um reino terreno
com poder e glória físicos. Estavam no caminho certo em relação
à crença na real natureza de Jesus; já tinham percorrido um
longo caminho de fé em Jesus. No entanto, seria preciso
alcançarem um entendimento muito maior para enfrentarem o que os
aguardava.
O texto diz que, a partir desse momento, Jesus começou a
ensinar Seus apóstolos sobre a Sua morte, os sofrimentos que Ele
logo enfrentaria. Esta é a primeira das três conversas de Jesus
sobre a Sua morte (8:31-33; 9:30-32; 10:32-34). Nessas
conversas, Jesus começaria a revelar a esses homens os
sofrimentos que Ele teria de suportar. Cada uma dessas conversas
incluiu a esperança na Sua ressurreição dos mortos.
1. Em 8:31-33, ver a explicação de Jesus sobre a Sua
morte. Jesus revelou aos Seus apóstolos a surpreendente verdade
de que o sofrimento o aguardava, e seria resultado da rejeição.
Os líderes religiosos de Jerusalém não acreditariam nEle e o
declarariam um impostor. À luz dessa rejeição, Jesus disse que
Ele deveria sofrer “muitas coisas”. Muitos dos Seus sofrimentos
estavam ocultos por trás do véu do plano eterno de Deus.
Essa rejeição, disse ele, seria necessária. Jesus deixou
implícito que o Seu sofrimento era a única maneira pela qual a
salvação poderia ser oferecida à humanidade. O grande plano de
redenção de Deus exigia isso.
Jesus citou os anciãos, os principais sacerdotes e os
escribas como os principais que iriam rejeitá-lO. A natureza da
rejeição seria implacável e cruel. Ela culminaria na condenação
e morte do Senhor por judeus do alto escalão e pelo sinédrio.
Jesus não só morreria; Ele seria morto violenta e horrivelmente
pelo mais alto tribunal dos judeus. Haveria um sepultamento;
mas, três dias depois, Ele ressuscitaria. Logo depois de ser
condenado e crucificado, Ele seria coroado quando ressuscitasse
dos mortos e subisse ao céu.
Como era de se esperar, essa explicação colocou os
apóstolos numa espiral de perplexidade, confusão e desalento. No
entanto, a natureza do que logo aconteceria exigia uma
explanação naquele momento e mais conversas ao longo do caminho
até que tudo se consumasse.
Quando alguém crê que Jesus é o Filho de Deus e que Ele
desceu do céu para habitar entre nós também pode crer nos outros
aspectos surpreendentes da encarnação e do advento de Jesus. Por
exemplo, esse indivíduo não terá qualquer dificuldade para crer

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que Jesus teve um nascimento especial, foi um operador de
milagres que confirmaram o Seu poder e foi um mestre professor
admirável. Todavia, esse indivíduo ainda pode relutar com o
conceito da morte de Jesus. É difícil entender por que Jesus
permitiu que os escribas, os principais sacerdotes e os anciãos
- os líderes religiosos da época - O matassem.
2. Inserida na descrição do que estava para acontecer com o
Senhor há uma ilustração a ser lembrada por todo discípulo. As
palavras vívidas de Jesus não eram somente descritivas; também
eram proféticas. Aquela era pura predição; expressa em linguagem
simples, livre de simbologias. Era o tipo de profecia que só o
Filho de Deus poderia fazer. Jesus estava revelando o que
deveria acontecer e o que aconteceria.
O pronunciamento implicava presciência, uma previsão divina
que suplantava o conhecimento natural. A profecia de Jesus
continha detalhes. Revelava o que os oficiais do sinédrio, os
escribas, os principais sacerdotes e os anciãos fariam: eles O
rejeitariam e O matariam. E Jesus não transmitiu uma vaga
esperança de que havia vida além-túmulo; Ele disse precisamente
que “depois de três dias” Ele “ressuscitaria” (8:31b). Jesus
estava predizendo Sua própria ressurreição. Quem poderia fazer
uma profecia como essa, senão o Filho de Deus?
As Escrituras provariam que Jesus foi um profeta fiel. Cada
detalhe do que Ele profetizou aconteceu. Aquele que predisse
essas coisas cumpriu cada uma delas. Aquele que profetizou esse
retrato do futuro fez tudo acontecer. Para aceitar esse
testemunho, o leitor tem que crer que Jesus, mesmo enquanto
esteve na terra, permanecia acima do tempo. Ele criou todas as
coisas, sustenta todas as coisas e mantém todas as coisas
unidas. Ele é o Cristo, o Filho de Deus.
Jesus falou essas coisas somente para os Seus discípulos;
mas Ele empregou uma linguagem inequívoca, fazendo uma descrição
sem figuras de linguagem ou metáforas. Os apóstolos mais tarde
reconheceriam o mistério e a maravilha do que Jesus havia dito e
feito.
3. Observemos a aplicação feita após essa primeira mensagem
sobre a morte de Jesus. Vemos que, embora Jesus tenha falado
claramente, Suas palavras foram mal interpretadas.
Pedro ouviu a explicação do Salvador, mas não pôde crer.
Ele decidiu socorrer Jesus. Chamou-O de lado porque queria ficar
sozinho com Jesus; não queria corrigi-lO na frente dos outros
apóstolos. A seguir, pôs-se a repreender Jesus. Disse Pedro:
“Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá”
(Mateus 16:22).
Num instante, Pedro estava em pé no topo da montanha,
declarando a grande confissão, e no instante seguinte ele estava
descendo para um vale profundo, reprovando o Senhor. Jesus
estava de costas para os outros apóstolos. Depois que Pedro fez
sua ousada declaração, Jesus virou-se para os demais apóstolos e

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fitou-os. Essa ação deixou Pedro atrás dEle. Jesus então
repreendeu Pedro, dizendo que ele não estava atento às coisas de
Deus, mas estava preocupado somente com as coisas dos homens.
Jesus disse: “Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de
tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos
homens” (Mateus 16:23). O adversário, Satanás, tinha falado por
meio do apóstolo, e Jesus ordenou ao maligno que saísse da
frente dEle. Jesus já tinha enfrentado e vencido uma tentação
similar antes, no deserto (Mateus 4:10). Ele recusaria o diabo
com a mesma veemência desta vez, apesar de Satanás ter agido
através de um apóstolo sincero.
Para Cristo, não haveriam atalhos para consumar o plano de
Deus. E se a vontade de Deus apontava para uma cruz, Ele iria em
direção a ela; e não deixaria nada nem ninguém interpor-se no
Seu caminho. As mentes de Pedro e de Deus não estavam em
harmonia. Pedro precisava parar de pensar como os homens pensam
sobre a morte na cruz e precisava olhar para essa cena como Deus
olha.
Conclusão: nesta passagem sobre a predição da morte de
Jesus, nós nos confrontamos com uma verdade maior: a salvação do
mundo envolveu uma cruz. Este Jesus, o Filho de Deus, veio ao
mundo para libertar as pessoas do pecado mediante uma cruz. A
cruz seria colocada sobre Jesus pelas mãos e pelos corações
iníquos dos líderes religiosos daquela época. Jesus se
submeteria a essa cruz, mas Ele a transformaria em um altar
sobre o qual Ele se ofereceria como um sacrifício eterno e
expiatório pelo pecado do mundo.
Jesus estava enfrentando dois grandes desafios, mas
permaneceria com os apóstolos até finalizar e consumar a Sua
missão. Primeiramente, Ele tinha doze homens em sua escola de
preparação; eles tinham de estar prontos para dar continuidade à
obra de Jesus. Por isso, o Senhor os manteve ao Seu lado e
ensinou-lhes a natureza da Sua obra. Ele tinha que transmitir a
esses homens que Ele seria crucificado como criminoso, mas
estaria morrendo pela salvação do povo da terra. O segundo
desafio que Jesus enfrentou representa um grande problema para
nós também. Paulo confirmou esta verdade para os coríntios: “Mas
nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus,
loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto
judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria
de Deus” (1 Coríntios 1:23, 24).
Na atual aparente era do saber e do esclarecimento, o
que faremos em resposta à mensagem da cruz? Vamos zombar dela?
Vamos ignorá-la? Antes de fazermos qualquer coisa, lembremos as
palavras de Paulo: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para
envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para
envergonhar os fortes” (1 Coríntios 1:27).
Na realidade, quem é Cristo? A resposta é esta: “Mas vós
sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de

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Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1
Coríntios 1:30).
Quem rejeita a cruz rejeita a sabedoria, a justiça, a
santificação e a redenção de Deus.

O Discípulo e o Mundo (8:34-38)


A seção 8:34-38 deve ser entendida em conexão com 8:27-33.
Jesus tinha acabado de ouvir a confissão de Seus apóstolos e
revelou-lhes, pela primeira vez, que Ele morreria. Nessas
conversas sobre a Sua morte, e na atitude de Pedro reprovando o
Senhor, vêm à tona duas abordagens sobre a vida. Uma é ilustrada
por Pedro. É a visão humana, conservadora. Ela enfatiza guardar
o que temos. Jesus era adepto da segunda visão, a visão de ceder
completamente à vontade de Deus. Ela enfatiza dar o que temos
para Deus.
Este texto diz que Jesus reuniu a multidão e Seus
discípulos a fim de ensinar-lhes o significado do discipulado.
Ele começou a descrever Seus seguidores de acordo com o que
devem crer e como devem viver. Quem realmente é um seguidor de
Cristo?
1. Um Discípulo Dedicado. Jesus disse: “Se alguém quer vir
após Mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-Me”
(Marcos 8:34b).
Ninguém é discípulo de Cristo involuntariamente. Todo
cristão é um discípulo porque escolheu ser discípulo.
Discipulado é seguir e aprender com quem ou o que quer que
estejamos seguindo. A única maneira de sermos discípulos de
Cristo é seguindo-O e aprendendo com Ele.
Jesus dividiu a tarefa de ser Seu discípulo em três partes:
abandonar, pegar e manter-se. Em resumo, Ele disse: “a si mesmo
se negue, tome a sua cruz e siga-Me” (veja Mateus 16:24; Marcos
8:34; Lucas 9:23). Negar-se significa dizer “não” ao seu eu. É o
que Paulo comunicou quando disse: “Estou crucificado com Cristo”
(Gálatas 2:20a). Se Pedro tivesse negado a si mesmo, ele nunca
teria negado a Jesus.
Todo discípulo tem uma cruz para tomar. Esse tomar a cruz
deve ser intencional e decisivo. Todo discípulo deve assumir o
estilo de vida de Jesus, o qual, em muitos aspectos, se
assemelha a tomar uma cruz em um mundo como o nosso. Viver de
acordo com o exemplo de Jesus deve se tornar habitual e
permanente para nós.
2. Um Servo Sacrificial. Jesus disse: “Quem quiser, pois,
salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de
Mim e do evangelho salvá-la-á” (8:35). O seguidor de Cristo
entende que viver da maneira errada significa morrer e morrer da
maneira certa significa viver. A palavra “vida” tem um duplo
significado. Jesus estava dizendo: “Quem abrir mão de sua vida e
do bem-estar neste mundo vai ganhar a vida espiritual mais
elevada e vida eterna no mundo vindouro”. Ele disse que o

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inverso também é verdadeiro: “Quem decide preservar a vida neste
mundo, com seus prazeres, lucros e popularidade perderá a sua
vida espiritual e a vida eterna”. Se nos entregarmos às coisas
espirituais de Deus e a ganhar a vida eterna, ganharemos tudo o
que tiver valor real. Henry Barclay Swete parafraseou este
ensino da seguinte maneira: “O homem cujo objetivo na vida é
garantir segurança pessoal e sucesso, perderá a vida superior
que é adquirida por aqueles que se sacrificam a serviço de
Cristo”108.
3. Um Administrador Sábio. Jesus disse: “Que aproveita ao
homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Que daria um
homem em troca de sua alma?” (8:36, 37). Ele transmitiu essa
verdade fazendo duas perguntas. A primeira coloca diante de nós,
no âmbito moral e espiritual, as alternativas de lucro e perda.
Jesus usou uma figura de exagero para expressar o Seu
raciocínio. Se o preço pago pela alma fosse o mundo inteiro, a
perda seria inteira e eterna. O mundo inteiro, quando colocado
de um lado da escala, é mais leve que uma pena quando a alma
está do outro lado da balança.
A segunda pergunta é esta: “Que daria um homem em troca de
sua alma?” A implicação da pergunta é que nada no mundo físico é
digno dessa troca. Uma vez que se perde a alma, nada poderá
comprá-la de volta. O caráter determina o destino; e o caráter
não permanece fluido, mas se cristaliza.
Jesus disse ainda: “Porque qualquer que, nesta geração
adúltera e pecadora, se envergonhar de Mim e das Minhas
palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando
vier na glória de Seu Pai com os santos anjos” (Marcos 8:38). A
atitude de Cristo para conosco no futuro será determinada por
nossa atitude atual para com Ele.
Jesus estava fazendo referência não a uma única falha, mas
a uma atitude contínua. Duas coisas devem nos encher
de admiração: que Cristo não se envergonha de nós (Hebreus 2:11)
e que qualquer um pode se envergonhar dEle (veja Marcos 14:71).
Conclusão: Jesus chamou cada um de nós para ser um
verdadeiro seguidor. O cristão é chamado para levar uma cruz.
Havemos de fazer uma escolha entre valores temporais e eternos.
O presente determina o futuro. No centro de todo esse ensino
está Cristo, o modelo de caráter e o padrão da verdade. Nosso
relacionamento com Ele é o que importa agora e para sempre. Que
filosofia vamos escolher? Uma filosofia diz: “Agarre-se a este
mundo para que você viva”; a outra diz: “Morra para o mundo
para que você realmente viva”.
 
 

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Henry Barclay Swete, The Gospel According to St Mark, 3a ed. Londores: Macmillan and Co., 1920, p. 183.

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