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Os textos a seguir serão orientados em duas partes principais, divididas segundo dois
tópicos conceituais importantes na abordagem tomista da transubstanciação, a saber: (I) a
conversão da substância e (II) a permanência dos acidentes do pão e do vinho, que serão
comentados nos próximos dois encontros.
I - A CONVERSÃO DA SUBSTÂNCIA
STh III, q. 75, a.2, co. : Utrum in hoc STh III, q. 75, a.2, co. : Permanece neste
sacramento remaneat substantia panis sacramento a substância do pão e do
et.vini post consecrationem. vinho depois da consagração?
STh III, q.75, a.4, co: Utrum panis possit STh III, q. 75, a. 4, co: O pão pode
converti in corpus Christi. converter-se no corpo de Cristo?
Respondeo dicendum quod, sicut supra Respondo. Uma vez que neste sacramento
dictum est, cum in hoc sacramento sit verum está o verdadeiro corpo de Cristo e ele não
corpus Christi, nec incipiat ibi esse de novo começa a estar aí pelo movimento local ;
per motum localem; cum etiam nec corpus uma vez que também o corpo de Cristo não
Christi sit ibi sicut in loco, ut ex dictis patet, está aí como em um lugar, é necessário dizer
necesse est dicere quod ibi incipiat esse per que ele aí começa a estar pela conversão da
conversionem substantiae panis in ipsum. substância do pão nele. Esta conversão,
Haec tamen conversio non est similis porém, não se assemelha às conversões
conversionibus naturalibus, sed est omnino naturais, mas é totalmente sobrenatural ,
supernaturalis, sola Dei virtute effecta. [...] realizada unicamente pelo poder de Deus.
Manifestum est enim quod omne agens agit [...] É claro que todo agente age enquanto
inquantum est actu. Quodlibet autem agens está em ato. Ora, todo agente criado está
creatum est determinatum in suo actu, cum determinado no seu ato, uma vez que faz
sit determinati generis et speciei. Et ideo parte de determinado gênero e espécie .
cuiuslibet agentis creati actio fertur super Portanto, a ação de todo agente criado visa
aliquem determinatum actum. Determinatio um ato determinado. A determinação,
autem cuiuslibet rei in esse actuali est per porém, de toda coisa na sua existência é
eius formam. Unde nullum agens naturale feita por sua forma. Por isso , o agente
vel creatum potest agere nisi ad natural ou criado só pode agir para mudar
immutationem formae. Et propter hoc omnis uma forma. E, por esta razão, toda
conversio quae fit secundum leges naturae, conversão, que acontece segundo as leis da
est formalis. Sed Deus est infinitus actus, ut natureza, é formal . Ora, Deus é o ato
in prima parte habitum est. Unde eius actio infinito, como se viu na I Parte . Por isso,
se extendit ad totam naturam entis. Non sua ação se estende a toda natureza do ser.
igitur solum potest perficere conversionem Portanto, ele não só pode realizar a
formalem, ut scilicet diversae formae sibi in conversão formal de modo que as diversas
eodem subiecto succedant, sed formas se sucedam num mesmo sujeito; mas
conversionem totius entis, ut scilicet tota também a conversão de todo o ser, de modo
substantia huius convertatur in totam que toda substância de um ser se converta
substantiam illius. Et hoc agitur divina em toda a substância de um outro. E isso se
virtute in hoc sacramento. Nam tota realiza, portanto, neste sacramento pelo
substantia panis convertitur in totam poder divino. Com efeito, toda substância
substantiam corporis Christi, et tota do pão se converte em toda a substância do
substantia vini in totam substantiam corpo de Cristo, e toda a substância do
sanguinis Christi. Unde haec conversio non vinho em toda a substância do sangue de
est formalis, sed substantialis. Nec Cristo. Por isso, esta conversão não é
continetur inter species motus naturalis, sed formal, mas substancial . Não se classifica
proprio nomine potest dici transubstantiatio. entre as diversas espécies de movimento
natural , mas pode-se chamar com o nome
apropriado de "transubstanciação".
SCG IV, 63, 3: Impossibile autem est quod SCG IV, 63, 2: Com efeito, é impossível
hoc fiat per motum localem corporis Christi. que aconteça por movimento local do corpo
Tum quia sequeretur quod in caelo esse de Cristo, quer porque resultaria deixar de
desineret quandocumque hoc agitur estar no céu todas as vezes em que se
sacramentum. Tum quia non posset simul celebra esse sacramento; quer porque este
hoc sacramentum agi, nisi in uno loco: cum sacramento não poderia ser celebrado ao
unus motus localis non nisi ad unum mesmo tempo senão em um só lugar, porque
terminum finiatur. Tum etiam quia motus o movimento local só termina em um termo;
localis instantaneus esse non potest, sed quer porque o movimento local não pode ser
tempore indiget. Consecratio autem instantâneo, mas leva tempo para
perficitur in ultimo instanti prolationis realizar-se, mas a consagração se completa
verborum no último instante da prolação das palavras.
SCG IV, 63, 5: Ex hoc autem apparet falsam SCG IV, 63 , 3: Disto se depreende que é
esse opinionem, tam eorum qui dicunt falsa a opinião dos que afirmam estar neste
substantiam panis simul cum substantia sacramento a substância do pão juntamente
corporis Christi in hoc sacramento existere; com a substância do corpo de Cristo, quanto
quam etiam eorum qui ponunt substantiam a dos que afirmam que a substância do pão
panis in nihilum redigi, vel in primam se aniquila ou que se reduz à matéria-prima.
materiam resolvi. Ad utrumque enim Essas duas afirmações levam a pensar que o
sequitur quod corpus Christi in hoc corpo de Cristo começa a estar neste
sacramento esse incipere non possit nisi per sacramento por movimento local. Ora, como
motum localem: quod est impossibile, ut foi demonstrado acima, isto é impossível.
ostensum est. Praeterea, si substantia panis Ademais, se a substância do pão está neste
simul est in hoc sacramento cum vero sacramento juntamente com o verdadeiro
corpore Christi, potius Christo dicendum corpo de Cristo, Cristo antes teria dito: 'Este
fuit, hic est corpus meum, quam, hoc est é o meu corpo', e não : 'Isto é o meu corpo'.
corpus meum: cum per hic demonstretur Ora, por 'isto' designa-se a substância que se
substantia quae videtur, quae quidem est vê, que seria a do pão se ela permanecesse
substantia panis, si in sacramento cum no sacramento juntamente com o corpo de
corpore Christi remaneat. Similiter etiam Cristo. Parece que também é impossível que
impossibile videtur quod substantia panis a substância do pão volte totalmente ao nada
omnino in nihilum redeat. Multum enim de pelo uso frequente desse mistério. Ademais,
natura corporea primo creata iam in nihilum não é decente que, no sacramento da
rediisset ex frequentatione huius mysterii. salvação, alguma coisa volte ao nada pela
Nec est decens ut in sacramento salutis virtude divina. É também impossível que a
divina virtute aliquid in nihilum redigatur. substância do pão seja reduzida à
Neque etiam in materiam primam matéria-prima, porque a matéria-prima não
substantiam panis est possibile resolvi: cum pode estar sem forma, a não ser que por
materia prima sine forma esse non possit. matéria-prima se entendam os elementos
Nisi forte per materiam primam prima corpóreos. Mas, se a substância do pão fosse
elementa corporea intelligantur. In quae a eles reduzida, eles deveriam ser
quidem si substantia panis resolveretur, percebidos pelos sentidos, porque esses
necesse esset hoc ipsum percipi sensu: cum elementos são sensíveis. E haveria ainda aí
elementa corporea sensibilia sint. Esset mudança de lugar e alteração corpórea de
etiam ibi localis transmutatio et corporalis contrários, o que não pode acontecer
alteratio contrariorum, quae instantanea esse instantaneamente.
non possunt.
SCG IV, q. 63,7: Nunc autem considerare SCG IV, q. 63, 5: Agora é preciso ver como
oportet quomodo subiectum in subiectum um sujeito se converte em outro sujeito.
convertatur. Quod quidem natura facere non Ora, isto a natureza não pode fazer, pois
potest. Omnis enim naturae operatio toda operação natural pressupõe a matéria
materiam praesupponit per quam substantia segundo a qual as substâncias são
individuatur; unde natura facere non potest individualizadas. Assim, a natureza não
quod haec substantia fiat illa, sicut quod hic pode fazer com que uma substância se torne
digitus fiat ille digitus. Sed materia subiecta outra, com que este dedo, por exemplo, se
est virtuti divinae: cum per ipsam producatur torne aquele outro. Mas a matéria é
in esse. Unde divina virtute fieri potest quod submetida à virtude divina, pois é por ela
haec individua substantia in illam produzida no ser. Por isso, pela virtude
praeexistentem convertatur. Sicut enim divina, pode acontecer que uma substância
virtute naturalis agentis, cuius operatio se individualizada se converta em outra
extendit tantum ad immutationem formae, et preexistente1. Ora, como pela virtude do
existentia subiecti supposita, hoc totum in agente natural, cuja operação atinge
illud totum convertitur secundum somente a mudança da forma e supõe a
variationem speciei et formae, utpote hic aer existência de um sujeito, um todo se
in hunc ignem generatum: ita virtute divina, converte em outro segundo a variação da
quae materiam non praesupponit, sed eam matéria e da forma, como, por exemplo, o
producit, et haec materia convertitur in ar, no fogo gerado; assim, também, por
illam, et per consequens hoc individuum in virtude divina, que não pressupõe a matéria,
illud: individuationis enim principium mas a produz, uma matéria converte-se na
materia est, sicut forma est principium outra (consequentemente, um indivíduo no
speciei. outro), pois a matéria é o princípio da
individuação, como a forma o é da espécie.
1
Aqui o termo “preexistente” refere-se ao Corpo de Cristo, que já existia no mundo antes que houvesse a
primeira transubstanciação. Em passagens anteriores da SCG, Tomás cita uma objeção frequente dos que
consideram problemática a transubstanciação por julgarem que “parece impossível que uma coisa de novo se
converta no corpo de Cristo em um altar, pois jamais se viu uma coisa converter-se em outra preexistente, porque
aquilo a que uma coisa se converte começa a existir pela própria conversão. Ora, é sabido que o corpo de Cristo
era preexistente, concebido que foi no ventre da Virgem. Por isso, não parece ser possível que de novo comece a
existir no altar pela conversão nele, de outra coisa” (SCG IV, 62, 3). Talvez por esse problema citado, Tomás
evite usar o termo “preexistente” quando trata da matéria à qual seria reduzida a substância do pão e do vinho.