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Textos de Tomás de Aquino sobre a transubstanciação

Os textos a seguir serão orientados em duas partes principais, divididas segundo dois
tópicos conceituais importantes na abordagem tomista da transubstanciação, a saber: (I) a
conversão da substância e (II) a permanência dos acidentes do pão e do vinho, que serão
comentados nos próximos dois encontros.

I - A CONVERSÃO DA SUBSTÂNCIA

A) Textos da Suma Teológica


Aqui Tomás esboça sua descrição da conversão total da substância do pão e do vinho
no Corpo e Sangue de Cristo, segundo algumas etapas a que correspondem, respectivamente,
os textos apresentados em ordem:
(I) STh III, q. 75, a.2 : tendo assumido no artigo anterior que Cristo está realmente
presente no sacramento, Tomás critica a hipótese que posteriormente será chamada de
consubstanciação (posição que curiosamente será defendida no futuro pelos luteranos na
Reforma), onde há a permanência da substância do pão e do vinho junto com a do Corpo e
Sangue de Cristo. Tomás indica que a mesma é incoerente, pois entende que uma vez que
Cristo não está presente antes da consagração do pão e do vinho, só pode fazer-se presente de
duas maneiras: por uma “mudança de lugar” (loci mutationem) ou por “conversão”
(conversionem). Se tratando da primeira possibilidade, à qual se poderia pensar que o Corpo e
o Sangue estivessem no mesmo lugar que o pão e o vinho, não é possível para Cristo por três
argumentos relacionados à teologia da presença real já assumida. Nesse sentido, conclui
Tomás pela consideração de que a presença de Cristo no sacramento se dá por uma conversão
da substância do pão e do vinho, onde já não permanece o que foi convertido. Entretanto, se
mostrará depois (no artigo 4) que a conversão operada aqui é ainda mais profunda que as
conversões naturais.
(II) STh III, q. 75, a.3 : uma vez provada a não permanência das substâncias do pão e
do vinho, Tomás responde à dúvida de se aquelas foram reduzidas à matéria preexistente, os
quatro elementos, ou se foram aniquiladas. Contrariando as duas posições, insiste novamente
na ideia de conversão da substância.
(III) STh III, q. 75, a.4: ainda tratando da conversão, Tomás esclarece que a mesma se
dá de uma maneira diferente das conversões comuns na natureza, que têm por característica
principal serem apenas formais. Ao contrário, na “transubstanciação”, não há a admissão de
uma nova forma em um mesmo substrato material, como se o padre ao pronunciar as palavras
que dão forma ao sacramento se utilizasse da matéria do pão e do vinho com a forma do
Corpo e Sangue de Cristo. Assim, Tomás entende que a substância do pão e do vinho é
transubstanciada em sua totalidade no Corpo e Sangue de Cristo, conversão essa gerada
segundo o poder infinito de Deus e não segundo as leis comuns da natureza.
SANCTI THOMAE AQUINATIS. Opera TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma
omnia iussu impensaque Leonis XIII P. teológica: os sacramentos: III parte -
M. edita, t. 11-12: Tertia pars Summae questões 60-90 : volume 9. 2ed. São Paulo:
theologiae. Ex Typographia Polyglotta S. C. Edições Loyola, 2013.
de Propaganda Fide, Romae, 1903-1906

STh III, q. 75, a.2, co. : Utrum in hoc STh III, q. 75, a.2, co. : Permanece neste
sacramento remaneat substantia panis sacramento a substância do pão e do
et.vini post consecrationem. vinho depois da consagração?

Respondeo dicendum quod quidam Respondo. Alguns autores disseram que


posuerunt post consecrationem substantiam permanecia depois da consagração a
panis et vini in hoc sacramento remanere. substância de pão e de vinho neste
Sed haec positio stare non potest. Primo sacramento. Não se pode sustentar tal
quidem, quia per hanc positionem tollitur posição por várias razões. Esta posição não
veritas huius sacramenti, ad quam pertinet ut se sustenta. Primeiro porque suprime a
verum corpus Christi in hoc sacramento verdade deste sacramento, segundo a qual o
existat. Quod quidem ibi non est ante verdadeiro corpo de Cristo existe neste
consecrationem. Non autem aliquid potest sacramento. Pois bem, ele não está aí antes
esse alicubi ubi prius non erat, nisi per loci da consagração. E algo não pode estar em
mutationem, vel per alterius conversionem um lugar onde antes não estava, a não ser
in ipsum, sicut in domo aliqua de novo por mudança de lugar, ou por transformação
incipit esse ignis aut quod illuc defertur, aut de outra coisa nele: assim como numa casa
quod ibi generatur. Manifestum est autem não irrompe de repente o fogo a não ser que
quod corpus Christi non incipit esse in hoc tragam de algum lugar ou que aí o façam
sacramento per motum localem. Primo nascer. Está claro que o corpo de Cristo não
quidem, quia sequeretur quod desineret esse começa a estar neste sacramento, mediante
in caelo, non enim quod localiter movetur, mudança de lugar. Antes de tudo, isso
pervenit de novo ad aliquem locum, nisi significaria que ele deixaria de estar no céu:
deserat priorem. Secundo, quia omne corpus um corpo que se move localmente não
localiter motum pertransit omnia media, chega a um novo lugar a não ser deixando o
quod hic dici non potest. Tertio, quia anterior. Além disso, todo corpo move-se
impossibile est quod unus motus eiusdem passando pelos pontos intermediários, o que
corporis localiter moti terminetur simul ad aqui não é possível. Finalmente, é
diversa loca, cum tamen in pluribus locis impossível que um único movimento do
corpus Christi sub hoc sacramento simul mesmo corpo que se move localmente
esse incipiat. Et propter hoc relinquitur quod termine ao mesmo tempo em diversos
non possit aliter corpus Christi incipere esse lugares. No entanto, o corpo de Cristo
de novo in hoc sacramento nisi per começa a estar sob este sacramento em
conversionem substantiae panis in ipsum. diversos lugares. Por isso, conclui-se que o
Quod autem convertitur in aliquid, facta corpo de Cristo não pode começar a estar
conversione, non manet. Unde relinquitur presente neste sacramento a não ser pela
quod, salva veritate huius sacramenti, conversão da substância do pão nele. O que
substantia panis post consecrationem se converte em alguma coisa, não
remanere non possit. [...] permanece aí depois da conversão. Então
fica claro que, para conservar a verdade
deste sacramento, a substância do pão não
pode permanecer depois da consagração.
[...]
STh III, q. 75, a.3, co.: Utrum substantia STh III, q. 75, a.3, co.: A substância do
panis, post consecrationem huius pão, após a consagração deste
sacramenti, annihiletur, aut in pristinam sacramento, é aniquilada ou se reduz à
materiam resolvatur. matéria anterior?

Respondeo dicendum quod, quia substantia Respondo. Porque a substância do pão e do


panis vel vini non manet in hoc sacramento, vinho não permanece neste sacramento,
quidam, impossibile reputantes quod alguns autores, julgando que era impossível
substantia panis vel vini in corpus vel que a substância do pão e do vinho se
sanguinem Christi convertatur, posuerunt convertesse no corpo e sangue de Cristo,
quod per consecrationem substantia panis afirmaram que pela consagração a
vel vini vel resolvitur in praeiacentem substância do pão e do vinho se reduzia a
materiam, vel quod annihiletur. Praeiacens uma matéria preexistente, ou era aniquilada.
autem materia in quam corpora mixta resolvi A matéria preexistente, a que os corpos
possunt, sunt quatuor elementa, non enim mistos podem ser reduzidos, são os quatro
potest fieri resolutio in materiam primam, ita elementos. Não é possível, pois, algo
quod sine forma existat, quia materia sine reduzir-se à matéria primeira de tal modo
forma esse non potest. Cum autem post que exista sem a forma, pois ela não pode
consecrationem nihil sub speciebus existir assim. Como depois da consagração
sacramenti remaneat nisi corpus et sanguis, nada permanece sob as espécies do
oportebit dicere quod elementa in quae sacramento a não ser o corpo e sangue,
resoluta est substantia panis et vini, inde dever-se-á dizer que os elementos, aos quais
discedant per motum localem. Quod sensu se reduz a substância do pão e do vinho, se
perciperetur. Similiter etiam substantia panis vão por movimento local. Isso dever-se-ia
vel vini manet usque ad ultimum instans perceber pelos sentidos. - De igual modo,
consecrationis. In ultimo autem instanti também a substância de pão e de vinho
consecrationis iam est ibi substantia vel permanece até o último instante da
corporis vel sanguinis Christi, sicut in consagração. No último instante , porém, da
ultimo instanti generationis iam inest forma. consagração já está aí a substância ou do
Unde non erit dare aliquod instans in quo sit corpo ou do sangue de Cristo: assim como
ibi praeiacens materia. Non enim potest dici no último instante da geração já aparece a
quod paulatim substantia panis vel vini forma. Por isso, não pode haver nenhum
resolvatur in praeiacentem materiam, vel instante em que aí esteja uma matéria
successive egrediatur de loco specierum. preexistente. Nem se pode dizer que a
Quia, si hoc inciperet fieri in ultimo instanti substância do pão ou do vinho se reduza
suae consecrationis, simul sub aliqua parte pouco a pouco à matéria preexistente , ou
hostiae esset corpus Christi cum substantia deixe aos poucos o lugar ocupado pelas
panis, quod est contra praedicta. Si vero espécies. Porque, se isso começasse a
incipiat fieri ante consecrationem, erit dare acontecer no último instante da sua
aliquod tempus in quo sub aliqua parte consagração, ao mesmo tempo sob alguma
hostiae neque erit substantia panis, neque parte da hóstia existiria o corpo de Cristo
erit corpus Christi, quod est inconveniens. Et com a substância do pão: o que contradiz o
hoc ipsimet perpendisse videntur. Unde dito acima. Se começasse a acontecer antes
posuerunt aliud sub disiunctione, scilicet da consagração, haveria algum tempo em
quod annihiletur. Sed nec hoc potest esse. que sob alguma parte da hóstia nem haveria
Quia non erit dare aliquem modum quo a substância do pão nem estaria o corpo de
corpus Christi verum incipiat esse in hoc Cristo: o que seria absurdo. Estes autores
sacramento, nisi per conversionem perceberam isso. Introduziram, por isso,
substantiae panis in ipsum, quae quidem uma alternativa, a saber o aniquilamento. -
conversio tollitur, posita vel annihilatione Mas também isso é impossível . Não se
panis, vel resolutione in praeiacentem pode aceitar outra maneira pela qual o
materiam. Similiter etiam non est dare unde verdadeiro corpo de Cristo começa a estar
talis resolutio vel annihilatio in hoc neste sacramento a não ser pela conversão
sacramento causetur, cum effectus da substância do pão nele. Esta conversão
sacramenti significetur per formam; neutrum não se dá, se há aniquilamento do pão ou
autem horum significatur per haec verba redução a uma matéria preexistente . - Da
formae, hoc est corpus meum. mesma maneira, não há porque aconteça tal
redução ou aniquilamento neste sacramento,
uma vez que o efeito do sacramento está
significado pela forma. Nada disso é
significado por estas palavras da forma:
"Isto é o meu corpo”.

STh III, q.75, a.4, co: Utrum panis possit STh III, q. 75, a. 4, co: O pão pode
converti in corpus Christi. converter-se no corpo de Cristo?

Respondeo dicendum quod, sicut supra Respondo. Uma vez que neste sacramento
dictum est, cum in hoc sacramento sit verum está o verdadeiro corpo de Cristo e ele não
corpus Christi, nec incipiat ibi esse de novo começa a estar aí pelo movimento local ;
per motum localem; cum etiam nec corpus uma vez que também o corpo de Cristo não
Christi sit ibi sicut in loco, ut ex dictis patet, está aí como em um lugar, é necessário dizer
necesse est dicere quod ibi incipiat esse per que ele aí começa a estar pela conversão da
conversionem substantiae panis in ipsum. substância do pão nele. Esta conversão,
Haec tamen conversio non est similis porém, não se assemelha às conversões
conversionibus naturalibus, sed est omnino naturais, mas é totalmente sobrenatural ,
supernaturalis, sola Dei virtute effecta. [...] realizada unicamente pelo poder de Deus.
Manifestum est enim quod omne agens agit [...] É claro que todo agente age enquanto
inquantum est actu. Quodlibet autem agens está em ato. Ora, todo agente criado está
creatum est determinatum in suo actu, cum determinado no seu ato, uma vez que faz
sit determinati generis et speciei. Et ideo parte de determinado gênero e espécie .
cuiuslibet agentis creati actio fertur super Portanto, a ação de todo agente criado visa
aliquem determinatum actum. Determinatio um ato determinado. A determinação,
autem cuiuslibet rei in esse actuali est per porém, de toda coisa na sua existência é
eius formam. Unde nullum agens naturale feita por sua forma. Por isso , o agente
vel creatum potest agere nisi ad natural ou criado só pode agir para mudar
immutationem formae. Et propter hoc omnis uma forma. E, por esta razão, toda
conversio quae fit secundum leges naturae, conversão, que acontece segundo as leis da
est formalis. Sed Deus est infinitus actus, ut natureza, é formal . Ora, Deus é o ato
in prima parte habitum est. Unde eius actio infinito, como se viu na I Parte . Por isso,
se extendit ad totam naturam entis. Non sua ação se estende a toda natureza do ser.
igitur solum potest perficere conversionem Portanto, ele não só pode realizar a
formalem, ut scilicet diversae formae sibi in conversão formal de modo que as diversas
eodem subiecto succedant, sed formas se sucedam num mesmo sujeito; mas
conversionem totius entis, ut scilicet tota também a conversão de todo o ser, de modo
substantia huius convertatur in totam que toda substância de um ser se converta
substantiam illius. Et hoc agitur divina em toda a substância de um outro. E isso se
virtute in hoc sacramento. Nam tota realiza, portanto, neste sacramento pelo
substantia panis convertitur in totam poder divino. Com efeito, toda substância
substantiam corporis Christi, et tota do pão se converte em toda a substância do
substantia vini in totam substantiam corpo de Cristo, e toda a substância do
sanguinis Christi. Unde haec conversio non vinho em toda a substância do sangue de
est formalis, sed substantialis. Nec Cristo. Por isso, esta conversão não é
continetur inter species motus naturalis, sed formal, mas substancial . Não se classifica
proprio nomine potest dici transubstantiatio. entre as diversas espécies de movimento
natural , mas pode-se chamar com o nome
apropriado de "transubstanciação".

B ) Textos da Suma Contra os Gentios


Os textos a seguir antecedem os da Suma Teológica em cerca de oito anos. (cf.
TORRELL, Jean Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: sua pessoa e obra, pp. 388-389).
Nesse sentido, na STh estão melhor organizados alguns dos argumentos aqui condensados e,
de fato, há casos de sutis mudanças no vocabulário usado por Tomás. Assim, apresentar-se-ão
aqui textos que complementam a reflexão apresentada na STh, são eles:
(I) SCG IV, 63, 2: aqui Tomás, de maneira semelhante ao que faz na Suma Teológica,
critica a ideia de que o Corpo de Cristo se faz aí presente segundo o “movimento local”
(motus localis), dando argumentos correlatos aos apresentados em STh III, q.75, a.2, com a
diferença de que aqui esclarece a impossibilidade da aplicação de um movimento local, que
decorre no tempo, em razão da instantaneidade da transubstanciação ao término da
consagração.
(II) SCG IV, 63, 3: aqui Tomás rechaça a ideia da permanência das substâncias do pão
e do vinho, bem como a ideia da aniquilação e da redução à matéria-prima. Desse modo,
apresenta um argumento já citado em STh III, q. 75, a.2 (omitido na citação anterior da
passagem), a respeito da maneira como Jesus pronuncia a fórmula de consagração. Ao se
referir como “isto (hoc) é meu corpo”, entende que a substância ali presente é apenas seu
corpo. Do contrário, diria “aqui (hic) está meu corpo”, entendendo que ali haveria tanto o pão
como seu corpo. A edição traduzida da SCG, contudo, causa estranheza na leitura, ao optar
traduzir “hic” por “este”. Além disso, traz um argumento um pouco diferente para criticar a
teoria da aniquilação, mas análogo ao argumento de autoridade de Agostinho usado por ele
em STh III, q. 75, a.3: “Deus não é causa da tendência para o não-ser”. O autor aqui opta pelo
termo “matéria-prima” (materia prima) ao invés de “matéria preexistente” (praeiacens
materia), mas aqui é mais claro ao citar a impossibilidade de alguém considerar que a
substância do pão e do vinho seriam reduzidos à matéria que “não pode ser conhecida ou
definida por si, mas por comparação, tal como é dito que aquilo é a matéria primeira, que
deste modo está ela para todas as formas e para todas as privações, assim como o bronze, para
a estátua e para o desfigurado” (De Princiipis Naturae, II ), pois a matéria não existe sem a
forma.
(III) SCG IV, 63, 5: é mostrado com mais detalhes o processo da conversão
substancial, dando-se ênfase ao fato de haver uma conversão não só da forma, mas também da
matéria, de maneira análoga a STh III, q.75, a.4, ad.3.
S. THOMAE AQUINATIS. Liber de TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma
veritate catholicae Fidei contra errores contra os gentios, vol. II. Porto Alegre:
infidelium seu Summa contra Gentiles, t. Escola Superior de Teologia São Lourenço
2-3. Ed. P. MARC, C. PERA, P. de Brindes ; Caxias do Sul: Universidade de
CARAMELLO (Marietti, Taurini-Romae, Caxias do Sul, 1990.
1961).

SCG IV, 63, 3: Impossibile autem est quod SCG IV, 63, 2: Com efeito, é impossível
hoc fiat per motum localem corporis Christi. que aconteça por movimento local do corpo
Tum quia sequeretur quod in caelo esse de Cristo, quer porque resultaria deixar de
desineret quandocumque hoc agitur estar no céu todas as vezes em que se
sacramentum. Tum quia non posset simul celebra esse sacramento; quer porque este
hoc sacramentum agi, nisi in uno loco: cum sacramento não poderia ser celebrado ao
unus motus localis non nisi ad unum mesmo tempo senão em um só lugar, porque
terminum finiatur. Tum etiam quia motus o movimento local só termina em um termo;
localis instantaneus esse non potest, sed quer porque o movimento local não pode ser
tempore indiget. Consecratio autem instantâneo, mas leva tempo para
perficitur in ultimo instanti prolationis realizar-se, mas a consagração se completa
verborum no último instante da prolação das palavras.

SCG IV, 63, 5: Ex hoc autem apparet falsam SCG IV, 63 , 3: Disto se depreende que é
esse opinionem, tam eorum qui dicunt falsa a opinião dos que afirmam estar neste
substantiam panis simul cum substantia sacramento a substância do pão juntamente
corporis Christi in hoc sacramento existere; com a substância do corpo de Cristo, quanto
quam etiam eorum qui ponunt substantiam a dos que afirmam que a substância do pão
panis in nihilum redigi, vel in primam se aniquila ou que se reduz à matéria-prima.
materiam resolvi. Ad utrumque enim Essas duas afirmações levam a pensar que o
sequitur quod corpus Christi in hoc corpo de Cristo começa a estar neste
sacramento esse incipere non possit nisi per sacramento por movimento local. Ora, como
motum localem: quod est impossibile, ut foi demonstrado acima, isto é impossível.
ostensum est. Praeterea, si substantia panis Ademais, se a substância do pão está neste
simul est in hoc sacramento cum vero sacramento juntamente com o verdadeiro
corpore Christi, potius Christo dicendum corpo de Cristo, Cristo antes teria dito: 'Este
fuit, hic est corpus meum, quam, hoc est é o meu corpo', e não : 'Isto é o meu corpo'.
corpus meum: cum per hic demonstretur Ora, por 'isto' designa-se a substância que se
substantia quae videtur, quae quidem est vê, que seria a do pão se ela permanecesse
substantia panis, si in sacramento cum no sacramento juntamente com o corpo de
corpore Christi remaneat. Similiter etiam Cristo. Parece que também é impossível que
impossibile videtur quod substantia panis a substância do pão volte totalmente ao nada
omnino in nihilum redeat. Multum enim de pelo uso frequente desse mistério. Ademais,
natura corporea primo creata iam in nihilum não é decente que, no sacramento da
rediisset ex frequentatione huius mysterii. salvação, alguma coisa volte ao nada pela
Nec est decens ut in sacramento salutis virtude divina. É também impossível que a
divina virtute aliquid in nihilum redigatur. substância do pão seja reduzida à
Neque etiam in materiam primam matéria-prima, porque a matéria-prima não
substantiam panis est possibile resolvi: cum pode estar sem forma, a não ser que por
materia prima sine forma esse non possit. matéria-prima se entendam os elementos
Nisi forte per materiam primam prima corpóreos. Mas, se a substância do pão fosse
elementa corporea intelligantur. In quae a eles reduzida, eles deveriam ser
quidem si substantia panis resolveretur, percebidos pelos sentidos, porque esses
necesse esset hoc ipsum percipi sensu: cum elementos são sensíveis. E haveria ainda aí
elementa corporea sensibilia sint. Esset mudança de lugar e alteração corpórea de
etiam ibi localis transmutatio et corporalis contrários, o que não pode acontecer
alteratio contrariorum, quae instantanea esse instantaneamente.
non possunt.

SCG IV, q. 63,7: Nunc autem considerare SCG IV, q. 63, 5: Agora é preciso ver como
oportet quomodo subiectum in subiectum um sujeito se converte em outro sujeito.
convertatur. Quod quidem natura facere non Ora, isto a natureza não pode fazer, pois
potest. Omnis enim naturae operatio toda operação natural pressupõe a matéria
materiam praesupponit per quam substantia segundo a qual as substâncias são
individuatur; unde natura facere non potest individualizadas. Assim, a natureza não
quod haec substantia fiat illa, sicut quod hic pode fazer com que uma substância se torne
digitus fiat ille digitus. Sed materia subiecta outra, com que este dedo, por exemplo, se
est virtuti divinae: cum per ipsam producatur torne aquele outro. Mas a matéria é
in esse. Unde divina virtute fieri potest quod submetida à virtude divina, pois é por ela
haec individua substantia in illam produzida no ser. Por isso, pela virtude
praeexistentem convertatur. Sicut enim divina, pode acontecer que uma substância
virtute naturalis agentis, cuius operatio se individualizada se converta em outra
extendit tantum ad immutationem formae, et preexistente1. Ora, como pela virtude do
existentia subiecti supposita, hoc totum in agente natural, cuja operação atinge
illud totum convertitur secundum somente a mudança da forma e supõe a
variationem speciei et formae, utpote hic aer existência de um sujeito, um todo se
in hunc ignem generatum: ita virtute divina, converte em outro segundo a variação da
quae materiam non praesupponit, sed eam matéria e da forma, como, por exemplo, o
producit, et haec materia convertitur in ar, no fogo gerado; assim, também, por
illam, et per consequens hoc individuum in virtude divina, que não pressupõe a matéria,
illud: individuationis enim principium mas a produz, uma matéria converte-se na
materia est, sicut forma est principium outra (consequentemente, um indivíduo no
speciei. outro), pois a matéria é o princípio da
individuação, como a forma o é da espécie.

1
Aqui o termo “preexistente” refere-se ao Corpo de Cristo, que já existia no mundo antes que houvesse a
primeira transubstanciação. Em passagens anteriores da SCG, Tomás cita uma objeção frequente dos que
consideram problemática a transubstanciação por julgarem que “parece impossível que uma coisa de novo se
converta no corpo de Cristo em um altar, pois jamais se viu uma coisa converter-se em outra preexistente, porque
aquilo a que uma coisa se converte começa a existir pela própria conversão. Ora, é sabido que o corpo de Cristo
era preexistente, concebido que foi no ventre da Virgem. Por isso, não parece ser possível que de novo comece a
existir no altar pela conversão nele, de outra coisa” (SCG IV, 62, 3). Talvez por esse problema citado, Tomás
evite usar o termo “preexistente” quando trata da matéria à qual seria reduzida a substância do pão e do vinho.

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