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- Capitalismo e escravidão Racial : as bases supremacistas do mundo moderno1 -

A análise da gênese do capitalismo tem fascinado todas as disciplinas que estudam a


sociedade. Isso se deve, em grande parte, ao fato de o capitalismo ser visto como o sistema
gestor da Modernidade, de modo a prevalecer o postulado de que sem este sistema não haveria
mesmo a Modernidade. Analisar as origens do capitalismo como sendo o fruto de uma evolução
exclusivamente orgânica e linear da sociedade ocidental; ou, como o produto do “gênio” que,
segundo muitos autores, seria específico aos europeus, é certamente um erro no qual caiu mais
de um pensador.

Na base desse erro, no entanto, estabeleceu-se a premissa, amplamente aceita,


segundo a qual haveria um nexo de causa e efeito entre capitalismo e Modernidade. Mas o
problema não está realmente aí, senão embutido em uma questão mais ampla que,
aparentemente simples, se torna um verdadeiro quebra-cabeças quando colocada no centro de
nosso debate: A escravidão racial de africanos/as entre os séculos XV Aa XIX , como força motora
de desenvolvimento das bases do Capitalismo e , consequentemente, da própria civilização
moderna.

TESE DE ERIC WILLIAMS2 : Capitalismo e escravidão

A singularidade ocidental no processo geral de desenvolvimento das sociedades é o foco


central da magistral obra de Eric Williams, Capitalismo e escravidão (1975). Williams foi um dos
autores mais bem sucedidos em apontar a limitação da premissa marxista que vislumbra o
desenvolvimento da Modernidade como decorrência lógica da evolução orgânica das

1 O presente texto é uma breve reedição de trechos do livro Racismo e Sociedade de


Carlos Moore. Obra completa :
http://observatorioedhemfoc.hospedagemdesites.ws/observatorio/wp-
content/uploads/2020/07/RACISMO-SOCIEDADE-3.ed_..pdf

2Eric Eustacio Williams (Porto de Espanha, 25 de setembro de 1911 - 29 de


março de 1981) foi um historiador e estadista de Trindade e Tobago. Ele
foi primeiro-ministro de 1956 até à data da sua morte. Seu livro Capitalismo e
escravidão foi um dos trabalhos historiográficos mais importantes do século XX,
Eric Williams expõe tese que se tornou clássica para entender a gênese do
mundo moderno: o complexo escravista atlântico foi essencial para a
capitalização que permitiu o arranque industrial inglês na virada do
século XVIII para o XIX.
sociedades do Ocidente. Contrariamente a muitos autores , para quem “o gênio do Ocidente
tendeu, desde há mil anos, a introduzir mudanças em todos os domínios”, Williams demonstra,
de modo inconteste, que o “milagre ocidental”, tanto quanto o “milagre grego” predecessor, se
fundou na alta capacidade predatória.

Usando abundantes fontes primárias, Williams demonstra como a conquista e a sujeição


de outros continentes foram indispensáveis para o desenvolvimento do capitalismo industrial
europeu dos séculos XVII/XVIII. Foi a expropriação do Continente Africano que permitiu a
solidificação do processo acumulativo que conduziu à Revolução Industrial. Com isso, a
teorização de Williams permite alargar a compreensão do chamado processo de “acumulação
primitiva do capital”.

O livro Capitalismo e escravidão elucida, com extrema minúcia, a origem da fabulosa


massa de capitais responsável pelo lançamento da Revolução Industrial, a saber: a) a produção
de comodities na Europa destinadas à exportação; b) o lucrativo tráfico negreiro a partir do
Continente Africano; e c) a fabulosa produção de riquezas nas colônias americanas com o
trabalho escravo, base da produção de minérios preciosos e bens exóticos para exportação. Essa
relação triangular, iniciada como um verdadeiro assalto perpetrado contra o Continente
Africano, engendrou o processo chamado de acumulação primitiva do capital, que deu origem
à Revolução Industrial na Inglaterra (Idem, ibidem, p. 35). Williams explica que “o tráfico de
escravos era mais do que um meio para atingir um fim, era também um fim em si mesmo” (Idem,
ibidem, p.38).

O comércio triangular, como infere Williams, “representou uma enorme contribuição


para o desenvolvimento industrial da Grã-Bretanha. Os lucros decorrentes dessa transação
fecundaram todo o sistema produtivo do país” (Idem, ibidem, p. 116). Esse comércio
“proporcionava assim um estímulo triplo à indústria britânica. Os lucros obtidos forneceram um
dos principais fluxos dessa acumulação de capital na Inglaterra que financiou a Revolução
Industrial” (Idem, ibidem, p. 58). O resultado é que: O capitalismo comercial do século XVIII
desenvolveu a riqueza da Europa por meio da escravidão e do monopólio. [...] Mas, ao fazer isso,
contribuiu para criar o capitalismo industrial do século XIX.

A rigorosa demonstração de Williams conduz a conclusões das quais dificilmente se


pode escapar. A mais importante delas é a de que a gênese do capitalismo, longe de obedecer
a uma sequência lógica de mudanças econômicas endógenas no Ocidente, foi produto de um
assalto cometido contra todo um continente pela Europa Ocidental, ávida por mão de obra
escravizada de além-mar, num momento em que a escravidão de europeus pelos europeus, há
muito tempo, havia desaparecido na Europa. Portanto, a busca de mão de obra escravizada
exclusivamente negra constituiu uma decisão deliberada, de natureza especificamente
raciológica. Tratouse, consequentemente, de uma escravidão racial.

A Modernidade, especificamente capitalista, dessa maneira, foi o resultado, não


essencialmente de uma evolução orgânica europeia, mas de uma violenta e agressiva ação de
expansão imperial de uma região do mundo em detrimento de todas as outras. Se Williams
estiver certo, foi a investida contra o Continente Africano, como o uso irrestrito da violência e a
escravização de toda uma raça, que teria aberto as portas da Modernidade tal qual a
conhecemos.

Sabemos que, entre outras coisas, essa Modernidade capitalista implica: a) um mercado
mundial articulado em redes conectivas; b) o assalariamento do trabalho produtivo e o confisco
individual do produto deste; c) a propriedade privada dos instrumentos de produção e de
distribuição dos bens sociais; e d) valores sociais voltados para a incitação constante ao consumo
de luxo irrestrito. Trata-se de um sistema que cria, gratifica e difunde valores sociais conflitantes
que semeiam a indiferença e a insensibilidade diante das misérias humanas e as depredações
de toda ordem que ele próprio provoca.

O capitalismo que surgiu na Europa nos séculos XVII-XVIII emerge como uma
singularidade totalmente atípica no processo de desenvolvimento geral da Humanidade; uma
surpreendente aberração, se considerarmos como sendo a norma o modo de desenvolvimento
que a maioria das sociedades do planeta seguiu. No entanto, em termos históricos, uma
aberração é simplesmente a concretização de algo que era possível. O capitalismo industrial
surgiu porque era possível. Mas essa possibilidade supôs certas condições históricas . Todavia,
estes últimos deixaram de fora o elemento fundamental que Eric Williams (1975) trouxe para o
debate: o papel da violência organizada como um agente histórico determinante. Foram o
assalto do Continente Africano, demonstrou Williams, e a consequente escravização dos povos
da raça negra que criaram a fabulosa acumulação primitiva de capital que engendrou a
Revolução Industrial.

Cabe destacar que embora não se possa postular a existência de um modelo único de
escravidão na história da humanidade , talvez seja útil para nosso propósito distinguir pelo menos
três grandes categorias de estruturas da escravatura que, de maneira geral, estiveram presentes
na história da humanidade;
a) A escravidão doméstico-serviçal, geralmente ancorada nas estruturas de família, abarca um
número limitado de pessoas na sociedade e talvez seja a única forma de escravatura de caráter
universal. Ela é bem conhecida na Ásia antiga e “medieval” (China, Japão, Coreia, Índia e
Indonésia), no Oriente Médio semita pré-islâmico, na América pré-colonial (Olmeca-Sih, Inca,
Maia, Asteca) e na África.

b) A escravidão econômica generalizada, surgida historicamente no Mediterrâneo europeu com


a civilização greco-romana, perdurou ao longo da época medieval europeia até o século XV.
Nessa estrutura escravista, encontra-se toda a sociedade livre que repousa sobre o trabalho de
uma classe de escravos, violentamente reprimida, implacavelmente vigiada, considerada jurídica
e moralmente como coisa. As instituições políticas mais repressivas conhecidas na História da
Humanidade antiga, prototípicas do nazi-fascismo da contemporaneidade, foram incubadas nessa
tipologia escravista.

c) A escravidão-racial de plantation,surgida pela primeira vez no Oriente Médio a partir do


século IX, no período abássida, e prat icada a partir do século XV até o final do século XIX em
todo o Continente Americano, é muito parecida com a escravidão econômica generalizada. A
diferença notável e substancial desta última categoria reside no fato de que o estatuto escravo é
reservado exclusivamente a uma raça-alvo: a chamada raça negra.

Sendo assim, a escravidão racial das Américas se distingue, fundamentalmente, de todas


as formas de escravidão que a precederam na história. Trata-se da primeira experiência na história
em que uma raça inteira foi especificamente almejada para a escravização. Esse diferencial
merece um novo enfoque metodológico e teórico da natureza das estruturas inerentes às
plantation das Américas. Sem elas, como o demonstrou Eric Williams (1975), o capitalismo não
teria surgido, pelo menos na versão que hoje conhecemos.

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-Exercicios de fixação do Estudo dirigido -

Obs 1: Responda todas questões em seu caderno e leve para sala de aula
Obs2: Em sala de aula será sorteado alun@s para lerem suas respostas
Obs3: copie para caderno apenas as perguntas e a alternativa que julgar
correta.

1- A análise da gênese do capitalismo tem fascinado todas as disciplinas que estudam


a sociedade. Isso se deve, em grande parte, ao fato de o capitalismo ser visto como
o sistema gestor da Modernidade, de modo a prevalecer o postulado de que sem
este sistema não haveria mesmo a Modernidade. Nesse contexto, de acordo a
obra “ capitalismo e escravidão “ do pesquisador Eric Williams , qual o principal
contexto histórico que deu condições econômicas para o surgimento e
consolidação do capitalismo a nível planetário?

a- Mercantilismo
b- Renascimento Cultural
c- As Grandes navegações
d- Escravidão racial de africanos/as

2- De acordo a obra “Capitalismo e Escravidão” de Eric Williams a escravidão racial


de africanos/as foi estrutural/indispensável no processo histórico de
desenvolvimento do capitalismo a nível planetário. Nesse contexto marque a
alternativa correta segundo o argumento do autor;

a- Não há nenhuma relação entre a expropriação de recursos humanos do


Continente africano através da escravização racial e o processo histórico de
desenvolvimento do capitalismo a nível planetário
b- Foi a expropriação do Continente Africano através da escravidão racial que
permitiu a solidificação do processo acumulativo que conduziu à Revolução
Industrial e consequente desenvolvimento do capitalismo.
c- A escravidão de africanos-as entre os séculos XVI A XIX não teve critérios raciais
d- Nenhuma das alternativas.

3- O livro Capitalismo e escravidão elucida, com extrema minúcia, a origem da


fabulosa massa de capitais responsável pelo lançamento da Revolução Industrial
e consequente solidificação do sistema capitalista a nível planetário. De acordo
Eric Williams , quais as principais características desse processo ampliado de
acumulação de capital?
a- a produção de comodities na Europa destinadas à exportação;
b - o lucrativo tráfico negreiro baseado em critérios raciais a partir do Continente
Africano;
c- a fabulosa produção de riquezas nas colônias americanas com o trabalho
escravo de africanos-as , assim como, dos povos originários, que foram as bases da
produção de minérios preciosos e bens exóticos para exportação.
d- Todas alternativas anteriores

4- O chamado “comércio triangular”, estruturado na escravidão racial , representou


uma enorme contribuição para o desenvolvimento econômico de potencias
imperialistas como a Inglaterra. Os lucros obtidos com esse comercio transnacional
forneceram um dos principais fluxos de acumulação de capital que foi estrutural
para o financiamento das;

a- Revoluções industriais
b- Antigo regime absolutista
c- Iluminismo
d- Todas as alternativas anteriores

5- No Livro “ Capitalismo e escravidão “ de Eric Williams argumenta que ;

a- a gênese do capitalismo foi produto de um assalto cometido contra todo um


continente pela Europa Ocidental, ávida por mão de obra escravizada
exclusivamente negra
b- A escravidão racial de africanos/as entre os séculos XVI ao XIC constituiu uma
decisão deliberada, de natureza especificamente raciológica. Tratou-se,
consequentemente, de uma escravidão de caráter racial.

c- foi a investida contra o Continente Africano, como o uso irrestrito da violência


e a escravização de toda uma raça, que teria aberto as portas da Modernidade
tal qual a conhecemos.
d- Todas alternativas estão corretas

6- De acordo a tese defendida por Eric Williams a dita Modernidade capitalista tem
como características;
a- um mercado mundial articulado em redes conectivas;
b- o assalariamento do trabalho produtivo e o confisco individual do produto
deste;
c- a propriedade privada dos instrumentos de produção e de distribuição dos bens
sociais;
d- valores sociais voltados para a incitação constante ao consumo de luxo
irrestrito. Trata-se de um sistema que cria, gratifica e difunde valores sociais
conflitantes que semeiam a indiferença e a insensibilidade diante das misérias
humanas e as depredações de toda ordem que ele próprio provoca.
e- Todas alternativas estão corretas

Questão 8 – A expansão do capitalismo pós- queda do muro de Berlim é chamada de


globalização. Ela é consequência do avanço tecnológico, especialmente da modernização
do sistema industrial. As tecnologias modernas permitem um aumento considerável da
produtividade, isto é, com o mesmo número de trabalhadores consegue-se produzir mais.
No entanto, em uma perspectiva crítica podemos concluir que:

a) a produção cresce significativamente e sem problemas;


b) o desemprego diminui significativamente, pois essas tecnologias são geradoras de
mão-de-obra;
c) a produção compensa o desemprego, justificando os meios;
d) o desemprego cresce significativamente, pois essas tecnologias são poupadoras de
mão-de-obra;
e) é natural que os diversos ramos industriais venham se modernizando,
contudo, o desemprego é responsabilidade única do trabalhador que não
se atualiza.

Questão 9 – Dentro das diferentes etapas de desenvolvimento do


capitalismo, é importante ressaltar algumas correlações entre o
capitalismo comercial, industrial e financeiro, destacando-se também
o mercantilismo, imperialismo, liberalismo e neoliberalismo. Nessa
perspectiva correlacione e responda a ordem correta dos itens:

A. Capitalismo Comercial

B. Capitalismo Industrial

C. Capitalismo Financeiro

D. Capitalismo Imperialista

E. Capitalismo Neoliberal

( ) Carbonífera, têxtil, naval, e siderúrgica; petrolífera, elétrica, química e de


motores foram as bases para a consolidação do capitalismo.

( ) Etapa em que o capitalismo se globalizou e passou por profundas crises


econômicas, apelando para uma acomodação pautada na descapitalização
dos estados e em uma profunda abertura da economia mundial.

( ) Expansão marítima européia, o mercantilismo colonial e acumulação


primitiva de capital.

( ) Característico do século XX, com as grandes guerras mundiais,


surgimento de oligopólios, monopólios, grandes multinacionais, instituições
financeiras mundiais.

( ) O mundo era controlado pelas metrópoles européias que


estabeleceram colônias de exploração em todo o mundo, tendo a Grã-
Bretanha como maior potência da época.

A ordem correta dos itens é:


a) B, D, E, A, C;
b) B, E, A, C, D;
c) A, B, C, D, E;
d) E, A, B, D, C;
e) B, E, A, D, C.

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