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A RT I G O DE REVISÃO

Fibras alimentares
Dietary fibers
Fibras dietarias

Lidiane Aparecida Catalani1, Éster Mi Sun Kang2, Maria Carolina Gonçalves Dias3, Janete Maculevicius4

Resumo Abstract
A fibra alimentar inclui polissacarídeos vegetais, como celulose, The dietary fibre includes vegetable polysaccharides, as cellulose,
hemiceluloses, pectinas, gomas e mucilagens, oligossacarídeos e hemicelluloses, pectins, gums and mucilages, oligosaccharides and
lignina. As fibras alimentares podem ser agrupadas em: fibras lignin. The dietary fibres can be grouped into soluble fibres
solúveis (pectinas, gomas, mucilagens e hemicleluloses) e fibras (pectins, gums, mucilages and hemicelluloses) and insoluble fibres
insolúveis (celulose, lignina e algumas hemiceluloses e (cellulose, lignin and some hemicelluloses and mucilages). The
mucilagens). O conceito de fibras foi ampliado para incluir subs- fibre concept was extended to include functionally similar
tâncias funcionalmente semelhantes: amido resistente, inulina e substances: resistant starch, inulin and fructo-oligosaccharides.
frutooligossacarídeos. Recentemente, foram propostas novas de- Recently, new definitions have been proposed: dietary fibre and
finições que são: fibra alimentar e fibra adicionada. Dentre as added fibre. Among the functions of fibres it can be pointed out its
funções das fibras, destaca-se sua ação sobre a constipação intes- action on intestinal constipation, diabetes mellitus, obesity and its
tinal, diabetes melitus, obesidade e benefícios em nutrição enteral. benefits in enteral nutrition. It is supposed that the fibre can reduce
Acredita-se que a fibra pode diminuir a biodisponibilidade de mi- the bioavailability of minerals. However, studies only indicate
nerais. Entretanto, estudos indicam redução somente em casos de reduction in cases of deficient ingestion. Nondigestable
ingestão deficiente. Os oligossacarídeos não digeríveis têm sido oligosaccharides have been associated to the increase in the
associados ao aumento na biodisponibilidade de minerais como bioavailability of minerals as iron, calcium, magnesium and zinc.
ferro, cálcio, magnésio e zinco. (Rev Bras Nutr Clin 2003; (Rev Bras Nutr Clin 2003; 18(4):178-182)
18(4):178-182) KEY WORDS: dietary fibre, added fibre, resistant starch, inulin,
UNITERMOS: fibra alimentar, fibra adicionada, amido resistente, fructo-oligosaccharides, bioavailability
inulina, frutooligossacarídeos, biodisponibilidade.

Resumen
La fibra dietaria incluye los polisacáridos vegetales, como celulosa, hemiceluloses, pectinas, gomas y mucilagens, oligosacáridos y lignina.
Las fibras dietarias se pueden agrupar en: fibras solubles (pectinas, gomas, mucilagens y hemiceluloses) y insolubles (celulosa, lignina
y algunos hemiceluloses y mucilagens). El concepto de la fibra se fue ampliado para incluir substancias funcionalmente similares: almidón
resistente, inulina y frutooligosacáridos. Recientemente, nuevas definiciones fueram propuestas: fibra dietaria y fibra agregada. Entre
las funciones de las fibras se puede resaltar su acción en la constipación intestinal, en la diabetes mellitus, en la obesidad y en la nutrición
enteral. Es creído que la fibra puede disminuir la biodisponibilidad de minerales. Sin embargo, los estudios indican solamente la reducción
en los casos de ingestión deficiente. Los oligosacáridos non digeribles se han asociado al aumento en la biodisponibilidad de minerales como
el hierro, el calcio, el magnesio y el cinc. (Rev Bras Nutr Clin 2003; 18(4):178-182)
UNITÉRMINOS: fibra dietaria, fibra agregada, almidón resistente, inulina, frutooligosacáridos, biodisponibilidad.

1. Nutricionista, especializanda em Nutrição Hospitalar pelo Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2.
Nutricionista; 3. Nutricionista, Diretora do Serviço de Atendimento Ambulatorial da Divisão de Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-
cina da Universidade de São Paulo. Mestre em Nutrição Humana Aplicada pela Universidade de São Paulo. Especialista em Nutrição Enteral e Parenteral pela
Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral; 4. Nutricionista, Especialista em Terapia Nutricional, Diretora Técnica da Divisão de Nutrição e Dietética do
Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Instituição: Divisão de Nutrição e Dietética do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. - Rua Dr Enéas
de Carvalho Aguiar, 255, 2° andar, CEP 05403-900.
Endereço para correspondência : Lidiane Aparecida Catalani - Rua Heitor Penteado, n°1310, apto 1607, São Paulo, SP CEP 05438-100 - Telefone: 11-3875-4719
ou 11-9344-4491 e-mail: lidcatalani@yahoo.com.br
Submissão: 13 de janeiro de 2003
Aceito para publicação: 12 de novembro de 2003

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Fibra alimentar é a parte comestível de plantas ou intestino delgado, contribuindo para aumentar o “pool” de
carboidratos análogos que são resistentes à digestão e absor- fibra alimentar que chega intacto ao cólon5. Apresenta efei-
ção no intestino delgado de humanos, com fermentação tos fisiológicos semelhantes aos da fibra alimentar, dentre os
completa ou parcial no intestino grosso de humanos. A fibra quais destacam-se: capacidade de aumentar o volume fecal
alimentar inclui polissacarídeos vegetais, como celulose, e diluir compostos potencialmente tóxicos e cancerígenos;
hemiceluloses, pectinas, gomas e mucilagens, oligossaca- reduzir níveis plasmáticos pós-prandiais de glicose, insulina,
rídeos, lignina e substâncias associadas de plantas. Esta de- triglicérides e lipoproteínas de baixa densidade; produzir
finição foi elaborada pela American Association of Cereal ácidos graxos de cadeia curta10.
Chemists, no ano 1999, após de vários debates subsidiados A inulina é o polímero de glicose extraído da raiz de
com informações de industrias, academias e órgãos governa- chicória, tubérculos de alcachofra, da cebola, do alho, da
mentais de vários países.1 banana ou produzido industrialmente a partir da sacarose3.
O termo “fibra dietética” não corresponde, corretamen- Os fruto-oligossacarídeos (FOS) são polissacarídeos de
te, ao termo utilizado “dietary fiber”, uma vez que pode levar cadeia, cuja semelhança com as fibras está na ausência de
a interpretações errôneas de que, por ser “dietética”, seja degradação pelas enzimas digestivas do homem e na capaci-
especial e tenha como finalidade compor dietas e refeições dade de permitir fermentação pelas bactérias do cólon intes-
modificadas. Assim, o termo “fibra alimentar” é o que melhor tinal, formando ácidos graxos de cadeia curta que exercem
corresponde ao “dietary fiber” encontrado na literatura2. efeitos tróficos na mucosa intestinal. Os FOS diferem das
De acordo com a solubilidade em água de seus compo- fibras alimentares por não possuírem as características de
nentes, as fibras alimentares podem ser agrupadas em duas reter líqüidos, de aumentar a viscosidade quelando os mine-
grandes categorias: fibras solúveis e fibras insolúveis2. rais e de aumentar o bolo fecal7.
As fibras solúveis incluem a maioria das pectinas, gomas, A inulina e os fruto-oligossacarídeos (FOS) são conside-
mucilagens e hemiceluloses. São encontradas em frutas, rados pré-bióticos, por serem ingredientes alimentares não
farelo de aveia, cevada e leguminosas (feijão, lentilha, ervi- digeridos no intestino delgado que, ao atingir o intestino
lha e grão de bico) 3. grosso, são metabolizados seletivamente por um número li-
A fibra solúvel é responsável pelo aumento do tempo de mitado de bactérias benéficas, que alteram a microflora
trânsito intestinal e está relacionada à diminuição do esva- colônica, gerando uma microflora bacteriana saudável, capaz
ziamento gástrico, ao retardo da absorção de glicose, diminui- de induzir efeitos fisiológicos importantes para a saúde1.
ção da glicemia pós-prandial e redução do colesterol
sangüíneo devido às suas propriedades físicas que conferem Novas definições propostas para fibra
viscosidade ao conteúdo luminal4. alimentar
No cólon, as fibras solúveis são fermentadas pelas bacté-
rias intestinais, produzindo ácidos graxos de cadeia curta O National Academy of Science (NAS), dos Estados
(acético, butírico e propiônico) 5. Estes ácidos graxos são res- Unidos, propôs duas definições para fibra alimentar que são:
ponsáveis por regular a proliferação epitelial e diferenciação da • fibra alimentar: carboidratos não digeríveis e lignina que
mucosa colônica (butirato); aumentar o fluxo sangüíneo e são intrínsecos e intactos nas plantas, cujas principais
produção de muco; constituir fonte energética preferencial características são manter suas fibras intactas mesmo
para os colonócitos (butirato); reduzir o pH no cólon, com após tratamento mecânico (farelo de cereais); apresen-
efeito no equilíbrio da microflora intestinal; estimular a absor- tar outros macronutrientes associados (carboidratos di-
ção de sódio e água; exercer efeito sobre o metabolismo geríveis ou proteínas); apresentar normalmente
lipídico (propionato) e glicídico (acetato e propionato); esti- oligossacarídeos em alimentos fontes de fibras11.
mular a secreção pancreática e de outros hormônios 3,6,7. • fibra adicionada: carboidratos isolados, não digeríveis que
As fibras insolúveis contribuem para o aumento do vo- apresentam efeitos fisiológicos benéficos em humanos.
lume do bolo fecal, redução do tempo de trânsito intestinal, Incluem nessa classificação: amido resistente e oligos-
retardo da absorção de glicose e retardo da hidrólise do sacarídeos produzidos sinteticamente ou isolados; poli ou
amido 4. Incluem a celulose, a lignina e algumas hemi- oligossacarídeos extraídos de plantas modificadas,
celuloses e mucilagens. São encontradas em maior quantida- carboidratos não digeríveis de origem animal, uma vez
de no farelo de trigo, nos cereais integrais e seus produtos, nas que não se originam de vegetais; oligossacarídeos de três
raízes e nas hortaliças2. Geralmente, não sofrem fermentação, ou mais graus de polimerização que foram isolados, fabri-
de maneira que, quando esta ocorre, ela se dá de forma len- cados ou que são sintéticos11.
ta5. Proporcionalmente, a fração insolúvel das fibras é a mais • fibras totais: a soma de fibra alimentar e fibra adiciona-
abundante, constituindo cerca de 2/3 a 3/4 da fibra alimen- da11.
tar de uma dieta composta por variados alimentos de origem Tais definições reconhecem a diversidade dos
vegetal5. carboidratos comestíveis e não digeríveis presentes na ali-
Recentemente, o conceito de fibras foi ampliado de mentação. Estas incluem os carboidratos de armazenamento
modo a incluir substancias funcionalmente semelhantes: e que estão presentes nas paredes celulares dos vegetais, bem
amido resistente, inulina e frutooligossacarídeos (FOS)3,8,9 como aqueles provenientes de origem animal, os
O amido resistente é definido como a soma do amido e carboidratos isolados e também os de baixo peso molecular
dos produtos da sua degradação que não são absorvidos pelo que ocorrem naturalmente, ou que foram sintetizados11.
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Recomenda-se que os termos “solúvel” e “insolúvel” NCEP recomenda o consumo de 10 g/dia a 25g/dia de fibras
sejam descartados, e que se passe a utilizar as propriedades viscosas (solúveis)13.
físico-químicas das fibras (viscosidade e fermentabilidade) a Ainda não foram publicadas recomendações específicas
fim de distinguir as fibras alimentares e fibras adicionadas que de fibras para idosos, de maneira que o consumo de 10g a 13g
modulam as funções gástricas e do intestino delgado (visco- de fibra alimentar por 1000 kcal com adequada ingestão
sidade), daquelas que fornecem volume fecal substancial hídrica poderia ser recomendado com segurança para este
(fermentabilidade) 11. grupo5.
Quanto às crianças, não existem recomendações para as
Métodos de análise de fibras alimentares menores de dois anos de idade, sendo sugerida introdução de
frutas, hortaliças e cereais de fácil digestão no período de
Ao se avaliar o teor de fibras de um alimento, é impor- transição da dieta5. Para crianças acima de dois anos, reco-
tante que se atente para o método de análise utilizado para menda-se o consumo igual à idade da criança acrescido de 5g,
determinar tal teor. a fim de atingir o consumo de 25 g/dia a 35 g/dia de fibra
Existem três métodos analíticos para determinar compo- alimentar após os dois anos de idade, podendo chegar no
nentes de fibras alimentares: detergente neutro, detergente máximo até o valor da idade mais 10 g/dia 14.
ácido e enzimático3, podendo ser dividido em enzímico-quí-
mico e enzímico-gravimétrico. Ingestão de fibra na população brasileira
Os métodos detergente ácido e detergente neutro deter-
minam somente a fração insolúvel da fibra e são desfavorá- O padrão de consumo de fibra alimentar pela população
veis, pois se pode superestimar os valores das fibras por incluí- brasileira diminuiu nas últimas três décadas, refletindo as
rem valores de amido e proteína não solubilizados12. mudanças do perfil sócio-econômico do país que levaram a
O método enzímico-químico, que fundamenta-se em mudanças do estilo de vida e dos hábitos alimentares da
medir os constituintes da fibra alimentar diretamente, após população10.
a extração dos açúcares de baixo peso molecular, a remoção Menezes et al,10 realizaram um estudo para estimar a
enzimática do amido, a hidrólise ácida dos polissacarídeos e ingestão de fibra alimentar e amido resistente pela popula-
a posterior determinação dos resíduos de monossacarídeos ção brasileira. O estudo envolveu seis regiões metropolitanas
por cromatografia ou colorimetria. Este método apresenta e foi calculado através de dados de aquisição de alimentos
diversos pontos críticos, os quais são: tempo, necessidade de contidos em pesquisas da Fundação Instituto Brasileiro de
controle da temperatura e pH, bem como a necessidade de Geografia e Estatística (IBGE), nas décadas de 70 e 80 e
treinamento de pessoal para realizar as análises12. Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) na década de 90.
Atualmente, o método enzímico-gravimétrico, oficiali- Neste estudo, a ingestão de fibra alimentar foi analisa-
zado pela Association of Official Analytical Chemists da indiretamente pelo consumo de arroz polido, pão francês
(AOAC) tem sido um dos mais utilizados por adaptar-se às e feijão, pois são consumidos em todas as regiões brasileiras,
necessidades de controle de qualidade e rapidez de execução. constituindo uma fonte significativa de fibra alimentar e de
Neste método, o alimento é tratado com diversas enzimas amido resistente (65% da ingestão total de fibra alimentar)10.
fisiológicas com a finalidade de simular as condições do in- O estudo concluiu que entre as décadas de 70 e 90 hou-
testino delgado, permitindo separar e quantificar, gravime- ve redução no consumo destes alimentos, sendo essa redução
tricamente, o conteúdo total da fração fibra (FT), e/ou as foi de 36% no consumo de feijão, 32% de arroz e 42% de pão.
frações solúveis (FS) e insolúveis (FI) 12. Segundo Menezes, essa redução seria devido a redução no
A portaria 41/97 do Ministério da Saúde, de Rotulagem consumo de carboidratos, que foram substituídos por alimen-
Nutricional recomenda a utilização do método enzímico- tos lipídicos e industrializados, repercutindo, diretamente, na
gravimétrico (AOAC 1984) para análise de fibra total com ingestão total de fibra alimentar pela população10.
a finalidade de declaração do teor de fibra alimentar no ró-
tulo dos alimentos12, Fibras e constipação intestinal
Recomendações nutricionais Os hábitos alimentares influenciam na fisiologia do
cólon, alterando as características físico-químicas do bolo
Para adultos, geralmente, recomenda-se ingestão de 20g alimentar. As fibras alimentares insolúveis aumentam o
a 35g de fibra alimentar por dia ou 10g a 13g de fibra alimen- volume fecal retendo água, ao passo que as fibras solúveis
tar por 1000 kcal. As informações nutricionais dos rótulos de aumentam o volume fecal devido ao acúmulo de massa
alimentos baseiam-se nos valores de 25 g/dia para uma die- bacteriana durante sua degradação. A matéria fecal obtida
ta de 2000 kcal ou 30 g/dia para uma dieta de 2500 kcal como estimula o peristaltismo intestinal e aumenta a freqüência de
meta para a população americana5. evacuações. Os dois fatores de importância para evitar a
O programa norte-americano denominado National constipação intestinal são o aumento do volume fecal e a
Cholesterol Education Program (NCEP) recomenda o con- aceleração do tempo de trânsito intestinal, de modo que,
sumo de 20g a 30g de fibras por dia como parte da meta para neste caso, uma dieta rica em fibras e com abundante
Mudanças Terapêuticas de Estilo de Vida na redução do ingestão hídrica é recomendada 15.
colesterol sérico. Para maior redução de LDL-colesterol, o Em estudo realizado em São Paulo, com crianças entre
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6,8 ± 3,2 anos de idade, com quadro de constipação crôni- mente com o estímulo parassimpático, retardam o esvazia-
ca, encontrou-se que o consumo abaixo dos níveis recomen- mento gástrico, aumentam a motilidade intestinal e a libe-
dados de fibras está relacionado a risco aumentado de cons- ração de glicose pelo pâncreas17,18.
tipação intestinal16. Anderson17 avaliou a segurança e a eficácia do psyllium
Investigações realizadas por Roma et al. 17 encontraram husk como adjuvante na dieta tradicional para diabetes
que não só o consumo calórico e de nutrientes em crianças mellitus, no tratamento de homens com Diabetes Mellitus
com constipação intestinal é menor do que de crianças com tipo 2e hipercolesterolemia. Como resultados, o autor en-
o hábito intestinal normal, como também o seu peso e altu- controu que, durante a intervenção, o grupo que recebeu
ra. Além destes achados, estes autores observaram alta psyllium apresentou uma significativa melhora nos valores de
prevalência de anorexia entre as crianças constipadas. A glicose e lipídios séricos comparados ao período controle,
correlação entre baixa ingestão de fibras e constipação per- fato não observado no grupo placebo.
maneceu estatisticamente significante, mostrando ser impor-
tante fator para a manutenção da constipação. Fibras em nutrição enteral
Fibras e obesidade Dentre as aplicações da fibra na nutrição enteral pode-
mos, pode-se citar o gerenciamento da função do intestino,
As fibras alimentares têm sido investigadas no tratamen- a intensificação da função absortiva e integridade do intes-
to e prevenção da obesidade, por aumentarem a saciedade, tino, a manutenção da barreira intestinal, a melhora da to-
reduzirem a sensação de fome e a ingestão energética18. lerância à glicose e do perfil lipídico do sangue, normaliza-
As fibras alimentares podem influenciar a regulação do ção da microflora intestinal.
peso corpóreo através de mecanismos fisiológicos que envol- Spapen et al.23 investigaram o efeito de fórmulas enterais
vem efeitos intrínsecos, efeitos hormonais e efeitos enriquecidas com fibra no controle da diarréia em pacientes
colônicos. Esses mecanismos agem reduzindo a ingestão ali- com sepse grave, os quais receberam dieta enteral
mentar pela promoção da saciedade, pelo aumento na oxi- suplementada com 22g/l de goma guar parcialmente
dação de lipídios e na redução das reservas corporais de gor- hidrolisada ou dieta isocalórica, isonitrogenada, sem fibras,
dura19. como controle. Os autores encontraram que os pacientes
Pereira & Ludwig19 revisaram 27 estudos experimentais com dieta enteral com fibras tiveram menor freqüência de
em humanos, publicados de 1984 a 2000, que investigaram dias de diarréia, menor número de dias de diarréia por dias
o efeito da fibra alimentar de alimentos e suplementos sobre totais de internação e menor escore de diarréia, baseado em
a saciedade. A maioria dos estudos incluiu homens adultos volume e consistência das fezes.
com sobrepeso ou obesidade. Apesar das diferenças Nakao 23 investigou a utilidade da fibra alimentar solú-
metodológicas como tipo e quantidade de fibra utilizada, a vel no tratamento de diarréia durante a nutrição enteral em
duração do tratamento e as formas de avaliações, foram en- pacientes idosos. A suplementação inicial foi de 7g de fibras
contrados em 17 estudos que relatavam efeito benéfico da solúvel (galactomananas) por dia, sendo aumentada sema-
fibra sobre a regulação da ingestão energética, sete estudos nalmente até 28g por dia, no final do período de intervenção
encontraram resultados mistos e três estudos não encontra- de quatro semanas. Após administração de fibra solúvel,
ram efeito da ingestão de fibra sobre a saciedade. houve redução significativa no conteúdo de água nas fezes,
na freqüência diária de movimentos intestinais e no pH fecal.
Fibras e diabetes Houve melhora nas características das fezes e aumento sig-
nificativo no nível total de ácidos graxos de cadeia curta.
Embora não estejam totalmente esclarecidos os mecanis- Trier et al.24 verificaram a tolerância e o efeito na função
mos intrínsecos pelos quais a fibra alimentar possui a capa- gastrintestinal de uma fórmula pediátrica, polimérica,
cidade de melhorar a homeostase da glicose nos indivíduos enriquecida com uma mistura de seis fibras, comparada com
diabéticos, está reconhecido que esta propriedade apresen- a mesma fórmula sem fibras. O estudo duplo-cego,
ta uma origem multifatorial. Os possíveis fatores envolvidos randomizado, incluiu 16 crianças com terapia de nutrição
são: enteral por 14 dias. Com o uso da fórmula suplementada com
- retardo no esvaziamento gástrico 20 a mistura de fibras, houve redução significativa no número
- diminuição da absorção de carboidratos pela inclusão de de dias de constipação e no uso de laxantes.
açucares na matriz da fibra20
- modificação na secreção hormonal21. Fibras e biodisponibilidade de minerais
Esses fenômenos estariam relacionados à retenção de
líqüidos causada pela fibra solúvel no intestino, diminuição A idéia mais aceita é de que a fibra pode diminuir a
da acessibilidade da enzima pancreática em alcançar os utilização de diversos minerais, através de uma interação na
polissacarídeos da dieta pelo aumento da viscosidade do absorção intestinal 25 . Os possíveis mecanismos dessa
quimo e reduzindo a difusão da glicose pelo enterócito20,21. interação seriam: diminuição do tempo de trânsito intestinal,
A fibra tem efeito sobre a liberação de hormônios provocando uma diminuição na absorção de minerais, dilui-
gastrintestinais, como o peptídeo inibidor gastrointestinal ção do conteúdo intestinal e aumento do volume fecal; for-
(GIP), a colecistocinina e o glucagon entérico que, junta- mação de quelatos entre os componentes da fibra e os mine-
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rais; alteração do transporte passivo e ativo dos minerais Os oligossacarídeos não digeríveis têm sido associados ao
através da parede intestinal; intercambio iônico; retenção de aumento na biodisponibilidade dos minerais. Dependendo
íons nos poros da estrutura gelatinosa de alguns tipos de fi- do tipo de fibra, pode-se ter aumento na absorção de mine-
bra; e incremento da secreção endógena de minerais25. rais como ferro, cálcio, magnésio e zinco. Já a maior disponi-
Entretanto, essa idéia tem sido muito discutida ultima- bilidade de zinco favorece a síntese protéica e a maior con-
mente. Observa-se que a fibra pode interferir na versão da vitamina A para sua forma ativa. O principal
biodisponibilidade de nutrientes, nos casos em que a ingestão mecanismo envolvido é o aumento da acidez nos cólons,
dos mesmos é deficiente. Esta situação não ocorre quando a decorrente da maior fermentação microbiana local. Esta
ingestão é adequada25. variação para pH mais ácido aumenta a solubilidade destes
Roberfroid 26 conclui que, contanto que os minerais minerais no ceco e nos cólons, o que conduz a maiores índi-
dietéticos sejam adequados e a ingestão de fibras esteja em um ces de aproveitamento absortivo destes minerais. Quanto
nível razoável e não haja interferência na proteína e fitatos, as mais o prebiótico conduz à fermentação, mais elevará a aci-
fibras não têm nenhum efeito significativo sobre a dez colônica e maior será a influência positiva sobre a absor-
biodisponibilidade dos principais cátions no intestino delgado. ção dos minerais27.

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