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Educação Matemática Inclusiva de pessoas em vulnerabilidade social:

uma experiência junto a educação de jovens e adultos

Eixo temático: Educação Matemática Inclusiva em outros espaços sociais

Daniel dos Santos Gonçalves Cruz


Instituto Federal do Espírito Santo
danielgcruz20@gmail.com

Edmar Reis Thiengo


Instituto Federal do Espírito Santo
thiengo.thiengo@gmail.com

Resumo

O presente texto visa compartilhar uma experiência ocorrida em uma turma da


Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ensino Fundamental II, numa escola municipal de
Vitória, no período de estágio referente à disciplina de Introdução ao Estágio
Supervisionado do Curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Federal do Espírito
Santos - campus Vitória (Limat/Ifes), com enfoque nas experiências da educação
matemática inclusiva realizada junto a alunos em situação de vulnerabilidade social
moradores temporários de um abrigo do município.
A referida instituição não é uma escola comum, sendo criada pela Lei Municipal nº
8.059, em 29 de dezembro de 2010, com objetivo de atender exclusivamente estudantes
da modalidade EJA, com oferta em três turnos - matutino, vespertino e noturno. Seu
trabalho é diferenciado, possuindo estreita relação com os estudantes e com a
complexidade das demandas apresentadas por suas condições de classe, gênero e de
orientação sexual. Possui diversos pólos para realização de suas atividades, com a base
central localizada no bairro de Gurigica, e as demais unidades espalhadas por diversos
bairros da cidade de Vitória.
A unidade em que as atividades foram realizadas é localizada nas proximidades av.
Leitão da Silva, onde anteriormente funcionava uma faculdade particular, apresentando a
particularidade de ser um abrigo para pessoas em situação de vulnerabilidade social,
ofertando a esses indivíduos, que em grande parte são ex dependentes químicos, mulheres
fugindo da agressão de seus companheiros, pessoas desempregadas e sem condições de
arcar com moradia, entre outras diversas realidades adversas, a oportunidade de estudo.
Esse foi o público objeto de nossas experiências.
Compreender as questões que levam as pessoas à situação de vulnerabilidade
social, traz à tona uma dura realidade presente no cotidiano de muitas pessoas, que
historicamente desconhecem sua condição de cidadãos, visto que, imersos nessa situação,
muitas vezes nem sabem como esta compromete o futuro de cada um e cada uma. A
pobreza e a precarização das quais grupos de famílias fazem parte, poderão constituir
obstáculo para inclusive para a conclusão da educação básica, pois os alunos trazem
consigo o capital cultural (BOURDIEU, 1998) e um tipo de desqualificação familiar
(HANUSHEK, 1986) próprios da condição peculiar da pobreza e de suas derivações.
Exclusão social é um termo que possui diferentes concepções, inclusive uma
concepção processual que pode levar ao agravamento da desigualdade e da pobreza,
manifestando-se na exacerbação da própria vulnerabilidade, o que leva muitas vezes
determinados sujeitos ao extermínio ou autoextermínio. A realidade brasileira nos mostra
que existem famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à
violação dos direitos de seus membros, em especial, de suas crianças, adolescentes,
jovens, idosos e pessoas com deficiência. “Percebe-se que estas situações se agravam
justamente nas parcelas da população onde há maiores índices de desemprego e de baixa
renda dos adultos” (BRASIL, 2005, p. 40).
O público com o qual trabalhamos na escola em questão não foge a esta realidade,
sendo exemplos vivos de muitas das questões em destaque. O trabalho de resgate das
condições mínimas para reerguimento, é um primeiro passo para reinserção dessas
pessoas junto à sociedade que historicamente as exclui. Assim pensando, refletimos sobre
a importância do estágio em nossa formação, visto que receberemos em nossas escolas,
muitas crianças em condições que se assemelham a essas.
O início da realização das atividades de estágio ocorreu no mês de maio, às quartas
feira à noite. No primeiro dia, ao adentrar a "sala de aula" notamos uma grande diferença
em comparação às escolas comuns, visto tratar-se de um espaço improvisado, funcionando
no pátio de uma faculdade desativada, pois a parte de dentro abrigava as pessoas que
haviam sido acolhidas. Todos esses alunos não chegaram a concluir o ensino fundamental,
estando todos no nível do segundo segmento do Ensino Fundamental II do ensino regular,
independentemente de seus conhecimentos anteriores. O público era formado por 15
alunos, entre 20 e 50 anos, majoritariamente do sexo masculino.
Passado o impacto da primeira impressão, os professores (que são 2, um de
matemática e um de educação física) me introduziram à turma e falaram que estaríamos
desenvolvendo um trabalho conjunto, ajudando durante determinado período e produzindo
relatórios sobre a turma. Em momento posterior pudemos conversar com os professores
sobre a realidade dos alunos, o acolhimento emergencial provisório das ruas, sendo
esclarecido que estes recebem atendimento, cuidados médicos, alimentação e aulas para
concluírem o ensino fundamental e de posse do certificado, terem condições de seguir suas
vidas, de forma digna, se possível.
As aulas ocorriam em duplas de professores, buscando desenvolver a
interdisciplinaridade. Dessa forma, o professor de Matemática desenvolvia atividades em
conjunto com o professor de Educação Física. Na experiência em questão, os professores
trabalhavam a temática “frequência cardíaca e atividade física” com os alunos; num primeiro
momento, cada estudante mediu a frequência cardíaca própria, em repouso, com base na
técnica ensinada, anotando o resultado no caderno. Importante salientar que todos
conseguiram realizar a tarefa, pois os que tiveram dificuldade foram auxiliados pelo
professor; no segundo momento fomos para a parte mais aberta do pátio, que não possuía
cadeiras, onde o professor passou uma sequência de atividades físicas (polichinelo, corrida
parado, balanço dos braços) que elevaram os batimentos cardíacos, após alguns minutos
dessas atividades o professor pediu para que medissem novamente a frequência cardíaca
e novamente anotassem no caderno; em seguida, o professor solicitou aos alunos
analisarem o que houve com os resultados, explicando as diferenças observadas; todos
disseram que quando fizeram as atividades o coração bateu mais forte, o que explicaria tal
fato. Na sequência, os professores distribuíram uma folha com textos explicativos, além de
atividades para cálculo de frequência cardíaca máxima (FCM), a partir do uso das
operações de adição e subtração. O professor exemplificou como seria a FCM dele e os
alunos começaram a desenvolver os cálculos relativos às suas próprias. Parte dos
estudantes apresentaram dificuldades, momento em que pudemos auxiliá-los, juntamente
com os professores. Destaca-se que nesse processo, emergiram comentários de que não
gostavam de Matemática pois era muito complicado resolver esse tipo de problema
(subtração), no entanto, todos conseguiram resolver a atividade, com base nos
conhecimentos que possuíam, e em alguns casos, com auxílio.
Todos alunos foram receptivos e agradeciam quando ajudávamos, nem todos
precisaram de ajuda, mas pediam para vermos se estava correto, após essa resolução o
professor coletou os dados de todos e realizou a média, a moda e a mediana da sala, mas
não introduziu esses cálculos aos alunos. Após finalizarmos tudo, ocorreu a distribuição de
lanche que era fornecido diariamente e fomos embora. Esse primeiro momento foi muito
marcante, ter a oportunidade de estagiar em uma realidade tão diferente da minha é uma
grande experiência de interpretar a educação como um método de mudança de vida, um
ponto de vista diferente, uma comutação na realidade desses sujeitos que tiveram um
caminho tão difícil.
Em tempos de incertezas (BAUMANN, 2004) e de tanta instabilidade e desigualdade
social, pensar em políticas de atendimento às populações historicamente excluídas torna-
se de essencial importância, para a tentativa de reverter quadros de pobreza absoluta.
Nessa escola tivemos a oportunidade de estagiar é na verdade um ponto de
resistência, um suspiro de humanidade no meio de todo esse caos fascista em que
vivemos, o poder que o ensino possui me fez enxergar outro papel que a educação exerce,
o papel social, dando uma nova perspectiva para essas pessoas, e através disso elas
poderem voltar à vida em sociedade e buscar melhores condições para realidade delas.

Referências
BAUMANN, Z. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
BRASIL. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Norma Operacional Básica
– NOB/SUAS. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. Secretaria
Nacional de Assistência Social, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.
pdf. Acesso em 20 de set. de 2022.
HANUSHEK, E. The economics of schooling: production and efficiency in public schools.
Jornal of Economic Literature. v. 24, n. 3, p. 1141-1177, set, 1986.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO. EMEF EJA ADMARDO PROFESSOR ADMARDO
SERAFIM DE OLIVEIRA, Vitória, 2018.

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