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A CONSTITUIÇÃO COMO RESERVA DE JUSTIÇA 89

constituinte. Esses princípios de justiça material ou formal, incorporados


pela Constituição, permanecem como ideais de justiça apenas parcial­
mente realizados. A concretização desses princípios por intermédio de
uma carta de direitos, da organização do sistema democrático, da sepa­
ração de poderes e da federação (que exige uma reflexão a parte) estará,
assim, sempre aquém das exigências de autênticos princípios de justiça,
que devem ser concebidos como eternas aspiraçõcs.83 Assim, as reformas
voltadas a aproximar o texto constitucional dos princípios/aspirações in­
corporados pela Constituição devem prevalecer sobre as concretizações
desses princípios que se demonstrem inadequadas no decorrer do tempo.
Quando o texto impede proposta de emenda tendente a abolir o princípio
da separação de poderes, não está impedindo a reforma do modelo de se­
paração de poderes apresentado pela Constituição, mas sim estabelecendo
o atual modelo de separação de poderes como patamar mínimo, como
dever mínimo a ser respeitado pelo poder constituinte reformador. Restrin­
(}., gi-lo é inadmissível; aperfeiçoá-lo é permitido. O mesmo se diga dos de­
mais valores protegidos como cláusulas super-constitucionais.
Se para o adensamento dos princípios e direitos entrincheirados
pela art. 60 (par. 4o., e incisos), o recurso ao próprio texto constitucional é
insuficiente, ainda que necessário, o interprete constitucional será obriga­
do a buscar o conteúdo desses preceitos a partir de um processo de inter­
pretação, que embora tome por base o texto constitucional, a doutrina e
eventuais precedentes, não negligencie a necessidade de recorrer ao dis­
curso da filosofia política, à argumentação racional.84 Por argumentação
racional compreenda-se um procedimento discursivo destituído de qual­
quer forma de coerção que não o constrangimento do melhor argumento,
em que todos os participantes se reconheçam reciprocamente como seres
autônomos e racionais.85 Se aceitarmos a premissa de parte da teoria
política86 e jurídica87 contemporânea de que a moralidade política não
mais pode se fundar sobre preceitos materiais pré-determinados, aos juizes
não cabe escolher arbitrariamente o conteúdo que irão emprestar ao va­
lores protegidos constitucionalmente de forma aberta, mas argumentar li-

83Para uma análise da idéia de moralidade de aspiração ver Lon Fuller, ob. cit., p. 9 ss.
84 Alexy, ob. cit., 532.
85 Para uma análise da fórmula do discurso ético proposto por Habermas ver Arato, e Cohen
ob. cit., p. 348.
86 Ver especificamente Theory of Justice, ob. cit., Cap. 1, "Justice as Faimess"; também Po­
litica/ Liberalism, ob. cit., 135; Jurgüen Habermas, Between Facts and Norms, ob cit, 1996,
118 ss; Jean Cohen e Adrew Arato, Civil Society and Political Theory. The MIT Press, Cam­
bridge, 1990, p. 137 ss.
87 Robert Alexy, ob. cit., 524 e ss.; Carlos Nino, Ética y Dereclws Humanos. Ed. Astreal,
Buenos Aires, 1989, 1; Karl Larenz, Dereclw Justo, Ed. Civitas, Madri, 1985, p. 21 ss.

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