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OS BENEFÍCIOS DO PARTO HUMANIZADO PARA A MÃE E PARA O


BEBÊ EM RELAÇÃO AOS PARTOS TRADICIONAIS

Alexander Motta de Lima Ruas 1


Daniele da Silva Barberino 2
Juliana Fonseca de Oliveira2
Thayani Agata de Andrade Ferreira2

RESUMO
Neste trabalho buscamos compreender de que forma o momento de parir pode afetar física e
psicologicamente a mãe e o bebê e comparar o parto humanizado com os modelos de parto
tradicionais. Tentamos elucidar novas alternativas e conhecimentos sobre o nascimento: os
riscos reais e potenciais de um parto realizado com intervenções, possíveis benefícios de um
parto de forma mais humana, que tem como pilar a assistência respeitosa, acolhedora e o
protagonismo da mulher. Acreditamos que seja necessário repensar sobre o parto, uma vez
que é a nossa primeira experiência com o mundo e uma das experiências mais marcantes para
a maioria das mulheres, seja de forma positiva ou não, e entender como um procedimento
mais acolhedor e menos hospitalizado pode ser importante para o desenvolvimento humano.
Utilizamos para esta pesquisa um questionário estruturado online e realizamos entrevista com
duas mães que tiveram seus filhos por vias diferentes.

Palavras-chave: parto humanizado, vínculo, benefícios.

1
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Clínica e Subjetividade.
2
Graduanda em psicologia pela Universidade Estácio de Sá.
2

ABSTRACT
The present text intends to understand how the moment of giving birth can affects physically
and psychologically mother and baby, and to compare humanized birth with traditional birth
models. We try to elucidate new alternatives and knowledge about birth: the real and potential
risks of a birth performed with interventions and possiblebenefits of a humanized birth, which
is based on respect, welcoming care and women's protagonism. We believe that's necessary to
rethink childbirth as our first experience on world and one of the most remarkable experiences
for most women, positive or not. We seek tounderstand how a welcoming and less
hospitalized procedure can be important for human development. We had applyed a structured
online questionnaire and conducted an interview with two mothers who had given birth to
their children by different ways.

Keywords: humanized birth, bond; benefits.


3

1. Introdução

"Virei de frente pra ver minha filha chegar ao mundo e me surpreendi quando vi que
ela estava de rosto pra cima, olhos abertos. Os bebês costumam nascer de rosto pra baixo.
Samanta nascia me olhando, piscando devagar, vinda no tempo dela, dentro de sua casinha,
que a protegeu e guardou por toda a gestação!" (Márcia)* 3
A maioria das mulheres passa pelo processo de parir. Tal experiência é marcante e
seus momentos podem ser lembrados e sentidos em detalhes ao longo dos anos. De relevância
psicológica inegável, tem potencial para ocasionar traumas se mal realizado. É um processo
que mobiliza muitos afetos: medos, ansiedade, expectativas. É quando a mulher deixa seu
papel de filha e adota, também, o papel de mãe e se depara com um produto seu, gerado em
seu ventre (LOPES; et al, 2005).
O vínculo mãe e bebê existe desde a concepção. Situações emocionais, intenções e
pensamentos vividos pela mãe a todo momento influenciam o feto, que carregará esse
material intrauterino do seu nascimento até a vida adulta. Portanto, uma gravidez saudável,
desejada e sem estresses tende a proporcionar um parto tranquilo e um bom desenvolvimento
emocional do bebê (LUZES, 2007).
Até o fim do século XIX, no Brasil, os partos eram realizados por parteiras: mulheres
que possuíam conhecimentos empíricos e assistiam as demais durante a gravidez, parturição,
puerpério e nos cuidados do recém-nascido. Eram de inteira confiança das mulheres da
sociedade e auxiliavam também em vários outros assuntos, como aborto, doenças transmitidas
pelo ato sexual e até mesmo infanticídio (morte do recém-nascido).Em 1808, na Bahia e no
Rio de Janeiro, são inauguradas escolas de medicina e cirurgia, e com isso a prática das
parteiras foi incorporada ao método médico, denominando os formados por ela de médico-
parteiro. A partir de então, a medicina introduz a experimentação clínica, a figura do homem
no conhecimento e na prática do nascer e o discurso patológico (BRENES, 1991).
Buscamos compreender e apresentar de que forma o partejar pode afetar física e
psicologicamente a mãe e o bebê e comparar o parto humanizado com os partos tradicionais
— sendo estes alvos de críticas pelos procedimentos interventivos e a violência com que as
mulheres são tratadas. Tentamos elucidar novas alternativas e conhecimentos sobre o
nascimento: osriscosreais e potenciais de um parto realizado com intervenções (muitas vezes

3
Relato de uma das mães. Nomes fictícios.
4

desnecessárias) e violentas, e quais ospossíveis benefíciosde um parto humanizado,que tem


como pilar a assistência respeitosa, acolhedora e a autonomia da mulher.
Verificamos através de artigos e sites relevantes que há poucos estudos relacionando
a via de parturição com o vínculo entre mãe e bebê, e que expliquem de que forma a
possibilidade de dar à luz de maneira mais tranquila poderia reduzir o impactodesta primeira
experiência para a criança.
Acreditamos que seja necessário repensar sobre o parto, uma vez que é a nossa
primeira experiência com o mundo e uma das experiências mais marcantes para a maioria das
mulheres, e entender como um procedimento mais acolhedor e menos hospitalizado pode ser
importante para o desenvolvimento humano.
A presente pesquisa é de abordagem qualitativa e quantitativa, de natureza básica e
de objetivo descritivo. Foram realizados entrevistas e questionários com mulheres que
passaram pela experiência de dar à luz, tanto pelo método humanizado quanto
pelosmétodostradicionais.

2. Tipos de parto

2.1. Partos tradicionais

O parto normal é aquele em que o bebê nasce de forma não-cirúrgica, saindo pela
vagina da mãe, popularmente conhecido como parto vaginal. Sendo este fisiológico,
respeitando os processos naturais da mãe e do bebê — o trabalho de parturição só se inicia
quando o bebê estiver pronto para nascer (CALVETTE, 2015).
Ainda de acordo com a autora acima, apesar da OMS ter recomendações para o parto
normal saudável, a mulher e seu bebê estão sujeitos às rotinas da maternidade e dos
profissionais. Algumas dessas rotinas e intervenções comuns são: lavagem intestinal, não ter
liberdade de movimento, não poder ingerir líquidos ou comer, fazer o uso de soro venal para
acelerar contrações, toques vaginais para verificar dilatação, enfermeiros e até mesmo
médicos fazendo força em cima da barriga, corte no períneo, corte prematuro do cordão
umbilical, entre outros procedimentos muitas vezes agressivos.
Como características do parto humanizado, nele a mulher opta por não ter
intervenções médicas desnecessárias, tem total liberdade para se movimentar, se alimentar e
escolher a melhor posição para parir. Logo após o bebê nascer, ele vai direto para o colo da
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mãe e o corte no cordão umbilical é realizado só depois que este para de pulsar (CALVETTE,
2015).
O parto normal, apesar de ser o mais recomendado pela OMS, ainda é visto com
preconceito por parte das mulheres, devido à intensidade da dor e pela forma com que são
tratadas nos hospitais. As intervenções médicas que são realizadas contribuem para uma
experiência negativa, como por exemplo no caso da anestesia local, administração de
oxitocina(substância que acelera as contrações) e a episiotomia (incisão realizado para
ampliar o canal vaginal), entre outros métodos abusivos (BARBOZA; MOTA, 2016).O
protagonismo da mulher não é respeitado, se tornando um parto medicalizado, demorado e
doloroso(VELHO; et al,2012).
A cesariana, ou popularmente como é chamada "parto cesárea", é feito através de
uma cirurgia programada antes ou depois do início do trabalho de parto, sob efeito de
anestesia (habitualmente peridural ou raquidiana). Este é o tipo de parto mais utilizado e
recomendado por médicos no Brasil, apesar do parto normal ser considerado pela OMS e
diversas outras entidades médicas a melhor forma do bebê nascer. Segundo recomendações da
OMS, somente cerca de 15% das parturições apresentam indicação real para a cesárea
(CARNIEL; ZANOLLI; MORCILLO, 2006), devendo os 85% restantes serem efetuados pela
via vaginal. A popularização exagerada da cesárea nas últimas décadas provocou na
população uma falsa impressão de que este tipo de parto é mais seguro e acarreta menos
complicações para o bebê. Entretanto, o que ocorre é exatamente o oposto (PINHEIRO,
2019).
A anestesia raquidiana também conhecida como raquianestesia, é feita da seguinte
forma: uma agulha de pequeno calibre é inserida nas costas, dentro da coluna espinhal em um
espaço subaracnóideo. Em seguida, um anestésico é injetado dentro do líquido espinhal,
produzindo dormência temporária e relaxamento muscular. A presença do anestésico dentro
da coluna espinhal bloqueia os nervos que passam pela coluna lombar, fazendo com que
estímulos dolorosos vindos dos membros inferiores e do abdômen não consigam chegar ao
cérebro Na anestesia peridural, embora muito semelhante a anestesia raquidiana, há algumas
diferenças: Na anestesia peridural o anestésico é injetado na região peridural, que fica ao
redor do canal espinhal, e não propriamente dentro. O anestésico é injetado por um cateter,
que é implantado no espaço peridural, ou seja, enquanto na raquianestesia o anestésico é
administrado por uma agulha uma única vez, na anestesia peridural o anestésico fica sendo
administrado constantemente através deste cateter. A anestesia peridural é comumente usada
6

durante o parto normal, enquanto a raquianestesia é mais usada em cesarianas (PINHEIRO,


2018).
As cesarianas realizadas de forma adequada, quando verdadeiramente existe uma
indicação médica, é um procedimento que salva vidas. Porém, quando realizadas sem
indicação, por grávidas que não apresentam nenhum tipo de problema no pré-natal, apenas
pelo medo da dor, podem trazem complicações maternas agudas, como a infecção pós-parto,
morte materna, hemorragia, necessidade de transfusão de sangue e internação em Unidade de
Terapia Intensiva(MASCARELLO; HORTA; SILVEIRA, 2017).
"Já estava com 40 semanas e 5 dias, muito inchada, cansada e com alteração na
pressão, fui pra minha consulta semanal e a enfermeira ao fazer os procedimentos de praxe
(aferição de pressão, e pesagem e exame de proteinura), notou que a pressão estava
aumentando constantemente [...] sem indícios de trabalho de parto. [...] Fui encaminhada [ao
hospital] e acompanhada por uma enfermeira da casa de parto que passou o meu quadro para
o obstetra de plantão. [...] [após realizar vários exames, o obstetra]Decidiu por não esperar
mais e me encaminhou para cesariana imediatamente, o bebê estava querendo entrar em
sofrimento fetal" (Sônia).
A preocupação com a saúde da mãe e do bebê já era tema de debate em 2006: por
ocasião da Semana dos Direitos Humanos, foi lançada no Congresso Nacional (Brasília) a
Campanha Nacional de Incentivo ao Parto Normal e redução da cesárea. O objetivo era
valorizar o trabalho das parteiras tradicionais e promover —inclusive para as populações mais
carentes — o conhecimento levantado por estudos sobre nascimento e início da vida, feitos na
época (LUZES, 2007).
A Ciência do Início da Vida é um direito humano
ao conhecimento de como nascer em
plenitude.Deste modo, numa primeira instância, a
difusão deste conhecimento trará um grande
auxílio na queda de mortalidade infantil e, a
longo prazo, das doenças, assim como dos índices
de criminalidade, flagelos de nossa sociedade
contemporânea (LUZES, 2007, p.4).
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2.2.A humanização do parto como alternativa

"Humanização" tem diversos sentidos, mas aqui trabalharemos apenas o conceito de


"parto humanizado" como um processo que respeita a individualidade, o desejo da mulher,
seu bem-estar e de seu bebê. Portanto, não é um tipo de parto, mas sim medidas quepermitem
e quepromovem que a mulherdesempenhe o papel principal ao dar à luz e desestimulama
medicalização do partejar — muitas vezes abrupta — , incentivando, assim, as práticas e
intervenções biomecânicas no trabalho de parto, consideradas menos agressivas e mais
naturais por respeitar o processo fisiológico de parir.O partejar não deve ser visto como um
evento médico, mas social, emocional, familiar, natural e espiritual. Humanizar o parto é criar
e respeitar as condições psicológicas e biológicas do atendimento à mulher
(CASTRO;CLAPIS, 2005).
Pode ser realizado em instituições especializadas, comprometidas em acolher, tirar
dúvidas, acompanhar e deixar o poder de escolha e controle na mão dessas futuras mães, mas
podem também ser realizados em casa.
O caso de Márcia é um bom exemplo de parto domiciliar.Relata:"[o parto foi] decidido,
planejado, acolhido e embalado com um cuidado e carinho que não saberia descrever em
palavras."
Os riscos existemtanto nos procedimentos hospitalares quanto nos domiciliares, por isso
é fundamental que haja uma indicação e acompanhamento corretos do obstetra durante o pré-
natale que seja respeitada a singularidade da parturiente. O domiciliar oferece autonomia
durante o processo, respeitando as necessidades psicológicas e afetivas, segurança e
privacidade, pois o pai e a família podem participar de maneira ativa e o bebê terá uma
condição especial de acolhimento e necessidades afetivas atendidas(DELGADO; SAMPAIO;
BARROS, 2007).
O parto humanizado proporciona à mulheruma experiência prazerosa e saudável, saindo
do padrão hospitalar e apresentando um ambiente que lhe traga segurança e bem-estar,
respeitando sua intimidade e permitindo que a família participedessa experiência."Gabriel
[filho de 2 anos] acompanhou a movimentação. [...] Segurou minha onda nas contrações,
massageou a barriga, beijou 'Nanãna'. Dançamos, rimos, brincamos [...]Quando o trabalho de
parto mudou de fase e as contrações ficaram mais intensas, longas e fortes, Gabriel sentiu a
agitação."
Uma vez que a fisiologia do parto é levada em consideração, de forma que não haja
intervenções desnecessárias,o profissional (enfermeiro obstétrico ou doula), durante todo o
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parto, oferece suporte necessário à mulher e seus familiares. A mulher é protagonista de todos
os atos, inclusive a escolha das posições em que se sente mais confortável.O cordão umbilical
só é cortado após parar de pulsar e o bebê é colocado ao peito da mãe para ser amamentado,
promovendo o vínculo da díade mãe-bebê (LUZES, 2007).
"Minha filha veio ao mundo de forma respeitosa, calma e desejada, com a parceria de
profissionais e amigos que foram imprescindíveis pra mim!"
Atualmente, o Rio de Janeiro conta com a Casa de Parto David Capistrano Filho, em
Realengo. A equipe possui enfermeiros obstetras, assistentes sociais, nutricionistas, técnicos e
auxiliares de enfermagem. Lá são atendidas, orientadas e acompanhadas gestantes de baixo
risco.* 4

3. Aspectos psicológicos que permeiam o nascimento

3.1.A violência obstétrica e suas implicações psicológicas

"Violência obstétrica" se refere a inúmeras ações praticadas pela equipe de assistência


(médicos, enfermeiros, anestesistas, etc.) durante o exercício obstétrico, como maus tratos
psicológicos, físicos, verbais, procedimentos invasivos e dolorosos (episiotomia, tricotomia,
oxitocina sintética introduzida na veia para acelerar o trabalho de parto);falta de analgesia,
ausência de acompanhantes e familiares, restrição ao leito durante o pré-parto,nãoaceitar o
tempo da mãe e do bebê, xingamentos, gritos, restringir informações sobre o procedimento e
as possibilidades de escolha da mulher, além de várias outras práticas que causem desconforto
intenso à mãe e/ou à criança.Embora maus tratos possam ocorrer durante toda a gravidez, é na
hora da parturição onde acontece com maiorfrequência (PEREIRA, et al. 2016).
Este tipo de atendimento degradante torna a experiência traumática e negativa. O
descuidoe a impaciência fazem com que o profissional desconsidere o corpo, a
individualidade, as dificuldades e as limitações de cada gestante. É dever do médico zelar pela
saúde e bem estar da parturiente, de forma a garantir assistência respeitosa e sanar as dúvidas
dela e da família. Estes são direitos básicos das mulheres previstos em lei e presentes no
código de ética médica a serem respeitados(PEREIRA et al. 2016).

4
Disponível em:<http://smsdc-casadeparto.blogspot.com/p/quem-somos.html>. Acesso em: 24 mar 2019.
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3.2. Melancolia da maternidade (baby blues)

"Após o parto, quando a 'ficha' caiu, fiquei muito feliz por estar com meu filho bem e
saudável, mas muito triste. Não me considerava uma mulher de verdade pois não fui capaz de
parir meu filho. Chorei dias com uma tristeza sem fim, pois sentia dores física e um vazio,
uma tristeza..." (Sônia)
A melancolia da maternidade, conhecida também como baby blues, trata-se de uma
depressão leve e passageira, devido às mudanças neurofisiológicas do puerpério, e acomete
boa parte das mulheres (MANENTE, RODRIGUES, ROLIM, 2016).
Este períodoé acompanhado de melancolia, tristeza, fortes alterações de humor, choros e
falta de confiança em cuidar do bebê. Estes sentimentos correspondem a um processo de
distinção entre a mãe e o bebê, de forma que ela e a criança se reconheçam como indivíduos
separados(ALT, BENETTI, 2008).
É comum que as próprias mães não consigam captar direito o que está acontecendo em
suas vidas, principalmente em um momento em que parecem ter realizado um sonho de ter
seu filho em seus braços.
A gravidez é um dos períodos críticos de transição do desenvolvimento feminino, bem
como a puberdade e o climatério (transição entre a fase reprodutiva e a menopausa),
caracterizada por intensas mudanças hormonais, sociais e de identidade. É o momento em que
a mulher deve adaptar-se (interna e externamente) a uma nova rotina e deixar seu papel de
filha para assumir o de mãe, podendo resultar em crises e mudanças com relação à própria
identidade. Uma gravidez indesejada e a submissão a uma cesariana quando o desejo era de
que fosse um parto natural, podem ser frustrantes e também acarretar em sofrimento psíquico
(MALDONADO, 2013).
”[a equipe da casa de parto] me ajudou muito a superar toda frustração de um parto que
não foi como eu havia sonhado, planejado" (Sônia). É muito importante ter apoio emocional
da família e ajuda psicológica especializada neste período marcado por tantas transições, para
que assim não evolua para uma depressão pós-parto.
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3.3. Depressão pós-parto

Embora seja de ordem multifatorial, existe uma associação entre depressão pós-parto e
problemas posteriores no desenvolvimento da criança. Os sintomas da depressão materna
podem interferir em todas as relações interpessoais, inclusive na interação mãe-bebê(KLAUS,
KENNELL, KLAUS, 2000).
A depressão pós-parto é uma condição de tristeza profunda, desespero e falta de
esperança que acontece logo após a mulher ter dado à luz. A DPP, traz inúmeras
complicações ao vínculo da mãe com o bebê, sobretudo no que se refere ao aspecto afetivo,
desenvolvimento social e cognitivo da criança, além de sequelas prolongadas na infância e
adolescência.* 5
Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, não existe uma única causa para a
depressão pós-parto. Ela pode estar associada a inúmeros fatores, como físicos, emocionais,
qualidade de vida, além de ter ligação também com histórico de outros problemas e
transtornos mentais anteriores. No entanto, no puerpério, a principal causa da depressão é o
enorme desequilíbrio de hormônios ao término da gravidez. Alguns outros fatores podem
causar ou ajudar a provocar a depressão neste período de pós-parto, alguns deles são: privação
de sono, isolamento, alimentação inadequada, sedentarismo, falta de apoio do parceiro ou
família, caso anterior de depressão, ansiedade, estresse, adicção em drogas, transtornos
mentais, histórico de DPP anterior, falta de planejamento da gravidez e violência doméstica.
Os custos emocionais ligados a esse transtorno fazem com que a mãe tenha menos
interesse em interagir com seu bebê, sintomas de irritabilidade e desinteresse sexual. Para ser
considerada depressão pós-parto, os sintomas devem surgir em até quatro semanas após o
nascimento do bebê (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019).
A depressão pós-parto também está associada a uma atenção obstétrica desrespeitosa e
outros eventos relacionados ao parto, como sentimento de desamparo,submissão a uma
cesariana sem o desejo da parturiente e uma má assistência da equipe médica.Estes e outros
impactos negativos,provenientes de transtornos psiquiátricos no período pós-parto, são
nocivos ao vínculo mãe-bebê (SOUZA, 2014).

5
Ministério da Saúde: Depressão pós-parto. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-
mental/depressao-pos-parto>. Acesso em 10 set 2019.
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3.4. A importância da amamentação na construção de relações saudáveis.

A formação do vínculo entre os pais e o bebê começa durante a gestação. É um processo


influenciado pelos sentimentos dos pais em relação à gravidez. Sentimentos negativos durante
a mesmapodem retardar a constituição do vínculo, enquanto que uma gravidez tranquila e
desejada fortalece progressivamente os laços entre os pais e a criança (KLAUS, KENNELL,
KLAUS, 2000).
Porém, é durante a amamentação diretamente ao seio onde há uma aproximação mais
afetiva entre mãe e filho, e é esta aproximação que ajuda a amenizar o trauma da separação
provocado pelo nascimento, permitindo ao recém-nascido a elaboração deste impacto.Quando
o bebê é amamentado, pode vincular-se ao corpo da mãe e experimentar intimamente as
sensações de receber alimento, o calor, o cheiro e o toque da mãe. Ser amparado e confortado
durante este momento proporciona um contato epidérmico, transmissão de afeto por meio do
olhar e da movimentação do corpo, que leva ao estabelecimento de uma relação sadia entre
mãe e filho. É através do aleitamento que a criança se relaciona com o mundo e se abre para
novas experiências (MALDONADO,2013).
Ainda de acordo com a autora, não só o aleitamento, mas atividades rotineiras que
englobam cuidados com o bebê constituem oportunidades de interação. O contato corporal é
importantíssimo para proporcionar ao bebê segurança, bem-estar e afeto.
As emoções influenciam diretamente a lactação através de mecanismos psicossomático,
por isso, a calma e a confiança contribuem para um bom aleitamento,enquanto sentimentos
negativos como medo, tensão, dor, cansaço e ansiedade tendem a prejudicar e tornar esta
etapa mais desafiadora (MALDONADO, 2013).
A autora acima ainda afirma que quando a mãe tem uma rede de apoio familiar que
consegue ajudá-la e apoiá-la, sem desmerecer sua capacidade de cuidar de seufilho, a
autoconfiança e a satisfação emocional aumentam. Logo, ocorre uma produção de leite mais
satisfatória. Ou seja, um ambiente familiar que transmita encorajamento é essencial. Já
atitudes críticas e pouco confiantes por parte da família e dos amigos, especialmente em
relação à sua capacidade de cuidar e amamentar, pode inibir a lactação devido à ansiedade,
assim como pode prejudicar outras funções maternas, comprometendo o estabelecimento de
um bom vínculo.
O pós-parto é desafiador.Amamentar não é fácil: dói, pode ser desgastante e mexe com
o sono, com a libido, com a energia e com a autoestima da mãe.
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4. Biopoder e o controle sobre o corpo feminino

A história do parto é revelada pela tradição dos discursos orais. Até o século XIX,
tratava-se de um evento do universo feminino, realizados apenas pelas parteiras. Por um longo
período, o partejar foi uma tradição exclusiva de mulheres, uma arte milenar constituída por
um saber fazer, advindos de conhecimentos populares e orientado tanto pela intuição, quanto
pela tradição. Nesse sentido, havia mulheres reconhecidas enquanto curandeiras, parteiras,
benzedeiras, tal referência se dava pois eram detentoras dos conhecimentos e mistérios da
natureza, de onde extraiam os elementos para o preparo de medicinas curativas e recursos
fitoterápicos. O ato de partejar tinha um caráter ritualístico, de vínculos afetivos e
cumplicidade entre as mulheres. A historiadora Mary Del Priore diz que “através da cultura
feminina sobre o parto, as mulheres resgatavam sua individualidade e exercitavam suas
alianças de gênero” (DEL PRIORE, 1993).
No Brasil, desde o início da colonização, do século XVI até o século XIX, a
assistência ao parto era também desenvolvida exclusivamente por parteiras, conhecidas
igualmente como aparadeiras ou comadres. As mulheres que detinham o conhecimento e o
domínio da arte de partejar eram negras, portuguesas ou caboclas designadas como ‘curiosas’,
cujos valores poderiam transgredir a moral religiosa católica (ROCHA, 2002).
O processo de medicalização da sociedade brasileira, segundo o autor citado acima,
tem uma trajetória histórica que passa pela ordem médica de regulação do corpo, a qual se
inicia com o processo de industrialização da sociedade durante a implementação do modo
capitalista de produção, constituindo-se como o processo de extensão do cuidado médico
individual na vida da sociedade.
Michel Foucault, durante o século XX, cunhou os termos "biopoder" e "biopolítica"
para denominar um mecanismo de poder que sutilmente exerce controle sobre os corpos,
através da moral e da disciplina. Tal controle teria a finalidade de gerir o ser humano, de
forma a obter o máximo de produtividade possível. Entre os séculos XVIII e XIX, este tipo de
poder ganha força, passando de um poder que podia matar para um que "faz" viver e "deixa"
morrer (FOUCAULT, 2012).
Surgem, então, as censuras e as diferenciações entre seres humanos. Passa-se a
determinar os tipos de pessoas que podem viver e as que podem deixar morrer, com base em
suas características biológicas e de acordo com sistemas estruturais e culturais (como o
racismo e o sexismo). Este raciocínio não subjugou apenas os sujeitos negros e homoafetivos,
mas também as mulheres, reduzindo-as a seu próprio gênero, cuja função seria a de procriar.
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A mulher se torna um objeto manipulável, cujo direito de existir se pautava na possibilidade


de exercer bem sua função sexual, sendo considerada descartável quando não consegue
cumprir tal trabalho (WERMUTH; GOMES; NIELSSON, 2016).
Ainda de acordo com os autores citados acima, o suposto saber científico inquestionável
da medicina e o poder de controle daqueles que possuem a especialização técnica,são
considerados critérios definitivos para decidir as medidas a serem tomadas sobre o corpo da
mulher, desconsiderando as vontades dela e assim gerando a violência obstétrica. As cesáreas
indesejadas, o uso excessivo de medicação e hormônios para induzir o parto, além de outras
intervenções desnecessárias são algumas das formas de dominação sobre o corpo da mulher.

4.1. Os médicos e a violência obstétrica

Atendendo a uma solicitação do Conselho Federal de Medicina, o Ministério da Saúde


emitiu um comunicado no início de maio deste ano, se posicionando contra o termo "violência
obstétrica". "O posicionamento oficial do Ministério da Saúde é que o termo ‘violência
obstétrica’ tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado
humanizado no contínuo gestação-parto-puerpério” (G1, 7 de mai de 2019).
No entanto, o termo "violência" tem por definição a intencionalidade e realização do
ato, por isto o termo deve ser evitado nos documentos de Políticas Públicas e, possivelmente,
abolidono futuro.* 6
Ainda na reportagem do G1, segundo o Dr. Alberto Guimarães, médico obstetra e criador do
programa “Parto Sem Medo”, disse que os médicos não se sentem confortáveis com o termo violência
obstétrica, mas retirá-lo ou aboli-lo não irá acabar com o problema. De acordo com o médico, a
relação médico-paciente precisa ser respeitosa, a gestante precisa ter informações necessárias no seu
pré-natal e o médico precisa também se informar sobre o movimento atual dos nascimentos e não
induzir a grávida a uma cesariana desnecessária.
Em resposta à requisição do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e
Ministério Público Federal (MPF), se posicionaram contra e recomendaram que o Ministério da Saúde
interrompa o processo de exclusão do termo "violência obstétrica”. Segundo CNS, o termo representa
os abusos e desrespeitos sofridos pelas gestantes no parto por todos os profissionais de saúde
envolvidos (Conselho Nacional de Saúde, 20 mai 2019).

6
G 1: Ministério diz que termo "violência obstétrica é inadequado" e deixará de ser usado pelo governo .
Disponível em: < http://tiny.cc/u3qicz>, Acesso em: 20 jun 2019.
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Esta recomendação também destaca que o alto índice de cesáreas sem indicação no pré-natal
também é configurado como violência obstétrica, pois coloca a gestante em risco de morte durante o
procedimento. Os conselheiros nacionais de saúde pedem também ao Ministério da Saúde que “possa
trabalhar com maior intensidade e firmeza no combate a tais práticas e maus tratos nas maternidades,
conforme recomenda a OMS” (Conselho Nacional de Saúde, 20 mai2019).
Em junho, após as recomendações, por fim o Ministério da Saúde reconhece a
legitimidade do termo e o direito das mulheres de usá-lo para representar suas vivências e
experiências que configurem qualquer tipo de maus tratos durante o parto. O Ministério
daSaúde também diz que estão adotando medidas para reduzir a quantidade de atendimentos
inadequados.* 7
"Segundo o Ministério da Saúde, os abusos e maus tratos durante o parto em instituições
de saúde afetam os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, além de ameaçar o direito à
vida, à saúde, à integridade física e à não discriminação" (Ministério Público Federal, 2019).
Dado o momento recente, achamos importante trazer o assunto, pois o termo "violência
obstétrica" sendo abolido não diminuirá a negligência, desrespeito e os abusos sofridos pelas
parturientes, apenas vetará o direito que elas têmde uma assistência respeitosa e digna. É
fundamental uma mudança de olhar da medicina para com os usuários de saúde, que leve em
consideração o sofrimento físico e psíquico dos indivíduos como um todo.

5. Apresentação do campo

Esta pesquisa caracterizou-se como um estudo de abordagem mista(qualitativa e


quantitativa) ede objetivo descritivo. Envolveu revisão bibliográfica e estudo de campo, sendo
este feitoem grupos de redes sociais voltados à maternidade, com mulheres que já passaram
por pelo menos uma experiência de parto, através de um questionário elaborado no Google
Forms, no qual obtivemos um total de 335 respostas.
Os dados foram produzidos no mês de outubro de 2019.A pesquisa qualitativa foi a
partir do relato das experiênciasde duas mulheres que passaram por diferentes situações de
parto. Elas narraram os momentos antes, durante e após darem à luz. Isto deu às entrevistadas
a possibilidade de discorrer acerca do objeto de estudo, sem se prenderem a questionamentos
formulados ou respostas e condições pré-fixadas pelas pesquisadoras. Configurou-se num

7
Ministério da Saúde. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/oficio-ms>, Acesso em:
20 jun 2019.
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instrumento privilegiado para a análise dos dados, uma vez que permitiu a cada uma relatar
sua experiência de maneira subjetiva. Foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido às participantes, documento que foi elaborado em duas vias, das quais uma ficou
em posse das participantes e a outra dos pesquisadores. Preservamos o anonimato, de forma
que qualquer nome que possa aparecer nos relatos seja fictício.
O objetivo da pesquisa era identificar se a humanização do parto pode ser benéfica
física e psicologicamente para a mãe e para o bebê, comparando este tipo de assistênciaao
modelo tradicional dos hospitais, tentando elucidar novas alternativas e conhecimento sobre o
nascimento.
Foram questionados os aspectos gerais de como foi realizado o parto e o impacto
(positivo ou não) que causou em suas vidas.
O questionário online consistia em 25 questões objetivas e em algumas poderiamser
marcadas mais de uma resposta. As sete primeiras perguntas eram sobre informações gerais:
idade, escolaridade, número de filhos, se algum dos partos foi feito desconsiderando a forma
como gostaria de dar à luz e se acreditavam que havia benefícios na humanização do parto em
relação ao modelo hospitalocêntrico, onde 97,7% afirmou que acreditam que haja benefícios
para a mãe e bebê no modelo humanizado (Figura 1).As demais questões foram sobre o parto
em si: de que forma foi realizado (humanizado, normal ou cesariana), se sofreu violência
obstétrica e de que tipo, como foi o comportamento do bebê durante os primeiros dias de seu
nascimento, o tempo que levou para ter contato com ele após parir, se amamentou, se
considerou como um evento estressante para o bebê e/outraumático para ela,e se sentiu que
houve dificuldade para se vincular ao filho. Solicitamos a quem tivesse mais de um filhoque
respondesse novamente as questões específicas (sendo estas do nº 17 ao 25), caso os partos
fossem realizados por vias diferentes (não obrigatório).
Deixamos espaço para que as puérperas descrevessem e retratassem suas
experiências, sentimentos, escolhas e as formas de violência da qual muitas foram vítimas,
caracterizadas por palavras e atitudes dos profissionais de saúde que as assistiram.
Na análise do questionário online, identificamos 335 respostas de mulheres que
estavam na faixa etária compreendida entre os 18 e 46 anos.Destas,111 mulheres afirmaram
que sofreram violência obstétrica em seu parto, sendo 59 casos no vaginal, 44 casos no
cesárea, e 8 no parto humanizado. Os demais detalhes dos resultados serão descritos na
próxima seção.
Para apurar o percentual das questões, foi analisado formulário por formulário, a fim
de que houvesse um resultado mais fidedigno.
16

Utilizamos trechos dos depoimentos para exemplificar alguns parágrafos e gráficos


para ilustrar as informações que consideramos mais importantes.

6. Resultado da pesquisa quantitativa

Participaram 265 mulheres entre 18 e 46 anos, sendo 70 delas multíparas, o que resultou
em 335 respostas sobre suas gravidezes. Quanto à escolaridade, 61,5% das mulheres possuíam
o ensino superior completo, enquanto o restante se divide em 20,8% ensino superior
incompleto,16,6% o ensino médio e apenas 1,1% cursaram somente o ensino fundamental.
Sobre o número de filhos, 67,2% das participantes possuíam um único filho, sendo os demais
25,3% dois filhos e 7,5% 3 filhos ou mais.
Quanto aos modelos de parto apresentados pelo obstetra, 65,7% das participantes
responderam vaginal (normal), 56,6% cesárea e, com um percentual bem mais abaixo do que
os demais vem o humanizado, com 30,2%, de modo a indicar que o modelo humanizadoé
menos difundidopelos obstetras.
36,2% das participantes afirmam que pelo menos um de seus partos não foi realizado da
forma como gostariam (Figura 2). 97% das entrevistadas conhecem o parto humanizado e
97,7% consideram que há benefícios para a mãe e/ou para o bebê neste tipo assistência.

Figura 1: Crêem que o parto humanizado possui benefícios. Figura 2: Realizados desconsiderando a vontade da mulher

Das 335 respostas sobre o modelo de parto adotado, 42% deles foi humanizado, seguido
de 31% de cesarianas e 27% de via vaginal (F. 3).
17

Tipos de parto realizados

27% Normal
42%
Cesárea
Humanizado
31%

Figura 3.

O percentual de participantes que responderam ter sofrido violência obstétrica é de


33%, representando um valor expressivo. Destes, maior parte ocorreu durante o parto vaginal
realizados em hospital (53%, conforme F. 4) O total de partos considerados traumáticos é de
24,7%, sendo59% dos traumas encontrados no parto cesárea, seguido pelo parto normal com
39,7%, como mostra o gráfico abaixo (F. 5).
No entanto, 12,5% das mulheres que sofreram algum tipo de maus tratos não o
consideram traumático.

Violência Obstétrica Trauma


1%
7%

Normal Normal
39,7%
40% 53% Cesárea Cesárea
Humanizado 59%
Humanizado

Figura 4. Figura 5.
18

Mulheres que amamentaram correspondem a 77,6% (F.6), contra 24% das que não
amamentaram seus bebês, cujos percentuais se dividem em 12,7% para cesárea, 8,7% para os

Amamentaram após o
nascimento

18,5% Normal
38,8% Cesárea
20,3% Humanizado

Figura 6.

vaginais e 2,6% para os humanizados.17% respondeu que sentiu dificuldade para se vincular à
criança, dos quais 50,8% aparecem no cesariana, 40,3% no vaginal e 8,7% no
humanizado(F.7).

Dificuldade para se
vincular
8,7%

Normal
40,3%
Cesárea
50,8%
Humanizado

Figura 7.

De acordo com a figura 8, podemos ver que 28,6%das parturientes responderam acreditar que o
momento do parto e/ou pós-parto foi estressante de algum modo para o bebê.

Estresse para o bebê


8,3%

Normal
46,8%
Cesárea
44,8%
Humanizado

Figura 8.
19

60% das mães, num geral, tiveram contato com seu bebê imediatamente. 36% delas
tiveram após a equipe realizar procedimentos de rotina da instituição em que ela deu à luz. Os
casos em que levaram de 12 horas a dias foram de maior complexidade (F. 9).

Contato com o bebê após o parto


2% 2% Imediato

Algumas horas
36% depois
60% Mais de 12 h
depois
Dias depois
Figura 9.

Com base nos dados, podemos ver que há uma maior associação entre violência
obstétrica, traumas, dificuldade de vínculo e estresse para o bebê em partos cesarianas e
vaginais do que nos partos humanizados. No entanto, dificuldade de se vincular pode estar
ligada à gravidez indesejada e outros fatores. A via de parto não interfere na amamentação,
porém pode fazer com que o tempo entre nascimento e contato com seio seja um pouco maior
do que nos humanizados, onde o contato é imediato e o bebê não passa por nenhum tipo de
procedimento hospitalar. Outro dado relevante é que violência obstétrica não é sinônimo de
trauma, pois a alegria de parir um filho pode superar os maus tratos recebidos.

7. Considerações finais

A partir de nossas pesquisas encontramos poucos materiais sobre o presente assunto


e acreditamos que sejam necessários estudos mais aprofundados sobre os aspectos
psicológicos de um parto humanizado, afim de que se pluralize o conhecimento de uma forma
de partejar mais humana e como isso pode trazer benefícios para o desenvolvimento
emocional das crianças.
Achamos importante trazer o conceito de violência obstétrica, mostrando de que forma
ela pode ser traumática para as mulheres, e como há uma censura do assunto por parte dos
médicos, evidenciando, assim, seu poder sobre o corpo feminino disfarçado de saber
científico.
Fica claro que quando a vontade da mulher é levada em consideração, estando
saudável e devidamente acompanhada por especialistas durante toda a gestação, além de
20

proporcionar grande alegria, o parto humanizado pode tornar o puerpério menos difícil e
doloroso, pois cria condições facilitadoras, respeitando os limites e as necessidades da
parturiente, bem como aproximando os familiares deste evento. Isto proporciona alívio e
conforto, de forma que o nascimento do bebê seja um momento agradável e especial.
Exploramos como o papel social e político das mulheres mudou ao longo da história
e, nesta perspectiva, salientamos a importância dos movimentos de luta das mulheres por
direitos, tanto no campo da política como no da saúde.
É possível realizar a humanização da saúde e das práticas profissionais sem
humanizar as relações humanas? Michel Odent dizia que "para mudar o mundo, era preciso
mudar a forma de nascer". A assistência humanizada promove um parto natural respeitoso,
aleitamento materno (preferencialmente nos primeiros momentos de vida do bebê), a redução
das intervenções desnecessárias e possivelmente uma redução do índice de depressão pós-
parto. É um momento único e muito subjetivo, e quando bem realizado, com respeito e apoio,
pode facilitar o vínculo mãe-bebê.
21

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23

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http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722008000200022.
24

9. ANEXO

Síntese do relato de Sônia


Nossa entrevistada conheceu o parto humanizado através da internet e
compartilhamentos de algumas pessoas que já haviam tido bebê desta forma. Durante o
acompanhamento pré-natal e no puerpério diz ter sido muito bem atendida, amparada e
aconselhada por todos da casa de parto; afirma que acredita nos benefícios tanto para a mãe
quanto para o bebê nesta modalidade de parto, embora ela não tenha conseguido ter seu
neném da forma desejada, pois já estava com 40 semanas e 5 dias, muito inchada, cansada e
com alterações na pressão. Relata: “fui para uma consulta semanal e a enfermeira, ao fazer os
procedimentos de rotina (aferição de pressão, pesagem e exame de proteinuria), notou que a
pressão estava aumentando constantemente e que também havia um aumento considerável de
peso, fora do normal ou aceitável, ainda não havia indícios de trabalho de parto, decidiram
então que não dava mais para esperar, precisavam me encaminhar ao hospital para exames
mais aprofundados para a garantia da minha saúde e a do bebê. Não dava mais para esperar
um trabalho de parto, seria indução ou cesariana, isso só os demais exames poderiam
responder.Fui encaminhada e acompanhada por uma enfermeira da casa de parto, que passou
o meu quadro para o obstetra de plantão. Os resultados dos exames saíram e o obstetra do
hospital da mulher decidiu por não esperar mais: me encaminhou para cesariana
imediatamente. O bebê estava querendo entrar em sofrimento fetal, chorei muito, tive muito
medo, acreditei até o fim que teria meu filho de parto humanizado e natural”.
Embora seu parto não tenha sido da maneira planejada, a entrevistada afirma ter sido
muito bem assistida pela equipe do plantão. Diz que após o parto, quando sua “ficha” caiu, se
sentiu muito feliz por estar com seu bebê bem e saudável, mas ao mesmo tempo muito triste,
pois não se considerava uma mulher de verdade por não ter sido capaz de parir seu filho.
Relata ter chorado por dias, com uma tristeza sem fim, pois sentia dores físicas devido à
cesárea e um grande vazio; neste momento, a casa de parto agendou duas consultas de
acompanhamento de puerpério para ela. Lá as enfermeiras ensinaram a amamentar, cuidaram
dos pontos, pesaram o bebê e deram todo um suporte psicológico que, segundo ela, ajudou
muito a superar toda a frustração de um parto que não havia sido como o sonhado.Ajudaram-
na a entender também que a recuperação da cesárea é mais lenta e que o principal motivo da
vida dela era o bebê e a saúde dele. Todo esse aporte psicológico, fez com que a entrevistada
entendesse que ela não era menos mulher porque não pariu de forma natural.
25

Relatou também não ter sofrido nenhum tipo de violência obstétrica e que viu seu
bebê após o limparem.Desde esse momento ficou o tempo todo com ele e que o amamentou
logo após o parto.
Por ter tido complicações de pressão e retenção de líquido,a entrevistada diz ter
permanecido ainda por alguns dias internada e com algumas medicações, e que acha ter
refletido isso no comportamento do seu bebê, pois ele ficou muito irritado. Todo o processo
de pré-natal, trabalho de parto e puerpério foi acompanhado pelo seu companheiro e, por fim,
relata não considerar seu parto como um evento traumático, mas sim triste e frustrante por não
ter saído como planejado.
26

Síntese do Relato de Márcia


A entrevistada relata ter feito programações para o parto, diferente de sua primeira
gestação. Com 39 semanas e 5 dias,as contrações já haviam começado porém ainda eram
suportáveis. “Avisei à equipe de parto domiciliar, no grupo de whatsapp que fizemos pra
comunicação e deslocamento delas até minha casa, quando Samanta avisasse que estava a
caminho.” A forma de parto escolhida tinha sido domiciliar. Decidido, planejado, acolhido e
embalado com um cuidado e carinho que a entrevistada diz não saber descrever em palavras.
Conta que a parteira a ouviu, abraçou, e a entendeu, desde a 20° semana.“Eu tive
muitas dúvidas sobre muitas coisas durante essa gestação,mas eu tinha uma certeza enorme,
profunda e serena que eu estava muito bem amparada pela maravilhosa rede de apoio e equipe
que me acompanharam.” Com 39semanas e 6dias, as contrações eram ritmadas, mas ainda
suportáveis.
Foi escolhida uma playlist para o momento de trabalho de parto e seu filho Gabriel
de 2 anos fez parte de toda a movimentação e momento do parto. Quando as contrações se
intensificaram, a piscina já estava montada para quando ela decidisse que seria a hora de ir
para a água. “Harmonia, sinergia, muita parceria envolvia todo esse momento.” A doula
avisou quando o bebê estava nascendo e então disse para que a entrevistada tocasse na bolsa
para ter experiência daquela sensação tão única e emocionante. “Virei de frente pra ver minha
filha chegar ao mundo e me surpreendi quando vi que ela estava de rosto pra cima, olhos
abertos. Os bebês costumam nascer de rosto pra baixo. Sam nascia me olhando, piscando
devagar, vinda no tempo dela, dentro de sua casinha, que a protegeu e guardou por toda a
gestação. Quando saíram os ombros, rompeu a bolsa e ela escorregou mais rápido.” Logo
após sair da piscina, a entrevistada relata ter amamentado sua bebê em sua hora de ouro e o
cordão umbilical foi cortado somente após. “Minha filha veio ao mundo de forma respeitosa,
calma e desejada, com a parceria de profissionais e amigos que foram imprescindíveis pra
mim!”

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