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MUNDO 29
Sábado 19/9/2020 Diário de Notícias Diário de Notícias Sábado 19/9/2020
a ameaça do autoritarismo.
foi anulada para evitar ajuntamentos. altura dos problemas, não forçado por um porque fez subir essa matéria a uma das cer nesse países e porque o futuro das insti-
Bernardo Pires de Lima e o Presidente en-
contram-se com alguma regularidade: o
qualquer fetiche ideológico. Olho para a
política com pragmatismo. Se estamos
vice-presidências, tem um orçamento
muito generoso e penso que o comissário
para além da espuma tuições que partilhamos fica em causa. Não
sei como vai ser o futuro da NATO com este
primeiro fundou o Grupo de Reflexão so- com problemas corrijam-se. As crises aju- eslovaco responsável, Maros Sefcovic, foi o dos dias. Pode presidente. Não é o único foco de tensão, há
constitucional americana“
um misto entre razão e coração. Acho que há gabinetes ou a administração pública não Coelho só se falava em austeridade, não se te permanente à legitimidade à vitória de
espaço político e social para que as pessoas têm de criá-la de raiz, existe muita coisa fei- ouvia uma palavra sobre o futuro. Joe Biden. O sistema [eleitoral]é muito frá-
se encontrem num determinado discurso ta e pode trabalhar em rede. Há uma ten- De acordo. Há bocado usei uma palavra, as- Biden tem essa predisposição mas vai preci- gil e como cada estado tem o seu próprio
mobilizador aspiracional que não seja des- piracional, que não deve estar só conotada sar de um alinhamento com as bancadas do modelo a mobilização é fundamental por-
trutivo da ordem social. Sendo sério não tem com o elevador social. Tem a ver com uma Congresso. Diria que mais quatro anos de que o recenseamento não é obrigatório.
de ser cinzento. A prova de que é possível fa- ideia de que depois de um período difícil há Trump podem ser fatais para a ordem cons- A eleição é muito extensa em tópicos locais
zer isso é que os parlamentos no quadro da um horizonte coletivo que é possível cons- titucional americana. Ela já está em choque, e estaduais e só no último é que tem o ticket
União Europeia [UE] têm 70% a 80% dos de- truir. Esse discurso nunca vingou nesse pe- com a arbitrariedade do poder, com um pre- para a presidência, é um lençol de frente e
putados afetos aos partidos tradicionais. As ríodo. Nem todos os políticos têm o talento sidente que incita quase à violência, que verso. Esta mistura de temas não é saudá-
forças mais extremadas continuam a ser ni- de saber olhar para a frente e ter palavras de acomoda todo o tipo de anarquia, desde mi- vel, a máquina tem ene entropias estaduais
chos de mercado eleitoral e de representati- incentivo. Quem tem o poder executivo tem lícias a entrar em parlamentos estaduais e a e federais para que o voto seja uma coisa
vidade. Quer dizer que a receita histriónica, de olhar mais para a gestão quotidiana ou a fazer policiamento nas ruas, não condena natural. Isso não é uma responsabilidade
negativa e nativista não é necessariamente prazo médio. Mas por exemplo a Presidên- toda a violência, só parte. Olhamos para a de Trump. Quanto muito percebeu que o
aquela que vinga. Com o declínio dos media cia da República pode e deve ter um discurso Casa Branca como um sítio que em teoria sistema vive há muitos anos disto e vai pôr a
tradicionais e a ascensão de outras platafor- para além da espuma dos dias. Pode intro- faça um discurso de paz social e não da guer- gasolina na fogueira.
mas, têm um eco que torna tudo o que é ruí- duzir no debate público as questões funda- ra. Ele é exatamente o contrário, como Bol- Referiu a Turquia como foco de tensão.
do em discurso normalizado. Quem está do mentais da próxima década portuguesa. sonaro. Essa paz social, que não existe, mor- Emmanuel Macron é o único líder que de
lado certo da história ou vai a jogo no mes- Há um ano Greta Thunberg e a crise climáti- re de vez com mais quatro anos. Como o Par- alguma forma tem feito frente a Recep
mo ringue e perde, ou tenta mudar o perfil, ca faziam parte da agenda mediática. A pan- tido Republicano neste momento não Erdogan.
ou tenta recuperar os canais tradicionais e demia poderá ter sido uma bênção para os existe, é um culto, se vencer outra vez e ga- Erdogan foi suficientemente hábil para
corrigir o mais depressa possível os anáte- negacionistas das alterações climáticas? rantir o Senado implica uma prepotência e concentrar o poder em si através de plebis-
mas em que os partidos mergulharam. Quem não acredita na ciência continua a uma cegueira no sistema que vai inviabilizar citos, eleições e alterações constitucionais,
Essa dificuldade de comunicação não é só não acreditar em estudos sérios, seja sobre pontes com os democratas, quando elas são em parte à custa do fim do caminho de in-
portuguesa nem só nos parlamentos nacio- alterações climáticas seja sobre vírus. Há é necessárias para qualquer pacote financeiro tegração à UE. Com alguma razão, diga-se,
nais, mas talvez mais ainda a dificuldade de mais uma corrente de argumentos a invali- estancar a crise que se vive. Depois, vencen- fez das posições inflexíveis de Berlim e Paris
projetar uma imagem positiva da UE. dar essas posições cegas. Acho que foi Gu- do, tenderá a fazer uma caça às bruxas bru- um ricochete para alimentar uma outra vi-
Do ponto de vista comunicacional são terres quem disse há dias que as alterações tal, metendo o pé em cima das oposições, são da Turquia, que não ocidentalizada,
muito mais os erros do que as virtudes no climáticas eram um tema mais relevante seja os media, seja parlamentares democra- mas uma radial de interesses mais otoma-
campo institucional europeu. Um é a má- para o mundo do que a pandemia. Isto tas. Tem um fundo de autoritarismo que, se nas: Balcãs, Médio Oriente, Ásia Central.
quina ser muito pesada e responder sem- deve ser dito porque é correto, mas tam- pudesse, fazia o que outros protoditadores Como vimos na eleição [autárquica] de Is-
pre tardiamente aos vários momentos polí- bém é uma frase que para o cidadão co- fazem: dar um golpe na Constituição. Não tambul, há uma sociedade vibrante, como
ticos da história e a outra tem que ver com mum pode parecer brusca, bruta e sem estou a dizer que tem condições para isso, há na Rússia. Na Turquia há sinais de que a
as competências exclusivas, que são muito sensibilidade. Mas nos próximos anos não mas que teria vontade, que é do mesmo cali- prepotência de Erdogan chega ao ponto de
poucas. Como tem poucas competências há assunto mais importante do que as alte- bre. Isso é que é preocupante. Para nós tam- querer chegar ao centenário de Atatürk
exclusivas, muitas partilhadas e muitas de rações climáticas porque têm implicações bém há uma grande pressão nas nossas de- sendo o novo Atatürk. E para isso vai cons-
exclusividade dos estados, esta mistura não a todos os níveis, geopolíticos, de recursos mocracias, que se estão a adaptar ao novo truindo relações de paridade através da be-
permite que a comunicação seja afinada do naturais, deslocações migratórias forçadas, exercício do poder, com o mesmo tipo de ligerância, um pouco como Putin faz, para
ponto de vista das instituições, é sempre acesso a bens essenciais, inflação generali- narrativa. As tiradas de André Ventura sur- se relacionar quase de igual para igual com
partilhada. Isto gera uma cacofonia incrí- zada e súbita, é um eixo central da política gem porque há uma legitimação internacio- a administração americana, a chanceler
vel. O que nos chega são redes sociais sem internacional. Quem está do lado negacio- nal vinda do Brasil ou dos Estados Unidos Merkel, etc. É uma estratégia que está a vin-
rasgo nenhum ou então uma catadupa de nista dificilmente vai ver a luz. A seguir à para este tipo de retórica, é uma receita de gar, mas que tem um preço. Há uma crise
porta-vozes, que afugenta qualquer euro- pandemia há de vir outro, como no caso sucesso. Mas precisa ser travada porque, económica há anos, uma sociedade com-
peísta convicto. Nada disso é atrativo. Mas americano uma hipotética vitória de Joe Bi- quanto mais não fosse, a pandemia provou pletamente partida, e vive do mundo rural,
há que reconhecer que, por exemplo, em den não reconhecida, porque o discurso já que estas pessoas com este tipo de exercício um bocadinho como a Rússia. Isto é sus-
GERARDO SANTOS/GLOBAL IMAGENS
matérias de saúde pública ou de fronteiras está feito: a vitória democrata foi montada de poder são nefastas. Não é por acaso que tentável durante muito tempo? Este livro
as competências são dos estados. Podemos sob uma patranha qualquer eleitoral. os Estados Unidos e o Brasil estão no topo não é fatalista. Pelo contrário, é esperanço-
começar a ter um debate sério sobre a rea- PORTUGAL Afirma no livro que os EUA e o mundo não das infeções e das mortes. so sobre as boas moedas que existem nos
bertura dos tratados para rever as compe- NA ERA aguentam mais quatro anos de Donald Diz-se que os EUA têm um sistema de pode- vários países que estão a ser internamente
tências e meios ao dispor para na próxima DOS HOMENS Trump. Qual é o grande problema? res e contrapoderes, mas neste momento atacadas por autoridades com perfil autori-
crise as coisas correrem melhor. FORTES Os problemas das organizações internacio- não é tão claro. tário e antidemocrático. O que sinto é uma
É um europeísta convicto mas não refere 188 páginas nais são anteriores a Trump. O que ele faz de Estão todos em causa. Por isso é que eu fa- falta de partilha de esperanças. Temos de
uma única vez o federalismo. Porquê? Edições uma maneira abrupta é esvaziá-las financei- lava numa pressão enorme sobre a Consti- valorizar quem está na rua seis meses por
Para bom entendedor meia palavra basta. Tinta-da-China ra e politicamente. Para as recuperar é preci- tuição. É esta que baliza os freios e contra- uma determinada causa, seja no Montene-
É como a mutualização da dívida. Ficou 13,90 euros so reinvestir e dar-lhes capital político. Joe freios e foi feita para este tipo de presiden- gro, na Polónia ou na Hungria.