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Universidade de São Paulo


Faculdade de Direito do Largo de São Francisco
Teoria Geral do Estado I

Ana Laura Ribeiro Maiolo - 13638392


André Dias Faustino - 13720352
Antônio Roberto Munhoz Neto - 13639991
Arthur Halfeld Nunes Guerra - 13638541

Seminário 2: Povo e território


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………………………………………………………………..3
1. Hans Kelsen ……………………………………………………………………3
1.1. Análise Temática ………………………………………………………….3
1.2. Análise Interpretativa ……………………………………………………..4
1.3. Problematização …………………………………………………………..8
2. Carl Schmitt ……………………………………………………………………8
2.1. Análise Temática ………………………………………………………….8
2.2. Análise Interpretativa ……………………………………………………..10
2.3. Problematização …………………………………………………………..11
3. Dalmo Dallari ………………………………………………………………….12
3.1. Análise Temática ………………………………………………………….12
3.2. Análise Interpretativa ……………………………………………………..13
3.3. Problematização …………………………………………………………..15
BIBLIOGRAFIA ………………………………………………………………16
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INTRODUÇÃO

A tentativa de estabelecer um conceito de Estado data desde a Antiguidade Clássica,


com o surgimento da pólis grega e da civilização romana. Nesse contexto, o sentido
moderno de Estado foi definido como uma unidade político-jurídica, a qual é organizada
mediante regras e dotada de poder superior sobre os seus membros. Entendido como uma
sociedade política, o Estado possui características definidas e sua formação consiste na
presença de três elementos: soberania, povo e território.

A soberania é entendida como o poder de uma nação de organizar-se juridicamente e


de fazer valer, dentro de seu território, o conjunto de suas decisões. Já o povo diz respeito
ao elemento pessoal do Estado, enquanto o território constitui sua base física. Evidencia-
se, portanto, a importância do entendimento pleno dos elementos constitutivos para,
assim, compreender o funcionamento do Estado.

Nesse sentido, este trabalho possui como objetivo apresentar e esclarecer conceitos a
respeito do povo e do território de uma nação. Para tal, serão analisadas as ideias
principais dos teóricos Hans Kelsen, Carl Schmitt e Dalmo Dallari, contidas,
respectivamente, nas obras “Teoria Geral do Direito e do Estado”, “O nomos da terra” e
“Elementos de Teoria Geral do Estado”.

1. Hans Kelsen

1.1. Análise Temática

Hans Kelsen foi um filósofo e jurista alemão que se destacou no campo da Teoria
Geral do Direito, sendo, por isso, considerado um dos maiores juristas do século XX. É
considerado positivista e condensou as ideias de outros filósofos dessa vertente jurídica.
Em meio à numerosa obra do jurista austríaco, se destacam livros tais quais “Teoria Pura
do Direito”, de 1933, e “Teoria Geral do Direito e do Estado”, de 1947. Neste último, o
jurista discorre sobre diversos aspectos do Estado e de sua teoria geral, correlacionando-
o com a Teoria Geral do Direito, seu principal objeto de estudo.
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Dentre os diversos caracteres do Estado, abordados na segunda parte de “Teoria Geral


do Direito e do Estado”, no capítulo II, Kelsen tratará dos elementos que compõem o
Estado, e, na secção A, restringirá o estudo ao aspecto territorial do Estado, dividindo-o
em subsecções, quais sejam:
a. “O território do Estado como a esfera territorial de validade da ordem jurídica
nacional”.
b. “A limitação da esfera territorial de validade da ordem jurídica nacional pela ordem
jurídica internacional”.
c. “O território do Estado em um sentido mais restrito e em um sentido mais amplo”.
d. “A ‘impenetrabilidade’ do Estado”.
e. “As fronteiras do território de Estado (Mudanças no status territorial)”.
f. “O território do Estado como espaço tridimensional”.
g. “A relação entre o Estado e seu território”.

Em cada uma delas, Hans Kelsen interpreta um aspecto do território do Estado e da


relação entre os territórios de diferentes Estados. Ao abordar cada assunto, Kelsen o
contextualiza, muitas vezes relacionando-o com o tratado nas subsecções anteriores,
formando, por esse encadeamento de ideias, a visão geral do território estatal.

1.2. Análise Interpretativa

A obra de Kelsen é publicada em 1947, período que sucede a Segunda Guerra Mundial,
em que a discussão acerca das limitações do Estado em suas relações com outros Estados
e do papel do Direito Internacional Público mostrava-se intensa, o que é refletido na obra
em análise.

Primeiramente, em “a”, o austríaco define o Estado como uma ordem jurídica, a fim
de comparar sua teoria e seus problemas à Teoria Geral do Direito e aos problemas deste.
Após, estabelecer-se-á a relação intrínseca entre o Estado e seu território, que é
pressuposto para a sua existência, não precisando, contudo, para que o território seja uno,
que haja uma unidade geográfica. São, então, estabelecidos os conceitos de “território
integrado”, território estatal contíguo, e de “território desmembrado”, que é aquele
formado por colônias e por enclaves (partes de um Estado totalmente cercados pelo
território de outro). Chega-se, pois, à conclusão de que a unidade geográfica não é
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necessária, pois, para ser parte do mesmo território, só é necessário que se sujeite à mesma
ordem jurídica nacional.

Após, na subsecção “b”, o assunto abordado é a limitação da “esfera de validade da


ordem coercitiva”, ou seja, a limitação de ações de sanção e coerção estabelecidas pelo
Estado, as quais devem se limitar ao seu próprio território, não sendo válidas sobre os
demais territórios, pois, se essas esferas de validade não fossem limitadas, os Estados não
poderiam viver sem se envolver em conflitos entre si. Embasa-se, aqui, o pensamento de
Kelsen no princípio da territorialidade, surgido com os Tratados de Westfália, do século
XVII, que determinavam que cada governante só poderia decidir questões religiosas do
próprio território de seu Estado, buscando colocar fim às guerras religiosas europeias.
Para além, o positivista afirma que é possível que um país projete sua ordem normativa
sobre o território de outro, executando coerção. No entanto, isso estaria em desacordo
com o Direito Internacional, sendo caracterizado como um “ato antijurídico”. Portanto, o
território de um Estado não seria o local em que essa ordem coercitiva consegue executar
seus atos, pois ela pode executá-los em territórios alheios aos seus, mas sim, o espaço em
que esse Estado pode, conforme o Direito Internacional, executá-los de maneira legítima,
regulando as atividades de quem ali vive. Todavia, pode o Estado estabelecer sanções
para pessoas em territórios que não são seus, o que não é previsto pelo Direito
Internacional é que se aplique tais sanções, nesses casos, por meio de atos coercitivos.
Quanto, especificamente, aos crimes de cidadãos estrangeiros que se encontrem no
estrangeiro, o Estado possui jurisdição apenas quando esses crimes ameaçarem a ele ou
aos direitos e à segurança de seus cidadãos. Em suma, o que é feito, aqui, por Kelsen é
estabelecer o Direito dentro de um território como função essencial e específica do Estado
a que ele pertence, pois só ele possui o poder legítimo de sanção e coerção para, ali,
aplicar a lei.

Após, diferenciar-se-á “território em sentido restrito”, que seria aquele que pertence a
apenas um Estado, podendo só este nele executar atos de coerção, de “território em
sentido amplo”, que incluiria os territórios em que todos os Estados possuem jurisdição e
podem executar medidas coercitivas, são eles o mar aberto (ou alto-mar) e o território de
Estado algum. O mar aberto constitui-se nas águas que se estendem além da faixa costeira
(águas territoriais de um país). Nele, cada país somente possui jurisdição sobre suas
embarcações, podendo a elas impetrar atos coercitivos, bem como os pode aplicar a
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piratas de qualquer nacionalidade. Embora todos os Estados possam exercer jurisdição


sobre estas águas, nenhum deles pode ocupar frações desse mar, tornando-o seu território
em sentido restrito, deixando-o sujeito apenas à sua jurisdição: é o Princípio Jurídico da
Liberdade do Mar Aberto. Já os territórios de Estado algum são territórios, em que os
Estados se interpenetram, e podem, todos, exercer suas jurisdições. É possível que esses
Estados sejam anexados ao território de um Estado, por meio da ocupação efetiva, algo
que os diferencia do alto-mar.

Além disso, na subsecção “d”, Kelsen versa sobre a “impenetrabilidade” do Estado,


princípio segundo o qual, nos territórios em sentido restrito, só pode haver a validade de
uma ordem jurídica nacional. Em suma, o que é dito pelo autor é “Em cada território pode
haver somente um Estado”. Na sequência, contudo, são apresentadas exceções a esse
princípio: a permissão, via tratados internacional, dada por um Estado para que outro
exerça atos coercitivos em seu território; a permissão em tempos de guerra para que um
país exerça atos de coerção nos territórios ocupados; e o condominium ou coimperium,
quando dois Estados exercem domínio sobre um mesmo território, através de órgãos
compartilhados entre os dois e de seus aspectos jurídicos comuns. Pode ser, o Estado
Federal citado como um exemplo de exceção, mas, para isso, cada um dos Estados-
membros que o formam devem ser Estados genuínos.

Já em “e”, serão abordadas as mudanças no status territorial, ou seja, nas fronteiras,


sejam elas naturais ou artificiais, de um Estado, as quais sempre possuirão um caráter
jurídico. Primeiramente, deve-se considerar que, na medida em que a ordem jurídica
internacional determina, pelo princípio da eficácia, o status territorial das ordens jurídicas
nacionais, estas compõem aquela. O princípio da eficácia, que rege todas as mudanças
fronteiriças, conforme o Direito Internacional, consiste no fato de que, para se adquirir,
ou até mesmo para manter um determinado território, o Estado deve mostrar que suas
normas são eficazes para o funcionamento deste. Seguindo o princípio, há maneiras, quer
jurídicas, quer antijurídicas, para que haja mudanças no território estatal, seja por ganho
ou perda de regiões, são elas:
a) Por meio da ocupação eficaz, como já visto na subsecção “c”, de um território de Estado
algum.
b) Por meio da anexação, ou seja, a conquista de um território que pertence a outro Estado,
por meio de guerra, que pressupõe, ao menos, bilateralidade, ou pela invasão, ato
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unilateral. É um ato antijurídico, sendo previstas para o Estado anexador uma série de
sanções, e, ao Estado anexado, o direito à guerra para sua defesa.
c) Por meio de tratado internacional de cessão entre Estados. Pode-se estabelecer um tratado
em que um Estado cede ao outro uma parte do seu território. É um ato jurídico. Para além,
um tratado desse tipo pode legitimar a anexação de um território, a qual constitui um ato
antijurídico.
d) Por meio da acresção, que é a ocupação de novos territórios que surjam espontaneamente
no território. Isso ocorre, por exemplo, quando há a formação de uma ilha em um rio ou
nas águas nacionais de um país.
e) Por meio da prescrição, que consiste em na posse de um território, sem perturbações, pelo
período suficiente para que o Estado que o possui seja considerado como seu legítimo
possuidor pela população dali, ainda que esteja em desacordo com o Direito Internacional.
Esse período não é estabelecido pelo Direito Internacional. A prescrição pode confundir-
se com o princípio da eficácia, pois a eficácia de uma ordem jurídica nacional tende a
geral sua legitimidade.
f) Por meio da derrelição, quando um Estado abandona um território sem ter condições ou
pretensões de retomá-lo. É o caso de perda de território especialmente associado ao
ganho, pois, ao abandonar seu território o deixa livre para a ocupação por um outro
Estado.
g) Por meio da formação de um novo Estado a partir de um território de um Estado já
existente. Esse é o único caso de perda de território que não se relaciona ao ganho por
outro Estado existente. Tal formação pode ocorrer por um tratado internacional ou por
uma revolução e deve seguir o princípio da eficácia, pois a nova ordem jurídica nacional
deverá se mostrar mais eficaz para aquele território do que a anterior.

Ademais, na subsecção “f”, discorrer-se-á acerca da tridimensionalidade do território


Estatal, que compreende, além de sua superfície terrestre, seu ar, seu subsolo e suas águas
territoriais, até onde se estenda a sua ordem jurídica. A Convenção do Ar acordará que,
em tempos de paz, todos os Estados possuem a liberdade de transitar pelo ar e pelas águas
territoriais dos outros, desde que a área em questão não tenha sido demarcada como
proibida por aquele país. Pode-se entender, pois, que o território tridimensional do Estado
é até onde ele possa se estender, consoante seu desenvolvimento tecnológico, do centro
da Terra à sua atmosfera.
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Por fim, em “g”, o austríaco considera como pseudoproblema a analogia entre Estado
e pessoa, e entre território e propriedade, apenas levando-se em conta certas similaridades
entre o Direito Internacional e as leis que regulamentam a propriedade.

1.3. Problematização

Nota-se, logo, que as ideias de Kelsen permanecem refletidas em situações atuais.


Dentre elas, pode-se citar Bir Tawil, na África, que é um caso de território sem Estado
algum, talvez o único da atualidade. É uma área com aproximadamente dois mil
quilômetros quadrados, entre Egito e Sudão. O caso ocorre, porque, segundo um acordo
fronteiriço, o país que possuir essa região, que é árida, pedregosa, desabitada e sem acesso
ao mar, não poderia possuir, simultaneamente, o Triângulo de Hala’ib, que, por sua vez,
possui acesso ao mar, sendo mais vantajoso. Assim, tanto Sudão quanto Egito rejeitam
Bir Tawil, relegando-a ao status de território sem Estado algum, buscando a posse do
Triângulo de Hala’ib.

Em segundo plano, convém citar a anexação da Crimeia pela Rússia como algo
relacionado ao texto analisado. Em 2014, Vladimir Pútin anexou a região da Crimeia,
pertencente à Ucrânia, em um ato antijurídico, ou seja, em desacordo com o Direito
Internacional, sob o pretexto de que a maior parte da população da região demandava
maior integração com a Rússia e a separação da Ucrânia, algo que se aproxima de uma
justificativa à invasão e uma alegação de legitimidade dos russos pelo “princípio da
eficácia”. A Crimeia, anexada pela Rússia, contudo, não é considerada parte da Rússia
por toda a comunidade internacional e ainda é uma região de conflitos entre os dois países.

2. Carl Schmitt

2.1. Análise Temática

Carl Schmitt foi um filósofo político do século XX, jurista e professor universitário
alemão, cujo foco principal de análise foram as relações internacionais e o direito
constitucional. Em “O nomos da terra”, obra publicada em 1950, ele discute sobre a
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transformação do direito das gentes puramente europeu em um direito internacional, a


partir dos processos de tomada de terra.

A análise inicial do filósofo sobre o surgimento de um novo direito das gentes


interestatal está subordinada à transição das guerras religiosas civis para as guerras entre
Estados, os quais são delimitados em relação ao seu território. Essa consolidação dos
limites do território de cada país permite que, durante a guerra, os Estados, os quais
compartilham do mesmo jus publicum europaeum (direito público europeu), enxerguem-
se mutuamente como inimigos justos. Nesse sentido, a guerra deixa de possuir como
objetivo principal a aniquilação daquele considerado criminoso, e os tratados de paz
passam a fazer parte da resolução dos conflitos.

O estudioso aponta, ainda, que as guerras interestatais passam a ser consideradas justas
desde que o palco do conflito seja o continente europeu e realizadas por exércitos estatais
reconhecidos pelo direito das gentes. Carl Schmitt deixa claro, portanto, que a
circunscrição da guerra, através do novo direito das gentes, só foi possível com o auxílio
do conceito de Estado, cujo pilar mais relevante ao assunto é a delimitação do território.

A soberania, outro elemento constitutivo do Estado, também apresenta papel


importante nas análises de Schmitt. O conceito de justus hostis (inimigos justos) é
endossado pelo fato de que os Estados passaram a ser reconhecidos como sujeitos de
iguais direitos e pessoas soberanas, as chamadas magnus homo (grandes homens). Carl
Schmitt suscita, ainda, um debate acerca da possibilidade de tais “grandes homens”,
iguais em direito, serem compreendidos em um “estado de natureza”, tal qual aquele
descrito por Thomas Hobbes.

O alemão também discorre sobre o efeito das alterações territoriais no estabelecimento


de uma ordem espacial comum. Para ele, as guerras totais, isto é, aquelas que ameaçam a
ordem espacial e visam à aniquilação, devem ser eliminadas. Além disso, Carl Schmitt
analisa de maneira bastante completa o caso de sucessão de Estados, no qual ocorre uma
mudança de supremacia territorial de um Estado e o centro de poder estatal é alterado.

Finalmente, é discutida a questão da mudança imediata de soberania durante as


ocupações militares. O estudioso afirma que essa mudança não produz efeitos iguais ao
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de tomada de terra, ou seja, não afeta a constituição, mas a pessoa do governante e a


administração estatal e da justiça. Nesse contexto, as guerras puramente estatais não
podem alterar os elementos não-estatais, como a economia, o comércio e a sociedade
civil, e as ocupações bélicas não deveriam dizer respeito a mudanças territoriais ou
constitucionais.

2.2. Análise Interpretativa

Carl Schmitt foi um jurista alemão, talvez o mais importante do século XX. A principal
preocupação de sua obra foi a soberania, o mais poderoso dos poderes. Definindo o
soberano como aquele que decide no estado de exceção, seria estranhíssimo que Schmitt
também não voltasse seus olhos para a relação entre soberanos.

Toda a concepção de mundo de Schmitt é baseada no poder do soberano. Sendo esse


seu principal pressuposto filosófico, é natural que ele não apresente o sistema interestatal
europeu surgido de Westfalia como fruto de uma evolução espiritual, e sim como uma
nova situação histórica do poder soberano. De fato, para Schmitt, chegou-se a um
momento em que mesmo querendo, era impossível a um príncipe interferir no território
alheio. Com o desenvolvimento dos exércitos e da centralização estatal, tornou-se
inescapável aos soberanos o reconhecimento mútuo.

Tendo como noção prévia esse desenvolvimento histórico, Schmitt vai diferenciar o
conceito medieval de guerra justa e o conceito moderno, pós-Westfalia, de guerra
racional. A base dessa diferenciação é o reconhecimento de um novo sujeito do direito
das gentes: o Estado.

A guerra justa medieval se caracterizava por partidos europeus, que tinham posições
em todo o continente, e transformavam qualquer conflito em guerra civil a ser travada
contra um elemento subversivo, criminoso, pois inimigo dentro da própria ordem. Agora,
com a nova constituição do espaço europeu, não há mais um criminoso a ser combatido,
não há nem mesmo uma única ordem transcendente (divina) à todos os membros. Se os
partidos não se organizam mais em alcance trans-estatal, e sim se organizam como
Estados em si, o que há são apenas inimigos (justus hostis).
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Dessa forma, a guerra deixa de visar a aniquilação, e passa a tratar especificamente de


um cálculo matemático. Não é necessário destruir o inimigo, é até desejável que se
alcance apenas uma vitória simples capaz de forçá-lo a uma paz vantajosa. É impossível
não enxergar semelhança entre essa concepção racional da guerra e a doutrina militar
desenvolvida pelo Marechal Von Clausewitz.

É muito interessante enxergar o paralelo entre o jus publicum europeae schmittiano e


o estado de natureza hobbesiano. Em ambos as situações, não há crime pois não há justiça.
A justiça só surge quando dois iguais se submetem conjuntamente a um soberano. Onde
não há superior, mas apenas um sistema de soberanos, impera uma luta entre leviatãs.

Obviamente, tudo isso se refere unicamente ao solo europeu, tendo o resto do globo
um status diferente para o jus publicum europeae, funcionado como uma zona livre,
disponível ao que primeiro conquistá-la.

Concluindo, é possível perceber que o território não é o norte do conceito de soberania


de Schmitt, mas a própria bússola sobre a qual ele se orienta. O Estado só pôde se firmar
historicamente como soberano quando teve a condição de defender seu território de
incursões alheias, forçando todos os principais soberanos europeus a se reconhecer
mutuamente.

2.3. Problematização

As ideias contidas em “O nomos da terra” possibilitam o levantamento de certos


questionamentos a respeito do posicionamento de Schmitt. Primeiramente, observa-se
que sua teoria possibilitou a legitimação de regimes ditatoriais, como a política nazista
alemã do século XX, na medida em que defende que o poder de decretar o estado de
exceção faz parte da soberania do governante.

Nesse contexto, pode se interpretar que, quando soberano julgar necessário a supressão
das instituições jurídicas a fim de manter um equilíbrio da ordem espacial, poderá ele,
assim, decretar o estado de sítio. Evidentemente, tal concepção de soberania é
problemática e perigosa, pois concede um poder ilimitado e universal ao governante,
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eliminando as bases de qualquer política democrática e dando legitimidade a regimes


cujas premissas são a perda da liberdade individual dos cidadãos.

Além disso, a concepção de Schmitt de que, no direito das gentes interestatal, os


Estados reconhecem-se como iguais na figura de inimigos justos, apresenta contradições.
Deduz-se que, assim como no estado de natureza de Thomas Hobbes, em que predomina
a igualdade entre os indivíduos, a falta de uma autoridade superior e a ausência de
soberania implica a inexistência da lei e da justiça. Por essa ótica, todos os atos praticados
durante a guerra não poderiam ser considerados crimes ou passíveis de punição, o que
também configura um argumento legitimador para o uso de todos os meios necessários
para proteger o respectivo Estado, sua soberania e território.

Portanto, a teoria de Carl Schmitt apresenta uma importantíssima contribuição ao


campo das ciências políticas e do Direito. Entretanto, é necessário interpretar sua obra a
partir de um olhar crítico e examinador, a fim de manter suas considerações apenas no
plano teórico.

3. Dalmo Dallari

3.1. Análise Temática

O século XX reservou grandes alterações na dinâmica do Estado e na forma como este


se impõe sobre o indivíduo. Nesse sentido, Dalmo Dallari, expoente na teoria jurídica,
discorreu em sua obra “Elementos de Teoria Geral do Estado” conceitos que auxiliam o
leitor a compreender a máquina estatal e a constituição do Estado como personalidade
jurídica. Na obra, os trechos onde se discorre sobre povo e território são de extrema
importância para enxergar os limites territoriais e compreender a ação popular
atualmente.

De início, as observações e os esclarecimentos sobre “povo” auxiliam no


entendimento sobre a constituição do Estado. Assim, é possível refletir sobre a cidadania,
a democracia e os sistemas político-econômicos em que os países se encontram, pois,
como elucidado pelo autor, os cidadãos são a parte constituinte do Estado.
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Além disso, a partir da obra, o contexto pós-guerras e em pleno cenário de Guerra Fria,
conclui-se que a territorialidade e a delimitação de fronteiras têm grande influência na
distinção entre Estado e Nação e, inclusive, no que diz respeito a aplicação de
ordenamentos jurídicos. Logo, é de suma importância para um Estado designar com
nitidez seu espaço de jurisdição.

Por fim, infere-se, que “povo” e “território” são conceitos imprescindíveis para o
estudo do Estado e não devem, de maneira alguma, ser negligenciados ou confundidos.

3.2. Análise Interpretativa

De início, no que tange as conceituações sobre “povo”, Dalmo procura distinguir este
conceito de outros que, de modo errôneo, são confundidos. Nesse espectro, o autor
compara “povo” com as concepções de população e nação, onde na primeira argumenta
possuir significado quantitativo e a segunda significar unidade étnica. A partir disso,
Dalmo atribui à “povo” certo sentido jurídico que segundo ele foi uma conquista recente,
para isso o autor embasa seus argumentos fazendo uma comparação com sociedades
anteriores – sociedades gregas, romanas, Idade Média e Idade Moderna - refletindo sobre
a evolução da cidadania e da participação ativa na política, conceitos estes que ele trata
com certa noção jurídica e com muita seriedade para se aproximar do conceito de “povo”.

A partir dos pontos destacados, há a apresentação de dogmáticas alemãs do autor


Georg Jellinek que fixa a noção jurídica de “povo”. Jellinek aponta dois aspectos do
conceito: objetivo e subjetivo. No ponto objetivo, advoga que o povo é objeto do Estado.
Já no ponto subjetivo, o povo participa da condição de poder atribuído ao Estado. Nesse
sentido, entende-se que a partir do momento que uma pessoa se integra ao Estado e exerce
funções ela se torna sujeito, sendo titular de direitos públicos e subjetivos. Essa tese foi
teorizada na obra “Discursos Sobre a Origem da Desigualdade” de Rousseau quando se
diz que as pessoas associadas ao Estado recebem coletivamente o nome de “povo” e o
contrato entre o povo e o chefe que ele escolhe formam laços de união.

Dessa forma, deve-se entender como povo o conjunto de sujeitos que se unem para
constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente,
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participando da formação da vontade e do exercício do poder soberano. Conjunto de


sujeitos esse que podem ser classificados como cidadãos. Logo, é viável conceituar povo
como conjunto de cidadãos. Entretanto, o Estado pode estabelecer determinadas
condições objetivas, cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão adquira a uma
condição que Dalmo nomeia de “cidadão ativo”. Para o autor, a cidadania pode ser
adquirida pelo nascimento ou pelo cumprimento de certos pressupostos estatais,
cidadania que acompanha o indivíduo por toda sua vida dotando-o de direitos e deveres
válidos dentro ou fora de seu país. Já a cidadania ativa compreende um nível mais elevado
e requer o atendimento a outros requisitos exigidos pelo Estado, e, caso não haja esse
atendimento é plausível o rebaixamento de cidadão ativo para cidadão.

Por fim, ainda sobre as proposições sobre “povo”, Dalmo faz alusão a cidadania
europeia, que, atualmente, rompe fronteiras e alimenta um sentimento de unicidade dentro
da Europa. Essa cidadania que é regulamentada por uma Constituição própria e que não
procura suprimir a cidadania do país de origem.

Já na outra parte da obra, as conceituações de Estado e Nação convergem para uma


percepção sobre mobilidade e limites territoriais de um Estado. Nessa parte, Dalmo
escreve que o conceito de nação carrega consigo um caráter emocional por ter sido usado
como técnica para abranger a totalidade da população a fim de lutar por um bem maior,
isto é, busca por uma unidade popular. Essa técnica foi largamente utilizada na luta contra
as monarquias, e, uma vez ultrapassadas, serviram de argumento para investidas sobre
Estados menores e para a proliferação de ideais higienistas, vide a corrida imperialista do
século XIX e os movimentos nacionalistas europeus – nazista e fascista, principalmente.
Vale ressaltar que Dalmo foi amplamente perseguido no período da ditadura militar,
portanto, a concepção de que a ideia de unidade social pode motivar posicionamentos
políticos é uma possível crítica ao regime da época.

Já que o conceito de “nação” permeia motivações emocionais, ele nunca teve uma
relação com o Direito, ou seja, significação jurídica. Entretanto, é de grande valia ressaltar
sua importância na sociologia, assim, concordando com uma diferença entre Estado e
Nação o autor afirma ser possível apontar o primeiro como uma sociedade e o segundo
como uma comunidade. As sociedades se formam por atos de vontade não exigindo
afinidades culturais, ou seja, pessoas ligadas por vínculos jurídicos a fim de alcançar um
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objetivo comum. Já a comunidade se dá pela simpatia cultural dos indivíduos que se eleva
a uma vinculação sentimental, gerando, assim, uma união. Vale lembrar que não há um
ato de vontade e muito menos uma relação jurídica na formação de uma comunidade.

Após essas reflexões, é possível partir para o entendimento de “território”. A partir de


certa estabilidade territorial europeia no século XIX, houve um certo empenho em criar
estados nacionais, de unicidade cultural. Porém não houve êxito e surgiu uma nova
ordem: o plurinacionalismo. A facilidade de comunicação e transposição de fronteiras
impossibilitam uma única estrutura cultural. Assim, conclui-se que há certa
impossibilidade na coincidência entre Estado e Nação do ponto de vista prático; embora
existam inúmeros movimentos nacionalistas e segregativos que defendem um Estado
baseado em uma unidade étnica, como por exemplo os grupos neonazistas que se
espalham pelo Mundo.

3.3. Problematização

Após a leitura do texto que trata sobre Estado e Nação é possível ressaltar alguns
pontos inerentes aos exemplos dados por Dalmo. No que tange os problemas da
supracitada cidadania europeia tem-se uma problemática que se dá por vários
pesquisadores não enxergarem uma cidadania europeia independente da cidadania
nacional, o que pode restringir o gozo de todos os direitos que a cidadania de europeia
pode vir a oferecer. Pois, como positivado na Constituição Europeia e como supracitado,
a cidadania adquirida não sobrepõe a cidadania de origem podendo esta última questionar
dispositivos da Constituição mencionada.

Além disso, ainda sobre a União Europeia, é possível pontuar problemáticas que
envolvam a democracia e a forma de representação dos membros, pois, haveria uma
prevalência de Estados-membros de maior dimensão populacional e, consequentemente,
econômica em virtude da proporcionalidade prevista na Constituição que existe entre
população e deputados eleitos. Assim sendo, o poder político se monopolizaria por países
mais poderosos; o que é completamente questionável quando se pensa em uma união de
países com tanto poder no cenário mundial.
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BIBLIOGRAFIA

DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo, Saraiva, Capítulo
II, Povo. Capítulo III, Estado e Nação.
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado - Os elementos do Estado: "O
território do Estado"
SCHMITT, Carl. O nomos da Terra no Direito das gentes do jus publicum
europaeum (“Parte III – O jus publicum europaeum” - Capítulos 1 e 4)
ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso Sobre A Origem E Os Fundamentos
Da Desigualdade Entre Os Homens. L&PM, 2008.

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