Você está na página 1de 34

EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA

AFRICANA E AFROBRASILEIRA
NO BRASIL
Residência Pedagógica
ÍNDICE

1. Introdução
2. Ser escravo no século XIX
3. Resistência escrava
4. O movimento abolicionista
5. Conclusão
1. INTRODUÇÃO

O estudo da história da escravidão africana nas Américas


vem sendo discutido sob diversas perspectivas temáticas,
ao longo dos últimos anos. Os pesquisadores, de acordo
com seus questionamentos e referenciais, estimularam o
debate de pontos como: demografia e famílias escravas,
economia da escravidão, revoltas cativas e quilombos,
etnicidade, nação, abolição e transição para o trabalho
livre; contribuindo para a compreensão do cativeiro em
suas distintas formas de ocorrência. Neste espaço, vamos
focar no “ser escravo”, nas suas formas de resistência e no
papel dos abolicionistas.
2. SER ESCRAVO NO SÉCULO XIX

Quando se fala em escravidão no Brasil, no século


XIX, qual a primeira imagem que lhe vem à mente?

carregado pelos seus escravos. Gravura de


Jean Baptiste Debret, 1816 / Domínio
Imagem: Dono de Escravo sendo

público
Gravura de Jean Baptiste Debret.
Imagem: O Pelourinho. Gravura de Jean Baptiste Debret / Imagem: Negros de Carro. Gravura de Jean Baptiste Debret /
United States Public Domain. United States Public Domain.

Escravo no pelourinho sendo açoitado. Escravos transportando carga.

Geralmente, as primeiras referências que nos ocorrem


são os castigos e as duras atividades diárias.
Entretanto, "ser escravo no Brasil”¹ não foi uma
experiência homogênea, perceber a
heterogeneidade de sua existência é um caminho
para compreender as diversas possibilidades de
resistência à escravidão.

Nos estabelecimentos agrícolas (nas regiões


rurais) e na áreas urbanas, a escravidão no Brasil
do século XIX era mais comum e cotidiana do que
se imagina. Estudaremos, a seguir, as
características gerais da escravidão.
1. “Ser escravo no Brasil” é título de um importante livro sobre a escravidão negra brasileira, escrito pela historiadora Kátia M. de
Queirós Mattoso.
2.1 “Os escravos rurais”:
• Eram a maioria dos cativos;
• Habitavam senzalas;
• Utilizados, principalmente, na economia canavieira
(Nordeste) e cafeeira (Sudeste);
• A maioria trabalhava em todo o processo de produção.
No caso específico do açúcar, poderiam ser encontrados
na lavoura, passando pela produção do açúcar no
engenho, na casa da moenda, nas caldeiras e na casa
de purgar. Foram empregados também na agricultura de
abastecimento interno, na criação de gado e nas
pequenas manufaturas. Trabalhavam de quatorze a
dezesseis horas.
2.2 “Os escravos urbanos”:
• Tinham empregos diversificados, por isso alguns possuíam
liberdade de locomoção;
• Podiam residir em domicílio separado, mediante negociação
com seu senhor;
• Mestres artesãos utilizavam também escravos treinados em
trabalhos artesanais, por isso tais escravos eram geralmente
mais caros;
• Encarregavam-se do transporte de objetos, dejetos (os
“tigres”) e pessoas, além de serem responsáveis por uma
considerável parcela da distribuição do alimento e da água
que abastecia os centros urbanos;
• Havia ainda aqueles que trabalhavam nas ruas, prestando
serviços, realizando trabalhos manuais ou vendendo artigos,
alimentos, etc (1).
Presença escrava no espaço público urbano

Imagem: Antiga Rua da Cruz, atual Rua do Bom Jesus. Gravura de Luis
Schlappriz entre 1863-68. Domínio Público
Tente identificar na imagem as características da escravidão urbana estudadas até aqui.
Antiga Rua da Cruz, atual rua do Bom Jesus, com chafariz no meio dela. Alguns prédios a esquerda ainda existem. No último
plano a Torre Malakoff. Desenho e litografia de Luiz Schlappriz, editada no Recife por Francisco Henrique Carls em 1863. –
Exposição Comemorativa Iconográfica do Recife, século XIX.
vestimentas, suas ocupações e tente imaginar como viviam.
Observe os personagens desta imagem: identifique
suas

Imagem: Recife, capital de Pernambuco, meados da década de 1820.


Gravura de Rugendas / United States Public Domain.
Escravos quitandeiros e vendedores ambulantes
povoavam as ruas de Recife, Salvador, Ouro Preto,
Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras
cidades. Estes escravos que percorriam as ruas
atrás de ocupação eram chamados de escravos de
ganho².
Eles entregavam uma renda fixa, combinada
informalmente, por dia, para seu proprietário e o
restante usavam para se manter ou guardavam para
a compra da alforria (a liberdade). Mas não era
tarefa fácil pagar a diária do senhor e poupar (2).
2. Caso julgue necessário, retorne aos slides 9 e 10 para observar os escravos de ganho inseridos nas imagens urbanas.
das
construção

resistência.
vistas
de

dos
redes
Este tipo de atividade exigia

relacionamento próprias, distante


de
liberdade de circulação e uma

facilitando as manifestações de
Esta vantagem proporcionou a

senhores,
permanência demorada nas ruas.

Imagens: Barbeiros ambulantes, 1835. Jean Baptiste Debret / United States Public Domain.
Negros vendedores de aves, 1823. Jean Baptiste Debret / United States Public Domain.
Negros Cangueiros, 1830. Jean Baptiste Debret / United States Public Domain.
3. RESISTÊNCIA ESCRAVA

“O conhecimento que já temos sobre a


história da escravidão nas Américas torna
de certa forma muito mais fácil demonstrar
que os escravos não foram pessoas
passivas e acomodadas”.

REIS, João José. Resistência escrava na Bahia. In Revista Afro-Ásia.


Por muito tempo, historiadores e
pesquisadores acreditaram na teoria de
que os escravos teriam aceitado
pacificamente a submissão do cativeiro.
Achavam que o ideal dos senhores tinha
vencido. Entretanto, sabemos que não é
verdade. Prova disso é que o cativo cantou
e dançou, criou novas formas de se
organizar, enganou seus senhores, fingiu
estar doente, fugiu, ou seja, resistiu das
mais diversas formas possíveis.
FORMAS DE FORMAS DE
RESISTÊNCIA RESISTÊNCIA
“PASSIVA” “ATIVA”
• Suicídio • Revoltas
• Fuga • Violência contra
terceiros
• “Matar o trabalho” • Violência contra
senhores e feitores
• Formação de
quilombo
• Capoeira
Suicídio
Uma das reações extremas de protesto dos
escravos era a autodestruição da vida.
Insatisfeitos com a situação de sujeição em que se
achavam, com trabalho excessivo, maus-tratos,
humilhações e não tendo possibilidades de mudá-
la, recorriam a diversas formas de suicídio. As
formas mais comuns eram o autoenvenenamento
(mesmo proibidos de portar veneno), afogamento
e o enforcamento (estes últimos facilitariam que
seus espíritos encontrassem os de seus
ancestrais).
Fuga
Os cativos fugiam por vários motivos e para muitos destinos. Ao
fugir causavam prejuízos econômicos, além de danos à
autoridade do senhor.
A liberdade e o fim do controle senhorial eram seus principais
objetivos, ainda que fosse perigoso e dependessem da
solidariedade de outras pessoas. Eram elas que facilitavam a
fuga, forneciam abrigo, alimentação e trabalho para não levantar
suspeitas. Geralmente buscavam refúgio em quilombos,
fazendas, povoados e cidades (onde se misturavam aos negros
livres e libertos).
Algumas vezes se ausentavam por tempo limitado, só para
pressionar o senhor a negociar melhores condições de trabalho
e sobrevivência, mas depois voltavam (3).
Nos jornais da época, os anúncios
de fuga eram como uma fotografia,
uma vez que os escravos eram
descritos detalhadamente com o
intuito de serem resgatados
rapidamente.
Neles podemos perceber
curiosidades e hábitos que reforçam

Imagem: Autor desconhecido / Diário de Pernambuco.


o caráter heterogêneo desta
experiência: Verônica era ladina* e
levou uma trouxa de roupa na fuga.
Este último elemento leva os
pesquisadores a acreditar que,
provavelmente, sua fuga foi
premeditada.

*Costumava-se dizer que o cativo


era ladino quando falava o
português, tinha instrução religiosa e
executava serviços domésticos. Fragmento do Diário de Pernambuco, 1873-1874.
Já no segundo anúncio, 2
escravas são reclamadas pelo
proprietário de um só vez.
Maria tinha uma espécie de
tatuagem, costumava beber
(apesar de a bebida ser
proibida para os escravos),

Imagem: Autor desconhecido / Diário de Pernambuco.


fugia constantemente e era
conhecida no Recife.
Felippa era idosa, mas isso não
a impediu de fugir, sendo
levada pelo filho.

Fragmento do Diário de Pernambuco, 1873-1874.


“Matar o trabalho”

Era a demora na execução das tarefas


durante a jornada de trabalho, no
cumprimento das ordens dos feitores, a
inutilização das ferramentas, ou ainda o
fingimento de uma doença. Além de
enganar e “prejudicar” o senhor, alguns se
autoflagelavam ao perceber o quanto eram
valiosos enquanto propriedade.
Formação de quilombo

Quilombos eram comunidades organizadas pelos


negros fugitivos, em locais de difícil acesso.
Também refugiavam-se neles índios, homens
livres pobres e delinquentes. O maior desses
quilombos foi o de Palmares (em Pernambuco,
século XVII). Engana-se quem acha que todos
eram livres e iguais nos quilombos, existia uma
hierarquia liderada por Ganga-Zumba. Palmares
pode ter sido o berço das primeiras manifestações
da Capoeira.
Capoeira
Movimentos de
luta adaptados às
cantorias e
músicas para que
parecessem uma
dança.

Imagem: Jogar Capoeira - Danse de la guerre, 1835. Gravura de


Jean Baptiste Debret / United States Public Domain.

(“Jogar capoeira ou danse de la guerre", de J. B. Rugendas, é considerado o primeiro registro preciso sobre a capoeira.)
A capoeira reunia não só escravos e libertos, mas
também figuras importantes da sociedade. Aos
poucos a capoeira foi utilizada como arma na luta
entre as facções políticas, sendo os praticantes
contratados para interferir em comícios, tumultuar
eleições e fazer a segurança da elite.
Em 1864, foram convocados para a guerra do
Paraguai, lutando contra soldados estrangeiros.
Após a abolição em 1888, a capoeira sofreu
violenta repressão, pois tornou-se um símbolo da
resistência do negro à dominação.
Durante o século XIX, a atuação dos capoeiristas foi uma preocupação das
elites e ganhou espaço nos noticiários.

Imagem: Autor desconhecido / Diário de Pernambuco.


Fragmento do Diário de Pernambuco, 1873-1874.
Revoltas

Há basicamente 3 aspectos: a revolta organizada


(caso do levante dos Malês muçulmanos na Bahia), a
insurreição armada (como a Balaiada) e as fugas.
As rebeliões e insurreições contra o escravismo eram
punidas, geralmente, com pena de morte e mesmo
assim os escravos não se intimidavam. A delação era
uma constante, por conta da heterogeneidade da
massa escrava, e com ela era comum abortar o
movimento antes de sua realização. Nesse caso a
repressão era implacável.
Violência contra terceiros

O convívio entre homens e mulheres (escravo, liberto


ou livre) foi um dos motivos que desencadeou os atos
de violência que terminaram em ferimentos e mortes.
O bom comportamento e a obediência às normas da
sociedade escravista, nestas situações, ficavam em
segundo plano.
Estes casos integravam parte da rotina da cidade e
tinham motivações diversificadas: ajuste de contas,
desentendimento no trabalho, crise de ciúmes, ou de
uma tentativa desesperada de conseguir a liberdade.
Violência contra senhores e feitores

Os homicídios e ferimentos contra senhores eram


casos extremos. Na ausência deles, os escravos
atacavam os que representavam diretamente a
autoridade senhorial, caso dos feitores, que
supervisionavam a disciplina do trabalho.
4. O MOVIMENTO ABOLICIONISTA

O abolicionismo foi um movimento que se


destacou a partir da década de 1880, que
desejava a abolição total e imediata da
escravidão.
Entretanto, desde 1850 o sistema escravista vinha
perdendo forças.
Acontecimentos que colaboraram para o
enfraquecimento da escravidão:
• A abolição do tráfico negreiro, por meio da lei
Eusébio de Queirós (1850), gerou problemas na
manutenção da mão de obra vinda da África;
• A Guerra do Paraguai (1864-1870), em que
milhares de escravos foram libertados para
combater no lugar de seus proprietários;
• Guerra Civil Americana (1861-1865), que terminou
com a vitória dos nortistas, favoráveis ao fim da
escravatura;
• O fim da escravidão nos impérios francês e
português.
O movimento abolicionista era composto por
integrantes de várias classes sociais, inclusive das
elites políticas, por intelectuais brancos, por
segmentos do exército, pelas classes médias
urbanas que começavam a ter significado na
sociedade brasileira e por estudantes
universitários.
Foram criados clubes de emancipação, uma
espécie de organização secreta para minar as
bases econômicas do escravismo, roubando
escravos. O mais antigo deles era o Clube do
Cupim, com sede em Recife.
Merecem destaque:

O teatrólogo Artur O engenheiro O poeta Castro O jornalista O jornalista


Azevedo negro André de Alves mestiço José do negro Luís
Rebouças Patrocínio Gama

Imagens da esquerda para a direita: (a) Autor Desconhecido / United States Public Domain. (b) Retrato de André Rebouças, óleo sobre tela, uma das
raras pinturas de Rodolfo Bernardelli / United States Public Domain. (c) Albert Henschel, cerca de 1870 / Domínio Público. (d) Albert Henschel /United
States Public Domain. (e) Autor desconhecido / United States Public Domain.
5. Conclusão

Os cativos participaram como protagonistas


potencialmente ativos nas relações típicas das
sociedades escravistas, extrapolando os limites da
convivência com senhores. Ou seja, não
desempenharam exclusivamente o papel de vítimas
ou de heróis o tempo todo, como identidades isoladas
que se excluem. Eles se colocavam, na maioria das
ocasiões, numa zona de indefinição, que apesar das
muitas semelhanças, supõe-se que não existia um
perfil único para esses homens e mulheres que
ajudaram a construir parte da história.
Tabela de Imagens
Slide Autoria / Licença Link da Fonte Data do
Acesso

4 Dono de Escravo sendo carregado pelos seus http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carrie 28/02/2012


escravos. Gravura de Jean Baptiste Debret, 1816 d_Slaveowner.jpg
/ Domínio público
5.a O Pelourinho. Gravura de Jean Baptiste http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pelouri 28/02/2012
Debret/Domínio público nho.jpg
5.b Negros de Carro. Gravura de Jean Baptiste http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean- 28/02/2012
Debret / United States Public Domain. Baptiste_Debret_-_Negros_de_Carro.jpg
9 Antiga Rua da Cruz, atual Rua do Bom Jesus. http://www.flickr.com/photos/odisea2008/4223 28/02/2012
Gravura de Luis Schlappriz entre 1863-68. 783000/
Domínio Público
10 Recife, capital de Pernambuco, meados da http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Recife 28/02/2012
década de 1820. Gravura de Rugendas / United _brazil_rugendas.jpg
States Public Domain.
11.a Barbeiros ambulantes, 1835. Jean Baptiste http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean- 28/02/2012
Debret / United States Public Domain. Baptiste_Debret_-_Barbeiros_ambulantes.JPG
11.b Negros vendedores de aves, 1823. Jean Baptiste http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean- 28/02/2012
Debret / United States Public Domain. Baptiste_Debret_-
_Negros_vendedores_de_aves,_1823.jpg
11.c Negros Cangueiros, 1830. Jean Baptiste Debret / http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Debret 28/02/2012
United States Public Domain. _-_Negros_Cangueiros.jpg
18 Autor desconhecido / Diário de Pernambuco.
Tabela de Imagens
Slide Autoria / Licença Link da Fonte Data do
Acesso

19 Autor desconhecido / Diário de Pernambuco.


22 Jogar Capoeira - Danse de la guerre, 1835. http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rugend 28/02/2012
Gravura de Jean Baptiste Debret / United States asroda.jpg
Public Domain.
24 Autor desconhecido / Diário de Pernambuco.
32.a Autor desconhecido / United States Public http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Artur_A 28/02/2012
Domain zevedo.jpg
32.b Retrato de André Rebouças, óleo sobre tela, uma http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rodolfo 28/02/2012
das raras pinturas de Rodolfo Bernardelli. _Bernardelli_-
_Retrato_de_Andr%C3%A9_Rebou%C3%A7as.jpg
32.c Albert Henschel, cerca de 1870 / Domínio http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alberto 28/02/2012
Público. _Henschel_-_Castro_Alves.jpg
32.d Albert Henschel /United States Public Domain. http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alberto 28/02/2012
_Henschel_-_Retrato_de_Jose_do_Patrocinio.jpg
32.e Autor desconhecido / United States Public http://en.wikipedia.org/wiki/File:Luiz_Gama.jpg 28/02/2012
Domain

Você também pode gostar