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Epistemologia Visionária: o sentido da visão e a essência da

filosofia em Platão.

Yuri Oberlaender1

É comum nos valermos do vocabulário associado à visão para descrevermos o


processo do conhecer. Dizemos, “eu não vejo dessa maneira” para indicar uma
divergência de entendimento. Quando nos sentimos oprimidos por nossa ignorância,
dizemos “esse assunto ainda está obscuro para mim”. Poderíamos dispor de muitas
outras expressões cotidianas cujo uso evidencia a relação entre a visão e o
conhecer. Esta relação está de tal modo pressuposta em nossa cosmovisão e
linguagem que questioná-la parece negar algo tão natural e irrevogável quanto o dia
e a noite.

Acontece que esta relação nem sempre foi culturalmente hegemônica, tampouco
pressuposta na linguagem corriqueira. Descrever o processo do conhecimento
humano através de metáforas relacionadas ao sentido da visão é uma inovação
conceitual cujo princípio coincide com a própria filosofia. É em Platão, de modo mais
explícito, que encontramos essa inovação. No contexto cultural de onde surge, ela
representa uma novidade que se contrapõe, por exemplo, à usual metáfora auditiva
(o lógos referia-se, em primazia, ao discurso narrado e ouvido) como meio
privilegiado de obtenção de conhecimento. Rastrear as origens desta inovação
platônica é, portanto, um primeiro passo para dissolver a cortina de normalidade que
cobre o caráter problemático do privilégio dado ao sentido da visão em nossa
cultura.

Neste artigo, nosso objetivo será reconstruir o contexto cultural de onde surge a
epistemologia visionária2 conforme elaborada por Platão. Através dessa
reconstrução, esperamos: 1- “desnaturalizar” o paradigma visionário do conhecer,
de modo a explicitá-lo enquanto escolha conceitual (em meio à outras possíveis), 2-
promover o espanto filosófico diante do fenômeno da visão e suas interrelações com
o ato do conhecer. Para tanto, vamos integrar duas linhas investigativas: 1-
comentar e contextualizar algumas passagens-chave presente no diálogo A
República de Platão; 2- empreender uma descrição fenomenológica da visão,
trazendo à tona seus pressupostos e sua estrutura.

Bibliografia:

1 Valemos-nos de uma licença poética para cunhar essa expressão, que indica uma epistemologia,
ou seja, uma teoria do conhecimento, cujas metáforas e vocabulário dão privilégio ao sentido da
visão. Se o termo teoria não estivesse já tão naturalizado em nossa língua, dizer teoria do
conhecimento já seria suficiente para indicar a primazia da visão. O fato de não ser já é um sintoma
do quão naturalizado está o paradigma visual em nossa cultura.
2 Doutorando do PPGFIL da UFSC.
Nightingale, Andrea Wilson. On Wandering and Wondering: "Theôria" in Greek
Philosophy and Culture. Arion Vol. 9, No. 2 (Fall, 2001), pp. 23-58.

Platão. A República. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2014.

Jonas, Hans. “The Nobility of Sight”. Philosophy and Phenomenological Research,


Vol. 14, No. 4 (Jun., 1954), pp. 507-519

Squire, M. (ed). Sight and the ancient senses. Oxon: Routledge, 2016.

Webb, Ruth. “Sight and insight: theorizing vision, emotion and imagination in ancient
rhetoric”. In: Squire, M. (ed). Sight and the ancient senses. Oxon: Routledge, 2016.

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