Você está na página 1de 4

Como criar batalhas épicas (e bons combates): ou,

um encontro com o Beholder


Como eu havia prometido na minha postagem sobre Encontros Randômicos e O ogro quântico, posto
hoje um aprofundamento sobre como criar boas batalhas, com um foco maior no D&D 5ª Edição (embora,
naturalmente, várias das dicas e teorias se apliquem a todas as edições). Para fazer isso, quis compartilhar
com vocês um encontro montado para uma aventura minha, em que os personagens já estavam em um
nível mais alto. Trata-se de uma batalha contra um Beholder. Imagino que, através das exemplificações, eu
possa mostrar alguns conceitos legais para vocês considerarem na hora de montar os seus encontros e
apontar alguns erros que normalmente a galera comete e que fazem as batalhas talvez ficarem fáceis
demais ou desinteressantes. Quem quiser, pode utilizar o encontro - ou uma versão dele - em suas
próprias aventuras.

O primeiro erro - Este é o erro principal, é o que mais vejo muita gente cometer e de onde vejo surgirem
as maiores perguntas a respeito de como montar uma boa batalha, especialmente no D&D 5ª Edição. O
que muita gente ainda não compreendeu é como essa nova versão do D&D foi projetada. Cada classe
possui um número muito grande de habilidades e ataques, justamente para que o jogo fique mais
divertido e as batalhas acabem mais rápido. Logo, se você se descuidar, monstros que deveriam ser
extremamente poderosos e mortais vão ser derrotados com muita facilidade. Isso porque o D&D 5ª
Edição NÃO foi feito para que as lutas ocorram entre os players e apenas um monstro, apenas um chefe. A
ideia é que seja algo mais dinâmico, com mais de um inimigo e problemas pela frente a serem resolvidos.
Logo, é necessário colocar mais gente na batalha, até por isso a tornar mais interessante. Explicarei isso
melhor mais adiante. Mas, tenham em mente, essa nova edição busca desafiar os jogadores com batalhas
mais complexas, com mais gente envolvida e, também, através de um número maior de encontros a cada
descanso, o que força os jogadores a racionarem as suas habilidades. Isso é extremamente importante. Se
os jogadores não sentirem a necessidade de racionar suas habilidades, escolher bem o que usar e quando
para não ficarem sem, eles vão utilizar tudo nos monstrengos sempre e as batalhas irão se tornar fáceis
demais.

O segundo erro - Este já é um erro comum a todas as edições, mas que pesa ainda mais nessa nova, que
é a de não se utilizar com precisão as habilidades do monstro e de não se montar um ambiente adequado
para a batalha. Na maioria das vezes, entra-se numa batalha e começa-se a lutar, mas não
necessariamente utiliza-se outros obstáculos, como se estar longe demais do monstro, ter algum arqueiro
que possa aparecer, atirar e depois se esconder novamente.

Além disso, habilidades como visão no escuro e voar, que podem prejudicar muito a capacidade dos
jogadores de usarem seus ataques da maneira mais eficaz, também são ignoradas, ou diminuídas por uma
falta de planejamento. Como eu disse, isso pesa ainda mais na quinta edição, afinal se o monstro estiver
mais paradão, podendo ser atacado todo o turno por todos os jogadores e sem qualquer obstáculo, ele irá
ser derrotado MUITO rapidamente.
Encontro com o Beholder

Utilizarei um exemplo de encontro meu, então, para teorizar algumas coisas legais com vocês e indicar
algumas coisas boas que podem ser feitas para se construir uma excelente batalha. Em primeiro lugar,
vou falar da história que levou o grupo a essa batalha.

Bom, eles estavam em Shadowfell (plano das sombras) e tinham acabado de fugir de uma prisão dentro
de uma montanha construída por um dragão vermelho (transformado em dragão das sombras) que
dominava aquele plano e tinha quase o poder de um Deus - mas que por anos ficara preso em Shadowfell,
sem ter como voltar para o plano normal. Os heróis precisavam invadir um santuário deste dragão para
destruir um poderoso artefato que havia permitido a ele retornar ao plano dos jogadores e permanecer
por lá, trazendo terror, morte e medo.

Dentro da prisão da qual fugiram, os heróis descobriram que o artefato era guardado por um Beholder de
nome Kulor, o destruidor de Havoc (Havoc era o nome do dragão). Descobriram também que os
servidores de Havoc estavam em guerra com um povo de gigantes e que naquele momento o santuário
estaria desguarnecido, apenas com a presença de Kulor, um poderoso general.

Resumindo, eles resolveram atacar, entraram no santuário e, então, depararam-se com o encontro. Aqui,
refiz no meu mapa de batalha o desenho da sala e coloquei o pessoal mais ou menos nas posições da vez
que jogamos. Aliás, esse é um mapa de batalha velho meu e que muita gente pode construir, é uma dica
legal. Basta pegar uma cartolina, imprimir folhas com o quadriculado que você vai usar, colar nessa
cartolina e depois cobrir a cartolina com papel contact. Assim, você poderá desenhar com uma caneta pilot
no mapa e depois passar um paninho com álcool para limpar. É excelente para desenhar batalhas no
improviso e etc.

Vamos lá. Sei que ficou meio improvisado, mas quis recriar mais ou menos a batalha para que ficasse mais
fácil de vocês visualizarem. Em prateado, de metal, são os jogadores, que tinham passado pela porta do
santuário.

Utilizando inimigos extras - Em azul, esperando pela entrada dos jogadores, estavam dois Meio-Dragões.
Como falei anteriormente, isso já ajudou muito a tornar a batalha mais equilibrada. E, agora, explicarei
como.

O posicionamento do Beholder - Em branco, deitado, coloquei uma outra miniatura para representar o
Beholder, que é "large" e ocupa quatro quadrados. Vejam que ele está um pouco distante dos adversário,
mas o mais importante: 1) ele está voando, o que já dificultará os jogadores e 2) ele já estava os
esperando; logo, eles entram e seus itens mágicos, dentro da área de ação do olho do Beholder (que cria
um campo anti-magia), param de funcionar, o que torna os Meio-Dragões bem mais perigosos. Eu, então,
eu narrei:

  "Vocês derrubam a porta e entram em um grandioso santuário, alto como uma catedral. Assim que se vêem ali
dentro, percebem se tratar de uma sala fria, com chão de pedra cinzenta, quase negra. No fundo, há um altar
bem sólido, de pedra negra, com algumas inscrições em ouro, emitindo um tênue brilho mágico. No geral, o
ambiente transmite a vocês uma sensação de frio e de decadência, como quase todas as localidades de
Shadowfell. À direita e à esquerda vocês veem mais dois Meio-Dragões, crias de Havoc, e eles se preparam para
atacar. Mais adiante, flutuando no ar, a trinta pés do chão, veem uma criatura tenebrosa, com um grande olho
e mais dez outros pequenos olhos saindo em tentáculos do corpo. Sob o olhar da criatura, vocês sentem
imediatamente uma sensação estranha, como se tivessem sido desprendidos da realidade deste mundo. Vocês
sentem que perderam a conexão com alguns de seus itens mágicos".

Enfim, a batalha começa, o grupo é de um Paladino, um Bárbaro, um Warlock (bruxo) e um Druida. E aí


vem, então, uma combinação dos dois tópicos que falei acima:

A importância dos inimigos extras e do posicionamento do Beholder - Com a batalha iniciada, o paladino,
que estava montado em um Pégasus - e carregava o bárbaro -, voou na direção do monstro e eles
batalharam corpo-a-corpo. No entanto, após um tempo de combate, os Meio-Dragões, coordenados pelo
Beholder, focaram seus ataques com bestas no Pégasus. Como o paladino ainda não possuía uma feat
que protege sua montaria, o animal foi incapacitado. Como resultado, ele e o bárbaro passaram a ter
extrema dificuldade em atingir o Beholder, dando muito menos dano do que o esperado por turno por
terem que utilizar seus ataques à distância, que não eram os melhores.

Até por isso, o paladino acabou por ter que mudar seu jogo. E vejam como isso é interessante. Você, como
mestre, desafia o jogador. O paladino, sem ter tanto como atacar, optou por utilizar sua aura de cura e a
dar suporte ao warlock (bruxo) e ao druida, que conseguiam dar dano no Beholder, mas tinham boas
chances de morrer. Isso é muito interessante, pois força o jogador a pensar e a tomar decisões difíceis e
importantes, o que é sempre muito divertido.

Ao mesmo tempo, os outros jogadores precisavam dar um jeito de eliminar os Meio-Dragões e de evitar o
olhar no Beholder (que impede o uso de magia) para poder dar dano neles. Após os servos serem
eliminados, puderam focar mais no Beholder, claro. Mas aí o próprio bárbaro ainda sentia muita
dificuldade. Por isso, foi checar mais informações no trono, depois tentou escalar a parede e atingir o
inimigo. A batalha, por fim, terminou com o warlock utilizando "Dimension Door", uma magia que faz com
que ele se teleporte e leve alguém consigo, para puxar o bárbaro e permitir que ele finalizasse o monstro.

Nesse momento, porém, a batalha já tinha durado vários turnos e o druida havia morrido (morrido
mesmo, não só ficado com 0 de HP). Os jogadores realmente achavam que estavam mortos (e poderiam
estar) até o warlock (que já tinha ido a 0 de HP e sido trazido de volta pelo paladino) ter a sacada de usar o
"Dimension Door" em combinação com o bárbaro. Foi uma ação louca e salvadora, que forçou os
jogadores a pensar. E isso, naturalmente, tornou toda a batalha muito mais satisfatória e divertida. Claro
que, após ela, os jogadores ainda tiveram que ir buscar uma maneira de ressuscitar o druida (aliás, farei
uma postagem sobre morte de jogadores e tal, já que um dos leitores pediu).

Logo, como fica claro, é necessário sempre se pensar em como utilizar bem até as habilidades mais
simples do seu monstro, além do ambiente, para que não seja SEMPRE possível se utilizar todas as
melhores habilidades em todos os turnos. É necessário fazer seus jogadores terem de improvisar, tomar
decisões difíceis (ataco? curo?). Somado a isso, principalmente na 5ª Edição, a adição de outros inimigos é
muito importante. Afinal, nesta batalha mesmo, caso o paladino e o bárbaro pudessem ter ficado colados
sempre no Beholder, o grupo o teria derrotado com extrema facilidade e velocidade, já que nessa nova
edição as classes são capazes de dar muito mais dano por turno. O sucesso dos oponentes em incapacitar
o Pégasus foi, por isso, essencial para o equilíbrio e para a dificuldade do combate.

Enfim, espero que a apresentação desse meu encontro possa ter trazido boas ideias e aprendizados para
vocês (e podem usá-lo). Estou sempre aí para trocar ideias. E, caso curtam o conteúdo do blg, aconselho
que assinem por e-mail (a newsletter) mais abaixo. Por lá, enviarei mais conteúdo legal, além de algumas
promoções (e avisarei das novas postagens). É mais fácil acompanhar. Fora isso, gostaria de escutar as
ideias e dúvidas de vocês. Sempre ajuda a produzir mais conteúdo!

Você também pode gostar