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Introdução a Literatura e conceitos Judaicos

ESSÊNIOS & NAZARENOS


Não se sabe a exata origem dos essênios, mas a maioria dos
estudiosos leciona que estes, tal como os p’rushim (fariseus),
derivam dos chassidim (piedosos), grupo religioso devotado à Torá
e que teve participação importante ao apoiar a revolta dos
macabim (macabeus), em torno de 167 a 142 AEC. Em 167 AEC., o
idólatra rei da Síria Antíoco Epifâneo conquistou Yerushalayim
(Jerusalém) e adotou severas medidas para promover a
helenização em Yisra’el, determinando a destruição das Escrituras
Sagradas e proibindo a observância da Torá, a guarda do shabat
(sábado), o culto a YHWH, a circuncisão e o cumprimento das leis
alimentares, ou seja, impediu que os israelitas observassem os
mandamentos instituídos por Elohim. Para aviltar a religião
judaica e promover a idolatria, Antíoco roubou os utensílios
sagrados do Beit Hamikdash (Templo) em Yerushalayim
(Jerusalém) e lá instalou uma estátua do deus grego Zeus.
Ordenou ainda que os judeus renunciassem a fé em YHWH e
passassem a adorar ídolos.

QUEM ERAM OS ESSÊNIOS?


Os isyim/essênios (no hebraico moderno: ‫)יםי ִִסא‬
ִ foram uma seita
do Judaísmo no período do Segundo Templo. Observavam com
mais rigidez do que os fariseus as regras de pureza levítica,
aspirando alcançar o mais alto grau de santidade. Viviam
exclusivamente pelo trabalho de suas mãos e em estado de
comunismo, já que aqueles que ingressavam no grupo
entregavam todos os seus bens, que passavam a ser de
propriedade de todos. Afastavam-se de toda a prática do mal e
dos prazeres deste mundo, dedicando seu tempo ao estudo da
Torá, à devoção ao ETERNO e à prática da benevolência. Para
atingir a máxima santidade almejada, muitos essênios passaram a
viver em comunidades afastadas da sociedade, isolando-se de
toda a contaminação das coisas mundanas, instituindo núcleos
monásticos no deserto (regiões do Mar Morto) e em Damasco.
Todavia, há registros de essênios que viviam normalmente nas
cidades, relacionando-se com pessoas de outras crenças. Muitos
dos essênios optavam pelo celibato para se dedicarem
exclusivamente ao aprimoramento espiritual, servindo ao
ETERNO. Os casados, por sua vez, mantinham relações sexuais,
mas praticavam períodos de abstenção. Criam em anjos e
demônios, e especializaram-se em batalha espiritual, visto que
pensavam existir uma guerra entre os “filhos da luz” (os essênios)
e as forças malignas de Belial. Buscavam e exercitavam dons
espirituais, principalmente o de profecia, e raramente erravam em
suas predições do futuro. No plano doutrinário, tanto os essênios
quanto os fariseus pensavam de forma semelhante:
1) a Torá é a base da religião dos dois grupos;
2) ambos seguiam tradições de seus antepassados, apesar de
muitas tradições essênias serem diferentes das farisaicas;
3) ambos criam que Elohim controla o destino de todos;
4) pensavam que o homem pode optar entre o bem e o mal
(livre arbítrio);
5) criam na imortalidade da alma;
6) sustentavam a existência da ressurreição;
7) aguardavam ansiosamente pela vinda do Mashiach;
8) lecionavam que, no mundo vindouro, há uma recompensa
para os justos e o castigo para os ímpios;
9) tal como a farisaica Escola de Hilel, os essênios interpretavam
que o fundamento da Torá está no amor a Elohim e no amor ao
próximo.
Estas semelhanças entre o essenismo e o farisaísmo não foram
olvidadas por muitos estudiosos. Ensina Christian D.Ginsburg:
“Na doutrina, assim como na prática, essênios e fariseus eram
particularmente parecidos.” (Os Essênios: sua História e
Doutrinas, Ed. Pensamento, 1993, página 26).
A Jewish Encyclopedia, no verbete “essenes”, define os essênios
como um “ramo dos fariseus” cujo objetivo seria alcançar “o mais
alto grau de santidade”. Gizou o rabino Shelomoh Yehudah
Rapoport (1790-1867) que os essênios não constituíram uma seita
distinta do Judaísmo, sendo simplesmente uma das formas de
expressão desta religião, e que não houve a ruptura dos essênios
com o restante da comunidade judaica. Escreveu ainda que,
apesar de o Talmud e os Midrashim não usarem o nome
“essênios”, há referências aos membros desta seita, chamados
pelos escritores do Talmud de “chassidim” (piedosos), “velhos
crentes” e “comunidade santa de Yerushalayim”. Para o emérito
rabino citado, os essênios desenvolveram uma forma intensificada
do farisaísmo, buscando a santidade pelo zelo por tudo que é
sagrado, pela grande humildade, moderação no comer e beber,
comunhão de bens, ou seja, uma vida totalmente dedicada à
santidade (Bikure HaItim, vol.X, Viena, 1829, vide páginas 118 e
seguintes).

YESHUA, OS NETSARIM E OS ESSÊNIOS


Se partirmos da premissa de que Yochanan (João, o Imersor)
praticou o Judaísmo de cunho essênio, teremos que admitir que
Yeshua seguiu parecida linha, visto que: a) existem semelhanças
entre o ensino de Yeshua e os pontos centrais do essenismo; b) os
ministérios de Yochanan e Yeshua se entrelaçam. Começou
Yeshua seu ministério público quando tinha 30 anos de idade
(Lucas 3:23), recebendo a imersão (tevilá) de Yochanan no rio
Yarden (Jordão), dizendo o Imersor que Yeshua seria o “cordeiro”
que tira o pecado do mundo, em alusão à profecia de Yeshayahu.

Após receber a imersão de Yochanan, Yeshua começou a


proclamar a mesma mensagem do Imersor, que por sua vez é
semelhante à dos essênios, qual seja, a necessidade de retorno
(teshuvá) para Elohim mediante o abandono dos pecados.
Correlacione:
Essênios: “... para fazer teshuvá (retornar) à Torá de Moshé
(Moisés) com todo coração e com toda a alma (...) Por isso o
homem imporá sobre sua alma fazer teshuvá (retornar) à Torá
de Moshé (Moisés)...”. (Regra de Damasco, Col., XV, 9-10 e Col.
XVI, 1-2).
Yochanan HaMat’bil: “Abandonem seus pecados e façam
teshuvá (retornem) para Elohim, porque o Reino do Céu está
próximo.” (Matityahu/Mateus 3:2).
Yeshua: “Abandonem seus pecados e façam teshuvá (retornem)
para Elohim...” (Matityahu/Mateus 3:2).

A estrutura de discipulado de Yeshua aparentemente seguiu o


modelo qumrânico. Escolheu o Nazareno 12 (doze) discípulos
(Mateus 10:1-4), sendo que existiam três deles que eram mais
próximos de Yeshua: Kefá (Pedro), Ya’akov (Tiago) e Yochanan
(João), conforme se constata em várias passagens (ex: Lucas 9:28-
36, no episódio da “transfiguração”). A regra “dos doze”, com
três de maior destaque, era adotada em Qumran:
“No conselho da comunidade haverá doze homens e três
sacerdotes, perfeitos em tudo o que tiver sido revelado de toda a
Torá, para praticar a verdade, a justiça e o juízo, o amor
misericordioso e a conduta humilde para com seu próximo...”
(Regra da Comunidade, Col.VIII, 1-2).
Ao viajar, os essênios partiam somente com “a roupa do corpo” e
com armas, para a legítima defesa contra bandidos. Yeshua deu a
mesma instrução a seus talmidim (discípulos), e os nazarenos
andavam armados (Mateus 10:9-11 e Lucas 22:35-38). Escreveu
Josefo sobre os essênios:
“Quando fazem alguma viagem nada levam consigo, apenas
armas para se defenderem dos ladrões. Eles têm em cada cidade
alguns dos seus, para receber e alojar os de sua seita, que por ali
passam e para lhes dar vestes e outras coisas de que podem ter
necessidade.” (Ob.Cit. página 1129).
Pela narrativa de Josefo, os essênios não necessitavam levar nada
consigo, porque havia em várias cidades outros membros da
irmandade que poderiam acolhê-los. Logo, nem de dinheiro
precisavam. Yeshua enviou seus discípulos para viajar sem
dinheiro (Mateus 10:9), levando o rabino James Trimm a concluir:
“Os talmidim [discípulos] de Yeshua provinham em sua maior
parte do grupo essênio. Parece que eles eram, portanto, capazes
de viajar dentro dos círculos essênios de cidade em cidade sem
ter de transportar suprimentos adicionais.” (Understanding Paul,
The Institute for Nazarene Jewish Studies, 2007, página 39).
Nazarenos e essênios eram conhecidos como “o Caminho”:
Nazarenos:
“Enquanto isso, Sha’ul [Paulo] ainda respirava ameaças de
morte contra os discípulos do Senhor. Ele foi ao Sumo Sacerdote
e lhe pediu cartas para as sinagogas de Damasco, que o
autorizavam a prender qualquer pessoa que encontrasse,
homens ou mulheres, que pertencessem ao ‘Caminho’, levando-
as de volta para Jerusalém.” (Atos 9:2).
Essênios: “Que repreenda com conhecimento verdadeiro e com
juízo justo os que escolhem ‘o Caminho’.” (Regra da
Comunidade, Col.IX, 17).
Ambos os grupos se intitulavam “os filhos da luz”:
Nazarenos: “Vocês eram trevas; mas agora, unidos ao Senhor,
são luz. Vivam como filhos da luz.” (Efésios 5:8). “Enquanto têm
luz, creiam na luz, para que sejam filhos da luz...” (João 12:36).
Essênios: “Para o sábio, para que instrua e ensine todos os filhos
da luz...” (Regra da Comunidade, Col.III, 13).
Ser “filho da luz” significa ser obediente à Torá, uma vez que a
Torá é identificada como sendo a luz (Provérbios 6:23; Salmos
119:105).
Os nazarenos, filhos da luz, se contrapunham aos que estão em
trevas (distantes da Torá), tal como os essênios:
Nazarenos: “porquanto vós todos sois filhos da luz e filhos do
dia; nós não somos da noite, nem das trevas.” (I Tessalonicenses
5:5).
Essênios: “O primeiro ataque dos filhos da luz será lançado
contra a porção dos filhos das trevas, contra o exército de
Belial.” (Regra de Guerra, Col.I, 1).

Alguns estudiosos, encantados com a similitude das duas facções


religiosas, chegam a afirmar que “Yeshua foi essênio”. Esta
declaração, ao nosso ver, é exagerada, porquanto a B’rit Chadashá
não traz nenhuma assertiva objetiva a este respeito. Ademais, há
diferenças entre os dois grupos, sendo líquido e certo que o
ensino de Yeshua é singular, dotado de manifesta superioridade
espiritual. Por outro lado, temos que reconhecer que os essênios
foram precursores dos nazarenos em quase todos os aspectos,
engendrando alicerce teológico que, mais tarde, serviu de
sustentáculo para os netsarim. Não há como negar que os
essênios realmente “prepararam o caminho de YHWH”, uma vez
que desenvolveram um judaísmo piedoso, propício à vinda do
Mashiach e, em sequência, a instituição da comunidade dos
netsarim.

Dados Bibliográficos:

Christian D.Ginsburg - Os Essênios: sua História e Doutrinas, Ed. Pensamento, 1993

Shelomoh Yehudah Rapoport - ikure HaItim, vol.X, Viena, 1829

James Trimm - Understanding Paul, The Institute for Nazarene Jewish Studies, 2007

TZADOQUE – Judaísmo Nazareno

Adaptações: Alexandre Kaman

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