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MARTIN ANTONIO BORGES ALVAREZ MATEOS MARINHO

SUICÍDIO – UMA APROXIMAÇÃO FILOSÓFICA E SIMBÓLICA

Monografia submetida à aprovação para conclusão

do Curso de Formação de analistas da SBPA

São Paulo

2018
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MARTIN ANTONIO BORGES ALVAREZ MATEOS MARINHO

SUICÍDIO – UMA APROXIMAÇÃO FILOSÓFICA E SIMBÓLICA

Monografia submetida à aprovação para conclusão

do Curso de Formação de analistas da SBPA

Orientadora: Ana Lia Beatriz Aufranc

São Paulo

2018
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À finitude, que me faz ter pressa.


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Sinopse. O suicídio nunca foi tão prevalente como na atualidade. Na tentativa

de desenvolver uma compreensão psicológica e simbólica desse

comportamento humano tão extremo, esta monografia se propõe a aproximar o

posicionamento filosófico de Albert Camus em relação ao suicídio aos

constructos e ideias da Psicologia Analítica de C. G. Jung.


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Abstract. Suicide has never been so prevalent as it is nowadays. In an attempt

to develop a psychological and symbolic understanding of such extreme human

behavior, this monograph proposes to approximate the philosophical approach

of Albert Camus in relation to suicide to the constructs of C. G. Jung's Analytical

Psychology.
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Sumário

INTRODUÇÃO 7

O INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA E O PARADOXO INSTINTO-CONSCIÊNCIA 9

ESTATÍSTICAS E A QUESTÃO DA PREVISIBILIDADE 20

SUICÍDIO E NEGAÇÃO DA MORTE 27

O SÍMBOLO DA MORTE – META E RENASCIMENTO 41

O MITO DE SÍSIFO 52
O ABSURDO PARADOXO E O PARADOXO ABSURDO 56

O SACRIFÍCIO E A NEGAÇÃO DO SUICÍDIO OU O SACRIFÍCIO E A AFIRMAÇÃO


DA MORTE 62

PROPÓSITO OU ABSURDO E/OU PROPÓSITO E ABSURDO 74

CONCLUSÕES APROXIMATIVAS 78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 82
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Introdução

Airoso en su galope / levantó la mano armada / hasta su sien / y


disparó: / suave derrumbe / del caballo al suelo / Doblado sobre
un muslo / cayó / y sin un solo gemido / se fue a galopar / a las
praderas del cielo
Raul Gómez Jattin
(Poema El suicida)

“Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida

vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da

filosofia” (Camus, 2013, p.19), é com essa sentença que Albert Camus inicia sua

argumentação sobre a condição humana na obra O mito de Sísifo.

Se, de fato, a condição de escolher por dar fim à própria vida ou não o fazer é a

questão definitiva para a filosofia, o que isso vem a significar, do ponto de vista

psicológico, é a última fronteira em termos da compreensão dos paradoxos da

psique.

A relevância dessa condição é afirmada categoricamente por James Hillman,

quando ele enuncia em sua obra Suicídio e Alma: “O suicídio é o problema mais

alarmante da vida” (1993, p. 25).

Isso porque, tanto a partir de uma perspectiva filosófica quanto psicológica, o ato

suicida nos remete a indagações a respeito do sentido de existir como nenhum

outro.

Um idoso pacato e aposentado que se suicida, tanto quanto um jovem

desesperado, que se vê sem saídas para os problemas e se mata, desnudam


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condições psicológicas e reflexões sobre posicionamentos entre morrer e viver

que perturbam a ordem das coisas.

Por um lado, deliberar sobre nossas próprias vidas, essa qualidade característica

da consciência humana, nos impõe uma tremenda ambivalência existencial, na

qual o livre-arbítrio, ao passo que é exercido sistematicamente no sentido de

enfrentar e evitar a morte, também pode permitir ao homem agir em função de

interromper sua própria vida.

Por outro lado, sermos determinados, ainda que não completamente pelos

instintos, nos convida a pensar sobre forças inconscientes dentro de nós que

possam se relacionar com a expressão de comportamentos que se

contraponham à sobrevivência.

Partindo de considerações dessa ordem e levando em conta que nunca na

história o suicídio foi tão prevalente como na atualidade, o que é que vem nos

tornando cada vez mais inclinados a nos suicidar?

Esta monografia visa aproximar pontos de vista sobre o comportamento suicida,

a partir da perspectiva filosófica camusiana e dos constructos simbólicos

junguianos e assim tenta alinhar, na interface dessas linguagens, aspectos

comuns do entendimento dessa condição.


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O Instinto de sobrevivência e o paradoxo instinto-consciência

Os amantes se amam cruelmente / e com se amarem tanto não


se veem / Um se beija no outro, refletido. / Dois amantes que
são? Dois inimigos.
Carlos Drummond de Andrade
(Trecho do poema Destruição)

Sobreviver é a mais primordial força presente nos seres vivos e se apresenta de

forma sistêmica na natureza, desde na cissiparidade de uma ameba ao reflexo

de luta e fuga em um mamífero.

O instinto de sobrevivência ou instinto de preservação da espécie, como é

denominado por Spielrein (1994), caracteriza-se por ter uma natureza dual e

uma finalidade notória. Sua constituição é resultado da inextricável interação

entre impulsos de criação e impulsos de destruição, denominados

respectivamente de instinto de vida e instinto de morte (Spielrein, 1994), que

atuam a serviço da meta unívoca de manutenção da vida.

O instinto de preservação da espécie, que deve dissolver o

antigo para criar o novo, surge de componentes positivos e

negativos. Em sua natureza, a preservação da espécie é

ambivalente. Portanto, o impulso do componente positivo

simultaneamente convoca o impulso do componente negativo e

se opõe a ele. (Spielrein, 1994, p.174)

As múltiplas dinâmicas entre o instinto de vida ou de criação e o instinto de morte

ou de destruição se expressam em nosso comportamento, em maior ou menor

grau, numa relação de tensão e complementariedade que se revela desde no

reflexo de sucção de um bebê até na preocupação com a procedência dos

alimentos que compramos, da mesma forma que se fazem presentes desde no


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comportamento predatório da espécie até na proteção bélica de nossas

fronteiras territoriais.

Todo comportamento que colabore com a sustentação da vida deriva, de certa

forma, do fundamento instintivo de sobreviver que, sob uma perspectiva

energética, pode ser entendido como a força que se opõe à tendência inexorável

à entropia, a qual estamos todos submetidos.

No comportamento humano, podemos perceber sua influência em praticamente

toda a gama de nossas de ações. Numa dimensão individual, por exemplo, o

cuidado sem precedentes de uma mãe com seus filhos exprime a força desse

instinto tanto quanto, numa dimensão coletiva, praticamente todas as

tecnologias, do desenvolvimento da linguagem à criação contemporânea de

novos medicamentos, refletem o impulso instintivo de sobreviver.

Paradoxalmente, no entanto, é no código humano, diferentemente de qualquer

outra espécie, que um outro aspecto se apresenta e nos discrimina dos outros

seres viventes, um impulso para a autodestruição.

Da mesma forma que é possível assumir que, arquetipicamente, a essência de

nossos esforços vise, antes de mais nada, a manutenção de nossas vidas, não

há como ignorarmos que nossa matriz psíquica também é desenhada para

abarcar como possibilidade o autoextermínio.

Há algo que nos constitui e nos caracteriza enquanto espécie, capaz de

suplantar o instinto de autopreservação e o comportamento suicida sintetiza

essa potencialidade psíquica, mais do que qualquer outro ato destrutivo.


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O que é intrigante é que, apesar da ideia bastante aceitável e difundida de que

haja um instinto destrutivo ou de morte que rege o mundo num contexto de

polaridade com o instinto de criação ou de vida, não há em outras espécies a

expressão desse impulso mortal através da autodestruição.

Atribuir o comportamento humano à realização cabal dos instintos, no entanto,

não seria sintetizar uma dinâmica psíquica complexa, mas sim reduzi-la.

O suicídio, nesse sentido, parece não estar única e linearmente relacionado à

execução de uma intenção instintiva desagregadora; mais do que isso, parece

apontar para uma construção que remete à esfera das coisas “essencialmente

humanas”. Isso porque, como Jung afirma, a natureza humana vai além do

cumprimento dos desígnios instintivos animais:

Enquanto o segundo representa a instintividade animal e a total

sujeição à lei da espécie, o homem natural significa algo mais do

que isso, algo especificamente humano, ou seja, a capacidade

de se desviar da lei ou o que na linguagem teológica é conhecida

como capacidade de “pecado”. (2011a, pr. 673)

Dessa forma, a compreensão das ações do homem no mundo, seja em relação

à dinâmica da economia global, seja em relação a se matar ou se manter vivo,

passam pela consideração das forças instintivas que as norteiam, mas

certamente também as ultrapassa, dada a qualidade do livre-arbítrio na

consciência.

Jung, nesse contexto, reforça a ideia de que há finalidades opostas entre os

instintos e a consciência ao citar que: “o instinto é natureza e deseja perpetuar-


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se com a natureza, ao passo que a consciência só pode querer a civilização ou

sua negação”. (2011b, pr. 750)

Ao contemplar essa contradição e assumir que essa é a condição psíquica

inequívoca do homem ele pontua que “não temos outra via de saída, e somos

forçados a substituir nossa confiança nos acontecimentos naturais por decisões

e soluções conscientes” (Jung, 2011b, pr. 751).

Não obstante, ele discorre sobre os riscos inerentes a esse jogo de forças:

Nos afastamos da guia segura dos instintos e ficamos entregues

ao medo, quando nos deparamos com a possibilidade de

caminhos diferentes, porque a consciência agora é chamada a

fazer tudo aquilo que a natureza sempre fez em favor de seus

filhos, a saber: tomar decisões seguras, inquestionáveis e

inequívocas. E, diante disso, somos acometidos por um temor

demasiado humano de que a consciência, nossa conquista

prometeana, ao cabo não seja capaz de nos servir tão bem

quanto a natureza. (2011b, pr.750)

É a partir da relação entre as ordenações compulsórias dos instintos e a vontade

deliberada da consciência que o comportamento humano se expressa em todos

os campos da experiência. Da mesma forma que não podemos afirmar que

somos exclusivamente guiados por nossos instintos, não podemos negar que a

consciência - que também influencia nossas ações - surge a partir de

diferenciações de nossas próprias matrizes instintivas, como Jung sustenta em:

Nesta esfera, que eu defino como psíquica, a vontade é

motivada, em última análise, pelos instintos – não, porém, de


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modo absoluto, pois do contrário nem seria vontade, que, por

definição, deve ter certa liberdade de escolha. A vontade implica

uma certa quantidade de energia que fica livremente à

disposição da consciência. (2011c, pr. 379)

Trata-se de uma complexa relação dinâmica, na qual a mesma energia que

estaria a serviço dos princípios instintivos de sobrevivência do indivíduo, quando

tomada à serviço de funções diferenciadas na consciência, pudesse alterar os

desfechos de nosso comportamento-padrão, por influenciar, a partir da vontade,

nossos desígnios compulsórios instintivos.

Ora mais ora menos intensamente, a consciência humana passou a interferir nos

comandos pré-programados dos instintos. Em graus variados, a vontade

começou a arbitrar sobre nossas próprias ações ao influenciar e modificar a

determinação instintiva de nossos comportamentos. Essa nuance de

interferências é lindamente descrita por Jung quando ele trata do aspecto

“deslizante” da consciência:

Os processos psíquicos, portanto, comportam-se como uma

escala ao longo da qual “desliza” a consciência. Às vezes a

consciência se acha na proximidade dos processos instintivos,

e cai sob sua influência; outras vezes ela se aproxima do outro

extremo onde o espírito predomina e até mesmo assimila os

processos instintivos opostos a ele. Estas contraposições não

são, de forma alguma, fenômenos anormais. Pelo contrário, elas

formam os dois polos da unilateralidade típica do homem normal

de hoje. (2011c, pr. 408)


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Podemos dizer que essa interferência mútua entre os instintos e a vontade é a

equação dinâmica da qual a resultante é a condição humana – alguma coisa

entre o aprisionamento absoluto do destino e a liberdade plena de escolha. A

relevância dessa dinâmica de polaridades é apontada por Jung no trecho que

segue, ao passo que os potenciais problemas advindos dela também são

sinalizados:

A diferenciação da função em relação à instintividade

compulsiva, no tocante à sua aplicação voluntária, é de imensa

importância para a conservação da vida. Mas ela aumenta a

possibilidade de colisões e produz cisões, isto é, aquelas

dissociações que põem permanentemente em risco a unidade

da consciência. (2011c, pr. 378)

De forma mais detalhada, Jung disserta sobre as vantagens e desvantagens

dessa condição no trecho:

A desvantagem se quisermos, é que a orientação absoluta e por

isso naturalmente segura dos instintos, é reprimida por uma

enorme capacidade de aprendizado (...). Em lugar da segurança

dos instintos aparece insegurança, e com isso surge a

necessidade de uma consciência que reconhece, avalia, escolhe

e decide. Se este consegue compensar eficientemente a

segurança instintiva, ele substituirá cada vez mais a atuação

instintiva e o pressentimento intuitivo por regras e normas de

conduta seguras. Com isso, aparece por fim o perigo oposto de

que o consciente se afasta de sua base instintiva e coloca a


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vontade consciente no lugar dos impulsos naturais. (2011a, pr.

673)

Assim, se considerarmos que podemos compensar de forma perigosa e inflada

a ideia de destino, ligada ao mundo dos instintos e das forças ancestrais que nos

influenciam, com a noção de livre-arbítrio, que nos libertaria das amarras do

mundo animal, faz sentido observarmos o estado da cultura ocidental atual, na

qual o homem se eleva a um status de onipotência frente ao restante do planeta,

a partir da glorificação de sua vontade.

Nessa posição polarizada, o controle da vontade consciente aplacaria a

influência dos instintos sob nossas vidas e a ideia de destino daria lugar ao livre-

arbítrio de forma cabal, de modo que, poderíamos considerar, por mais irônico e

contemporâneo que possa parecer, que viveríamos sob uma cultura inflada e

humanista, alicerçada sob a insígnia de sermos nós, os homens, nossos próprios

deuses.

O suicídio, nesse contexto sombrio, tomado como exercício máximo de

arbitrariedade, ascenderia à posição filosófica mais veemente de negação de

nossas forças instintivas por ser a escolha da vontade que suplantaria até

mesmo o mais poderoso instinto de sobrevivência.

Ao mesmo tempo, devemos considerar que é nesse modelo de sociedade, sob

a égide da cultura humanista, que deifica o homem e a razão e o afasta de sua

natureza animal, que o suicídio ganha proporções cada vez maiores e nunca

antes vistas. (Fleischmann, 2014)


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Partindo de um viés sociológico, a associação feita por Durkhein, na qual o

suicídio aumenta na atualidade com o progresso da civilização, aponta para esse

mesmo sentido:

Portanto, há motivos para crer que esse agravamento se deve

não à natureza intrínseca do progresso, mas às condições

particulares nas quais ele se efetua atualmente, e nada nos

garante que elas sejam normais. Pois não devemos nos deixar

ofuscar pelo desenvolvimento brilhante das ciências, das artes

e da indústria, de que somos testemunhas; decerto ele se realiza

em meio à uma efervescência doentia cujos efeitos dolorosos

são sentidos por cada um de nós. É, pois, bastante possível, e

até provável, que o movimento ascensional dos suicídios tenha

por origem um estado patológico que acompanha atualmente a

evolução da civilização, mas sem ser sua condição necessária.

(2014, p. 368)

A partir de outro ponto de vista, a neurociência também aponta para uma ideia

semelhante à da psicologia profunda, em relação ao perigo de inflação, no qual

a consciência tenta sobrepujar a influência dos instintos, quando conclui que:

Quase tudo o que acontece em nossa vida mental não está sob

nosso controle consciente e a verdade é que é melhor assim. A

consciência pode levar o crédito que quiser, mas (...) depois que

começamos a deliberar sobre onde nossos dedos estão

saltando no teclado de um piano, não conseguimos mais tocar a

peça. (Eagleman, 2012, p.16)


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Nesse sentido, o suicídio, como a ação que atesta a derrota do homem frente à

vida, (Camus, 2013) aponta para nossa insuficiência psicológica de viver

enquanto únicos donos de nós mesmos. Ele revela nossa incapacidade de

compensar a negação do mundo dos instintos quando nos apegamos

eminentemente às nossas funções cognitivas e à cultura. (Jung, 2011a)

Ao passo que reconhecemos no mundo humanista a deliciosa oferta das ideias

de liberdade, autonomia e identidade que nos alçam a patamares inéditos de

senhores de nossas vidas, devemos reconhecer o que isso implica da

perspectiva da psique.

Se o fascínio em termos a posse do fogo dos deuses nos levar à uma

apropriação inflada de que somos as próprias deidades, estaremos ao mesmo

tempo e compensatoriamente negando nossa natureza instintiva e refutando a

orientação absoluta das leis naturais. (Jung, 2011a)

Uma ideia semelhante se apresenta, sob um viés sociológico, quando Durkheim

analisa a dificuldade do indivíduo em tolerar a realidade, como uma das

consequências de se viver num contexto predominantemente egoísta:

Quando se tornam senhores exclusivos do seu destino, falta-

lhes razão para suportar com paciência as vicissitudes da vida.

Pois quando são solidários a um grupo que amam, para o qual

sacrificam seus interesses, vivem com mais obstinação. (2014,

p.201-202).

Na contramão desse posicionamento, imaginarmos uma realidade na qual os

instintos são nossas únicas forças mobilizadoras e os determinantes


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hegemônicos de nossas ações, nos levaria a negar a inexorável presença da

vontade consciente em nossos atos.

Nesse contexto unilateral, precisaríamos compreender o suicídio como

expressão do instinto de destruição voltado para o próprio organismo que o

gerou. Alcançar a meta de extinguir a fonte de vida de onde o próprio instinto

destrutivo nasceu, criaria uma contradição perturbadora, que seria a vida se

expressar instintivamente contra si mesma.

Os instintos de criação e de destruição expressarem seus desígnios intrínsecos

no comportamento animal, como lutar para sobreviver, destruir o outro em prol

de si mesmo, atacar para defender e defender para se proteger são

manifestações das leis naturais absolutamente notórias. No entanto, o instinto

expressar uma finalidade que seja o extermínio de sua própria fonte de energia

vital não é algo que observemos na natureza.

Levando em conta que nesse cenário anulamos as interferências da vontade

consciente e de qualquer deliberação do arbítrio, estaríamos tratando de um

mundo regido exclusivamente pelas forças instintivas da psique. Como num jogo

de forças em um modelo newtoniano, o suicídio se traduziria num esquema no

qual um vetor para a esquerda neutralizaria um vetor para a direita e nos levaria

à nulidade de forças.

A ideia de uma situação na qual a energia que promove movimento (ação)

através de uma força (instinto) que, por sua vez, age em função de anular essa

mesma energia é um modelo que teria por finalidade a morte térmica. (Jung,

2012a)
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Aceitar esse cenário, nos obrigaria a considerar uma condição impossível para

o suicídio, do ponto de vista energético, na qual a meta entrópica de alcançar o

grau máximo de desordem de um sistema, se originasse do princípio ordenador

do sistema. Em outras palavras, seria dizer que a vida tem por princípio se

extinguir.
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Estatísticas e a questão da previsibilidade

A morte chega cedo, / Pois breve é toda vida / O instante é o


arremedo / De uma coisa perdida. / O amor foi começado, / O
ideal não acabou, / E quem tenha alçado / Não sabe o que
alcançou. / E tudo isto a morte / Risca por não estar certo / No
caderno da sorte / Que Deus deixou aberto.
Fernando Pessoa
(Poema A morte chega cedo)

Pensamento suicida e tentativa de suicídio são comportamentos de difícil

previsão, entendimento complexo e consequências extremas dentro do

repertório humano.

Presente nas sociedades humanas desde os primórdios, “o suicídio é uma

possibilidade humana” (Hillman, 1993, p.52) e ainda hoje mantém-se como um

dos comportamentos mais paradoxais e difíceis de se compreender, prever ou

evitar em todas as partes do globo.

Esse fenômeno humano, distribuído por todo o mundo e em todas as culturas,

vem se impondo na contemporaneidade como um importante foco de estudo,

por conta do seu impacto e frequência cada vez maiores. (Fleischmann, 2014)

A organização mundial de saúde aponta que aproximadamente 800.000 pessoas

se suicidam por ano em todo o mundo. (Fleischmann, 2014) isso significa 1

suicídio a cada 40 segundos, com uma taxa de 11,4/100.000 pessoas.

(Fleischmann, 2014)

No Brasil, o oitavo país em número absoluto de casos, são registrados cerca de

dez mil suicídios todos os anos. Em pouco mais de uma década, de 2000 a 2012,

houve um aumento de mais de 10% na quantidade de mortes por suicídio no

país. (ABP, 2014)


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Apesar dos investimentos para que se entenda o que leva alguém a esse ato tão

extremo, ainda não há maneira de predizer a ocorrência de comportamentos

suicidas.

Especialmente nos últimos anos, vem se avolumando o número de estudos

sobre esse tema, na tentativa de dar entendimento à condição suicida. Alguns

exemplos são os estudos que tentam compreender os mecanismos

neurobiológicos do comportamento suicida, como o de Lippard e colaboradores,

que buscaram através da análise de neuro-imagens, localizar áreas cerebrais e

redes neurais convergentes em populações com histórico de ideação e tentativa

de suicídio. (Lippard et al., 2014) Joiner e colaboradores, estudam sob a

perspectiva fenomenológica os mecanismos psicológicos que seriam condições

necessárias para o aparecimento de comportamento suicida em um indivíduo.

(Joiner & Silva, 2012, Van Orden et al., 2010) Sachs-Ericsson e seu grupo, em

outro contexto, analisam a influência de variáveis sociais em desfechos suicidas,

como histórico de traumas na infância, envelhecimento e diferenças raciais.

(Sachs-Ericsson et al., 2016)

Somando-se as construções sociológicas, com reflexões sobre possíveis

conjunturas que levariam ao suicídio, o estudo das variáveis espirituais e

religiosas, o papel da neurobiologia e a análise de fatores de risco

metodologicamente presumíveis, não podemos dizer que a humanidade venha

ignorando esse tema, ainda que, por certo, dada sua relevância e impacto, ele

precisaria ser alçado a patamares de prioridade dos estudos das humanidades

e da saúde.
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É possível que os tabus associados ao suicídio, que permeiam todas as

camadas da sociedade, especialmente no mundo ocidental, afetem inclusive as

comunidades científicas, gerando resistências e atravancando a produção

acadêmica que lida com a temática da morte auto perpetrada.

Por um lado, entendido como fenômeno comportamental, o suicídio revela

informações que contribuem para a compreensão de índices de prevalência,

preditores de risco, classificação do comportamento e planejamento preventivo

populacional. Esse viés de análise, compartilhado pela medicina e sociologia,

possibilita sínteses e construções associadas ao que há de comum em

indivíduos e grupamentos de pessoas que expressam comportamentos suicidas.

Embasados em estatísticas que norteiam o entendimento do fenômeno, esse

modo de olhar busca desvendar possíveis padrões ligados ao comportamento e

associações de eventos relacionados à sua ocorrência.

Por outro lado, compreendido como fenômeno interno, o suicídio desvela

informações singulares a respeito de questões profundas da psique

particularmente mobilizadoras para o indivíduo e sobre o sentido que ele atribuía

à existência. A psicologia profunda tanto quanto a filosofia compartilham desse

mesmo ponto de partida para o estudo dos fenômenos humanos.

Camus sinaliza nessa direção quando escreve: “O verme se encontra no coração

do homem. Lá é que se deve procurá-lo” (2013, p. 20), da mesma forma que

Hillman em “É na alma que se deve procurar a justificativa para um suicídio”.

(1993, p.43)
23

Feijó sintetiza essa distinção de vieses ao pontuar que “para a questão ‘suicídio’,

os estudos quantitativos são indispensáveis; para a pessoa “suicida” impõe-se

uma abordagem individual, histórica, qualitativa”. (1998, p. 102)

Quando se trata de suicídio, as dificuldades para se analisar o comportamento

em questão ou o indivíduo em questão, a depender da perspectiva de onde se

parta, são intensificadas pelo fato de que, nos casos em que ele é patente não

temos como interpelar o perpetrador do ato, nos sobrando apenas as inferências

e análises retrospectivas a respeito de sua biografia, condição prévia,

hereditariedade e “lugar no mundo” que ocupava.

Apesar dos esforços em entendê-lo, o ato suicida continua sendo um

comportamento humano dificílimo de predizer. Como aponta Camus: “Um gesto

como este se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande

obra. O próprio homem o ignora. Uma tarde ele dá um tiro ou um mergulho”.

(2013, p.20)

De alguma forma, ele é uma ação no mundo como qualquer outra

(evidentemente que trás um resultado nefasto e agudo como nenhum outro

também), no entanto, isso não faz do ato de tirar a própria vida, em termos

estritos, uma ação sobre-humana, dado que ela se encontra dentro do repertório

de ações possíveis na espécie e como todas as demais, apresenta um certo grau

de imprevisibilidade.

O que quero dizer é que, no fundo, como qualquer ato humano, nós só

conseguimos ter certeza de sua ocorrência quando ele se realiza. A infelicidade

nesse sentido, é que o ato suicida ao se realizar leva a um fim que impossibilita
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atos subsequentes, algo drasticamente diferente de outras ações. Isso nos

provoca numa busca obstinada em encontrar uma forma de predizer a

ocorrência de pensamentos e atos suicidas, muito mais intensa do que em saber

se acenderemos ou não um cigarro após o último gole de um café.

A imprevisibilidade do ato suicida reside nesse aspecto genérico da realidade

apreendida por nós, qual seja, a garantia da realização ou não realização de um

ato deliberado só se dá de duas formas: no momento em que ele se realiza e

podemos captá-lo ou imediatamente após o momento em que ele inexistiu e

percebemos sua não-ocorrência.

Nesse sentido, o controle em relação a termos ou não um pensamento de morte

ou um pensamento suicida está para o mesmo controle que temos em ter um

outro pensamento qualquer seguido de um primeiro. A imprevisibilidade do

nosso pensamento, apesar de todo o empenho em decifrar os mistérios de nossa

consciência, é patente e não seria diferente com ideias negativas ou perigosas.

O que conseguimos saber com algum grau de predição, ainda que

insatisfatoriamente para protegermos potenciais suicidas de seus próximos

pensamentos, é que alguém com o humor depressivo, por exemplo, tem muito

mais chance de ter seus próximos pensamentos carregados de ideias negativas,

desesperançosas ou autodepreciativas do que alguém bem-humorado e sem

qualquer transtorno de humor em curso. Sabemos também que é mais provável

que pessoas tenham ideias de morte ou suicídio em circunstâncias nas quais

elas se veem socialmente inaptas ou desajustadas, como quando estão

desempregadas, migraram por necessidade ou imposição, quando perderam

alguém querido e próximo, quando perderam uma condição de vida favorável ou


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não tem com quem dividir as experiências negativas da vida. (Druss, B., Pincus,

H., 2000)

Sabemos também que em situações catastróficas e períodos de guerras as

taxas de suicídio tendem a diminuir (Durkheim, 2014), o que quer dizer que a

chance de alguém cogitar suicídio tende a ser menor nos arredores de Damasco,

capital da Síria, nos dias atuais, onde ela se encontra inundada de situações

degradantes, perigosas, tristes e violentas, do que nos campos de lavanda da

Provence.

Sendo assim, ainda que não possamos predizer com a certeza desejada a

ocorrência de comportamento suicida em alguém, os estudos no campo da

medicina, sociologia e psicologia médica sobre o tema vêm sendo capazes de

estabelecer em quais circunstancias é mais provável o aparecimento desse

comportamento.

Nesse sentido, o que sabemos até o momento é que, do ponto de vista

estatístico, dentre os fatores identificados que se relacionam com o aumento de

risco de ocorrência de comportamento suicida estão: ser do sexo masculino; ser

adulto jovem ou ter idade avançada; ser solteiro, viúvo ou divorciado; não ter

filhos; residir em grandes centros urbanos; consumir álcool e drogas; estar

passando por crise financeira; ter histórico de lar desfeito na infância; estar

doente mental ou fisicamente e ter tentado suicídio previamente. (Qin P, et al,

2000; Druss, B., & Pincus, H., 2000)

Do ponto de vista da análise, por outro lado, a medida que a ideia de se matar

se apresenta como possibilidade simbólica e concreta no setting - contanto que


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o paciente a sustente como uma questão para escrutínio e não a execute - os

fatores, que lá identificamos, dizem respeito à seara dos significados e do

sentido de viver e morrer que se iluminam na alma.

Como afirma Hillman (1993), partir de um olhar psicológico profundo e debruçar-

se sobre a questão do suicídio não é enxergá-lo nem como síndrome nem como

sintoma, envolve, não obstante, conquistar uma abertura objetiva a respeito do

que ele revela sobre a psique: “O suicídio é fundamentalmente insolúvel, porque

não é um problema de vida, mas de vida e de morte, trazendo consigo todos os

imponderáveis da morte”. (Hillman, 1993, p.25)


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Suicídio e negação da morte

Do mesmo modo que te abriste à alegria / abre-te agora ao


sofrimento / que é fruto dela / e seu avesso ardente. / Do mesmo
modo / que da alegria foste / ao fundo / e te perdeste nela / e te
achaste / nessa perda / deixa que a dor se exerça agora / sem
mentiras / nem desculpas / e em tua / carne vaporize / toda ilusão
/ que a vida só consome / o que a alimenta.
Ferreira Gullar
(Poema Aprendizado)

Podemos considerar que o suicídio vem sendo um tabu na grande maioria das

sociedades modernas.

Para mim, é um fato interessante que o suicídio seja quase

universalmente proibido, e que os rituais fúnebres tradicionais

sejam geralmente negados ao suicida, como o são para

quaisquer pessoas que não sejam consideradas parte do grupo

- crianças que ainda não foram iniciadas no grupo, escravos,

criminosos e aqueles que morreram "más" mortes. (Gordon,

2000, p. 84)

O fato psicológico de que “uma abertura face ao suicídio significa, antes de mais

nada, um movimento em direção à morte, de uma maneira franca e sem medo”

(Hillman, 1993, p. 26) pode colaborar com o entendimento de sua posição

periférica na cultura.

Atendo-se especialmente à civilização ocidental contemporânea, isso relaciona-

se diretamente com o fato de que nossa cultura trata da morte, de modo geral,

como uma condição marginal, negativa e aterrorizante. (Becker, 2010)


28

Rosemary Gordon, em sua obra Dying and Creating (2000) reforça essa ideia

quando afirma que no último século, mais do que o sexo, o tema da morte foi o

tabu mais intocado do Ocidente.

Desde os primórdios da espécie, a constatação da inescapabilidade de nossa

trajetória impôs ao ser humano a necessidade de conviver com a ideia de um

destino fadado à finitude.

Diferentemente de todos os outros organismos em homeostase, a capacidade

de tomar conhecimento dessa condição existencial paradoxal outorgou ao

homem o enfrentamento da realidade de forma inevitavelmente conflituosa.

Ao longo da história, os modos com os quais lidamos com esse fato inexorável

expressaram-se de incontáveis formas. (Ariès, 2014) De gerais e disseminados

em toda espécie - como o cuidado e atenção despendidos aos mortos, a estritos

e específicos - como o canibalismo em certas sociedades tribais, nossas formas

de agir, de modo geral, carregam a marca irrevogável da ciência da

transitoriedade da nossa existência como também da patente expectativa por

eternidade.

De alguma forma, essas e tantas outras atitudes apontam que, desde os

primórdios da espécie, o comportamento humano se sustenta frente à realidade

de forma paradoxal e não completamente investido no presente. Ao mesmo

tempo que nossa existência é marcada pela ciência da inescapabilidade da

morte, nossas ações no mundo revelam um incontestável desejo de imortalidade

e luta contra o tempo. (Becker, 2010)


29

No ocidente, seja a partir de pensamentos místico-religiosos, como a ideia de

que Deus garantirá a continuidade de nossa existência com a vida eterna ou

através de constructos laicos, como a crença de que nossas realizações no

mundo prosperarão entre as gerações, através da arte, do conhecimento ou de

feitos memoráveis, a ideia da imortalidade de nossa porção humana imaterial se

faz presente em nossa visão de mundo desde a antiguidade, como expressa o

aforisma clássico de Platão: “A alma do homem é imortal e imperecível”. (Platão,

2002)

Como afirma Gordon: “De tempos em tempos, o homem ocidental ousou virar a

cara para o fato da morte a fim de contemplar uma vida sem ela”. (2000, p.05)

Nos tempos atuais, a característica de investir no futuro atrelou-se fortemente à

nossa habilidade em manter a ideia da morte à margem da consciência, tanto de

forma coletiva quanto individual. (Feijó, 1998)

De certa forma, refletindo o olhar de que, na modernidade, não haveria mais

ídolos e tão pouco ideais para nos apoiarmos, o homem do século XX cultivou

uma desconfiança radical em relação a compreensões da realidade que

remetessem à transcendência. (Nietzsche, 2011) Ao não reconhecermos como

válida qualquer possibilidade de transcender - o que inclui certamente a ideia de

imortalidade - nos tornamos incapazes de assimilar a realidade da morte com

outras conotações além da possibilidade unívoca do fim da vida.

Nesse contexto, o relacionamento do homem com a morte passou a ser

prioritariamente reativo e concreto e não mais simbólico.


30

Via de regra, passamos a negar ou ao menos distanciar o evento concreto da

morte de nossas vidas, por vezes associando fatores condicionantes à

ocorrência desta, outras vezes dissociando-se da possibilidade iminente de que

ela ocorra e tomando-a como um evento futuro e distante, sempre a partir de um

“salto”, de um exercício cognitivo que nos afasta da acareação com nossa real

condição existencial.

Este processo é alvo de apreciação de Jung quando ele alerta sobre o perigo da

unilateralidade da consciência, a partir do caso de Miss Miller:

Quem ama o mundo e seu esplendor e por sua causa esquece

“o reino das sombras” ou até o substitui (o que constitui a regra),

tem o “espírito” como inimigo e quem foge do mundo para cair

nos “braços eternos”, tem a vida por inimigo. (2011a, pr. 615)

Essas conjunturas são tão rotineiras que estão presentes em nosso modo

corriqueiro de falar. Não é incomum, por exemplo, ouvirmos as pessoas dizerem

acerca dos falecidos: “Fulano teve um infarto porque não se exercitava” ou ainda

“Ninguém esperava por isso aos 63 anos!”.

Imagine, por outro lado, viver num mundo sem tais recursos psicológicos. Se

parafrasearmos os exemplos acima, excluindo do contexto essas saídas astutas

da consciência, depararíamos com dizeres da seguinte ordem: “Fulano teve um

infarto e ponto”. Se alguma justificativa ainda assim se impusesse, a mais

evidente seria “Fulano teve um infarto...porque em algum momento os corações

hão de parar”.
31

Da mesma forma, imagine ouvir sobre a morte de alguém: “Havia 63 anos que

esperávamos por isso”. Esses recursos psicológicos aparentemente garantem

um grau suficiente de tolerabilidade à existência, quando supostamente nos

distanciam do enfrentamento direto com a morte.

No momento atual, nossa cultura evidencia que a ocorrência da morte, a mais

mobilizadora das experiências humanas, precisa ser administrada sem alardes

para que haja possibilidade de uma vida saudável. Em outras palavras, ainda

que saibamos de nossa condição mortal aprioristicamente, vivemos

contraditoriamente como se ela não existisse ou não devesse existir.

Em um crescente na nossa história, fomos retirando da morte a relevância de

seus significados e nos negando a enxergar sua crucial importância tanto de um

ponto de vista concreto quanto simbólico. Gordon, no sentido de validar tal

relevância, aponta para a decisiva e necessária presença da morte na

construção do nosso mundo em:

O relacionamento de uma pessoa com a morte, a intensidade de

sua atração por ela, seu medo, o tipo de defesa erguida contra

a consciência dela, o significado simbólico a ela atribuído, tudo

isso afeta grandemente e molda a personalidade tanto de um

indivíduo quanto da cultura. (2000, p.03)

Nossa educação, no entanto, não contempla a morte como matéria básica para

a vida, ela engana a consciência, em nome de um suposto conforto existencial,

ensinando a cada homem moderno os valores e potencialidades de somente

metade do paradoxo de existir.


32

Crescemos num ambiente onde cantamos odes à longevidade, batemos

continência à vida enquanto modelo antientrópico e ovacionamos a noção de

“crescimento” enquanto paradigma para os ideais de “desenvolvimento” e

“evolução”.

A contraparte mortífera de viver, qual seja a deterioração da matéria, o caos, a

tendência à entropia e a finitude como paradigma da natureza - são etapas da

nossa alfabetização que, via de regra, buscamos somente no processo de

análise, quando a consciência, munida do zeitgeist vigente não dá conta de

suportar a realidade e nos vemos em sofrimento.

Nas palavras de Hillman, o que se apresenta nesse contexto é que:

Os modelos estão impregnados de um terror de morte. Esse

terror advém do fato de não terem, no estado atual de seus

modelos de pensamento, um lugar adequado para a morte.

Concebem a morte como exógena à vida. (1993, p.46)

Em nosso modelo de sociedade, que compartilha na consciência coletiva a

necessidade de prazer e satisfação imediatos, traduzidos numa prerrogativa

sustentada de negação da morte, quando as circunstâncias colocam o homem

concretamente em contato mais intenso com a finitude, seja através do

adoecimento crônico, da perda de entes queridos, do envelhecimento ou de

grande sofrimento físico ou psíquico, aqueles recursos psicológicos acima

citados se intensificam na tentativa de garantir a manutenção de um grau

suficiente de tolerância à existência ao competir e/ou dissociar-se da situação

negativa. (Joiner et al. 2012; Van Orden et al., 2010)


33

Raramente, frente a condições difíceis que surgem no caminho, somos capazes

de nos posicionar sustentando os paradoxos que se apresentam e tolerando as

contradições e contrariedades que a realidade impõe. Atitudes esquivas da

consciência são a regra em nosso modus operandi e isso relaciona-se

diretamente com as proporções que o suicídio toma em nosso momento

histórico.

É como se, ao nos darmos conta de que os mecanismos de dissociação da

consciência não estão conseguindo manter o símbolo da morte afastado ou

excluído da realidade, precisássemos reforçar as defesas, construindo narrativas

que nos restituíssem um grau de serenidade compatível com a superação da

arqui-inimiga – alcançar a tranquilidade no olhar daquele que “sabe” que a morte

ainda está distante ou não lhe pertence. Tudo isso, ainda que seja às custas de

criar mais ilusões ou dissociar-se ainda mais da natureza das coisas.

A neurociência denomina esse processo de efeito da ilusão da verdade, a

característica da mente que “torna mais provável que você acredite que uma

declaração é verdadeira se já a ouviu – seja ou não realmente verdadeira”

(Eagleman, 2012, p.75) ainda que, absurdamente, essa declaração possa ser

de que a morte não nos alcançará.

Ernest Becker reforça essa construção ao dissertar sobre nosso modo de viver

na atualidade, sob a ânsia por ideias vitais e por simplificação:

Às vezes esse desejo de simplificar engendra grandes mentiras,

desde que elas resolvam as tensões e facilitem que a ação

prossiga exatamente como as racionalizações de que as

pessoas precisam. (Becker, 2010, p.19)


34

Não é incomum pessoas angustiadas e perturbadas com situações de vida

aliviarem momentaneamente seus sofrimentos psíquicos, assumindo realidades

ilusórias.

Camus constata essa realidade e pontua a respeito em:

Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios

errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo

repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o

homem se sente um estrangeiro. (Camus, 2013, p. 21)

Jung descreve essa tendência da consciência de forma abrangente como um

movimento natural da psique consciente em relação aos problemas em geral, o

que, certamente, inclui a questão da morte:

Cada um de nós espontaneamente evita encarar seus

problemas, enquanto possível; não se deve mencioná-los, ou

melhor ainda, nega-se sua existência. Queremos que nossa vida

seja simples, segura e tranquila, e por isto os problemas são

tabus. Queremos certezas e não dúvidas; queremos resultados

e não experimentos, sem, entretanto, nos darmos conta de que

as certezas só podem surgir através da dúvida, e os resultados

através do experimento. Assim, a negação artificial dos

problemas não gera a convicção; pelo contrário, para obtermos

certeza e claridade, precisamos de uma consciência mais ampla

e superior. (2011b, pr.751)

Partindo de um ponto de vista energético, de um modo geral, para que a

consciência se desenvolva e se amplie através do contato com a realidade, a


35

libido tende a progredir e se projetar no mundo externo. Esse investimento de

energia “para fora” sempre trará como resposta para a consciência novas

percepções e impressões da realidade que, por sua vez, vão mobilizar no mundo

interno símbolos inconscientes.

Esses símbolos, quando ativados, exigirão atenção da consciência, que será

impelida a atentar para o mundo interno. Ao passo que a energia psíquica

disponível na consciência deixa de progredir e se projetar no mundo externo e

se volta a conteúdos inconscientes ativados – regressão da libido – a energia

relacionada aos símbolos inconscientes, quando estes forem incorporados à

consciência, torna-se disponível para novas investidas no mundo externo.

Assim, o ciclo se renova e a libido em movimento age em função da ampliação

da consciência. Jung discorre sobre essas características da libido quando cita:

A regressão ativa um fator inconsciente, ela faz com que a

consciência se defronte com o problema da alma, diante do

problema da adaptação externa. É natural que a consciência

resista à aceitação dos conteúdos regressivos, mas ela será

finalmente obrigada a submeter-se àqueles valores regressivos

porque a progressão fica impossibilitada; em outras palavras: a

regressão leva à necessidade de adaptação à alma, ou seja, ao

mundo psíquico interior. (2012a, pr.66)

Os movimentos naturais da libido, que se caracterizam por essas oscilações

entre regressões e progressões de energia, intrinsecamente dependentes uma

da outra, quando descompensados podem levar a consciência às tendências

defensivas e escapistas que citamos anteriormente.


36

Vejamos um exemplo de um paciente em análise que nos conta ao longo dos

seus relatos, ainda que sub-repticiamente, as seguintes máximas: “Eu sou o

melhor funcionário dessa empresa e meu chefe me vê como alguém especial”.

Encadeia-se que, em outra sessão, ele afirma: “Eu sempre fui o melhor aluno e

meus professores me admiravam por isso”. Soma-se a isso uma memória

dolorosa de quando tinha 6 anos de idade: “Meu pai abandonou nossa casa

quando descobriu que tinha um filho com outra mulher”.

De fato um excelente profissional, marido prestativo e pai exemplar, num

determinado momento de avaliação no trabalho, esse paciente fica em terceiro

lugar na classificação de funcionários da equipe a qual pertence. Nesse dia,

atipicamente, sai do trabalho e sem saber ao certo o porquê compra um terno

do qual não poderia pagar sem se endividar. Além disso decide, de forma inédita,

corresponder ao flerte da garota da academia, a quem tinha decidido não se

envolver, dada a fidelidade que sustentava em seu casamento.

Ainda que às custas de uma dívida com o banco e de trair seu código de conduta

no casamento, a construção da realidade que ele precisava garantir, mesmo que

de forma ilusória, era pungente. A marca dolorosa que o abandono do pai

causara, gerou uma resistência da consciência em assimilar esse conteúdo

regressivo. Sua adaptação se deu no sentido de evitar visitações à essa

temática, garantindo em sua realidade psíquica interior a manutenção da ideia

de que ele era além de extraordinariamente potente, excepcionalmente

admirado aos olhos dos outros. Na situação exemplificada, isso foi alcançado

exercitando seu poder de compra com o “terno dos escolhidos” e substituindo o

olhar de admiração da figura de autoridade do chefe pela colega de academia.


37

Nesse caso, mecanismos defensivos da consciência funcionaram para afastar o

paciente da angústia trazida pela realidade inexorável, que naquele momento

impunha a ele um lugar dois degraus abaixo da excepcionalidade, condição que

não foi capaz de ser tolerada.

Dessa forma, a libido manteve-se fixada regressivamente nos conteúdos de

inferioridade e rejeição que o paciente rechaçou. O que ocorreu foi uma

repetição de atitudes defensivas, com o uso da libido disponível dirigida a

conteúdos grandiloquentes. O ego, impossibilitado de se conectar

conscientemente aos símbolos ali ativados regressivamente, ficou a serviço do

complexo no qual o material inconsciente em questão orbitava.

Sem a abertura da consciência para o contato com os símbolos inconscientes, a

energia psíquica contida neles não se torna disponível para ampliação do

repertório egóico e assim, se confirma a fala de Jung acima, na qual, sem a

regressão da libido não pode haver também sua progressão.

Exemplos com desfechos mais drásticos, que culminam por exemplo, em

tentativas de suicídio, infelizmente não se correlacionam necessariamente com

situações de maior gravidade real que a citada.

Desenlaces radicais como o suicídio relacionam-se muito mais com a condição

egóica de cada individuo e com sua competência em administrar graus variados

de tensão entre as expectativas de confirmação de suas narrativas internas e o

que a realidade objetiva lhes oferece, do que com aquilo que a vida de fato impõe

em suas trajetórias.
38

Colocado de outra maneira por Jung, o que se constata é que “a invasão do

inconsciente se torna um perigo real para o consciente quando este não é capaz

de captar e integrar compreensivamente os conteúdos trazidos”. (2011a, pr.616)

Partindo de valores coletivos que promovem a ilusão de felicidade ao refutar a

morte e todas suas variações, quando nos vemos frente à sofrimentos

pungentes, o risco de perdermos de perspectiva o sentido de existir é muito

facilitado, se este estiver alicerçado numa visão de mundo que não contempla a

morte como condição possível.

O incremento nas taxas de suicídio em adolescentes na contemporaneidade, por

exemplo, poderia espelhar a presença patente dessa dinâmica psicológica em

nossa cultura. Como resultado de uma atitude da consciência que se esquiva do

símbolo da morte em todas as suas nuances (dor, perda, derrota, limitação, falta,

tristeza, frustração, erro...), o ego não se torna capaz de enxergar outra saída

para o confronto com essas facetas negativas da existência, que não seja

abraçar a própria morte desesperadamente.

Jung discorre de forma impactante sobre esses aspectos da unilateralidade da

consciência em relação ao material inconsciente, no qual a simbólica da morte

via de regra está contida:

Se esta camada (inconsciente coletivo) for animada pela libido

em regressão, surgirá a possibilidade de uma renovação de vida

e ao mesmo tempo de uma destruição dela. Uma regressão

coerente significa uma reassociação com o mundo dos instintos

naturais, que constitui matéria primordial também sob o aspecto

formal e ideal. Se esta pode ser captada pelo consciente, ela


39

determinará uma reanimação e reordenação. Mas se o

consciente for incapaz de assimilar os conteúdos vindos do

inconsciente, cria-se uma situação perigosa na qual os novos

conteúdos conservam sua forma original, caótica e arcaica, e

com isto rompem a unidade do consciente. (2011a, pr.631)

Estendendo essa construção a um nível coletivo, reconectar com o símbolo da

morte torna-se tarefa basilar para nossa coletividade, sob o risco de uma “cisão”

da consciência coletiva, na qual a negação delirante da morte, tomada como a

condição de “verdade inabalável” da cultura, geraria uma reação psíquica

contralateral, pela qual o símbolo da morte se apresentaria de forma

compensatória, sob seu aspecto concreto – e, em se tratando da simbólica do

suicídio, sob sua faceta consumada.

A proximidade desse constructo com nossa realidade atual, evidencia que, tanto

de um ponto de vista individual quanto coletivamente, parecemos despreparados

para acarear a realidade da morte e os paradoxos que ela suscita. Não por

sermos incapazes psiquicamente de fazê-lo, mas por tendermos a acomodação

e a tarefa exigir perseverança, por sentirmos medo e a tarefa nos cobrar coragem

e por termos sido mal-educados e a tarefa pressupor consciência.

Nesse sentido, o trabalho psicológico que se impõe com a questão suicida se

torna particularmente desafiador. Ele demanda uma dose substancialmente

elevada de perseverança, coragem e conscientização, porque contempla a

administração da simbólica da morte na consciência em seu aspecto mais

contraditório, inesperado, imprevisível e assustador.


40

Assim, para além de seu significado notório de fim, contemplar a morte em suas

mais complexas possibilidades simbólicas envolve fundamentalmente a tarefa

de explorar suas representações mais obscuras, periféricas e não-usuais, como

o faz Jung, quando compreende o símbolo da morte também como meta e

renascimento.
41

O símbolo da morte – meta e renascimento

Um grave acontecimento está sendo esperado por todos / Os


banqueiros os capitães da indústria os fazendeiros / ricos
dormem mal. O ministro / da Guerra janta sobressaltado, / a
pistola em cima da mesa. / Ninguém sabe de que forma desta
vez a necessidade / se manifestará: / se como / um furacão ou
um maremoto / se descerá dos morros ou subirá dos vales / se
manará dos subúrbios com a fúria dos rios poluídos / Ninguém
sabe. / Mas qualquer sopro num ramo / o anuncia / Um grave
acontecimento / está sendo esperado / e nem Deus e nem a
polícia / poderiam evitá-lo.
Ferreira Gullar
(Poema A espera)

Na contemporaneidade, fica patente quão precária vem sendo nossa capacidade

de simbolização em relação ao tema da morte. A expressão desse conteúdo tão

primordial é assimilada em nossa realidade, via de regra, unicamente através de

sua faceta concreta. Evitamos a ideia de morte a todo instante e nos recusamos

a integrar sua simbólica à consciência a não ser que ela se imponha, ao nosso

redor, em sua concretude mais violenta - a presença de um cadáver.

Ao que parece, estamos empobrecidos em relação a olhares simbólicos sobre a

morte. Nossa capacidade de simbolizar parece atrofiada quando tratamos dessa

questão, pois insistimos em recusar que sua presença é patente e essencial à

vida. Gordon exprime essa resistência à ideia de morte nos nossos dias, no

excerto que segue:

O homem moderno considerou a morte, na melhor das

hipóteses, um inconveniente lamentável, ou o resultado da

ineficiência humana; na pior delas, como uma obscenidade e um

ultraje. (2000, p. 04)


42

Dessa forma, o símbolo, que na psique, é o criador de pontes de significados por

excelência, (Gordon, 2000) não se apresenta à consciência a serviço de

expandir nossa compreensão da realidade em relação à morte e ao morrer.

Sem simbolizar, fechamos o canal de comunicação entre o consciente e o

inconsciente, perdemos a chave da porta que liga o Eu ao não-Eu e deixamos

de experimentar a vivência de transcender uma experiência, em dimensões que

vão além da unilateralidade de sentido.

Gordon, quando discorre em seu texto sobre símbolo e função transcendente,

aponta para essa questão, no trecho que segue:

Se a função transcendente não for ativada, então um conteúdo

"simbólico" pode muito bem permanecer ineficaz em termos de

estimular o crescimento e o desenvolvimento de uma pessoa (...)

Há, de fato, muitos pacientes que produzem material simbólico

poderoso, mas que não o utilizam simbolicamente. (2000, p.111)

Isto posto, ao se tratar de suicídio, faz-se necessária a exploração do símbolo

da morte em seus sentidos mais amplos, profundos e complexos. Com essa

temática ativada no campo, torna-se parte essencial do trabalho analítico, o

desenvolvimento da capacidade de simbolização desse material tanto quanto for

possível, por parte do analista e do paciente. Neste contexto, Gordon reitera no

trecho abaixo a importância crucial da simbolização no processo de análise:

Se realmente pensarmos que a função simbólica tem

importância crucial - que na sua ausência os homens até podem

existir, mas não podem viver - e se assumirmos que as forças

de vida e morte - atividade e passividade, ego e self - estão


43

intimamente entrelaçados no processo de simbolização, então

isso não pode senão expressar-se em nosso trabalho como

analistas. Pois é provável que isso afete os objetivos que temos

em mente para nossos pacientes, bem como a função e o papel

que temos como nossos. (2000, p. 121)

Jung discorre sobre o símbolo da morte e como a consciência pode lidar com

esse material sem a necessidade de negação ou dissociação de tal conteúdo, a

partir da assimilação honesta e sensível do real lugar que ela ocupa na alma.

Partindo de uma perspectiva energética, ele argumenta que a vida é um

processo energético como outro qualquer e, portanto, visa inexoravelmente o fim

notório a todo fluxo de energia – o repouso. (Jung, 2012a). Com esse

posicionamento ele incorpora a realidade da morte e do fim à uma conditio sine

qua non da vida e do início. Nesse sentido, não há separação, ou posições

ordinais, bem como condicionantes para balizar uma sucessão de etapas entre

o viver e o morrer.

Tudo que há entre essas duas condições é uma dinâmica de polaridades, na

qual a realidade de ambas se afirma e reafirma constantemente. Jung apresenta

essa questão na seguinte citação: “No fundo todo processo nada mais é do que,

por assim dizer, a perturbação inicial de um estado de repouso perpétuo que

procura reestabelecer-se sempre”. (2011b, pr.798)

De outro modo, ele reforça esse ponto de vista quando descreve a natureza

antagônica da libido a partir do movimento inescusável de nossa energia vital

em sentidos opostos e complementares de construção e involução:


44

A libido não é só um impulso irrefreável para a frente, um

infindável desejo de viver e construir, (...) onde a morte é uma

traição ou fatalidade que vem de fora; mas a libido, à

semelhança do Sol, também quer seu declínio, sua involução.

(Jung, 2011a, pr. 680)

Em nossa cultura, ao tratarmos de vida e morte, tendemos a partir de uma ideia

impregnada de conceitos evolucionistas. A Biologia nos empresta, desde o

século XIX, a “imagem ideal” do que esperar em relação a nossas trajetórias de

vida e com isso nutrimos nossas expectativas de realização do que seria o

processo vital padrão.

Desde crianças somos apresentados a essa máxima elementar da Ciência, que

preconiza a vida em etapas distintas: primeiramente nascemos, depois

crescemos, mais adiante nos reproduzimos e então morremos.

Ainda que a morte faça parte desse modelo de processo vital em sua etapa final,

ela não se incorpora ao modelo como sua meta, mas apenas como seu término.

Nessa leitura enviesada pela desqualificação da morte presente em nossos

tempos, a meta evolucionista se encontra na terceira etapa desse fluxo, ela se

dá no sucesso em transmitir seus genes para a geração seguinte – o que quer

dizer que, caso você tenha alcançado tal intento e sua prole passe bem,

contente-se daí em diante com papéis secundários para com a posteridade e

aguarde a hora da sua morte chegar.

Ainda que consigamos descolar dessa visão em algum nível e, a partir de outros

vieses, atribuímos valor à vida de alguém independentemente dela ser bem-


45

sucedida em termos reprodutivos, ao que parece, continuamos compreendendo

a morte não mais do que como a última etapa do processo.

Por não agregar grande coisa em prol da conquista da meta evolucionista – haja

visto que ela, idealmente, vem depois de termos alcançado o objetivo reprodutivo

– a morte fica desprovida de “valores superiores” e, como já discutimos, não só

se torna marginal em termos de propósito, como passa a ser sistematicamente

evitada.

Nesse âmbito, o resgate dos valores fundamentais da morte para a sustentação

da vida passa por outra leitura do ciclo vital da biologia:

Sem a morte, a morte de indivíduos ou mesmo de espécies

inteiras, não poderia haver alterações biológicas e, portanto,

nenhuma evolução de espécies. Tampouco não há qualquer

lógica em se supor que o homem tenha sido desenhado com

uma capacidade inata para viver e com uma habilidade inata

para procriar, mas tenha sido deixado à deriva em relação ao

confronto com aquele terceiro processo biológico básico que é

deixar de viver - isto é, morrer. (Gordon, 2000, p.03)

Jung, em seu texto A alma e a morte (2011d) discute precisamente este ponto –

a morte enquanto meta. Como dissertamos anteriormente, é sabido que, em

nossos tempos, nossa consciência resiste em assimilar o símbolo da morte à

realidade rotineira do ego. Nossa tendência é criar mecanismos que a afaste do

presente e a projete a perder de vista. Jung aponta para esse fato na seguinte

citação:
46

É como se nossa consciência tivesse deslizado um pouco de

suas bases naturais e não soubesse mais como se orientar pelo

tempo natural. Dir-se-ia que sofremos de uma hybris da

consciência que nos induz a acreditar que o tempo de nossa vida

é mera ilusão que pode ser alterada a nosso bel-prazer. (2011d,

pr. 803)

É um desafio e tanto entender a vida de forma teleológica – relacionar ao seu

sentido, sua causa final – ou seja, compreender a morte como a finalidade da

vida. Esse tipo de pensamento põe nosso referencial evolucionista em xeque e

nos oferece um caminho adicional para pensar a simbólica da morte. A afirmação

de Jung a seguir nos auxilia nesse entendimento:

Mas o impulso teleológico da vida não cessa quando se atinge

o amadurecimento e o zênite da vida biológica. A vida desce

agora montanha abaixo, com a mesma intensidade e a mesma

irresistibilidade com que a subia antes da meia idade, porque a

meta não está no cume, mas no vale, onde a subida começou.

A curva da vida é como a parábola de um projétil que retorna ao

estado de repouso, depois de ter sido perturbado no seu estado

de repouso inicial. (2011d, pr. 798)

Incorporar em nossa visão de mundo a ideia da morte como a finalidade da vida

possibilita assimilações muito distintas de sua simbólica, em comparação com

as imagens que temos dela na consciência coletiva atual, sempre carregadas de

negatividade, temor e repúdio.

Jung nos convida a pensar essa outra dimensão do símbolo da morte ao nos

questionar da seguinte forma:


47

Se atribuímos uma finalidade e um sentido à ascensão da vida,

por que não atribuímos também ao seu declínio? Se o

nascimento do homem é prenhe de significação, por que é que

a sua morte também não o é? (2011d, pr.803)

Da mesma forma, Gordon corrobora essa colocação de Jung ao afirmar: “A

busca de significado e de identidade pessoal não pode ignorar a constatação de

que a vida é limitada pelo nascimento de um lado e pela morte do outro”. (2000,

p.10)

Não é difícil compreender que arquetipicamente tendemos a lidar com o símbolo

da morte de forma amedrontada. Sua expressão concreta, através da morte

orgânica do indivíduo, é algo sobre qual o instinto de sobreviver se contrapõe

continuamente.

Da mesma forma, para o ego, apavorado com sua possível extinção, a morte

deve ser evitada o quanto possível, se ela é tomada por este sentido que Jung

aponta em: “A morte significa um estado de absoluta extinção da consciência e,

por conseguinte, uma completa estagnação da vida anímica enquanto

capacidade de consciência”. (2012b, pr. 469)

Apesar disso, a morte enquanto símbolo vivo, carregado das mais plurais

significações e possibilidades - o que inclui seu aspecto concreto – é, queiramos

ou não, uma ocorrência perene, intrínseca e crucial de nossa existência. Evitá-

la e insistirmos em nada mais que evitá-la, não contempla todos os aspectos da

nossa natureza. Não podemos desconsiderar que todo o esforço em

compreender o símbolo da morte com abertura para o que há de numinoso nele


48

é um trabalho para nossa consciência individual e coletiva que também tem

raízes arquetípicas as quais legitimam essa elaboração.

Gordon colabora com esse entendimento quando afirma em sua obra: “O

crescimento psicológico, o desenvolvimento e a autorrealização de uma pessoa

parecem inconcebíveis sem o reconhecimento consciente do fato da morte”.

(2000, p.03)

Nesse contexto, Jung nos propõe um olhar revelador quando, ao visitar a

sabedoria simbólica da alquimia, trata da morte como a dimensão do

renascimento.

Não há vida nova que possa surgir, diziam os alquimistas, sem

que antes morra a velha. Eles comparam a sua arte à atividade

do semeador que introduz a semente do trigo na terra, onde ela

morre, para despertar para uma vida nova. (2012b, pr.467)

Ainda que não seja um fenômeno observável, como Jung aponta em seu texto

Sobre o renascimento (2012c), estamos imersos por esta experiência psíquica

todo tempo. “Falamos de renascimento, professamos o renascimento, estamos

plenos de renascimento”. (Jung, 2012c, pr.206). Para ele, todas as experiências

de transformações subjetivas e de transcendência da vida, dos ritos iniciáticos

de um grupo ao qual pertencemos aos sonhos mobilizadores que despertam

algo novo dentro de nós, carregam a simbólica do renascimento e da morte.

Isso quer dizer que tudo o que vivemos e que nos transforma é prenhe do

símbolo da morte. Vejamos um exemplo num trecho do texto de Gordon:


49

Como a morte é um elo na cadeia de transformação, ela tende

a ser experimentada como um paradoxo, pois toda mudança ou

transformação envolve nascimento e morte. Assim, a morte de

uma célula é o nascimento de duas novas células. (2000, p.159)

De certa forma, um dia a mais de vida vivido, por mais que evitemos esse olhar,

também é um dia a menos. A alvorada que anuncia a nova manhã, sepulta a

noite anterior. Assim, vida e morte são complementariedades indissociáveis da

existência, as quais, devemos ser capazes de contemplar na consciência sem

exclusões reativas.

Gordon reforça esse posicionamento da morte como renascimento ao dissertar

sobre as relações diretas da assimilação do símbolo da morte para a criatividade:

Minha tese principal é que aqueles que morreriam bem e

aqueles que criariam bem são pessoas que devem ser capazes

de se manter abertas e disponíveis tanto para as forças da vida

quanto para as forças da morte. (2000, p.165)

Para a autora, o processo criativo e a expressão da criatividade em todos os

campos, ciência, tecnologia, artes, relacionamentos pessoais (Gordon, 2000)

deriva da tensão dos opostos e nesse sentido, vida e morte, tanto quanto morte

e renascimento, fazem parte das díades contraditórias e ao mesmo tempo

complementares do processo:

O engajamento em um processo criativo depende, acredito, da

capacidade de uma pessoa em mobilizar qualidades

contraditórias, porém mutuamente recíprocas: atividade e

passividade; consciência e inconsciência; masculinidade e


50

feminilidade; receptividade e produtividade. (Gordon, 2000, pg.

130)

Partindo desse olhar, no qual o renascimento - essa condição psicológica que

se fundamenta na experiência simbólica de morte - é uma realidade

experimentada tanto nas vivências de transcendência da vida quanto nas

transformações que sofremos ao longo dela (Jung, 2012b), impõe-se a nós o

desafio de assimilar a morte como uma realidade inexorável não apenas no fim

da trajetória da consciência sob nossos últimos estertores, mas ao longo de todo

nosso caminhar.

Por mais contraditório que possa parecer, iluminar essas dimensões da morte

com coragem e assertividade, não nos deixa mais expostos ao desfecho

concreto dela, seja a morte biológica natural, acidental ou o próprio suicídio. Não

há nada que aponte para o fato de que, relacionar-se aberta e conscientemente

com a simbólica da morte faça com que ela se concretize com mais chance em

nossas vidas.

Pelo contrário, ampliar a consciência através da incorporação das mais variadas

e possíveis imagens da morte retira esse conteúdo da sombra e possibilita que

a energia psíquica ligada a esse material fique disponível para o ego e não a

serviço de atuações complexas, inconscientes e compensatórias, como Jung

aponta em:

Se negarmos à libido uma vida que avança num fluxo constante,

que conhece e quer o perigo e o declínio final, então ela tomará

outro rumo e descerá para as próprias profundezas, cavando


51

seu caminho até a antiga ideia da imortalidade de toda vida, a

nostalgia do renascimento. (2011a, pr.617)

Assim, o que se delineia nesta perspectiva é que negar a morte e todas suas

apresentações imagéticas na consciência pode culminar numa contradição

perturbadora, porém, inegável, a compensatória afirmação do suicídio enquanto

sua realidade concreta. Em outros termos, Jung reafirma essa possibilidade

categoricamente em:

Quanto mais capazes formos de nos afastar do inconsciente por

um funcionamento dirigido, tanto maior é a possibilidade de

surgir uma forte contraposição, a qual, quando irrompe, pode ter

consequências desagradáveis. (2011e, pr.139)


52

O mito de Sísifo

A mitologema que envolve a figura de Sísifo trata de um homem esperto e

ardiloso que consegue com sua astúcia e determinação enganar os deuses e

escapar da morte por duas vezes. (Brandão, 1986)

No mito, Sísifo em troca de benfeitorias para sua cidade, Corinto, revela à

divindade Asopo que uma grande águia teria raptado sua filha. Zeus, a grande

águia que, de fato, raptara Égina, a filha de Asopo, furioso com a delação do

mortal, ordena que o Deus da Morte, Tanatos leve Sísifo para o mundo dos

Ínferos. Sísifo, no entanto, consegue enganar Tanatos, aprisioná-lo e escapar

do desígnio de Zeus.

No período em que Tanatos se encontra preso, a morte deixa de estar presente

no mundo e as pessoas passam a não morrer mais. Tal condição provoca Hades,

Deus dos Ínferos, que mobiliza forças para libertar Tanatos e aprisionar Sísifo

novamente.

Antes de sua captura, entretanto, Sísifo orienta sua esposa a não enterrar seu

corpo em um funeral.

No mundo dos Ínferos e já capturado, Sísifo astutamente convence os deuses a

lhe permitirem um último e breve momento em vida, para “se vingar” pelo

desrespeito de não ter sido enterrado por sua esposa. Concedido tal pedido,

Sísifo foge com a esposa e pela segunda vez escapa dos desígnios dos deuses

e da morte.
53

Como castigo cabal à tamanha ousadia, Zeus o sentencia a passar a eternidade

vivendo dia após dia empurrando uma grande pedra morro acima, de modo que

ao chegar no cume, o rochedo se põe a rolar novamente para baixo e sua tarefa

se reinicia.

Em seu ensaio sobre o suicídio, entitulado O mito de Sísifo (2013), Camus afirma

que a tarefa de existir, traduzida na condição de empurrar repetidamente a rocha

morro acima e fazê-lo de novo e de novo - dado que o fim da tarefa também se

impõe como o seu início, a medida que ao chegar no topo, a rocha

irrevogavelmente desce à base - nos colocaria frente a uma patente sensação

de inescapabilidade.

Constatar conscientemente essa condição de aprisionamento e não encontrar

resposta alguma que verdadeiramente ofereça sentido a essa realidade seria

ficar frente ao absurdo da existência. Uma condição inescapável, despropositada

e não deliberada por nós.

Para Camus, a revolta advinda de tal constatação parece ser a resposta humana

mais lúcida e mais objetiva para o enfrentamento. Nesse sentido, reagir

revoltosamente ao absurdo de existir, poderia nos levar à ideia de que o suicídio

seria nossa última e mais eficiente resposta. O golpe incisivo contra o

aprisionamento da existência seria a escolha arbitrária de cessar com a própria

vida e se recusar, deliberadamente, a manter o incessante ciclo de rolagem da

pedra sisifiana.

Camus, discute, no entanto, que a saída suicida, responde de certa maneira,

apenas de forma reativa à constatação do absurdo. Fugir da vida, escolher o


54

extermínio, arbitrar no sentido de desistir do conflito, seria negar o desafio de

administrar o paradoxo em viver sob a égide do absurdo existencial.

A revolta dos nossos corações não deveria nos levar a desistir. Ao contrário,

deveria ficar a serviço de alimentar a coragem dentro de nós. Revoltar-se para,

corajosamente, aceitar a inexorável presença do absurdo da nossa realidade.

Dessa forma, toda força advinda dessa resposta emocional à lucida constatação

da despropositada condição humana deveria ser direcionada à escolha por viver.

Portanto, o desafio proposto por Camus não é o suicídio como saída para o

absurdo. Ao contrário, ele propõe como caminho a escolha pela vida, ainda que

frente ao completo silêncio de respostas que o universo nos oferece.

Em síntese, viver e encarar a vida de frente, corajosa e abertamente, seria a

atitude de revolta que nos resta frente à impossibilidade humana de encontrar

respostas que deem conta da absurdidade.

Não obstante, Camus aponta para algo além da escolha arbitrária por viver. Ele

alega que a mais profunda apropriação do conflito existencial envolveria a

consciência plena de nossa liberdade.

Partindo da constatação do silêncio do universo e, portanto, percebendo a

inexistência de um Deus que nos determina, ele afirma que deveríamos nos

recusar a suplantar essa falta de respostas com ilusões de esperanças e nos

negarmos a construir falsos propósitos.


55

Para Camus, deveríamos assumir honestamente que o amanhã não existe e que

não há qualquer amarra opressora ou força superior acima de nossa própria

vontade que nos impossibilite de viver a partir da consciência de plena liberdade.

Por fim, a partir da plena aceitação da condição paradoxal entre o

aprisionamento em nosso destino despropositado e a total liberdade que essa

consciência nos oferece, ele sustenta que não apenas vivamos revoltosa e

livremente, mas que o façamos durante nossa jornada sorrindo - com paixão.

Tomando a paixão (páthos) em seu sentido aristotélico, como o que move o

homem para a ação (práxis), Camus propõe que ao sustentarmos essas atitudes

diante da vida estaremos tão alinhados com nossa essência que não haverá

outra possibilidade de experimentação da realidade que não seja de forma

apaixonada. Tomados pela completude da experiência humana em cada ação

por nós realizada, seremos impulsionados à atitude subsequente de forma tão

apaixonada quanto estávamos no ato anterior.

Enquanto homens absurdos, como propõe Camus, rolaremos nossas pedras

conscientes de nossa condição inescapável, apaixonados pela vida e livres de

qualquer vontade alheia a nós mesmos.


56

O absurdo paradoxo e o paradoxo absurdo

Quando tudo – desejo, alegria e dor – / Em tempestuoso gozo


desintegrar-se, / Então recriar-se-á́ um sono de felicidade, / E aí
tu renascerás, novamente jovem, / Para, novamente, temer,
esperar e desejar!
J. W. Von Goethe
(Trecho de Prometheus)

Um idoso pacato e aposentado que se suicida, tanto quanto um jovem

desesperado, que se vê sem saídas para os problemas e se mata aproximam-

se no que tange a tomarem por certo um sentido de existir, seja por esse sentido

significar o desfecho apropriado de uma jornada ou por representar a libertação

das insuportáveis angústias de viver. Como afirma Camus, (2013, p.22) “Aqueles

que se suicidam (...) costumam ter certeza do sentido da vida”.

Negar um sentido à existência, ao contrário do que possa parecer, não

pressupõe assumir que a vida não valha a pena ser vivida.

Para Camus, qualquer homem comum, tende a se posicionar num espectro entre

a certeza da presença e a certeza da ausência de um sentido para a vida.

Passar a existência mantendo-se entre o “sim” e o “não” em relação à vida valer

a pena ser vivida reflete muito mais honestamente a condição existencial

humana do que qualquer posicionamento unilateral, seja ele a escolha por viver

ou seja por se suicidar, munido de um propósito indelével.

Questionar-se é nossa sina. A consciência humana, a única interface pela qual

podemos atribuir valor ao que experimentamos, não alcança, quando numa

atitude honesta e sem trapaças qualquer compreensão total, verdadeira e

sintética da realidade.
57

Só somos realmente honestos com nossa condição existencial quando

assumimos que não a compreendemos integralmente e adotamos versões

subjetivas que se sobrepõem umas às outras. A vivência do pleno entendimento,

a “eureka” tão desejada por nossas elucubrações, trata-se de algo intangível.

(Eagleman, 2012)

Qualquer compreensão que alcancemos a respeito de uma experiência, ainda

que esta leve em conta conscientemente nosso pensamento, emoções e

experiências sensoriais e intuitivas, nos oferece construções simbólicas que

evidenciam muito mais os limites e características de nossa capacidade

consciente, do que constatações fidedignas sobre a realidade de fato.

Verdades, ainda que aparentemente tão conectadas com a ideia de certezas,

não são constatações apropriadamente humanas. As segundas, não passam de

versões explicativas sobre a realidade, sejam mais ou menos elucidativas aos

olhos de quem as toma para si; as primeiras, outrossim, jamais as alcançaremos

se formos sinceros com a inexorável condição de nossa potencialidade

consciente.

Em outros termos, a verdade está para o universo, para o Self e para a realidade

objetiva das coisas, tal qual a dúvida está para o homem, para o ego e para

nossa subjetividade.

Um vislumbre da percepção sobre o “inapreensível” das coisas, em algum

momento na vida nos ocorre, tal qual uma lufada de claridade. Nesse instante,

apropriar-se desse estranhamento sobre a realidade e constatar nossos limites


58

torna-se uma tarefa exigente, bem como sustentá-lo no tempo é de ordem

hercúlea. Camus nomeia a apreensão desse estado como o absurdo:

No fundo de toda beleza jaz algo de desumano, e essas colinas,

a doçura do céu, esses desenhos de árvores, eis que no mesmo

instante perdem o sentido ilusório com que os revestimos, agora

mais longínquos que um paraíso perdido (...) Estes cenários

mascarados pelo hábito tornam a ser o que são. E se afastam

de nós. Assim como há certas horas em que sob o rosto familiar

de uma mulher se redescobre como uma estranha aquela que

se amara há meses ou há anos (...) O mundo nos escapa porque

volta a ser ele mesmo. (...) essa densidade e essa estranheza

do mundo, isto é o absurdo. (2013, p. 33)

O absurdo revela-se aos homens quando a consciência deixa de pressupor a

realidade e passa a enxergá-la. O dilema da consciência humana passa por

respondermos se somos capazes de viver sem assumir pseudoverdades e

aceitar os muros que nos limitam e, desse modo, realizarmos o absurdo que se

encontra entre o “desejo de felicidade e de razão do homem e o silêncio irracional

do universo”. (Camus, 2013, p. 39)

Nesse ponto, sob esta perspectiva filosófica, se delimita a questão do suicídio.

Para Camus, ao constatarmos o absurdo, confrontar a realidade e assumir uma

luta sem trégua que pressupõe “a ausência total de esperança (que nada tem a

ver com o desespero), a recusa contínua (que não deve ser confundida com a

renúncia) e a insatisfação consciente (que não se poderia assimilar à inquietude

juvenil)” (Camus, 2013, p.42), não há lugar para a morte voluntária.


59

Reagir revoltosamente ao absurdo de existir, poderia nos levar à ideia de que o

suicídio seria nossa última e mais eficiente resposta. O golpe incisivo contra o

aprisionamento da existência seria a escolha arbitrária de cessar com a própria

vida e se recusar deliberadamente a cumprir o castigo sisifiano.

No entanto, ao escolher o extermínio, fugimos da vida. Arbitrar no sentido de

desistir do conflito seria negar o desafio de administrar o paradoxo existencial,

por um apego veemente e certeiro a uma resposta unilateral, como ele sugere

em:

O absurdo é sua tensão mais extrema, aquela que ele mantém

constantemente com um esforço solitário, pois sabe que com

essa revolta e com essa consciência dá testemunho

cotidianamente de sua única verdade, que é o desafio. (Camus,

2013, p.61)

Na visão camusiana, “buscar o que é verdadeiro não é buscar o que é desejável”.

(Camus, 2013, p.50) Para ele, não se dá sentido a algo que não tem, de modo

que quando fazemos isso, escapamos de nós mesmos.

A corajosa atitude do homem absurdo, nesse sentido, implicaria em sustentar

perenemente o contato do apreensível com o ininteligível na interface onde o

absurdo se constela, ou seja, a própria consciência. Nas palavras de Camus, eis

uma síntese desse posicionamento: “O homem absurdo (...) reconhece a luta,

não despreza em absoluto a razão e admite o irracional”. (2013, p. 46)

De forma semelhante, Jung se posiciona frente a fé cega e às crenças

indubitáveis, com alertas muito claros, quando afirma:


60

O homem que apenas crê e não procura refletir esquece-se de

que é alguém constantemente exposto à dúvida, seu mais íntimo

inimigo, pois onde a fé domina, ali também a dúvida está sempre

à espreita. Para o homem que pensa, porém, a dúvida é sempre

bem recebida, pois ela lhe serve de preciosíssimo degrau para

um conhecimento mais perfeito e mais seguro. (2011f, pr.170)

Para Camus, a construção da atitude psicológica do chamado homem absurdo

exige que se atendam certas exigências de posicionamento. Sem algumas

prerrogativas de atitude do homem frente ao mundo, a tomada de consciência

em relação à condição paradoxal do absurdo não seria possível. Ao mesmo

tempo, ao passo que a experiência absurda é vivida conscientemente, ela

própria reforça a construção da atitude que possibilita ao homem sua apreensão.

Tais prerrogativas compreendem a ausência total de esperança, que aponta

para um homem atento ao presente, inteiramente disponível para o que se

apresenta no “agora” da realidade; a renúncia contínua, que sinaliza para a

constante atenção à nossa tendência à acomodação em assumir versões

apaziguadoras e ilusórias da realidade que fogem da experiência de fato; e a

insatisfação consciente, que se refere à perseverança em manter a percepção

consciente e perene do desconforto da condição humana.

O conjunto desses predicados revela o cerne da qualidade psicológica do

homem absurdo camusiano, qual seja, um espírito carregado de coragem,

perseverança, honestidade e paixão.


61

Munido dessas qualidades, o homem absurdo não enxerga outra possibilidade

perante a existência que não seja refutar o suicídio, enquanto reação de esquiva

à vida e abnegação do absurdo.

Em síntese, contraditória e significativamente, ao tratar de suicídio, a obra de

Camus aponta para a construção de algo muito singular: um homem que é a

afirmação veemente da escolha por viver.

O homem absurdo que refuta qualquer “salto” que impeça, limite ou iluda seu

olhar consciente sobre a realidade, para além das caracterizações que Camus

lhe atribui, se aproxima de um homem psicológico, do ponto de vista simbólico-

junguiano, no que tange a sustentar uma atitude particular e irrepreensível frente

à experiência: o desafio de manter a apreciação plena dos paradoxos da

existência na consciência.
62

O sacrifício e a negação do suicídio ou O sacrifício e a afirmação da morte

Se te queres matar, por que não te queres matar? /Ah, aproveita!


Que eu, que tanto amo a morte e a vida, / Se ousasse matar-me,
também me mataria… / Ah, se ousares, ousa! / De que te serve
o quadro sucessivo das imagens externas / A que chamamos o
mundo? / A cinematografia das horas representadas / Por atores
de convenções e poses determinadas, / O circo policromo do
nosso dinamismo sem fim? / De que te serve o teu mundo
interior que desconheces? / Talvez, matando-te, o conheças
finalmente… / Talvez, acabando, comeces… / E, de qualquer
forma, se te cansa seres, / Ah, cansa-te nobremente, / E não
cantes, como eu, a vida por bebedeira, / Não saúdes como eu a
morte em literatura!
Fernando Pessoa / Álvaro de Campos
(Poema Se te queres matar, por que não te queres matar?)

“Matar-se, em certo sentido, como no melodrama, é confessar. Confessar que

fomos superados pela vida ou que não a entendemos”. (Camus, 2013, p.21).

Responder os paradoxos da vida escolhendo uma posição que não seja

sustentá-los na consciência é desviar do enfrentamento de nosso devir.

Frente à cruz que os dilemas da vida nos impõem, manter a tensão é a atitude

psíquica que aponta para a relação mais coerente entre o homem e a natureza.

Como Abraão, que convocado por seu Deus a sacrificar seu próprio filho em

nome Dele, ao se manter por todo o caminho comprometido com a contradição

presente em seu coração entre obedecer ao seu senhor ou recusar-se à

imolação do filho, realiza um desígnio terceiro que reflete de forma cabal o

absurdo camusiano, qual seja, uma realidade paradoxal, nem boa nem má e tão

boa quanto ruim que transcende a pergunta sobre a obediência à fé ou à ética,

com “um insight de absurdidade daquilo que ele estava prestes a cometer”.

(Moraes, 2014)
63

Um sem números de exemplos atuais são cabíveis nesse contexto. Na clínica

psicológica, especialmente quando a situação inclui um analista médico, a

tendência é de que os processos conflituosos sob escrutínio na análise se

encaminhem para uma resolução unilateral.

Vejamos um exemplo. Um profissional recém-formado se dá conta que sua

escolha por Direito há 6 anos atrás não foi acertada. Percebe que sua rotina não

atende às suas necessidades de realização pessoal, sente-se infeliz e

desestimulado a ponto de não ver motivação para continuar vivendo. Chega na

análise com ideias de suicídio. Ao mesmo tempo em que vinha a duras penas

mantendo em dia seus compromissos sem sentido, sonha recorrentemente que

foge com o circo da cidade e se dá conta, já na entrevista, que reiteradamente

age em função de não frustrar as expectativas que infere que a família tem sobre

ele. Percebe que a escolha profissional na adolescência foi fortemente movida

por essa motivação. A escolha pela morte, de forma unilateral, se impõe como a

saída imediata para a enorme tensão entre a falta de sentido que o papel

profissional lhe imprime e o vislumbre de mudanças nesse rumo que, em sua

fantasia, levariam a uma rejeição absoluta dos pais e dos avós. Agir em função

de um chamado interno de mudança, carregado da promessa de voltar a se

entusiasmar com a vida, às custas de arriscar-se em arranhar sua imagem

familiar irrepreensível parecia uma tensão pesada demais para fazê-lo se

posicionar. Ao mesmo passo que, conscientizar-se de seguir na mesma toada

profissional em função de sustentar a aparente expectativa de acertar sempre,

custava caro demais para ser mantido. Só o que fazia era cogitar qual a maneira

mais acertada de se matar, questão que não dividiu com ninguém até chegar ao

consultório. Ao delimitarmos a situação e nomearmos tais tensões, um ingênuo


64

e pressuposto alívio que, como analista, eu esperava que alcançássemos deu

lugar a uma convicção de morte ainda mais apurada. A tomada de consciência

do conflito intensificou a defesa que visava eliminar a contradição. A lucidez

sobre o jogo de forças que se apresentava em sua vida reforçou ainda mais a

ideia de que ele não daria conta da situação e a morte era a saída. O que ele me

dizia, e não fui capaz de perceber inicialmente, não se traduzia no dilema entre

as dificuldades de uma guinada profissional e a sustentação de sua imagem de

estabilidade perante a família. Seu relato anunciava, antes de mais nada, a

tensão entre a importância de manter sua imagem imaculada e a tendência

iminente de destruí-la da forma mais exuberante, caso ele atentasse contra si.

Seu desespero iminente era para não se tornar suicida, antes mesmo de saber-

se um artista, como de fato, aconteceu. Digo isso, porque foi somente a partir de

um ato de coragem que partiu de mim como analista, quando ao invés de

contornar, discutimos abertamente sobre a estética, os estigmas e os modos de

execução relacionados à diversas formas de se matar, que a atitude do paciente

se modificou. Quando o paradoxo significativo daquele momento foi, de fato

constelado, uma mudança de atitude foi sendo construída, na qual esquivas

foram dando lugar à assertividade, medo e coragem passaram a oscilar no

campo com mais equilíbrio e a raiva passou a alimentar escolhas ousadas que

não a própria morte, que passou a caber ali - e tudo isso, tanto para ele quanto

para mim.

Seja em relação ao analista, seja em relação ao paciente, faz-se importante

repetir que, frente à cruz que os dilemas da vida nos impõem, manter a tensão

entre as polaridades é a atitude psíquica que aponta para a relação mais

coerente entre o homem e a natureza.


65

Sustentá-la exige uma revisão constante e consciente de nossa postura frente

aos fatos pois, diante do suicídio de um paciente, por exemplo, a morte se impõe

também na forma de fracasso para o analista. Hillman alerta a esse respeito em:

Tanto os analistas médicos, como os analistas leigos tendem a

ter uma abordagem psicológica até chegar à questão do

suicídio, quando então, ambos tendem a adotar uma abordagem

médica. (1993, p. 31)

O dilema que a questão do suicídio impõe nesse sentido é crucial. A mudança

de atitude do analista frente ao risco de suicídio de um paciente, de uma escuta

simbólica para uma abordagem médica, é determinada e se justifica pela

constatação de que não há de haver análise sem um paciente vivo. Como

Hillman afirma: “Do ponto de vista médico, as questões da alma e seu destino

são bastante irrelevantes quando confrontadas com um cadáver”. (1993, p. 100)

Para o analista médico, a tensão em relação a qual posicionamento adotar frente

a um paciente suicida é tão intensa que a rápida opção, na grande maioria das

vezes inquestionável e automática, pela atitude médica de preservação da vida

mostra quão perturbadora é essa cruz para o profissional.

O paradoxo que se instala entre os papéis de analista e de médico para o

profissional frente à condição suicida do paciente é uma variável adicional que

pesa no campo e exige atenção. Hillman expõe a ambivalência dessa condição

com muita propriedade no trecho a seguir:

O analista médico é obrigado por seu treinamento e tradição a

dar consideração prioritária à morte orgânica, que coloca a


66

morte simbólica e a experiência da morte em segundo lugar.

Todavia, quando o analista médico dá mais peso ao físico do

que ao psicológico, mina sua própria posição analítica.

Desvaloriza a alma como realidade primária para a análise e

toma partido do corpo. (1993, p.99)

Dado que não sabemos se a alma perece e se a psique tem fim com a morte

(Jung, 2011d), seja pelo suicídio consumado ou não, só nos cabe fazer

corajosamente uma escolha a partir do viés médico ou do viés da análise e

apropriar-se conscientemente desse caminho. Tanto melhor se esse viés for em

busca da transcendência desse paradoxo e não no sentido da unilateralidade

que melhor convir ao alívio da tensão – o corpo primeiro ou a alma antes de mais

nada.

Hillman alerta a respeito da atitude do analista nesse cenário e aponta para o

caminho que preconiza em sua obra Suicídio e alma: “Ao identificar a expressão

de uma experiência com a própria experiência (...) não conseguiu manter clara

a distinção entre dentro e fora”. (Hillman, 1993, p.99).

O que Hillman discute é que frente à possibilidade de autoextermínio de um

paciente, se a atitude do profissional tomar o risco de ocorrência como a

ocorrência, ele perderá a experiência numinosa do símbolo vivo. Nesse

desfecho, frente ao risco de vida, o analista deserta da alma. Deixa de ser um

homem absurdo, no sentido de abrir mão do empírico e optar por uma saída na

qual se esquiva do desespero que a situação, como tal, constela.

Seja um viés médico, religioso ou qualquer outro que substitua a apreensão

direta da experiência pela tentativa de reduzi-la, explicá-la ou modificá-la,


67

eliminando-a, superando-a ou a hipertrofiando, não estará alinhado a uma

atitude psicológica, que, segundo Hillman, alimenta a alma. (Hillman, 1993)

Tampouco corresponderá a uma atitude filosófica camusiana, que preconiza a

experimentação da realidade sem julgamentos, sem “saltos” ou tentativas de

fuga da absurdidade, que impeçam o trabalho de desenvolvimento da

capacidade de viver plenamente cada faceta da experiência.

Dito de outra forma, sob a perspectiva hillmaniana, “Se o analista deseja

compreender algo que se passa na alma, jamais deve tomar uma atitude de

prevenção”. (Hillman, 1993, p. 60) Pelo contrário, para ele “o conhecimento

exigido para enfrentar o risco de suicídio é, paradoxalmente, conhecimento a

respeito da grande desconhecida, a morte”. (Hillman, 1993, p.67)

A consciência da morte, sustentada na nossa relação com o mundo, sem desvios

trapaceiros, sem “saltos dissociativos”, de certa forma, é uma das prerrogativas

de onde o analista deve partir para compreender as experiências sofridas

durante a crise suicida.

É exigido dele, nessa situação mais do que em qualquer outra, que ele seja um

homem absurdo, “totalmente voltado para a morte (tomada aqui como a

absurdidade mais evidente)” onde “sente-se desligado de tudo o que não é a

atenção apaixonada que se cristaliza nele” – ou seja, que esteja integralmente

presente, atento e apaixonadamente tomado pelo momento do encontro e onde

“saboreia uma liberdade em relação às regras comuns...”(Camus, 2013, p. 64),

isto é, escolhe abrir mão dos códigos e convenções, teorias e preceitos até então
68

consumidos, para ficar completamente livre para a experimentação do que se

apresentar no setting.

A fidelidade do analista à natureza do símbolo e à ideia de sacrifício, o mantém

corajosamente aberto para a experiência, consciente e atento de seus riscos de

inflação e acomodação, com os quais pode se apegar a certezas que, de certa

forma, roubam-lhe da liberdade de apreender a experiência sem pré-

julgamentos. Da mesma forma, exige que seja forte para lidar com o desespero

e toda a gama de afetações dolorosas que a experiência honesta trará à sua

vida e ao setting analítico.

Hillman discorre sobre esse aspecto do trabalho quando diz:

Não ter nenhuma esperança, nada esperar, nada pedir. Isto é

desespero analítico. Não entrever falsas esperanças, nem

mesmo aquela esperança de alívio que leva alguém à analise

em primeiro lugar. Este é um vazio da alma e da vontade. (1993,

p. 105)

Isso porque, conectado à natureza paradoxal e pluripotente do símbolo

psicológico e equipado com a noção de que é a atitude sacrificial frente a ele que

possibilita sua expressão de modo transcendente, Hillman reforça:

Quanto mais consciente for o impulso para a morte, mais ele terá

a tendência de colorir toda a vida psíquica com o desespero. E

quanto mais esse desespero puder ser contido, menos o suicídio

“acontecerá por acaso”. (1993, p.105).


69

Da mesma forma, Jung é preciso e bastante prático quando trata desse aspecto

ao dizer que:

O principal objetivo da terapia psicológica não é transportar o

paciente para um impossível estado de felicidade, mas sim

ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento. A

vida acontece no equilíbrio entre a alegria e a dor. Quem não se

arrisca para além da realidade jamais encontrará a verdade.

(2011g, pr. 185)

O que se configura nesse contexto é que, considerando que vivemos sob

negação e distanciamento do símbolo da morte na consciência individual e

coletiva, o trabalho analítico vai inevitavelmente passar pelo confronto desta

temática sombria no setting.

Quando se apresentar para a dupla analítica, a atitude de manter essa simbólica

- sempre tão reprimida - disponível no campo, exige um verdadeiro sacrifício

anímico por parte do analista e do paciente. Isso porque para além do fato de

que o símbolo da morte é denso, central e residente inveterado da porção

inconsciente de nosso psiquismo, sua peculiaridade nos carrega para uma

situação limite e perturbadora quando o seu conteúdo se apresenta sob o

símbolo do suicídio.

Como acontece com qualquer outro símbolo da psique, a exploração do símbolo

do suicídio na análise envolve a contemplação de suas possíveis apresentações

unilaterais. Isso significa que, sem muita previsibilidade, como já discutimos, a

possibilidade da parada concreta e absoluta do processo analítico, por conta do


70

fim da vida do paciente, torna-se conscientemente real e factível como saída

polarizada da expressão concreta do símbolo do suicídio.

Essa particularidade da simbólica suicida torna a manutenção da atitude

psicológica de sustentação da tensão no campo, para analista e paciente, uma

tarefa extraordinariamente exigente e imprescindível – um verdadeiro sacrifício

da alma em busca da transcendência.

A coragem e a força de ficar em suspensão na cruz atitudinal que a natureza

ambivalente do símbolo impõe, demanda, portanto, um genuíno heroísmo de

ambas as partes. Por um lado, o que se aponta sob esse contexto é que o

processo psíquico de afirmação do símbolo da morte na consciência passa

necessariamente pelo sacrifício de deixar de negá-lo. Ao mesmo tempo, esse

processo parece ser o único caminho psicológico possível para um outro

sacrifício também necessário, qual seja, administrar o símbolo do suicídio para

além de sua faceta concreta.

O que se constela nesse contexto é uma grande conflitiva da existência humana

e do processo de análise psicológica, qual seja, não haver posicionamento frente

a uma realidade que, ao visar a individuação e o confronto com o inconsciente,

não tenha custos para a alma. Jung disserta sobre essa condição crucificada em

seu texto sobre a psicologia da transferência, no trecho:

Não importa que façamos isto ou aquilo, de qualquer modo, a

natureza se ressente e tem que sofrer por assim dizer até a

morte, pois o homem puramente natural deve morrer de certa

forma durante sua própria vida. O símbolo cristão do crucifixo é

um modelo e uma verdade “eterna” justamente por isso. Certas


71

imagens medievais mostram o Cristo pregado na cruz por suas

próprias virtudes. Em outros seres humanos são os vícios que

se encarregam disso. Aquele que se encontra a caminho da

totalidade não pode escapar desta estranha suspensão

representada pela crucificação. (Jung, 2012b, pr.470)

Visto de um ponto de vista aproximativo, a posição de enfrentamento anímico do

sacrifício e a atitude do homem absurdo frente à realidade parecem apontar para

similaridades substanciais - ao assumir a condição real e ambivalente das

coisas, munidos de coragem e determinação absurdas, nos proporíamos

conscientemente a suportar as vivências mais terríveis e as tensões mais

disruptivas, recusando desvios ou esquivas, entendendo que é infértil negá-las,

que saltar a largo é enganar-se e que fugir dos paradoxos é inútil, dado que,

como condição precípua da existência, eles são onipresentes.

Assim, quando o absurdo se instala e é suportado, ele salva. Salva o indivíduo

do suicídio, enquanto abnegação. Isso porque, segundo Hillman, nessa

circunstância “a experiência da morte não é simplesmente ultrapassada; ela é

realizada, consumada e construída na psique”. (1993, p. 109)

O analista conectado a essa perspectiva simbólica e existencial se torna o

psicopompo. (Hillman, 1993) Como homem absurdo ele possibilita ao outro o

contato com esse estado psicológico heroico, no qual tudo é possível na análise

e nada é impedido. É o mais próximo que se pode chegar da oferta de liberdade

incondicional para a expressão de si-mesmo, sem opressões à manifestação da

alma.
72

Em outras palavras, em se tratando da questão suicida constelada no setting

analítico, é o profissional rigorosamente posicionado numa atitude sacrificial, na

qual ele suporta todas as facetas do símbolo psicológico constelado e os dilemas

que este traz, sem tomar partido unilateral (seja pela simbolização defensiva,

seja pela medicalização reativa), que possibilitará ao paciente uma mudança de

atitude frente a terrível imagem do suicídio como ela costuma se apresentar –

na iminência de sua concretização.

Ao passo que o analista mantenha uma via pérvia e disponível de assimilação

do símbolo - seja ele qual for - tomado como o elemento de ligação entre o

consciente e o inconsciente, ele convidará o paciente a essa mesma atitude.

Ainda que sob a tensão de um símbolo tão perturbador quanto o da morte, a

medida que o analista se sustenta como psicopompo, mantendo-se frente aos

símbolos da psique na cruz sacrificial de contemplação de suas polaridades, ele

oferece um novo modelo de relacionamento com o material numinoso ao

paciente.

Jung trata dessa questão ao dissertar sobre a função transcendente no trecho

abaixo:

Por isto, na prática o médico adequadamente treinado medeia a

função transcendente para o paciente, isto é, ajuda o paciente a

unir consciente e inconsciente e, assim, chegar a uma nova

atitude. Nesta função do médico está uma das muitas

significações importantes da transferência: por meio dela o

paciente se agarra à pessoa que parece lhe prometer uma

renovação de atitude; com a transferência ele procura esta


73

mudança que lhe é vital, embora não tome consciência disto.

(2011e, pr. 146)

Dito de outra forma, esse espelhamento de atitude do qual o paciente tende a se

apropriar, será tão mais adequado ao seu relacionamento consciente, aberto e

corajoso com os símbolos da psique, quanto a postura do seu analista também

o for.

Assim, o que se configura em relação à postura analítica do profissional é uma

exigência atitudinal elevada, que servirá ao paciente como modelo de conduta

potencialmente incorporável através da transferência – uma atitude sacrificial,

imageticamente traduzida na suspensão na cruz, honesta com a natureza

numinosa do símbolo - que conecta o consciente e o inconsciente – e que amplia

a consciência, ao possibilitar ao material simbólico toda sua expressão

transcendente.
74

Propósito ou Absurdo e/ou Propósito e Absurdo

Há um momento que tudo preenche / Tudo por que nós


ansiamos, sonhamos, desejamos, / E tememos, querida filha –
isto é a Morte!
J. W. Von Goethe (Trecho de Prometeu)

Como tratamos acima, Camus discorre em O mito de Sísifo (2013) sobre seu

posicionamento frente à condição existencial humana. Ele delimita no espectro

de possibilidades uma resposta final na qual, suscintamente, indica que ele não

vê sentido na existência e, logo, escolhe viver.

Cada ser humano que se deparar com esses paradoxos existenciais terá o

desafio de se posicionar a respeito da existência ou não de algum sentido para

a vida e, em seguida, do que fazer com ela quando a primeira resposta for

assumida.

Camus, em relação ao sentido da vida, parece posicionar-se no polo mais

extremo do repertório de respostas para essa condição. Em seu texto, ele afirma,

com veemência, que não apreende sentido e toma como absurda a condição de

vivente, bem como afirma que o universo não oferece resposta além do silêncio

para nossas indagações.

Frente a alguém com tal posicionamento, inevitavelmente, me levo a pensar no

seu oposto direto - alguém que enxerga propósito em tudo o que vê. Sem pensar

mais que um átimo, minha avó me vem à cabeça. Num cenário no qual ela

tivesse contato com o posicionamento camusiano, possivelmente ela teceria

impressões preocupadas acerca do que teria levado um homem tão inteligente

e loquaz a tamanho desapego. Com alguma precisão, posso afirmar que ela

cogitaria que deveria se tratar dos escritos de um homem recém-divorciado ou


75

que, por certo, perdera o emprego. Cogitaria também diagnóstico recente ou luto

de alguém muito próximo. Se o visse pessoalmente começaria a procurar

caquetes de conduta ou maus hábitos que indicassem perversões ou algum sinal

de adoecimento mental. Não encontrando resposta afirmativa, certamente,

concluiria que se tratava de um infeliz homem sem Deus.

O paralelo entre Camus e minha avó me ocorreu pelo seguinte: ao considerar a

dinâmica de polaridades da psique, em relação à atribuição de um sentido à vida,

não há ninguém que eu conheça que esteja tão diametralmente oposto a Camus

do que ela.

Para pessoas como minha avó, o que não falta à realidade é sentido para existir.

Sua visão de mundo atribui propósito a cada ação que acontece na vida. Os

acontecimentos são, por si só, sucessões de afirmações e reafirmações da

lógica de Deus e da sabedoria da natureza. Para alguém como ela, que enxerga

Camus bem de longe, lá na outra ponta da fila, não importa a qualidade do que

ocorra na vida, seja algo delicioso, seja algo terrível, isso confirmará o proposito

de se estar vivo e os desígnios do Criador.

O mais interessante e intrigante dessa comparação é que, apesar da extrema

oposição, Camus e minha avó, na verdade, também são dois exemplos patentes

que exemplificam a força e a convicção de viver. Como aponta Jung, “O pêndulo

do espírito oscila entre sentido e absurdo, não entre certo e errado”. (2006, pr.

189)

A revolta que Camus conclama frente ao absurdo e a serenidade que minha avó

exprime frente ao propósito que apreende, são sentimentos que impulsionam


76

ambos à afirmação pungente de viver em plenitude todas as facetas da

experiência humana.

A coragem, a paixão e a determinação de viver podem ser condições

psicológicas tanto de quem só vê silêncio no universo e ausência de

intencionalidade no incognoscível, quanto de quem enxerga a ocupação plena

do espaço e do tempo com o sentido de uma vida guiada por desígnios que estão

além do inteligível.

O fato de alguém construir narrativas que, por exemplo, humanizem o universo

e a realidade ou expliquem o intangível, mas ainda assim mantenha uma atitude

corajosa e apaixonada frente às contradições da vida, aceitando seus mistérios,

pode não fazer dessa pessoa rigorosamente um homem absurdo, de acordo com

as premissas camusianas, mas certamente faz desse alguém um homem

sempre renovadamente heroico.

Sob essa perspectiva, tanto o homem absurdo quanto minha avó, apontam para

a construção de um heroísmo paradoxal. Trata-se de sacrificar o herói pueril da

unilateralidade, que enfrenta os desafios a partir de escolhas que regridem a

energia psíquica para lugares anteriores à cruz das circunstâncias. Reconhecê-

lo e louvá-lo em sua função, de num determinado momento da vida nos ajudar a

construir nosso caminho, não implica que não devamos sacrificá-lo em prol de

uma trajetória mais complexa e real que demande por um “novo herói”. Um herói

absurdo, um herói paradoxal.


77

Esse movimento é apontado por Jung como um conselho do inconsciente à

consciência quando, por qualquer razão, a libido se fixa em algum ponto

defensivo:

Deixe seu herói morrer, pois ele de fato nada mais foi que a

personificação de um sonho regressivo e infantil que não

manifestava a intenção, nem possuía a força para, em troca do

afastamento deste mundo, fisgar um outro no mar primitivo do

inconsciente, o que teria sido um ato de heroísmo verdadeiro.

Este sacrifício só acontece numa total devoção à vida, quando

toda a libido retida em laços familiares precisa sair do círculo

estreito e ser levada para o grande mundo. (2011a, pr. 64)

Assim, aparelhados com essa qualidade heroica paradoxal, partir de um

propósito ou partir da falta de qualquer sentido como motivo para viver deixa de

ser a questão de ordem.

Se, em princípio, tratávamos de responder se o caminho é o propósito ou o

absurdo, neste segundo tempo de consciência, não respondemos a nada disso,

mas sim, contemplamos tudo isso - experimentamos a numinosidade da

constatação “Propósito ou Absurdo e/ou Propósito e Absurdo”.


78

Conclusões aproximativas

Toda obra, o objetivo dela é atingir o momento poético. Seja


escultura, teatro, cinema, música. Ela só acontece quando ela
vibra poeticamente, numa revelação absolutamente original,
singular e única. Nesse sentido, você ou eu, qualquer autor é
instrumento de algo que o suplanta, que é maior que ele. Você
é realmente uma boquinha, um oráculo, para algo que está se
dizendo, se expressando, através de você.
Adélia Prado
(Trecho de Entrevista em 2010)

Este texto, em termos de atitude diante do mundo, aponta para a necessária

tarefa de conscientemente sustentarmos a morte como ocorrência real,

inexorável e complementar à vida e dessa forma, também sermos capazes de

afirmar verdadeiramente o suicídio como possibilidade psicológica.

Para isso, compreendo que nosso posicionamento frente às contradições da vida

e da morte passem, de alguma forma, pela construção de um homem simbólico

que as tolere e as suporte.

A ideia do homem absurdo de Camus alinha-se fortemente com esse fim, no

entanto, a comparação entre Camus e minha avó me levou a pensar a respeito

do que os torna tão semelhantes, apesar das diferenças. O que há de essencial

em seus pontos de vista que fazem com que ambos sejam paradigmas da

afirmação da vida?

É preciso perceber como absurda a condição de existir para que escolhamos a

vida? A revolta pela constatação da absurdidade é necessária? O que, de um

ponto de vista psicológico, é essencial para que tenhamos a força de escolher

viver?
79

Não podemos dizer que crer veementemente em Deus e balizar nossas

condutas nos desígnios de sua vontade, determinam, certamente, que

refutaremos o suicídio. Homens-bomba, por exemplo, não titubeiam em escolher

a morte em nome de suas firmes crenças religiosas.

Da mesma forma, homens laicos e alinhados a posicionamentos filosóficos e

existenciais consistentes em relação à falta de sentido da vida e à ausência de

Deus, podem se posicionar firmemente em prol de viver, ao passo que, para

outros, mesmo munidos de tais crenças, deparar-se com uma crise profissional

ou uma paixão arruinada pode ser suficiente para levá-los a atentar contra a

própria vida.

Definitivamente, portanto, convicções sobre a existência vão impactar nossos

posicionamentos sobre viver e morrer, mas não determinarão a escolha por

refutar ou escolher o suicídio.

Ao que me parece, no fim das contas, a vida experimentada a partir da busca de

sentido e pautada na transcendência de nossas experiências - minha avó - ou

vivida a partir da ausência de qualquer sentido e balizada na imanência do

apreensível – Camus - não se distinguem enquanto determinantes isolados para

desfechos suicidas.

Minha síntese possível leva à ideia de que, de um ponto de vista psicológico

profundo, a vida se fará desafiadora e suficientemente atraente, a ponto de

refutarmos o suicídio como opção, conquanto sustentemos a atitude humana,

demasiadamente humana, de nos alimentarmos de paradoxos.


80

É a abertura firme e receptiva para a paradoxal realidade que tornam Camus e

minha avó tão semelhantes - esse ponto de partida singular e inescapável que

alcançamos quando, a despeito da atribuição de sentido ou erratismo para a

existência, nos conectamos verdadeiramente com a inteireza da experiência do

momento e assim, experimentamos, no grau mais intenso que podemos

alcançar, a vivência de completude humana.

Essa atitude de conexão intensa com nossa natureza torna-se um processo

exigente porque só pode ser realizado em tempo real, reafirmado a cada minuto,

reconciliado com a consciência repetidamente, para que cada experiência seja

inteira, dual, contraditória, simbólica e, portanto, numinosa!

É um verdadeiro trabalho de repetição, como a rolagem da pedra sisifiana, haja

visto, a tendência à unilateralidade do nosso psiquismo, que é descrita por Jung

de diversas formas em sua obra, como se segue nesse trecho:

Cada vez que um acontecimento numinoso faz vibrar fortemente

a alma, há perigo de que se rompa o fio em que estamos

suspensos. Então o ser humano pode cair num “sim” absoluto

ou num “não” que também o é! (...) O perigo do numinoso é que

ele impele aos extremos e então uma verdade modesta é

tomada pela Verdade e um erro mínimo por uma aberração fatal.

(2006, pr.189)

Tomar o exemplo de Sísifo não mais como punição, mas como princípio, parece

ligar os pontos onde tanto o propósito quanto o erratismo ou o absurdo não são

excludentes.
81

Tomar a repetição do ato de rolagem da pedra como a prerrogativa humana para

a transcendência é compreender a repetição como a renovação constante da

atenção e da crítica, como nosso recontrato com a consciência de nossas prisão

e liberdade, nossos instintos e arbítrios, da vida e da morte, do propósito e do

absurdo, reafirmando para nós mesmos a ciência da natureza da psique e do

paradoxismo do símbolo.

Gestar dentro de nós um novo herói psicológico, capaz de enfrentar e sustentar

os oximoros da natureza, torna-se uma meta, especialmente quando tratamos

de um momento histórico como o nosso, no qual o suicídio enquanto paradigma

de nossas claudicações frente às contradições da existência se anuncia como

saída cada vez mais frequente.

Nesse sentido, minha avó, Jung, Hillman e Camus, que corajosamente

expressaram em suas vidas ou obras uma postura irrepreensível frente a

realidade objetiva da totalidade, sem buscar nada mais do que o empírico, sem

evitar a angústia e sem apego a certezas absolutas, esses são exemplos de

homens realmente humanizados, aqueles nos quais se constela

psicologicamente esse “novo herói”, para os quais o suicídio como saída

concreta torna-se uma improbabilidade.


82

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