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Psychology.
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Sumário
INTRODUÇÃO 7
O MITO DE SÍSIFO 52
O ABSURDO PARADOXO E O PARADOXO ABSURDO 56
CONCLUSÕES APROXIMATIVAS 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 82
7
Introdução
filosofia” (Camus, 2013, p.19), é com essa sentença que Albert Camus inicia sua
Se, de fato, a condição de escolher por dar fim à própria vida ou não o fazer é a
questão definitiva para a filosofia, o que isso vem a significar, do ponto de vista
psique.
quando ele enuncia em sua obra Suicídio e Alma: “O suicídio é o problema mais
Isso porque, tanto a partir de uma perspectiva filosófica quanto psicológica, o ato
outro.
Por um lado, deliberar sobre nossas próprias vidas, essa qualidade característica
Por outro lado, sermos determinados, ainda que não completamente pelos
instintos, nos convida a pensar sobre forças inconscientes dentro de nós que
contraponham à sobrevivência.
história o suicídio foi tão prevalente como na atualidade, o que é que vem nos
denominado por Spielrein (1994), caracteriza-se por ter uma natureza dual e
fronteiras territoriais.
energética, pode ser entendido como a força que se opõe à tendência inexorável
cuidado sem precedentes de uma mãe com seus filhos exprime a força desse
outra espécie, que um outro aspecto se apresenta e nos discrimina dos outros
nossos esforços vise, antes de mais nada, a manutenção de nossas vidas, não
não seria sintetizar uma dinâmica psíquica complexa, mas sim reduzi-la.
apontar para uma construção que remete à esfera das coisas “essencialmente
humanas”. Isso porque, como Jung afirma, a natureza humana vai além do
consciência.
inequívoca do homem ele pontua que “não temos outra via de saída, e somos
Não obstante, ele discorre sobre os riscos inerentes a esse jogo de forças:
somos exclusivamente guiados por nossos instintos, não podemos negar que a
Ora mais ora menos intensamente, a consciência humana passou a interferir nos
“deslizante” da consciência:
sinalizados:
673)
a ideia de destino, ligada ao mundo dos instintos e das forças ancestrais que nos
influência dos instintos sob nossas vidas e a ideia de destino daria lugar ao livre-
arbítrio de forma cabal, de modo que, poderíamos considerar, por mais irônico e
contemporâneo que possa parecer, que viveríamos sob uma cultura inflada e
deuses.
nossas forças instintivas por ser a escolha da vontade que suplantaria até
natureza animal, que o suicídio ganha proporções cada vez maiores e nunca
mesmo sentido:
garante que elas sejam normais. Pois não devemos nos deixar
(2014, p. 368)
A partir de outro ponto de vista, a neurociência também aponta para uma ideia
Quase tudo o que acontece em nossa vida mental não está sob
consciência pode levar o crédito que quiser, mas (...) depois que
Nesse sentido, o suicídio, como a ação que atesta a derrota do homem frente à
perspectiva da psique.
p.201-202).
expressar uma finalidade que seja o extermínio de sua própria fonte de energia
mundo regido exclusivamente pelas forças instintivas da psique. Como num jogo
qual um vetor para a esquerda neutralizaria um vetor para a direita e nos levaria
à nulidade de forças.
através de uma força (instinto) que, por sua vez, age em função de anular essa
mesma energia é um modelo que teria por finalidade a morte térmica. (Jung,
2012a)
19
Aceitar esse cenário, nos obrigaria a considerar uma condição impossível para
do sistema. Em outras palavras, seria dizer que a vida tem por princípio se
extinguir.
20
repertório humano.
por conta do seu impacto e frequência cada vez maiores. (Fleischmann, 2014)
(Fleischmann, 2014)
dez mil suicídios todos os anos. Em pouco mais de uma década, de 2000 a 2012,
Apesar dos investimentos para que se entenda o que leva alguém a esse ato tão
suicidas.
(Joiner & Silva, 2012, Van Orden et al., 2010) Sachs-Ericsson e seu grupo, em
ignorando esse tema, ainda que, por certo, dada sua relevância e impacto, ele
e da saúde.
22
(1993, p.43)
23
Feijó sintetiza essa distinção de vieses ao pontuar que “para a questão ‘suicídio’,
parta, são intensificadas pelo fato de que, nos casos em que ele é patente não
como este se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande
(2013, p.20)
também), no entanto, isso não faz do ato de tirar a própria vida, em termos
estritos, uma ação sobre-humana, dado que ela se encontra dentro do repertório
de imprevisibilidade.
O que quero dizer é que, no fundo, como qualquer ato humano, nós só
nesse sentido, é que o ato suicida ao se realizar leva a um fim que impossibilita
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pensamentos, é que alguém com o humor depressivo, por exemplo, tem muito
não tem com quem dividir as experiências negativas da vida. (Druss, B., Pincus,
H., 2000)
taxas de suicídio tendem a diminuir (Durkheim, 2014), o que quer dizer que a
chance de alguém cogitar suicídio tende a ser menor nos arredores de Damasco,
capital da Síria, nos dias atuais, onde ela se encontra inundada de situações
Provence.
Sendo assim, ainda que não possamos predizer com a certeza desejada a
comportamento.
adulto jovem ou ter idade avançada; ser solteiro, viúvo ou divorciado; não ter
passando por crise financeira; ter histórico de lar desfeito na infância; estar
Do ponto de vista da análise, por outro lado, a medida que a ideia de se matar
se sobre a questão do suicídio não é enxergá-lo nem como síndrome nem como
Podemos considerar que o suicídio vem sendo um tabu na grande maioria das
sociedades modernas.
2000, p. 84)
O fato psicológico de que “uma abertura face ao suicídio significa, antes de mais
periférica na cultura.
se diretamente com o fato de que nossa cultura trata da morte, de modo geral,
Rosemary Gordon, em sua obra Dying and Creating (2000) reforça essa ideia
quando afirma que no último século, mais do que o sexo, o tema da morte foi o
Ao longo da história, os modos com os quais lidamos com esse fato inexorável
eternidade.
2002)
Como afirma Gordon: “De tempos em tempos, o homem ocidental ousou virar a
cara para o fato da morte a fim de contemplar uma vida sem ela”. (2000, p.05)
ídolos e tão pouco ideais para nos apoiarmos, o homem do século XX cultivou
“salto”, de um exercício cognitivo que nos afasta da acareação com nossa real
condição existencial.
Este processo é alvo de apreciação de Jung quando ele alerta sobre o perigo da
nos “braços eternos”, tem a vida por inimigo. (2011a, pr. 615)
Essas conjunturas são tão rotineiras que estão presentes em nosso modo
acerca dos falecidos: “Fulano teve um infarto porque não se exercitava” ou ainda
Imagine, por outro lado, viver num mundo sem tais recursos psicológicos. Se
hão de parar”.
31
Da mesma forma, imagine ouvir sobre a morte de alguém: “Havia 63 anos que
para que haja possibilidade de uma vida saudável. Em outras palavras, ainda
sua atração por ela, seu medo, o tipo de defesa erguida contra
Nossa educação, no entanto, não contempla a morte como matéria básica para
“evolução”.
histórico.
ainda está distante ou não lhe pertence. Tudo isso, ainda que seja às custas de
característica da mente que “torna mais provável que você acredite que uma
(Eagleman, 2012, p.75) ainda que, absurdamente, essa declaração possa ser
Ernest Becker reforça essa construção ao dissertar sobre nosso modo de viver
ilusórias.
energia “para fora” sempre trará como resposta para a consciência novas
percepções e impressões da realidade que, por sua vez, vão mobilizar no mundo
Encadeia-se que, em outra sessão, ele afirma: “Eu sempre fui o melhor aluno e
dolorosa de quando tinha 6 anos de idade: “Meu pai abandonou nossa casa
do qual não poderia pagar sem se endividar. Além disso decide, de forma inédita,
Ainda que às custas de uma dívida com o banco e de trair seu código de conduta
admirado aos olhos dos outros. Na situação exemplificada, isso foi alcançado
que a realidade objetiva lhes oferece, do que com aquilo que a vida de fato impõe
em suas trajetórias.
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inconsciente se torna um perigo real para o consciente quando este não é capaz
facilitado, se este estiver alicerçado numa visão de mundo que não contempla a
símbolo da morte em todas as suas nuances (dor, perda, derrota, limitação, falta,
tristeza, frustração, erro...), o ego não se torna capaz de enxergar outra saída
para o confronto com essas facetas negativas da existência, que não seja
morte torna-se tarefa basilar para nossa coletividade, sob o risco de uma “cisão”
A proximidade desse constructo com nossa realidade atual, evidencia que, tanto
para acarear a realidade da morte e os paradoxos que ela suscita. Não por
e a tarefa exigir perseverança, por sentirmos medo e a tarefa nos cobrar coragem
Assim, para além de seu significado notório de fim, contemplar a morte em suas
renascimento.
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sua faceta concreta. Evitamos a ideia de morte a todo instante e nos recusamos
a integrar sua simbólica à consciência a não ser que ela se imponha, ao nosso
vida. Gordon exprime essa resistência à ideia de morte nos nossos dias, no
Jung discorre sobre o símbolo da morte e como a consciência pode lidar com
partir da assimilação honesta e sensível do real lugar que ela ocupa na alma.
ordinais, bem como condicionantes para balizar uma sucessão de etapas entre
o viver e o morrer.
essa questão na seguinte citação: “No fundo todo processo nada mais é do que,
De outro modo, ele reforça esse ponto de vista quando descreve a natureza
Ainda que a morte faça parte desse modelo de processo vital em sua etapa final,
ela não se incorpora ao modelo como sua meta, mas apenas como seu término.
dizer que, caso você tenha alcançado tal intento e sua prole passe bem,
Ainda que consigamos descolar dessa visão em algum nível e, a partir de outros
Por não agregar grande coisa em prol da conquista da meta evolucionista – haja
visto que ela, idealmente, vem depois de termos alcançado o objetivo reprodutivo
evitada.
Jung, em seu texto A alma e a morte (2011d) discute precisamente este ponto –
presente e a projete a perder de vista. Jung aponta para esse fato na seguinte
citação:
46
pr. 803)
Jung nos convida a pensar essa outra dimensão do símbolo da morte ao nos
que a vida é limitada pelo nascimento de um lado e pela morte do outro”. (2000,
p.10)
continuamente.
Da mesma forma, para o ego, apavorado com sua possível extinção, a morte
deve ser evitada o quanto possível, se ela é tomada por este sentido que Jung
Apesar disso, a morte enquanto símbolo vivo, carregado das mais plurais
(2000, p.03)
renascimento.
Ainda que não seja um fenômeno observável, como Jung aponta em seu texto
Isso quer dizer que tudo o que vivemos e que nos transforma é prenhe do
De certa forma, um dia a mais de vida vivido, por mais que evitemos esse olhar,
exclusões reativas.
aqueles que criariam bem são pessoas que devem ser capazes
deriva da tensão dos opostos e nesse sentido, vida e morte, tanto quanto morte
complementares do processo:
130)
desafio de assimilar a morte como uma realidade inexorável não apenas no fim
nosso caminhar.
Por mais contraditório que possa parecer, iluminar essas dimensões da morte
concreto dela, seja a morte biológica natural, acidental ou o próprio suicídio. Não
com a simbólica da morte faça com que ela se concretize com mais chance em
nossas vidas.
a energia psíquica ligada a esse material fique disponível para o ego e não a
aponta em:
Assim, o que se delineia nesta perspectiva é que negar a morte e todas suas
categoricamente em:
O mito de Sísifo
divindade Asopo que uma grande águia teria raptado sua filha. Zeus, a grande
águia que, de fato, raptara Égina, a filha de Asopo, furioso com a delação do
mortal, ordena que o Deus da Morte, Tanatos leve Sísifo para o mundo dos
do desígnio de Zeus.
no mundo e as pessoas passam a não morrer mais. Tal condição provoca Hades,
Deus dos Ínferos, que mobiliza forças para libertar Tanatos e aprisionar Sísifo
novamente.
Antes de sua captura, entretanto, Sísifo orienta sua esposa a não enterrar seu
corpo em um funeral.
lhe permitirem um último e breve momento em vida, para “se vingar” pelo
desrespeito de não ter sido enterrado por sua esposa. Concedido tal pedido,
Sísifo foge com a esposa e pela segunda vez escapa dos desígnios dos deuses
e da morte.
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vivendo dia após dia empurrando uma grande pedra morro acima, de modo que
ao chegar no cume, o rochedo se põe a rolar novamente para baixo e sua tarefa
se reinicia.
Em seu ensaio sobre o suicídio, entitulado O mito de Sísifo (2013), Camus afirma
morro acima e fazê-lo de novo e de novo - dado que o fim da tarefa também se
de inescapabilidade.
Para Camus, a revolta advinda de tal constatação parece ser a resposta humana
pedra sisifiana.
A revolta dos nossos corações não deveria nos levar a desistir. Ao contrário,
Dessa forma, toda força advinda dessa resposta emocional à lucida constatação
Portanto, o desafio proposto por Camus não é o suicídio como saída para o
absurdo. Ao contrário, ele propõe como caminho a escolha pela vida, ainda que
Não obstante, Camus aponta para algo além da escolha arbitrária por viver. Ele
inexistência de um Deus que nos determina, ele afirma que deveríamos nos
Para Camus, deveríamos assumir honestamente que o amanhã não existe e que
consciência nos oferece, ele sustenta que não apenas vivamos revoltosa e
livremente, mas que o façamos durante nossa jornada sorrindo - com paixão.
homem para a ação (práxis), Camus propõe que ao sustentarmos essas atitudes
diante da vida estaremos tão alinhados com nossa essência que não haverá
se no que tange a tomarem por certo um sentido de existir, seja por esse sentido
das insuportáveis angústias de viver. Como afirma Camus, (2013, p.22) “Aqueles
Para Camus, qualquer homem comum, tende a se posicionar num espectro entre
humana do que qualquer posicionamento unilateral, seja ele a escolha por viver
sintética da realidade.
57
(Eagleman, 2012)
consciente.
Em outros termos, a verdade está para o universo, para o Self e para a realidade
objetiva das coisas, tal qual a dúvida está para o homem, para o ego e para
nossa subjetividade.
momento na vida nos ocorre, tal qual uma lufada de claridade. Nesse instante,
aceitar os muros que nos limitam e, desse modo, realizarmos o absurdo que se
luta sem trégua que pressupõe “a ausência total de esperança (que nada tem a
ver com o desespero), a recusa contínua (que não deve ser confundida com a
suicídio seria nossa última e mais eficiente resposta. O golpe incisivo contra o
por um apego veemente e certeiro a uma resposta unilateral, como ele sugere
em:
2013, p.61)
(Camus, 2013, p.50) Para ele, não se dá sentido a algo que não tem, de modo
perante a existência que não seja refutar o suicídio, enquanto reação de esquiva
O homem absurdo que refuta qualquer “salto” que impeça, limite ou iluda seu
olhar consciente sobre a realidade, para além das caracterizações que Camus
existência na consciência.
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fomos superados pela vida ou que não a entendemos”. (Camus, 2013, p.21).
Frente à cruz que os dilemas da vida nos impõem, manter a tensão é a atitude
psíquica que aponta para a relação mais coerente entre o homem e a natureza.
Como Abraão, que convocado por seu Deus a sacrificar seu próprio filho em
absurdo camusiano, qual seja, uma realidade paradoxal, nem boa nem má e tão
com “um insight de absurdidade daquilo que ele estava prestes a cometer”.
(Moraes, 2014)
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escolha por Direito há 6 anos atrás não foi acertada. Percebe que sua rotina não
análise com ideias de suicídio. Ao mesmo tempo em que vinha a duras penas
age em função de não frustrar as expectativas que infere que a família tem sobre
por essa motivação. A escolha pela morte, de forma unilateral, se impõe como a
saída imediata para a enorme tensão entre a falta de sentido que o papel
fantasia, levariam a uma rejeição absoluta dos pais e dos avós. Agir em função
custava caro demais para ser mantido. Só o que fazia era cogitar qual a maneira
mais acertada de se matar, questão que não dividiu com ninguém até chegar ao
sobre o jogo de forças que se apresentava em sua vida reforçou ainda mais a
ideia de que ele não daria conta da situação e a morte era a saída. O que ele me
dizia, e não fui capaz de perceber inicialmente, não se traduzia no dilema entre
iminente de destruí-la da forma mais exuberante, caso ele atentasse contra si.
Seu desespero iminente era para não se tornar suicida, antes mesmo de saber-
se um artista, como de fato, aconteceu. Digo isso, porque foi somente a partir de
campo com mais equilíbrio e a raiva passou a alimentar escolhas ousadas que
não a própria morte, que passou a caber ali - e tudo isso, tanto para ele quanto
para mim.
repetir que, frente à cruz que os dilemas da vida nos impõem, manter a tensão
aos fatos pois, diante do suicídio de um paciente, por exemplo, a morte se impõe
também na forma de fracasso para o analista. Hillman alerta a esse respeito em:
Hillman afirma: “Do ponto de vista médico, as questões da alma e seu destino
a um paciente suicida é tão intensa que a rápida opção, na grande maioria das
Dado que não sabemos se a alma perece e se a psique tem fim com a morte
(Jung, 2011d), seja pelo suicídio consumado ou não, só nos cabe fazer
que melhor convir ao alívio da tensão – o corpo primeiro ou a alma antes de mais
nada.
caminho que preconiza em sua obra Suicídio e alma: “Ao identificar a expressão
de uma experiência com a própria experiência (...) não conseguiu manter clara
homem absurdo, no sentido de abrir mão do empírico e optar por uma saída na
compreender algo que se passa na alma, jamais deve tomar uma atitude de
É exigido dele, nessa situação mais do que em qualquer outra, que ele seja um
isto é, escolhe abrir mão dos códigos e convenções, teorias e preceitos até então
68
apresentar no setting.
julgamentos. Da mesma forma, exige que seja forte para lidar com o desespero
p. 105)
psicológico e equipado com a noção de que é a atitude sacrificial frente a ele que
Quanto mais consciente for o impulso para a morte, mais ele terá
Da mesma forma, Jung é preciso e bastante prático quando trata desse aspecto
ao dizer que:
anímico por parte do analista e do paciente. Isso porque para além do fato de
símbolo do suicídio.
ambas as partes. Por um lado, o que se aponta sob esse contexto é que o
não tenha custos para a alma. Jung disserta sobre essa condição crucificada em
que saltar a largo é enganar-se e que fugir dos paradoxos é inútil, dado que,
contato com esse estado psicológico heroico, no qual tudo é possível na análise
alma.
72
que este traz, sem tomar partido unilateral (seja pela simbolização defensiva,
do símbolo - seja ele qual for - tomado como o elemento de ligação entre o
paciente.
abaixo:
o for.
transcendente.
74
Como tratamos acima, Camus discorre em O mito de Sísifo (2013) sobre seu
de possibilidades uma resposta final na qual, suscintamente, indica que ele não
Cada ser humano que se deparar com esses paradoxos existenciais terá o
a vida e, em seguida, do que fazer com ela quando a primeira resposta for
assumida.
extremo do repertório de respostas para essa condição. Em seu texto, ele afirma,
com veemência, que não apreende sentido e toma como absurda a condição de
vivente, bem como afirma que o universo não oferece resposta além do silêncio
seu oposto direto - alguém que enxerga propósito em tudo o que vê. Sem pensar
mais que um átimo, minha avó me vem à cabeça. Num cenário no qual ela
e loquaz a tamanho desapego. Com alguma precisão, posso afirmar que ela
que, por certo, perdera o emprego. Cogitaria também diagnóstico recente ou luto
não há ninguém que eu conheça que esteja tão diametralmente oposto a Camus
do que ela.
Para pessoas como minha avó, o que não falta à realidade é sentido para existir.
Sua visão de mundo atribui propósito a cada ação que acontece na vida. Os
lógica de Deus e da sabedoria da natureza. Para alguém como ela, que enxerga
Camus bem de longe, lá na outra ponta da fila, não importa a qualidade do que
ocorra na vida, seja algo delicioso, seja algo terrível, isso confirmará o proposito
oposição, Camus e minha avó, na verdade, também são dois exemplos patentes
do espírito oscila entre sentido e absurdo, não entre certo e errado”. (2006, pr.
189)
A revolta que Camus conclama frente ao absurdo e a serenidade que minha avó
experiência humana.
do espaço e do tempo com o sentido de uma vida guiada por desígnios que estão
além do inteligível.
pode não fazer dessa pessoa rigorosamente um homem absurdo, de acordo com
Sob essa perspectiva, tanto o homem absurdo quanto minha avó, apontam para
construir nosso caminho, não implica que não devamos sacrificá-lo em prol de
uma trajetória mais complexa e real que demande por um “novo herói”. Um herói
defensivo:
Deixe seu herói morrer, pois ele de fato nada mais foi que a
propósito ou partir da falta de qualquer sentido como motivo para viver deixa de
Conclusões aproximativas
em seus pontos de vista que fazem com que ambos sejam paradigmas da
afirmação da vida?
viver?
79
outros, mesmo munidos de tais crenças, deparar-se com uma crise profissional
ou uma paixão arruinada pode ser suficiente para levá-los a atentar contra a
própria vida.
desfechos suicidas.
minha avó tão semelhantes - esse ponto de partida singular e inescapável que
exigente porque só pode ser realizado em tempo real, reafirmado a cada minuto,
(2006, pr.189)
Tomar o exemplo de Sísifo não mais como punição, mas como princípio, parece
ligar os pontos onde tanto o propósito quanto o erratismo ou o absurdo não são
excludentes.
81
paradoxismo do símbolo.
realidade objetiva da totalidade, sem buscar nada mais do que o empírico, sem
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