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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
DISCIPLINA DE POLÍTICA BRASILEIRA
PROFº JOSCIMAR SOUZA SILVA

Núbio Kalisson Oliveira Barbosa

Analfabetismo e historicidade: desigualdades históricas na educação do Nordeste Brasileiro

TERESINA - 2022
RESUMO:
Buscando entender a historicidade do analfabetismo no Brasil, este texto aborda a
construção histórica do fenômeno no Brasil com foco nas desigualdades educacionais na
região Nordeste, compreendendo três políticas públicas de três momentos históricos no país, a
fim de tecer considerações sobre a desigualdade e o desamparo no Nordeste em relação a
políticas de alfabetização.
Palavras-chave: Analfabetismo, Censos demográficos, Nordeste.

1.0 INTRODUÇÃO
Ao voltarmos nossos olhos para a história, poderemos ver que a humanidade nunca
esteve tão envolvida em novas tecnologias, novos processos e novas demandas. O avanço do
tempo nos colocou em um estado de desenvolvimento científico em que há em nossa volta
uma comunicação constante entre ser e mundo, seja físico ou o tão jovem universo digital.
Entretanto, é de se esperar que, dada tamanha comunicação, que a sociedade esteja pronta
para entender e também se comunicar.
Assim, é que se inicia esta análise, dando importância principal ao processo de
comunicação pelas letras. Enquanto a demanda por conhecimento se expande a grandes
níveis, enfrentamos o problema de uma parcela da população não ser sequer alfabetizada.
A via de regra, conceitua-se analfabetismo de tal forma que pode ser considerada
analfabeta a pessoa “que declara não saber ler escrever um bilhete simples no idioma que
conhece, além da inclusão daquelas que relatam que aprenderam a ler, mas esqueceram”
(IBGE, 2001). Apesar de um conceito muito estudado e complexo, poderemos o aproximar a
incapacidade de compreensão ou produção de uma escrita simples que informe ou construa
uma ideia concreta do que se corresponde como cotidiano.
No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD
Contínua) de 2019, temos uma taxa de 6,6% de analfabetismo entre as pessoas de 15 anos ou
mais. A primeira vista o número nos parece pequeno, mas ainda sim corresponde a cerca de
onze milhões de brasileiros. Isto é, ainda contamos com contingente populacional analfabeto
semelhante ao contingente populacional total de um país como a Bélgica. O analfabetismo no

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Brasil ainda corresponde a um grande problema na sociedade civil, que precisa ser analisado e
combatido.
Mas, antes de voltarmos a atualidade, precisaremos entender como este assunto se
comportou ao longo da história do país. Para Ferraro(2002, p. 26) um estudo voltado ao
fenômeno do analfabetismo “requer atenção especial para a perspectiva histórica, cobrindo os
quase 130 anos decorridos do primeiro ao último censo realizado no Brasil[…]”. Por meio da
análise histórica de outros eventos civis ou de políticas públicas implantadas, poderemos
perceber melhor como o Estado combateu e combate essas taxas de analfabetismo.

2.0 MÉTODO DE EXTRAÇÃO DE DADOS


Entre as pesquisas feitas para tratar dos dados deste texto, a maior parte vem do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sejam dados retirados do Censo ou da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e PNAD Contínua, além de dados de
publicações institucionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira(INEP). Além disso, foram observados dados sobre projetos e políticas públicas no
portal do MEC.
Para dar base a argumentação, o texto se firma também em cima de artigos de autores
que retratam o panorama da alfabetização no país ao longo do tempo, como Alceu Ferraro
(2002) e Paini(2005).

3.0 REFERENCIAL TEÓRICO


A história do analfabetismo no país é extensa, e recai desde seu descobrimento até os
dias atuais. A grosso modo, poderemos pensar uma melhoria nas condições da alfabetização a
partir da vinda da família real portuguesa ao Brasil, em 1808. Com a abertura dos portos e a
importação de novos livros e ideias, foram criados centros de formação, intensificando uma
melhora no sistema educacional. Conforme D. Pedro I assumiu então novo império do Brasil,
após 1822, é que vemos então um sistema educacional em que as províncias eram
responsáveis pela educação. O acesso à educação se tornara mais amplo, porém a maioria da
população ainda era analfabeta.

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O primeiro censo realizado no Brasil aconteceu em 1872. E, feito novamente apenas
em 1890, demonstrou a gigantesca taxa de analfabetos na população, que correspondia a cerca
de 82%. É por volta dessa época que a questão educacional ganha destaque no Estado e na
sociedade brasileira, mas não por questões sociais e de desenvolvimento, mas por questões
políticas.
O enfraquecimento do governo e as novas discussões acerca da culpa dos iletrados
originou o Decreto nº 3 029, de 9 de janeiro de 1881. A Lei Saraiva, dentre outras reformas
eleitorais, proibia o voto dos analfabetos.
Nesses contextos é que o Império do Brasil precisava se organizar política e
socialmente, e construir sua nação. Assim a educação, ainda como um privilégio concedido
pelo Estado, começava a se tornar assunto público. Contrastes entre uma “educação básica”
provida pelas províncias e uma “educação superior” que era concentrada pelo poder central
nos permitem observar a condição em que a população era exposta à educação, ainda muito
desigual e centralizada nas elites.
A partir da Constituição de 1891 é que a lei conferiu ao Estado a determinação de
oferecer à população ensino público gratuito. Desde então, os debates sobre a educação da
população aumentaram, bem como a preocupação do Estado em melhorar a condição do
analfabetismo.
Tabela 1 – Analfabetismo na faixa de 15 anos ou
mais – Brasil 1900/2000

Na Tabela 1, observamos como se comportou a taxa de analfabetismo a partir de 1900.


E mesmo após os anos 2000, poderemos observar por dados do PNAD que essa taxa esteve

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em queda contínua, dos 65,3% em 1900 até os 6,6% de 2019. Entretanto não podemos marcar
esta análise apenas com dados relativos e proporções. No processo do analfabetismo no país,
estão localizadas diversas esferas que influenciam suas taxas. As dimensões econômicas,
sociais e políticas atuam conjuntamente, tanto que poderemos pensar como uma das grandes
marcas do subdesenvolvimento a falta de bons indicadores sociais de educação na população.
Ainda que tenhamos caído de 65% para 6%, em 2019 ainda temos mais analfabetos na
população com 15 anos ou mais do que tínhamos em 1900 – enquanto antes eram 6 milhões
analfabetos, hoje são 11 milhões – e isso demarca que, apesar dos avanços relativos, estamos
lidando com um problema ainda muito evidente.

4.0 RESULTADOS
Diante dos problemas apresentados, iremos ainda mais fundo, até o nível regional. É
onde nos encontraremos com ainda mais desigualdades, e problemas ainda mais visíveis.
Hoje, as regiões do Brasil também ainda perpetuam processos históricos, como as próprias
desigualdades.
Por exemplo, observando a Tabela 2, veremos que enquanto as regiões Sul e Sudeste
do país se encontram abaixo das médias do analfabetismo, Norte e principalmente Nordeste
não conseguem acompanhar este caminho, e geralmente têm taxas bem maiores.

Tabela 2 – Taxa de analfabetismo da população de 15


anos ou mais – 1996/2001

Ainda seguindo dados mais atuais da PNAD Contínua(2019), enquanto as regiões Sul
e Sudeste tinham taxas de apenas 3,3%, metade da média do país, a região Nordeste
acumulava 13,9%, quatro vezes maior que essas regiões.

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Nessas regiões há também fatores como a evasão escolar e o distanciamento do
sistema educacional, que prejudicam ainda mais a condição do analfabetismo. Por exemplo,
seguindo os dados das Tabelas 3 e 4, nos anos 2000, os maiores índices de anos de estudo na
população estavam concentrados nas regiões Sul e Sudeste do país, enquanto os menores
índices residiam majoritariamente no Nordeste.

Tabela 3 - Os dez primeiros municípios cuja população de


15 anos ou mais tem, em média, os maiores índices de anos
de estudo – 2000

Tabela 4 - Os dez últimos municípios cuja população de 15


anos ou mais tem, em média, os menores índices de anos de
estudo – 2000

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Olhando para estes índices, é de se pensar que os movimentos e políticas públicas
estariam com suficientes projetos para lidar com o analfabetismo e as desigualdades regionais.
Entretanto, apesar de inúmeros projetos para erradicar o analfabetismo no Brasil, o problema
ainda se mostra longe de ser resolvido.
A baixa qualidade do ensino, a falta de profissionalização de alfabetizadores e o mal
planejamento das políticas públicas contra o analfabetismo muitas vezes travaram a evolução
dessas questões, muitas vezes efetuando resultados promissores, porém insuficientes, e em
outros momentos grandes fracassos.
Dentre esses projetos, nos atentaremos a três deles: A Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA), criada a partir de 1947, o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL) de 1968, e o Programa Brasil Alfabetizado, de 2003.
Vindo de um processo reformista em 1930, o país passava por processos que
indicavam o analfabetismo como uma “anomalia social”, responsável entre outras coisas pela
miséria nacional e a falta de desenvolvimento. Assim, criando uma necessidade de
remodelação social e política no Estado Novo, a proposta da CEAA surgia como um apelo
patriótico ao combate a um inimigo público, o analfabetismo. Assim, como cita Ferraro(2002,
p.27) “O analfabetismo, portanto, emergiu no Brasil como uma questão política, não como
uma questão econômica.”
Uma visão militarizada deste combate conferia ao CEAA uma ideia higienista, de uma
homogeneização popular e da construção de uma pátria letrada, com uma educação
fortemente ligada ao apelo cívico.
É inegável que essa primeira proposta alavancou a estrutura do combate ao
analfabetismo no país. Novas propostas surgiam, o campo da educação se demonstrava forte.
Dentre essas propostas, o método do educador Paulo Freire tomou forma. Numa proposta que
ia contra os métodos de alfabetização por cartilhas e frases pré-formadas, Freire conseguiu
revolucionar o método a ponto de ser convidado pelo presidente João Goulart a repensar o
sistema educacional no país, de forma que em 1964 estava previsto a criação de um projeto de
educação para cerca de 2 milhões de analfabetos.

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Entretanto, como em outros momentos da história, o país acabou por dar um passo
para trás nesse assunto. Em 1964 também aconteceu o Golpe Militar, que interrompeu o
trabalho de Paulo Freire, além deste ter sido preso e exilado.
Durante o período da ditadura, em nome do progresso e do desenvolvimento social
que o governo militar fingia propagar, se instituiu outro movimento, ainda mais imponente,
que prometia o milagre educacional de varrer o analfabetismo do país. O Movimento
Brasileiro de Alfabetização, o MOBRAL, foi instituído em 1967, mas só em 1970 passou a
receber verbas.
Em contraponto ao método freiriano mas utilizando parte de seus conceitos, o
MOBRAL prometia um modelo técnico padronizado para o Brasil inteiro, seguindo agora não
mais palavras do cotidiano dos alunos, mas vindas das normas da língua culta e definida por
uma equipe técnica.
Apesar da contradição de um período marcado pela retirada de direitos e de intensa
repressão da mídia e das comunicações promover um movimento de alfabetização da
população, o sucesso do projeto não passou do imaginário militar da época. O milagre
brasileiro não fora atingido. Foi encerrado em 1985, depois de quinze anos de atuação e
diminuído apenas em 2,7% o índice do analfabetismo no país. Dos quarenta milhões de
analfabetos que passaram pelo programa, apenas quinze milhões foram diplomados, formados
em palavras de ordem e otimismo organizadas para dar esperança a um povo marginalizado.
Assim, com um retumbante fracasso, o MOBRAL se instaurou com qualidade apenas no
imaginário social, ainda significando em algumas regiões do nordeste um termo adjetivo,
usado pra denominar um indivíduo com pouca ou nenhuma instrução.
Pensando na atualidade, poderemos nos atentar agora para o Programa Brasil
Alfabetizado, realizado pelo Ministério da Educação desde 2003. Visando a superação do
analfabetismo entre jovens com 15 anos ou mais, adultos e idosos no país, atende
prioritariamente municípios com altas taxas, majoritariamente localizados na região Nordeste
do país.
Com um programa que prevê incentivo técnico e financeiro na alfabetização dos
jovens e adultos, e uma proposta forte nas regiões mais afetadas do Brasil, o programa tem
atuado nos últimos anos com grandes gastos, enquanto a taxa de alfabetização da população

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de 15 anos ou mais no Nordeste saiu de 77,6% em 2004(PNAD) para 86,1% em
2019(PNADContínua).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desses projetos, nos últimos quinze anos, a taxa de analfabetos de 15 anos ou
mais no Nordeste reduziu em pouco mais de 8% enquanto seus contingentes populacionais
não estagnaram. Os projetos de alfabetização no Brasil, por mais capilares ou ambiciosos que
se tornaram, ainda têm fortes dificuldades em conferir a uma parcela da população brasileira
situada na região Nordeste um sistema educacional que possa combater com qualidade o
analfabetismo.
Frutos de uma centralização histórica do acesso à educação e a informação, o
analfabetismo e o problema educacional brasileiro afetam hoje as regiões marginalizadas do
território tanto quanto afetaram em outras épocas. A centralização educacional de classe,
como acontecia no Império, hoje acontece de forma mais latente, menos institucional.
Entretanto, não foi extinta.
Assim, mesmo sendo objetivada por programas e políticas públicas de alfabetização, a
região Nordeste ainda sofre com o pouco planejamento especializado dessas políticas em
relação às suas especificidades, além de sofrer com outros problemas sociais e políticos que
também influenciam no sistema educacional. O analfabetismo no Brasil, apesar de ter tomado
um grande lugar nos projetos públicos do Estado, permeou o Império, a República, a Ditadura
e todos os outros processos governamentais do país, e continua sendo um problema evidente
na esfera social.

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REFERÊNCIAS
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Dados de Analfabetismo no
Brasil (2001). Disponível em:<www.ibge.gov.br>. Acesso em:17 set. 2022.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. MEC/Inep. Censo escolar
(2001). Disponível em: <www.inep.gov.br>. acesso em:16 set. 2022.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD. Taxas de
analfabetismo na população de 15 anos ou mais (2015). Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
acesso em:16 set. 2022.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNADContínua. Taxas de
analfabetismo na população de 15 anos ou mais (2019). Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
acesso em:17 set. 2022.
FERRARO, Alceu Ravanello. Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem
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CARVALHO, José Murilo de. A Construção Nacional 1830-1889, v.2. História do Brasil
Nação: 1808-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
PAINI, L. D.; GRECO, E. A.; AZEVEDO, A. L.; VALINO, M. DE L.; GAZOLA, S.
Retrato do analfabetismo: algumas considerações sobre a educação no Brasil. Acta
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COSTA, Deane Monteiro Vieira. A campanha de educação de adolescentes e adultos no
Brasil e no estado do Espírito Santo (1947-1963): um projeto civilizador. Universidade
Federal do Espírito Santo, Tese de Doutorado, 2012.

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