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O QUE É E PARA QUE SERVE

UMA ONSTITUIÇAO

in-
em que época, n a o
Toda sociedade, não importa em que lugar, não importa
n o r m a s que, no
em um conjunto de
ou complexa, é baseada
porta o quão simples intuitivo
ser exercido. Diante disso, parece
mínimo, definem c o m o o poder deve
sociedade necessariamente tem u m a constituição, que
supor que toda e qualquer
básicas de organizaço do poder. No en-
seria justamente esse conjunto de n o r m a s
da disciplina direito constitucional é, de um
tanto, o conceito de constituição objeto
do que a simples existência de um conjunto
lado, mais denso, porque exige mais
de regras sobre o exercício do poder, e, de outro lado, mais limitado, justamente
inúmeras formas de organizaço
porque sua densidade incompatível
o faz com

política e social, do passado do presente.


e

1.1 UM CONCEITO DE CONSTITUIÇAO

sobre
Quando se afirma que constituição não é simplesmente um conjunto de regras
o exercício do poder, quer-se com isso dizer que
ela é mais do que isso. Como será
exercício do
Vvisto adiante, um conceito básico de constituição, além de regras sobre o
fundamentais. Isso é suficiente
poder, incdui necessariamente a proteção de direitos
afirmaçao segundo a qual nem toda sociedade, por mais que tenha
para justificar a

regras sobre o exercício do poder, tem uma constituição. Como afirmado anterior-
mente, o exercício do poder em toda e qualquer sociedade, nào inmporta em que

escritas
poca, foi e é baseado em regras, que podem ser simples ou complexas,
52 Dinito Comslitucional Brasileim

o CSCTilas, 1ais ou menos cstáveis. Mesmo que haja um dCumento clar..


ro e
i c u l a d o que explicite todas cssas regras, näo é pOSSivel cnamar esSse documens
nto
de constituição se ele não for a l , isto é , se ele tambem n a 0 previ a proteção d.

dircitos fiundamentais.
s p o n t o , porque outro conceito foi introduzido, e necessario explicá-l

Documentos que preveem direitos ås pesoas existem há milenios. Apesar disso, a


Cxisténcia de documentos que definem a forna de exercício do poder, e também de
documentos que preveem direitos, não é por si só suficiente para concluir que essa
comunidade tem uma constituição. No parágrafo anterior, nao se falou apenas em
cretos, mas em dieitos fundamentais. Embora haja um longo e permanente debate
o T e o proprio conceito de direitos fundamentais, não é preciso tomar partido nese
debate neste momento. é suficiente. A
Uma brevíssima digressão histórica noção de
ireitos fundamentais surge no contexto da ascensão do liberalismo, sobretudo na
Segunda metade do século
Direitos fundamentais, nessa origem, expressam a
xVIlI.
1deia de
que aos indivíduos devem ser garantidas esferas de liberdade em
nados ämbitos de sua vida. A determi-
garantia desse tipo de direito, que vIsa a proteger os
individuos não em sua com relação outros indivíduos, mas cOm o
e o
que caracteriza
proprio Estado,
as
constituições no sentido aqui estudado.
Um
exemplo trivial pode ser ilustrativo. Até
a ascensão do
pessoas não podiam decidir
sozinhas que ofício ou
liberalisnmo, as
Garantir que os indivíduos profissão gostariam de exercer.
pudessem escolher sua
pudesse interferir arbitrariamente nessaprofissão
ou oficioe
o Estado
impedir que
escolha era obviamente
para liberalismo. O mesmo vale,
o central
por exemplo, para o direito de se
vremente, seguir a religiao que expressar li-
quiser, se quser, associar-se a outros
perseguir um objetivo comum, poder se indivíduos para
locomover, ter
sem
justificativa, entre outros. nao ser preso propriedade,
É a associação desse
tipo de direitos a existencia de
do poder que
caracteriza o que hoJE se consSidera regras sobre o exercício
Mas a simples o
núcleo
mesma
justaposição
dessas duas de uma
caracteristicas ainda não constituição.
forma que a
proteçao de é
dos
direlitos
fundamentais suficiente. Da
indivíduos, inclusive cOntra o
LsStado, as
visa a
garantir a liberdade
também devem servir a esse mesmo Tegras sobre o
existência de regras. Ha uma
objetivo Ou
seja, não
exercício do poder
trata se
exigéncia
Como
objetivo evitar o
qualitativa
arbítrio. Assim, não adicional: essas simplesmente
mente da
seria regras devem ter
tem uma
constituição se o
documento que possível
define as dizer que uma
político tivesse seguinte a cláusula: Os regras de sociedade
sociedadec
são exercidos única e
poderes
exclusivamene pelo legislativo, exercício do poder
poder
imperado executivo jud
judiciário e

. Isso não
significa que único objetivo da garanta dle
o
o Estado. Em direitos fas
primeiro lugar, porque muitos direitos podlem
em
segundo lugar, porque parte dos direitos ni1o lem proteger
fundamentais seja
e, exigir coo os
proteger
indivíduos teger os
por objetivo afastar
uma açao, necessária para a sua realizaçao. Ver.
os
indivíduos contra
entre outros. Ver, por
contra outros
exemplo, tópico fi estatal, mas ros indivíduos;
o
a
ação
(
O Que é e para que Serve uma Constiluição 33

Como pode antever, a condição básica que as regras de exercício do poder


se

politico em uma dada socicdade devem preencher é a de que o poder não pode ser
absoluto. Deve haver alguma forma de separação de poderes e de funções, distribuídas
entre peCSSOAS C orgaos com razoável grau de autonomia em relaçao aos outros.

A mais clara expressão do qlue se disse até aqui é aqucla presente em um dos
prineipais docunentos produzidos pelo constitucionalis1mo do século xvi, a Decla
ração dos Dircitos do Homem e do Cidadão francesa, de 1789, cujo artigo 16 tinha
a seguinte redaçao: "Toda sociedadc na qual não csteja assegurada a garantia dos
direitos, nem a separação de poderes determinada, não tem constituição".
Diante do exposto até aqui, percebe-se que o conceito de constituição envol-
e mais do que a sinmples existencia de um conjunto de regras sobre o exercício
do poder. Isso em dois sentidos: ()) sentido
em um
quanlilalivo, porque ele exige
mais do queregras sobreo exercício do poder, ao demandar também a proteção
de direitos fiundamentais: e (2) em um sentido quaitativo, porque cle requer uma
qualificação para as regras de exercício do poder, ao exigir que elas estejam baseadas
em alguma forma de separaçao de poderes.
AO SCr mais exigente, esse conceito de constituição aplica-se a um conjunto
restrito de situaçòes, porque sua densidade o faz incompatível com inúmeras for-
mas de organização política e social, do passado e do presente. Não basta que, em
determinado Estado, existam regras sobre o exercicio do poder; tampouco que haja
uma declaração de direitos fundamentais; tampouco que haja ambos, sem maiores
qualificações. E necessário que haja ambos e que ambos tenham como objetivo
evitar concentração e arbítrio no exercício do poder. Assim, Estados autoritários e
totalitários, mesmo que tenham um documento que possa ser oficialmente chamado
de "constituição", não têm constituição nos termos aqui definidos.
Tampouco tem constituição um Estado que, embora tivesse uma declaração de
direitos fundamentais e no
qual o
poder político fosse exercido por diferentes pes-
soas e instituições, que se controlassem mutuamente, não abrisse essas instituições à
participação popular. Se os integrantes do legislativo fossem apenas os membros da
família L, do executivo, da família E, e do judiciário, da família J, perpetuados de
forma hereditária, um importante grupo de direitos fundamentais estaria ausente, os
quais, embora não possam ser descritos como esferas de autonomia dos indivíduos,
como é odos direitos mencionados anteriormente, ainda assim fazem
caso
parte
do cerne do conceito de constituição: os direitos politicos. A garantia dos direitos de
votar e ser votado, então, também faz parte de um conceito mínimo de constituição.
Por fim, é importante ressaltar um terceiro elemento de um conceito básico
de constituição, que dá sentido aos dois primeiros (separação de poderese garantia
de direitos fundamentais). Uma constituição náo é um
documento qualquer. Como
Sera visto adiante, cla nem ao nenos é necessariamente um documento. Mas uma

Constituição, não importa a forma que tenha, e necessariamente um pacto. Ela nao
pode apenas ser vista como um conjunto de regras e prncipios que
pProtegen in-
dividuos isolados. Ela é um pacto que funda uma
counidade politica, um pacto
34 Dneito Constituronal Brasileo

ISoladamente
cada u m dos
mdividuos consi-
qUe, nesmo quc naO se]a o idcal paa
-
soCICdade,
1 a 0 importa qucm
a vida
cm Cm
c T a t o s , ¢ aCCilo c o m o cssenCial para
que os dire
(la monncnto o poder. Eo pacto qlie gante
cspecilico, CXCTCa
omum Capaz de
O 1 1 a s na0 sejam iolados pela maioria. E un deno m

a s mais difCTCnies visoes de mundo cm tono de um JPIOJet P l s .

constituicao c o m o um pact0-,
emDOld
iel SemprC evi.
Caacteistica -a
n d a nos livrosde dircilo constitucional o Brasil, éa chave para connpreendC

a 1orça necessaria para


pei neias constitneionmais exitosas. Ela dá à constituiçao
C C T A tempos conturbados. Näo é à toa que governos aulontaros, 1O passaclo

PCSCnte, sCmpre procuraran minar a importância da consutuigdo COmo um

P e o quc une os membros de uma dada sociedade. Tambem nao e a toa que esse

d o ciemento de um coccito básico de constituição que nao pode ser emulado.

ios autoritarios com frequência têm documentos intitulados coNstztuçao, nos


quais podem ser enconuadas inúmeras tentativas de emular seus doIs primeiros

clementos - separaçâão de poderes e direitos fundamentais -, mas esses dlocumen

tos nunca foram capazes d e unir uma sociedade em torno de um denominador

Comum. nunca foram vistos como um pacto. Por isso, Estados autoritarios, mesmo

que digam ter uma constituição, nunca a têm como um símbolo; Simbolos de Esta-
aOs autontanos são sempre outros, que em geral segregam - 0 sditerentes, os não

acionais. os que divergem -, nunca são símbolos que congregam, como é o caso
de uma consütuiçao.
E
importante sublinhar que
conceito de constituiça0 apresentado até aqui,
o

embora exigente, é um conceito mínimo e tem como objetivo, de um lado, deixar


clara a função primeira de uma
constituição e, de outro, estabelecer um parâmetro
de identificação e reconhecimento de textos constitucionais.
Mas esse conceito não
fornece, nem
pretende fornecer, qualquer critério de deciso acerca do que, além
do mínimo, deve fazer parte de uma constituição. Essa é
uma decisão política e
altamente dependente das necessidades
particulares de cada sociedade em cada
contexto histórico. Essa ressalva ficara mais clara
quando da análise da contrapo-
sicão entre constituição em sentido formal e em sentido
materiale da análise de
diferentes objetivos possiveis para um texto constitucional?
Por fim.e antes de ir adiante, e necessario
deIxar claro que o conceito de cons-
ituicão estabelecido neste topico e noauvo. u
seja, ele
mínimas para que algo possa ser chamado de constituicão prescreve as condições
Por
descritivo, esse conceito em algumas situações pode ser
ser
normativo, e nao

outros usos do termo constituiçao, nO


passado e no
ncompatível com inúmerOs
presente, no Brasil
cxemplo mais claro seja expressåo "Constituição de outros
e em
países. Talvez o
o uso da
Uma leitura descontextualizada do documento outorgado 1937.
por Getúlio Vargas em
10 de novembro de 1937, e tambem seu ome oflicial
Sugerir que se tratava de uma IstituiaO no
sentido ("Constituição"),
aqui definido. poderiam
Conudo. nao
2. Ver os tópicos 1.2.2 e 1.2.3.
O Que ée para que Serve uma Constituição 5

prática política do período


em
texto, mas sobrctudo a
apenas
dctalhes do proprio
documento tinha
infirmam a suposiçao de que aquele
csteve c m vigor,
que ele fundamentais'. Diante disso,
como proposito
l1mitar o poder c garantir dircitos
constituição n o sen-
afirmar que a Constituiçao de 1937 nao era u m a
sCria possivel do passado e do
estabelecido. O vale para muitas constituiçoes,
mesmo
ido aqui
do presente pode ser a Constituiçao
prescnte. de
vanos
paises. Um bom cxemplo
um docuento
oficialmente denominado consti-
da Corcia do Norte. Embora seja
estabelecidas aqui.
uiçao, 11ao c possivcl classilicá-la cono tal a partir das condiçocs
ou
constituiçóes que explicita
mencionados, como
Outros cxemplos poderiam ser

Unidos e Brasil, n o século XIx, por


tacitamente permitiam a csravidäo (Estados
segregação racial do Sul durante o período do apartheid, por
(Africa
Cxemplo), a

CXCmplo), entre outras.


tenham
Apesar constataçao, documentos do passado e do presente que
dessa

sido denominados constituição serão neste livro


também chamados dessa forma,
mesmo que nào satisfaçam as condições estabelecidas neste tópico para que pudes-
sem ser considerados como tal. Embora fosse possível recorrer a outro termo para

desnecessária para os fins


tazer mençao a esses documentos, isso causaria confusão
deste livro. O objetivo de um conceito normativo de constituição, com as condiçoes
estabelecidas anteriormente, é definir o que minimamente deve fazer parte de uma

constituição; não é, portanto, nem descrever o que de fato tem feito parte, nemn
alterar o uso corrente do termo constituição. Tendo isso em mente, não é umna
contradição chamar de Constituição de 1937 o documento outorgado por Getúlio
Vargas em 10 de novembro de 1937.

1.2 TIPOLOGIA CONSTITUCIONAL

Constituições podem ser analisadas, compreendidas e comparadas a partir de inú-


meros pontos de vista. Por isso, é comum que livros gerais de direito constitucional
apresentem, logo de início, distintas formas de classificar constituições. Isso será feito
aqui também, mas com uma ressalva. Como será facilmente perceptível, muitos dos
tópicos a seguir não têm como objetivo reproduzir aquilo que tem sido repetido há
décadas; ao contrário, muitos deles têm como objetivo apontar problemas nessas
lassificações e, em alguns casos, até mesmo a sua irreleväncia.

1.2.1 Codificação

Provavelmente no há manual de direito constitucional que nao mencione a con-


uaposiçao entre Constituiçoes escritas e
cOnstituiçoes nao escitas. Embora muito

Sobre isso, ver o


tópico 4.3.
6 1Dimito Constitucional Brasileim

porque os
euco1ada, cssa contraposiçåo faz poucO sentido, cspecialmente fporque Osignifi
cado da expressåo "não cerita'" náo costuma ficar claro. Se constiluição é, em

Sentido iminimo, um pacto Cxpresse por um conjunto de normas que garante.


um
tem
direitos fundamentaiscTe
TCgulamn o exercício do poder en um deterr
rminado Estade
Chtao não cxistem constituiçoes não cseritas. Em outras palavras, em nenhum

mndo as
que garantem direitos regulam o cXerciciO do poder politi
nornmas e
pais
Sao
tico
cxprCssas (afinal, esse e O gnilicado mais plausíve1 da
de fonma oral
nao escita). Enm
geral 1ando a expressão "não cscrita" é utilizada, não se quer
expressåc
dzer
cNatamente "nào cscrita", mas fazer
rcferência a um conjunto de normas q
podem ser costumeiras (ainda que que
escritas) ou esparsaS em diversos documentos
(escntas. portamto).
Diante disso, nào há
por que insistir contraposiçao que nao faz sentido
em uma
A dualidade
que realmente se quer expressar é aquela entre constituiçoes
não
codificadas. Por trás dessa contraposição está a ideia de codificadas
codigos. Não é coincidência que ambos legislaçao por meio de
a uma
constituições e
cõdigos- estejam associados
-

mesma crença na
possibilidade de se regular toda uma matèria em umn único
documento, com
pretensões de completude.
Ambos são produtos do
racionalista do sééculo xvi. pensamento
Assim,
constituição codificada é aquela elaborada em um
histórico, sistematizadae escrita em um
determinado momento
único documento, chamado
constituição. Já uma constituição não ele mesmo de
Enquanto conceito, seu conteúdo está codificada é um
conceito, não um documento.
definir de forma sujeito a desacordos, pois não há como se
e o
inequívoca qual é a sua
extensão, tampouco o que dele faz
que não faz. Nos países nos parte
constituição (ou expressoes similares,quais não há um documento
único, chamado de
como lei
tituição é formada por fundamental, por exemplo), a cons-
de praticas políticas, de conjuntoum
nem sempre _perfeitamente definido de leis,
devem ser consideradas decisões judiciais, entre outros. Quais leis quais
é constitucionais e práiças
quais devem
e

algo que pode suscitar debates consideradas ordinárias ser


O e desacordos'.
exemplo usualmente mencionado de
do Reino Unido, a
qual, nos termos acima, nãoconstituição não escrita, a Constituiçao
ão somente uma é uma
constituiçao
que são considerados
nao constituição não escrita, mas
codificada, é esclarecedor.
parte daquilo Formalmente, os atos
do. como o Acts
of Union e o Human que chama de
se

Calquer outra lei ordinaria. O Constituicão do Reino Un


Rights Act, têm a mesma
que forma
laz com que esses legislativa que
Constiuição do Reino Uindo e o seu sejam considerados
de sua forma'. conteúdo e seu parte
valor,
independenteme
orenciação enue
consuugo
rigidez (tópico L2.5) e
supremaci:a
lornial e

5 Sobre isso, ver o 1ópico 1.2.2. constincionalmateral


(tópico
(tópico 1.2.2), bem
1.3). como a
análise dos tos de
c
3/
Serve uma Constituição
OQue éepara que

orma
1.2.2 Conteúdo
e

fala-se c m uma classificaçao


dircito constitucional,
livros didaticos sobre
Fm muitos costuma se basear
c o n t c u d o " . Essa classificaçao
ao seu
das costituiçoCs "quanto em sentido
sentido formal c constituiçao
constituiçao cm
cntre
na contraposiçao claborado em
determinado
docunento oficial,
material. Constinuiçao formalseriao por
auloridadc o claborou entendeu
materias que a que
momento, quc rcgula as
pode
ncnhuma restrição substancial aquilo que
bem nele incuir. Nao ha. portanto,
costuma ser chamado de constituiçao
fazcr parte desse
documento. Já aquilo que
constituiçao
afirmam que
menos claros. Alguns
mate7al tem c o n t o m o s
cm sentido
Ou nao
constitucionais, estejam
de regras materialmente
materialeo conjunto claramente circula,
um unico documento cscrito. Essa definiçao é
nseridas em

critério do que seja matéria constitucional. No Brasil,


porque talta a ela exatamente o
de que matéria
u m certo c o n s e n s o n o s
livros de direito constitucional
parece haver fun-
o Estado e definem direitos
constitucional säo aquelas normas que organizam
art. 178 afirmava:
cujo
damentais. Essa definição remonta à Constituição de 1824,
dos
"E só constitucional o respeito aos limites, e atribuições respectivas
que diz
dos cidadãos".
poderes políticos, e aos direitos políticos, individuais
e

não encontra
Essa definição minimalista de constituição, que praticamente
claramente associada ao libe-
mais exemplos reais no mundo contemporâneo, está
movimento
ralismo, que, como visto acima, foi a ideologia propulsora do próprio
constitucionalista. No final do século xVII, portanto, poderia fazer sentido dizer
à organização dos
que matéria constitucional era apenas aquilo que dizia respeito
poderes e aos direitos de liberdade. Mas que razão ainda há para continuar afir-
mando, no século xxI, que matéria constitucional é necessariamente apenas isso?
Em outras palavras, por que aquilo que vai além do mínimo deixa de ser matéria
constitucional? A pergunta não é irrelevante, porque a definição do que seja maté-
ria consitucional não é neutra. Entre outras coisas, ela pretende servir como guia
para avaliar o que deve e o que não deve fazer parte de uma constituição. Diante
disso, se matéria constitucional é apenas aquilo que as revoluções liberais do século
XVIII determinaram, então não são apenas disposições quase anedóticas, como o
art. 242, § 2°, da Constituição de 1988, que não deveriam fazer parte da constitui
çao, mas tambémdisposições que contemporaneamente são parte fundamental de
muitas constituiçoes, como, por exemplo, os direitos fundamentais sociais. Entre
esses dois
exemplos, há uma gama variada de matérias que, do ponto de vista do
direito
comparado, entram com maior ou menor frequëncia em constituições pelo
mundo, como, por exemplo,
disposições sobre a ordem econômica, assistência social.
ibutos, organização da administração
pública, entre outras.

elniçao, por sua vez, é


inspirada no art. 16 da Declaraço dos Direitos do Homem e do Cidadao, de
j a encionado acima, segundo qual: "Toda sociedade
o
C s , Dem a
separaçao de
na
qual nao esteja assegurada a aos
garana
poderes detenminada, nao tem
cOnstutuiçaO .
classificação de constituições "
Assim, a elaboração de uma
ao seu con
contraposiçao entre forma e substância Con
teúdo" não podeser baseada
constituição material),
na

como ainda se costuma zer. Em prim


fazer. constituição
primeiro
formal x

se fala em constituição em sentido há ah


formal não há lugar.
lugar,
absolutamente
porque quando
segundo lugar, porque falar em COnos:
conteúdo. Em
qualquer menção ao seu

normativo (o que deve fazer parte de un


nstituiço
em sentido material implica umjuízo Cons
em sentido formal é Dura
o conceito de constituição
tituição), ao passo que nente
descritivo (o que de fato faz parte de um determinado documento). Essa m
istura
inviabiliza a tipologia.

1.2.3 Objetivo

Embora um certo conteúdo mínimo das constituições já tenha sido esboçado acima.
isso não significa que constituições desempenhem sempre as mesmas funções e te.
nham sempre os mesmos objetivos, não importa o lugar, nao importa o momento.
onstituições podem ser elaboradas para manter um determinado status quo, mas
podem também ter como objetivo preparar o caminho para profundas transforma
ções. Exemplo desse últimotipo são as chamadas constituições dirigentes, as quais, como
o propri0 nome sugere, pretendem dirigir os rumos de uma determinada comuni-
dade política, estabelecendo objetivos, metas, programas que devem ser realizados.
ETENEenetoEBPALLImem
Embora no plano ideal esses dois objetivos - manter o status quo e transtor-
mar a realidade - pareçam ser mutuamente excludentes, na maioria das vezes as

constituições reais incorporam ambos. A Constituição de 1988 é um bom exemplo


disso. Embora sua promulgação tenha sido um momento de
ruptura com um pe
ríodo anterior, uma parte dos debates durante sua elaboração ocupava-se com a
manutenção de situações, jurídicas e políticas, herdadas do passado. Isso OcorTeu
em vários âmbitos, especialmente na organização dos poderes. A parte dedicada a
administração e aos servidores
públicos é um bom exemplo. Também o Supre
Tribunal Federal lutou para não ser transformado em um tribunal constitucionaie
para que seus entao ministros não fossem
substituídos. As Forcas Armadas tambe
fizeram pressao para manter seu status e
seu papel.
servadora, não há dúvidas de que a Mas, ao lado dessa faceta c o n
Constituição de 1988 tem também um potele 1al
transformador e estabelece objetivos, metas e OS
quais, ainda que programas a serem real1za
Sejam mais
visiveis em
título seu ais),
especialmente n0 art. 3, bem como no título viI inicial (principios fundame eira),
sobretudo no art. 170, (ordem econômica e finau
Por fim, é
permeiam na verdade
todo o texto
impor tante ressaltar que, constituciolal
mo o conceito
minimalista exposto na independentemente
de contex
e
abrange mais objetivos do que parte inicial deste ente

aqueles que em geral são capítulo inevitave


afirma que uma
consutuçao tem como
exercício do poder, como 1o1
ressaltados.
alimado
objetivo evitar concentraçao
çao ee arbitrio
anteriormente, claramente se i a*
se u m a cOnstituiçao, além de Controlar o exercicio do poder e
protege
o seguinte:
concluir que u m a
direitos pacto, não há c o m o nao
fundamentais, é também um

dos membros de uma determinada


constituição pretende fomentar a inlegraçao
Nao se
n o exercício do poder.
comunidade e proporcionar meios de participação
um instrumento de
uma constituiçã0 é simplesmente
deve supor, portanto, que tanto
Estado; ela é também um meio de integraçao,
proteçao da sociedade contra o
simbólico quanto efetivo.

1.2.4 Processo de Elaboração


entre promulgadas e outorgadas.
distinguidas
E comumque constituições sejam
elaboradas por uma assembleia constituinte eleita
Promulgadas são as constituições elaboradas sem a par-
outorgadas são aquelas
por um processo democrático, enquanto
poder político (um
monarca,
detentor do
ticipação popular, em geral redigidas pelo didática
essa simplificação
ditatorial, entre outros)". Embora
u m ditador, uma junta
das constituições
a forma de elaboração
de, e m linhas gerais, explicar
seja capaz 1946 e 1988.
1934,
as constituições de 1891,
brasileiras, tendo sido promulgadas
ainda assim há algumas
constituições de 1824, 1937, 1967 e 1969,
e outorgadas as
a uma
forma de elaboração de cada u m a delas que escapam
variações relevantes n a

binária. O de participação popular na elaboração das constiuicoes


classificação grau
em razào da progres-
consideravelmente, não apenas
brasileiras promulgadas variou
mas também e m
razão da forma de organizaçào
Siva ampliação do direito a o voto"', de quem
normalmente vedavam a participação
das assembleias constituintes, que
no entanto, foi muito
nao houvesse sido eleito para delas participar, situação que,
de 1988'. Mas a variação é tamben
elaboração da Constituiç o
a

diversa durante elaboradas por


Há desde constituições
grande entre as constituições outorgadas.
tormalidades, como toi o caso
s e m outras
un pequeno grupo de pessoas
e impostas simbolicamente,
envolveram, ainda que
da Constituição de 1937, até processos que

dois ou nmais grupos


domnntes, tnben
entre
claboradas por meio de um pacto se o
coneto
d lajnbem constituiçoes No entnto,

Nesse caso, costuma-se falar em c o n s t i t u i ç o e s pactuadas. coustituigoes


ssittu

paucpaça popular. é possivel atirmar que


e definido pela auséncia de participação popular, cutào
ga
pacuadas são espécies de constituiçoes outorgadas. estendido is
mulheres ( 193t), depois
do
posteriomente
Inici: m alfabetizados (189), (ate a caigto
T e s t i l o a o s homens
" todo o upeTo
durante qu.ase
salienar que,
anallabetos (1988). E importante votar, desde queu p r is
d 'a9 Saraiva), os analtabetos podiam elDoTaCa0
Lei popul.r
na
.92971881, tambén conhecido
cono

texto diz respeito à purtcip.içao


" CensitaIO, A alirmaçao feita no
cl.aboraçao
no
evoneu
quaie
sua
Costituicao de 1821 foi outorgad,
osDiasilenas. Como
a
DAr
participação popular.
Ver o
tpico 5.1
38 Direito Constalueu
"a
classificaçao
de constituições ao seu Con-
de uma
foma e substânci
elaboração entre

Assim, a contraposiçao
nri
baseada na
Se
costuma m
fazer. Em primeiro lugar,
teúdo" não pode s e r comno
ainda


formal x
constituição

fala
material),

en
constituiçao e
sentido rmal não
form
bsolutamente
quando
se
Em segundo lu uição
una rco
porque conteúdo.

menção ao seu
normativo
veJazer
(o que deve, partede
fazer fparte de uma
qualquer juízo
material implica
um
e m s e n t i d o formal é
Duran.
sentido constiluiçao te
em de
passo que
o
conceito
documento). Essa i
tituição), ao
de um
determinado
tura
descritivo (o que
de fato faz parte
inviabiliza a tipologia.

1.2.3 Objetivo
ja tenha sido esboçado
acim:
mínimo das constituiçoes
ima,
certo conteúdo
Embora um
sempre as m e s m a s funções e te
constituições desempenhem
isso não significa que nao importa o momento
objetivos, nao importa o lugar,
nham sempre os m e s m o s
d e t e r m i n a d o status quo, mas5
manter u m
Constituições podem ser elaboradas para wdwane

transformna-
preparar o caminhopara profundas
podem também ter como objetivo
anca

as quais, como
desse último tipo so as chamadas comst1tuiçoes dirngentes,
çoes. Exemplo sAUEDNSEERSAA,UGRaVEUAEKoEs
determinada comuni
os r u m o s de uma
o proprio nome sugere, pretendem dirig1r
devem ser real1zados.
dade política, estabelecendo objetivos, metas, programas que
Embora no plano ideal esses dois objetivos manter o status quo e transtor- -

mar a realidade -pareçam ser mutuamente excludentes, na


maioria das vezes as
constituições reais incorporam ambos. A Constituição de 1988 é um bom exemplo
disso. Embora sua promulgaç o tenha sido um momento de ruptura com um pe*
ríodo anterior, uma parte dos debates durante sua elaboração ocupava-se com a

manutençao de situações, jurídicas e políticas, herdadas do passado. Isso ocorreu


em vários åmbitos, especialmente na organização dos poderes. A parte dedicaaa d
administração e aos servidores públicos é bom exemplo. Também
Tribunal Federal lutou para não
um
Supre o
ser transformado em um tribunal consatuc
para que seus entäo ministros não fossem substituídos. As Forças Armadas tanoem
fizeram pressão para manter seu status
servadora, não há dúvidas de
e seu papel. Mas, ao lado dessa facet Co

transformador estabelecee
que Constituição de 1988 tem também um potc
a 1Icial

objetivos, metas e programas a serem


guais, ainda que scjam mais visíveis em rean
seu título inicial
especialmente no art. 3", bem como no título vii (ordem
(princípios fundann
sobretudo no art.
170, econômica e nl
Onomica e financen)
Por fim, é
permeiam na verdade todo
importante realtar que,
no o conceito minimalista exposto na parte
o
inicial deste
texto
constituconal
capítulo i1nevitatOs, mCS

abrange nais
independentemente de cone
afima que objectivos do
que
uma aqucles que
exercicio do COnsütuiçao tem como
em
geral são
ressaltados.
l a n d o se

poder, como foi objetivo evitar .


afirmado concentraçav
ltração e arbitrio
anieriormente, claramente s ressalta un
controle somente é efetivo quando o exercício do
controle. Mas esse
função de
de uma determinada maneira (acimapapel da
sublinhou-se o
poder é organizado
separação de poderes). Inevitavelmente, portanto, controlar o poder _pressupoe
exercicio.
também organza-lo e coordenaro seu
anteriormente é
Outro objetivo implícito no conceito de constituição exposto
além de controlar o exercício do poder protegeer
e
o seguinte: constituição,
se u m a
uma
não concluir que
direitos fundamentais, é também um pacto, não há como

dos membros de uma determinada


constituiçao pretende fomentar a integração aciantas

Nao se
n o exercício do poder.
comunidade e proporcionar meios de participação
um instrumento de
deve supor, portanto, que uma constituição é simplesmente
tanto
contra o Estado; ela é também um meio de integraçao,
proteçao da sociedade
simbólico quanto efetivo.

1.2.4 Processo de Elaboração

entre promulgadas e outorgadas.


E comumque constituições sejam distinguidas
constituinte eleita
elaboradas por u m a assembleia
Promulgadas são as constituições elaboradas s e m a par
por um processo democrático, enquanto
outorgadas são aquelas
detentor do poder político (um monarca,

ticipação popular, em geral redigidas pelo didática


um ditador, uma junta ditatorial,
entre outros)". Embora essa simplificação

a forma de elaboração das constituiçõbes


seja capaz de, em linhas gerais, explicar
de 1891, 1934, 1946 e 1988,
brasileiras, tendo sido promulgadas as constituições
e outorgadas as constituições de 1824, 1937, 1967 e 1969, ainda assim há algumas
forma de elaboração de cada uma delas que escapam a uma
variaçoes relevantes na

classificação binária. O grau de participação popular na elaboração das constiuições


brasileiras promulgadas variou consideravelmente, não apenas em razão da progres-
RRmemewcRBmamERoELE
SIva ampliação do direito ao voto", mas também em raz da forma de organização
das assembleias constituintes, que normalmente vedavam a participação de quem
nao houvesse sido eleito para delas participar, situação que, no entanto, foi muito
é também
diversadurante a claboração da Constituição de 1988'. Mas a variação
grandeentre as constituições outorgadas. Há desde constituiçoes elaboradas por
um pequeno grupo de pessoas e impostas sem outras formalidades, como foi o caso
da Constituição de 1937, até procesos que envolveram, ainda que simbolicamente,

d a lanbém constituiçoes eaboradas por meio de um pacto entre dois ou a i s grupos domnantes, tanbe
em participação popular. Nesse caso, costuma-se falar em constituiçoes pactuadas. No entanto, se o conceit

a outorga é definido pela auséncia de participação popular, então é possível atirnar que constitllige's
pactuadas säo espécies de constituiçÖes outorgadas.
aos homens alfabetizados (1891), posteriormente estendido às mulheres (1934),
depOS
restrito
D t s analfabetos (1988). É importante salientar que, durante quase todo o lnperio (ate a edig

et3.029/1881, também conhecido como Lei Saraiva), os analfabetos podiaun votar, desde que cunuprisse
Os na elaboraçao
s
d o voto
censitário. A afirmação feita n o texto diz respeito à participação ppular
D s u i ç e s brasileiras. Como a Constituicão de 1824 toi outorgada, sua eaboração nao envoveu qulque

9. participação popular.
Ver o
tópico 5.1.
das camaras municipais anro.
outras instituiçoes, como foi o caso

ão da Constituicän
tituicão de 1824 e do Congresso Nacional na aprovaçao
na
aprovação da Cons-
Constituição de 1967

1.2.5 Maleabilidade
Dentre as várias fomas de se classificarcm as constitiçoes, talvez aquela que
enha
maior importância para além do simples aspecto classificatório éa distincão
da no grau de maleabilidade constitucional". Neste ambito, costuma-se falar
basea
em
constituicòes igidas e coustituiçoes flexiveis. Constituições rígidas são aquelas que
cus

preveem um
processo de alteraçãode seu conteúdoque seja mais dificil do gue
o
processo de elaboração e
alteração de Constituições leis ordinárias.
São flexiveis s
aquelas que não preveem um processo próprio e distinto de alteração e, por isso
podem ser alteradas pelo processo legislativo ordinario, 1sto é, o mesmo usado na
elaboração de leis em geral.
O constitucionalismo brasileiro tem uma longa tradiçao em reforçar a
rigidez
constitucional. Apesar disso, é interessante notar que a história constitucional do
Brasil começou com uma constituição que a literatura constitucional brasileira -
adaptando a terminologia de Bryce-costuma classificar como semirrigida, isto é, uma
constituição que era em parte flexível, porque parte de seus dispositivos podia ser
alterada pelo mesmo processo por meio do qual as leis ordinárias são elaboradas,
e parcialmente rigida. porque alguns de seus dispositivos eram hierarquicamente
superiores às leis ordinárias e, portanto, só poderiam ser alterados por meio de
um procedimento específico de emenda constitucional. Nos termos do art. 178
da Consütuição de 1824 seria constitucional somente o que dissesse respeito aos
limites e atribuições dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos
cidadãos; e tudo o que não fosse constitucional
poderia ser alterado, sem as torma
dades referidas, pelas
legislaturas ordinárias. O que muitas vezes passa despercebiao
quando se menciona a Constituição de 1824 como semirrígida é o
de emenda constitucional
procedimento
definido nos arts. 174 a 177. Uma breve análise
deS
artigos mostra que, embora contivessem um elemento de ro-

cedimento de emnenda era mais rigidez, porque o P


de leis ordinárias, a
complexo do que o procedimento de elabota
Constituição de 1824 podia ser inteiramente alterada s
necessidade de maioria
Assim, ainda
qualificada (três quintos ou dois terços, Por exc
que seja possível manter
classificação de constituiçao senlS-
a gida,
mportante saber que sua parte rigida nåo
entende no Brasil com0 corresponde totalmente ao quc 0je
Constituição rígida c, portant0, seria que
possivel
19. Outra vanante, nunca adotada no
Brasil, aquela
1 a l a s deSsá 1orma costumain ser chamadas de cesanstas.
é
de A participação popular, nesses casoS, ** . s e n telil
outorga seguida de consulta
para ransiornal uma
populal. ta* suticiet
pariopam da elaboraça0 (Onsutui,ao outorgada e n proniulgada,
da já que
.As vees corstütuiçao
e lala e n estabilidade
nem o
povo nenn
s
Cada, já que cstabilidade de constiuucional ao invés de gidez, 1nas
a cquno
una
coIstiuiçao rigidez, mas esa
essa parece ser una assoc
relaçao necessaria parece
ser
nao tem u
COm Sla lez.
Tig
O Que é e para que Serve uma Constituição 41

a semirrigidez da Constituição de 1824 estava mais


inclinada para a flexibilidade
do que para a rigidez constitucional.
Mas essa tríade -

constituições flexíveis, rígidas ou


semirrígidas -

é insuficiente
para explicar as variaçoes nos processos formais de alteração de uma constituição. E
não apenas porque há inúmeros procedimentos distintos que satisfazemo critério
"mais dificil do que o processo de elalboração e alteração de leis ordinárias": a diferen-
a pode ser simplesmente de maioria de aprovação, exigindo-se para leis ordinárias
apenas maioria simples e, para emendas constitucionais, uma maioria qualificada
como tres quintOs ou dois terços, por exemplo; mas essa diferença pode ser mais
complexa, como a exigëncia de aprovação por assembleias legislativas estaduais", a
necessidade de reterendo popular, a ocorrência de renovação do Legislativo entre
a aprovação da emenda e a confirmação de sua entrada em vigor, entre inúmeras
outras variaçoes possíveis. O que mais importa neste ponto, contudo, não são essas
variaçoes. mas uma peculiaridade que faz parte da tradição constitucional brasileira
desde 1891 e que justifica a consolidação de um quarto tipo de constituição em
relaçao ao grau de maleabilidade.
A Constituição de 1891 marcou um ponto de inflexão
história da rigidezZ na

constitucional no Brasil. A primeira vista, era um claro exemplo de costituição


rigida, ou seja, uma constituição que poderia ser emendada apenas por meio de
um
procedimento específico que demandava uma maioria qualificada: dois terços
tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado Federal
(Constituicão de 1891,
art. 90, S 2°). Mas a Constituição de 1891 foi além: seguindo o exemplo da Cons-
tituição dos Estados Unidos no que diz respeito à igualdade da representação dos
estados", bem como da Constituição francesa de 1875 (na redação de 1884) no
que diz respeito ao regime republicano", a Constituiç o de 1891l previa que "[n]
ão poderão admitidos como objeto de deliberação, no
ser
Congresso, projetos ten-
dentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos
Estados no Senado" (art. 90, § 4°).
A
Constituição de 1988 manteve a tradição de resguardar determinadas ma-
térias contra qualquer tipo de
mudança. São as chamadas cláusulas pétreas5, Não
há dúvidas,
portanto, de que uma constituição que contenha cláusulas pétreas é
mais rigida do
que outra que não as contenha Diante disso, é
possível falar em
Constituições super-rigidas, isto é, aquelas que, além de prever um
mais dificil de emenda, ainda procedimento
protegem determinadas disposições contra qualquer
ipo de alteração.
Como salientado início deste
ase em seu
no
tópico, classificação
a das constituições com
grau de maleabilidade é provavelmente aquela tem maiores
que con-
uencias práticas para quem estuda direito constitucional. Em primeiro ugar,
12
13.
C a s o da Constituição dos Estados Unidos (art. v) e da Constituição do Mexuco (art. T9).
4.
Constituição dos Estados Unidos, art. v.
15. Constituição
Ver
da França de 1875, art, B.
o
tópico 29.3.3.
tZ V U e l 0 COUSULUCTO700l.

porque a distinção entre constituiçóes rigidas e flexíveis é uma das bases pa


compreender tanto a ideia de supremacia constitucional" quanto a posibilid
de controle de coustitucionalidade das leis". E, em segundo lugar, porque a distin
dade
n-
ção entre constituiçóes rigiclas e superrigidas é essencial para o debate acera do
controle de constitucionalidade de emcndas constitucionais".

1.3 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇA0

Com alguma frequencia,


faz-se referência à constituição como a lei suprema de u
pais. Haá ao menos duas formas de compreender essa expressao. Essas duas formas
estao ligadas a muito do que foi exposto nos tópicos anteriores.
De um lado, uma constituição pode ser considerada substancialmente suprema
porque disciplina questòes fundamentais para o exercício do poder em uma socieda
de e é reconhecida. por essa razão, como um
pacto fundante. Essa fundamentalidade
faz com que ela seja base para exercício dos
a o
poderes constituídos, incluindose
aí a elaboração das leis.
De lado, uma constituição é suprema porque está formalmente acima de
outro

outros tipos de leis, as


quais, portanto, não podem contrariá-la. Se essas leis pudes-
sem contrariá-la, elas a modificarianm
e, portanto, a constituiço no seria suprema.
Essa constatação, contudo, é insuficiente. Ela
apenas explica o que aconteceria se
aceitássemos que outros tipos de leis contrariassem a constituiçao, mas não justifica
por que isso não pode ou não deve ocorrer. A justificação formal está, portanto,ligada
ao que acima se
falou sobre rigidez.constitucional. Uma.constituição rígida é supre
ma
porque para ser alterada é necessário
respeito a um procedimento diferente
o
e mais
exigente do
que aquele necessário para a elaboração de outros tipos de lei.
Um elemento dessa rigidez que, embora não
explique tudo, pode ilustrar bem essa
diferença é a maioria necessária para a aprovação de emendas
constitucionais. SE
para aprovar uma
proposta de emenda constitucional é necessário o voto favor
vel de trés quintos dos membros da Câmara dos
em dois turnos,
Deputados e do Senado Federal.
e
para aprovar projeto
um de lei ordinária é necessário apenas
voto da maioria
simples, em um turno, ento uma lei ordinária não
a
constiuição está
pode mu
e, portanto, abaixo dela". Já a
constituição pode
o mudar
está previsto em uma lei ordinária, porque está acima desta".
16. Ver o tópico 1.3.
17. Ver capítulo 30.
18. Vero
tópico 30.10.
19. Como ressaltado no
text0, quórum diferenciado é apenas um dos
o
foram
explorados no
tópico anterior.
E por causa de elenentos da rigidez. ta
iar
por unaninidade (ou
seja, por mais outros elementos que, mesnno que u a
r o u d a

cOngressistas que mínimo necessário


constitucional), ela deverá ser considerada do o
una
ene
20. Com0 será inconstitucional contrariar a para api
para aprovar
visto oportunamente, no se
constütuçad.
consütuiçao limita autoridades entendimento do sTr essa
regra geral ten Ceçoes, quando aprop
as
ISSo, vero Lópico 29.2. que podem dar inicio exceçoc
ao
processo legislativo em e r n i n a d . a s areas

detetu
1.4 DIREITO CONSTITUCIONAL

Direito constitucional é expressåo que pode significar ao menos duas coisas dis
uma

uma à outra. De um lado, direito constitucional


tintas, embora intimamente ligadas
de estudo. De outro, é também uma disciplina académica, que
é um complexo objeto
de estudo.
tem como objetivo justamente compreender aquele objcto
não tem limites sempre claros.
O direito constitucional c o m o objeto de estudo
textos normativos c tambémo resultado da interpretação
Inclui, ao m e s m o tempo,
näo apenas o texto da Constituiçao
desses textos. Assim, faz parte objeto
desse
Essa interpretaçao é feita por
de 1988, mas também a interpretação desse texto.

poderes Legislativo, Executivo


e instituições. Os
e Judiciário in-
inúmeras pessoas
a Constituição.
Cidadäs e cidadãos
a Constituição. Juristas interpretam
terpretanm faz parte do
a Constituição. Em
decorrência disso, muito daquilo que
interpretam da Cons-
estudo pode não estar no texto
direito constitucional c o m o objeto de a
decisões judiciais, entre outros, complementam
tituição. Legislaço, decretos,
do objeto de estudo. Um exemplo pode
Constituição e, nesse sentido, fazem parte
a Câmara dos Deputados
ilustrar essa expansão: o art. 45 da Constituição prevê que
Mas a
eleitos, pelo sistema proporcional".
"compoe-se de representantes do povo, Eleito-
deve o c o r r e r é definida pelo Código
forma como essa eleição proporcional
Eleitoral
Além disso, tanto o Tribunal Superior
ral, não pela própria Constituição. relacionadas
Tribunal Federal interpretam e decidem questões
quanto o Supremo transborda
o objeto de estudo
eleição a Câmara dos Deputados. Portanto,
à para
o texto constitucional.
de
Já o disciplina acadêmica envolve um conjunto
direito constitucional como

de estudo delineado acima. No


métodos com o objetivo de compreender o objeto
há muitas vezes
direito constitucional (e também em outras disciplinas jurídicas)
normativos. Embora fosse
mistura quase inevitável de elementos descritivos
e
uma

descrever o material normativo que é


possível o jurista constitucional tentar
para
O seu objeto de estudo e também descrever a prática baseada nesse material - por

constitucional,
exemplo, como o Congresso legisla nas áreas abrangidas pelo texto
Como os tribunais decidem questões constitucionais, como o Executivo exerce suas

elemento normativo esta sem-


Competencias constitucionais -, o fato é que o quase
como as cOIsas
pre tambem presente: o jurista constitucional não apenas descreve
s0, mas também pretende dizer como as coisas devem ser".

ser l a 0
Onudo, jurista entende quue deveriam
a nåo
separação estrita entre as coisas como elas são e como o

este iivro apcis


, iem mesmo
dificultar, que a leitora ou o leitor distinga os momentos em que
d sobre como deveria ser essa
uStucioal daqueles em que o autor expressa sua opinião
ática N eventuais divergèncias. Quando
1a0 0

1d casos, o contexto é suficiente para deixar caras


dOs
aceita,
constitucional for distinta da usualmente
resposta a uma determinada questão
"

CSSa
diferença será apontada de forma
explicila.
2

A CRIAÇÃO DA CONSTITUIÇAO:
PoDER CONSTITUINTE

chamado de poder constituinte.


O poder de fazer uma nova constituição costuma ser
No cotidiano do direito constitucional de um determinado país, este certamente n o
a prática constitucional tem como
é que desperta maior atenção. Afinal,
um tema
base uma constituição que já está posta. Assim, ao contrário do que pode parecer,
estudar o conceito de poder constituinte em uma obra sobre direito constitucional

positivo é algo que exige uma fundamentaço. Uma justificaço possível seria: ao
diversos países, faz parte da tradição brasileira incluir
contrário do que ocorre em
o tema em um curso de direito constitucional'. Provavelmente não há obra geral

capitulos ini
sobredireito constitucional no Brasil que não inclua o tema em seus

Ciais. Mais do que isso, provavelmente não há nenhuma faculdade de direito cujo
programa da disciplina direito constitucional não inclua, também nos tópicos iniciais,
o tema poder constituinte. No entanto, o recurso à tradicão.aqui comoemvários
Outros âmbitos,explica muito, mas justifica pouco.
Outra possível justificativa seria o fato de que no conceito de poder cons
ituinte naão se insere apenas o poder de criar uma constituição, mas tambem o

poder de alterála. Essa divisão dá origem à diferenciação enre poder constituinte


originário (poder de criar uma constituição) e poder constituinte dervado (poder
também, é uma divisao
diterar uma constituição já existente). Mas, aqui essa

que exige uma fundamentação mnais sólida do que muitos supòem. Afinal, o poaer

le sou
da decada
dÇa0 e menos antiga muitos talvez suponham. Livros
do que publicados :antes

a m e n t e incluem o poder constituinte como tema de estudo.


Dueto Consttucional Brasilero

de alterar constituição (e, sobrctudo,


mais
uma Os limites a
poder) tem
sse
poder)
eSse
tem
relaçao
próxima com outros temas, como do que
proceSsO legislativo', do que Com.
com o
de criar constituição, c isso por uma razao muito simples: o poder
uma poder
oder de
de alterar
l.
uma
constituição cstá sujeito às condiçOes estabelecidas por cla própria, aluo
nao ocorTe
quando sc pensa cm poder constituinte no scntido de poder go dle
que
uma constituição nova. Do
ponto de Vista claSsilicatorio, portanto, é um CTYar
um equie
equivoc
ratar poder coustituinte originário e poder constituinte derivado
do
como esDéei
cies
mesmo
gènero. Estamos tã0 acostumados a lazer cssa
tão induzidos faze-la nos
classificação, c som.
a em razào dos termos utilizados,
que raramente refletimos
respeito. Neste livro, o poder de alterar ou revisar uma constituiçao sa
siderado parte do nåo será co
poder
constituinte, simplesmente porgue se trata
constituido. E como tal será estudado de um poder
em capitulo próprio. Diante disso,
justificar o estudo do poder constituinte recorrendo à tentar
suposto poder constituinte derivado perde sentido.
importäncia prática de um
O debate sobre
poder constituinte pode ser relevante para se discutir a
o

timidade de constituição, a partir da suposição de que ao menos


uma legi.
da
legitimidade decorre de elementos de seu processo de elaboração. parte sua
Embora uma
associação absoluta entre processo de elaboração e
legitimidade de uma constitui-
ção não faça sentido, como será analisado mais adiante
neste capítulo', ainda assim,
para que o debate sobre essa questão possa ao menos
ocorrer, é necessário definir
os contornos do poder constituinte. Antes, porém, será discutido o seu
caráter absoluto suposto
e ilimitado.

2.1 PODER CONSTITUINTE COMO PODER


ILIMITADO

A distinção apresentada e refutada anteriormente entre-

poder constitinte
-

originário e poder constituinte derivado, além de estar baseada na função de cac


um desses poderes criar ou alterar
constituição - , costuma tambén base
-

uma
-Se na de
suposiçao que poder (originário) de criar uma constituição é absoll
o

e ilimitado, enquanto todos os outros poderes são limitados. Embora a 1dlela


que o poder de criar uma nova constituiç o não pode ser limitado pelo ato q

ConvocOu, ou
pelo movimento que
origem, tenha desempenhado patdo
a ele deu
relevante em momentos revolucionários,
especialmente no constituciOnaust
século XVIII, ainda assim a
concepção de um poder constituinte copicl
ilimitado nåo é algo realmente verificável na
experiencia constituciotl conte
poránea. Seja do ponto de vista da lilosofia do direito, da teorna cost

2. E sec.io mt
o
que faz a
própria Constituição de 1988, inserir poder de refoma
eni

"Do Processo Legislativo" (titulo iV,


ao o
constiluco
U C I O n a l

capitulo i, seçao Vi).


3. Ver capítulo 29.
PrOcesso de elibo
4. Odebate especifico sobre a legitimidade da Constituição de 1988 e s retaio com seu pra
la

direito Constituição:
Poder Constituinte
internacional das relaçoes c 47
OS
exemplos que demonstram internacionais, sao dliversos
A partir do quc0 os
que foi analisado poder CODsLiLinte não é um argumentos e
DOSsível supor que poder de crarno primeir0 capitulo deste
o
poder ilimitado.*
sentido de poder Ciar uma livro, não
qualquer constituição é absoluto parece
e
aDTOVa um documento constituiçao. Se uma
asembleia
ilimitado e
no

bre outra, institui um


que nnstitui a constituinte
cSCravidlao, a superioridade redige
de uma raça so
goVerno absoluto scm
Os direitos
fundamentais das pessoas, ainda separação de poderes não reconhece e

COnstituição, nao e possivel aceita-la que possa chamar esse


documento de
como tal. Se isso é
da teoria constitucional há um assim, se do ponto de vista
conteúdo nínimo absoluto
entào o poder que as cria não é para as constituições,
ilimitado, não pode tudo.
Do ponto de vista do
direito
internacional e das relações
limitaçoes do poder constituinte são claras internacionais, as
Estado. O Estado brasileiro quando se pensa na continuidade do
em 1988. Diante não surge
disso, seria difícil imaginar
que poder constituinte
o
poderia ter criado uma constituição
todos os compromissos assumidos que rompesse com
pelo Brasil na ordem internacional, sendo o prin-
cipal deles o
compromisso de respeito
direitos humanos. Da mesma forma
aos
ocorre com o mencionado que
conteúdo mínimo de uma
constituição partir da teoria
constitucional, os compromissos assumidos internacionalmente
a

mente de pelo Brasil, especial-


os
respeito aos direitoshumanos, impossibilitariam uma constituição que
decidisse exatamente pelo oposto, ou seja, pelo desrespeito aos direitos humanos.

2.2 TITULAR DO PODER CONSTITUINTE

Poder constituinte é um conceito necessariamente popular. Por isso, não pode haver
outro titular que não seja o povo. E certo que há
inúmeras formas de se elaborar uma
Constituição. E certo também que muitas delas não envolvem, nem mesmo indireta
ou simbolicamente, qualquer participação popular. O processo de elaboracão da
Constituição de 1937 é um bom exemplo disso'. No entanto, essa constataço não
aitera a titularidade do poder constituinte. Quando constituições são elaboradas
Sem a participação popular, é possível afirmar simplesmente que foram feitas sem

4 participação, direta ou indireta, do titular do poder de elaborá-las. Nesses casos,

portanto, há uma usurpação de um poder. Como será visto adiante, isso nào signi-
ca não possam
que constituições claboradas sem participação popular ser
aceitas
u
posteriori, como
legítimas pelo povo"
A definição do povo como titular do poder constituinte, embora aparenteniete
nples, cria também impases conceituais de dificil soluçao. O concelo Jut

PO em uma relação estreita com o Conceito de nacionalidade. (o o,

. Ver
6. Ver
o
tópico 4.3.
o
1ópico 2.4.
48 Dieito Constitucional Bras1lev
constitulçaO. Assim, o o brasit
povo brasileiro é
é conccito definido pela
o s requisitos quea a (Conse
1nacionalidade um

Composto pelo conjunto de pessoas quc prccnchem


n a c i o n a l i d a d e brasileira'. Estes rec
Constituicao
a auibuição da 1tos
1988 estabelece para
de 5 de outubro
de T988, data da promulgacCao
foram definidos, portanto,
cm da
bras1lCiro seja o titular do
Constituiçao. Como é possivel, cntao, quc o povo poder
se s e u s
contornos surgem apenas depois clessa
de elaborar a constituiçao brasileira
mais um indicio da impossibilidlade
de supor que
elaboraçao: Esse impasse é p
qualquer igaçaO Com uma orde
der constituinte originario é absoluto c 11ao tem lem
de qucm c 0 pov0, C, portanto, o titular d
Juridica anterior. A propria deliniçao
antecede uma nova constituica
poder constiuinle. é dada pela ordem juridica quc
de quem é nacional
Se uma nova constituiçao alterar substancialmente a detiniçao
haverá uma dissociação entre o povo que cla define e o povo que a elaborou.
Uma alternativa para escapar desse impasse seria recorrEr a uma detiniçäo näo

juridica de povo. A posibilidade mais clara seria definir como parte do povo quem
se reconhece integrante de uma comunidade. Nao hà duvidas de que esse é um

conceito plausivel de povo. Mais do que isso, em muitos casos seria até mesmo um
conceito mais justo do que aquele atrelado à nacionalidade'". No entanto, como
a forma usual de exercício do poder constituinte é por meio da eleição de repre
sentantes para uma assembleia constituinte, como dessa eleição podem em geral
participar (como eleitores ou candidatos) apenas aqueles e aquelas que estão no
pleno exercício dos direitos políticos, e como, por fim, em geral apenas os nacio-
nais, com base em critérios jurídicos definidos antes da eleição, podem participar
do pleito, o impasse parece quase inevitável.

2.3 EXERCICIO DO PODER CONSTITUINTE: ASSEMBLEIAS E


PARTICIPAÇAO POPULAR

A forma por excelência de exercício do poder constituinte é por meio da eley


de uma assembleia constituinte. A razão não ésimplesmente a dificuldade de q
todos os membros de uma comunidade participem diretamente da elaboraç10 u
Constituiçào. Com os avanços das tecnologias de informação e comunicaçao.
aude
seria impossível, ao menos em tese, consultar todos os membros de uma comi
acerca de sua sobre 1odos
opiniao os temas que serão tratados em uma constl
7. Sobre nacionalidade, ver capitulo 15.
I i d e r .

8. E.ssa
Circularidade jáera apontada por Hans Kelsen em relacao ao conceito clissico de Estuto, tt
Opovo,e tambem o lerrilório e a soberania, como seus elementos consiutivos, embora ess
somente surjam após a criação do Estado.
9. A mençao ordem essalneute seta
a uma
jurídica anterior nao signilica que conceito de povo ne
o
*
COstitnle
estabeleCIdo pela cOnstituição que pretende superar. Ainda antes da eleiçio de una
se

"ordem
asse uleeu
essa
juridica anterior pode ter sido alterada por u n govemo de
uanstga
vårios momentos da história constituional brasileira (o voto leminino, or exenipro, ** uzido C
período de ransição entre a Constiuição de 1891 e a Constiuiçao de 1934).
10 Nesse scutida
A Criação da
Constituição: Poder Constituinte 49

Como será analisado em relaçao a representaçao


política emn
geral", democracia
nresentativa justifica-se sobretudo pela necessidade de
a

alizem a tomada de deCisao. Nao por outra procedimentos que racio


razao, um dos
em uma assemblea constituinte e o seu principais documentos
- regimento interno, porque é ele que define
o processo decisório",
Argumentar que a forma por excelencia de
elaboração de
é por meio da eleiçao de
uma
constituição
uma assembleia constituinte não encerra o debate
sobre
como a
representaçao d poder constituinte será exercida. Como já foi visto ante-
riormente em geral e de forma breve", e como será também analisado de
forma
mais detida sobre a experiència brasileira de 1987-1988", a existência de uma as-
sembleia constituinte no diz nada sobre sua composição, tampouco sobre formas
complementares de participação popular.
Neste ponto, a vinculaçao ao que foi analisado no tópico anterior fica clara. A
assembleia constituinte que elaborou a Constituição de 1891, por exemplo, era com-
posta apenas por homens, eleitos apenas por homens alfabetizados. A maior parte do
povo brasileiro, portanto, no participou do processo de elaboraço daquela consti-
tuição. Se o titular do poder constituinte é o povo, então o povo deve participar da
elaboraçao de uma constituição na maior medida possível. Isso implica a definição
de regras eleitorais amplas, com sufrágio universal que inclua todos a partir de uma
deteminada idade. Também implica que a participação popular por outros canais
deve ser incentivada ao máximo. Isso pode ocorrer por meio de comunicação remota
ou por meio de participação presencial, em audiências públicas, por exemplo. Mas
representação e participação direta não são excludentes, nmas complementares. A
hipertrofia de uma em detrimento da outra tende a ser disfuncional ou ilegítima.

2.4 PROCESSO CONSTITUINTE E LEGITIMIDADE DE UMA CONSTITUIÇÃO

Antes e durante o processo constituinte de 1987-1988, houve um intenso debate


acerca de sua legitimidade. As críticas não eram irrelevantes. Elas refletiam a ideia

11. Ver
introdução do capítulo 22.
2. Na experiência brasileira de 1987-1988, as disputas sobre o regimento interno da Assembleia Nacional Cons-

Linte oCuparam papel de destaque em diversos momentos do trabalho constituinte. Ver o topico 5.1.
13. Ver
14. Ver
o
tópico 1.2.4.
os
tópicos 5.l e 5.2.
periencia constituinte islandesa ocorrida entre 2010 e 2013 pode ser um bom exemplo disso. O descre-
C m relação à classe política, sobretudo após a crise financeira de 2008, gerou um sentimento de que
d 1ova constjtuição deveria ser elaborada de forma maciçamente participativa e sem a intermediaçao de

O s politicos e mesmo sem a intermediação de outras instituiçoes estatais. Embora teha havido uma pe
e b l e i a , composta por 25 pessoas, sua eleição baseouse em sistema muito distinto dos uslas, sss
a sreceberam uma enorme quantidade de ideias, críticas esugestöes pormeioeletrönico. Eo
OP0r.eSsa assembleia tenha sido aprovado em referendo popular, não toi, ao hinal, ado
O , 1a varias razðes para o fracasso da experiência: em várias de suas etapas houveDtNd
o p0pular, os procedimentos nem sempre eram compreensíveis, entre outras. Mas nao ha duvidas de que
ie e 1gnorarpor completo formas tradicionais de eleiçao e de tomada de decisao, e a opçao de anjar
S CXIStentes de todo o processo, contribuíram para O
is
50DiritoConstitucional Brasileio

de que a legitimidade de ma constituição tem relaçao direta com seu processo


de
claboraçåo. Essa legitimidade (ou falta de legitimidade) procedimental teria
que
sCr avaliada antes, durante c após a sua elaboração. O antes relaciona-se com
ato
covocatório e a formação da assembleia constituinte. O durante, com o processo, cde
deliberaçio decisio durante os trabalhos da assemblea.
e O defpos, com a
aprovação
popular do trabalho teito pela assembleia.
Como será visto adiante, há críticas ao processo constituinte brasileiro de 1987
1988 que se basciam em supostos déficits de legitimidade nos três momentos.
Essas
as
CTiticas serão analisadas oportunamente". Aqui interessa apenas estabelecer
um
importante contraponto ao conceito de legitimidade estritamente procedimental
descrito acima. Neste livro, a legitimidade da Constituição de 1988 será em vários
momentos ressaltada a partir da sua aceitação como pacto social e como lei suprema
do país, à qual todos os atos estatais estão vinculados. Esse conceito de legitümidade,
baseado no reconhecimento de uma constituição como um pacto e na aceitação de
seu conteúdo, não rejeita as críticas procedimentais. Em outras palavras, ressaltar
que a legitimidade de uma constituição tem íntima ligação com sua aceitação social
não implica defender que o processo de sua elaboração é rrelevante.
O argumento defendido aqui talvez seja mais facilmente compreendido se um
fator como o tempo for levado em consideraçã0 na análise da legitimidade de uma
constituição. Assim, não há dúvidas de que no momento de sua elaboração os fatores
procedimentais têm peso preponderante; nesse momento, constituição legíüma é
aquela feita com base em procedimentos legitimos. Com o passar do tempo, cont
do, uma análise meramente procedimental tem que ceder cada vez mais espaçO a

outras formas e critérios de avaliação da legitimidade de uma constituição. E uma

das principais formas é justamente a verificação de sua aceitação.


Não é por acaso que a história do constitucionalismo fornece exemplos d
constituiçoes que foram elaboradas seguindo à risca todos os requisitos formais t
legitimidade e que, apesar disso, não conseguiram proporcionar uma estabilidade
constitucional duradoura e foram substituídas em pouco tempo, enquanto Outd

foram elaboradas em épocas de grande pressão, externa ou interna, às vezes pensa


como apenas provisórias, ou elaboradas por assembleias sem mandato para tanto.
no entanto, tiveram mais estabilidade institucional e so consideradas constitnl
de legitimidade incontestável.
1940
Exemplo muito conhecido do primeiro caso é a constituição francesat
Seu procedimento constituinte incluiu: consulta prévia à população francCeS
o fim da Segunda Guerra Mundial, para decidir entre a volta da constitul
o por
Terceira República (de 1875) ou a elaboração de uma nova. Tomada a dec
uma nova constituição, foi convocada uma assembleia constituinte exclusiv
i

dedicada a esse fim; elaborado o projeto de constituição, foi ele subneu


loi ent
ferendo popular, que o rejeitou; foi então elaborado novo projeto, que 10
A Criação da Constituição: Poder Constituinte 51

ado em um novo referendo popular. Apesar do impecável processo constituinte,


a p r o v a d o

gsa constituiça0 permaneceu Cm vigor por apenas doze anos.


Táa constituição do Japão (1946), feita em momento de intervenção externa,
Estados Unidos; da Alemanha (1949), elaborada
parte imposta pclos
ou a
em boa
assenmbleia não eleita diretamente pelo povo, cujo produto foi uma constituição
0r

provisoria, que nao passou por referendo popular; ou


mesmo a
como
vista apenas
dos Estados
Unidos (1787), feita também por uma assembleia eleita indiretamente
sem mandato explícito para fazer uma constituição,
são apenas
e. mais importante,

fortes déficits de legitimidade formal e m


seus
alguns exemplos de constituiçoes com
consideradas legítimas.
processos de elaboraçao, mas que, ainda assim, são
ressaltar que n e m o argumento aqui defendido
Mais uma vez, e importante
concretos mencionados no parágrafo anterior implicam
sustentar
nem os exemplos
Essa é u m a conclusão equi-
que, se o
resultado for aceito, o processo não importa.
raramente såo elaboradas emn
vocada. O que se quer sublinhar é que constituições
isso deve ser sempre levado em
momentos de tranquilidade politica e institucionale
de compromisso podem determinar
consideração. Contextos turbulentos e soluções
limitações a um ideal procedimental.

2.5 SUGESTOES BIBLIOGRÁFICAS

Bottmann. São Paulo, Companhia das Letras, 2016


ARENDT, Hannah. Sobre a Revolução. Trad. Denise
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