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TEORIA DOS 3 NÍVEIS OU DO ICEBERG INVERTIDO

A - INTRODUÇÃO

Em Maio de 95, logo após o t érm ino da Operação Rio, escrevem os est a
“ Teoria dos 3 Níveis ou do I ceberg I nvert ido”, em face da experiência
adquirida no processam ent o dos dados da Cent ral de I nt eligência m ont ada
na Segunda Seção do Com ando Milit ar do Lest e ( CML) . Nessa ocasião, j á
est ávam os na reserva do Exércit o e havíam os sido cont rat ados por “ t em po
cert o”.

Posteriorm ente, em Nov 98, j á desem penhando a função de diretor do Centro


de I nteligência de Segurança Pública ( CI SP) , da Secretaria de Estado de
Segurança Pública do Rio de Janeiro ( SSP/ RJ) , resolvem os reeditar este
trabalho, apesar de que, passados pouco m ais de três anos, alguns dos
aspectos analisados haviam - se m odificados enquanto que outros perm aneciam
válidos.

Em Jul 04, com o Subsecret ário de I nt eligência da SSP/ RJ, decidim os,
novam ent e, reedit ar a Teoria e dist ribuí- la aos cerca de 200 alunos do Curso
de I nt eligência de Segurança Pública.

A con j u n t ur a m u dou .

O t ráfico de drogas am pliou- se e o Rio de Janeiro deixou de ser, apenas, um


corredor de export ação. O t ráfico ilícit o de arm as cresceu e as polícias
cont inuam a apreender, anualm ent e, dezenas de m ilhares de arm as de
fogo, m uit as delas verdadeiras “ arm as de guerra”.

A corrupção inst it ucional vem ganhando as páginas dos j ornais, m ost rando
que bilhões de dólares são const ant em ent e desviados dos cofres públicos.
A lavagem de dinheiro vem se const it uindo no desaguadouro nat ural da
grande crim inalidade. I m óveis são adquiridos com o dinheiro “ suj o” e as
“ I lhas Caym an” são o paraíso dos chefões.

Est a Teoria é, “ m ut at is m ut andis”, um a análise de nat ureza sociológica


sobre um a visão da crim inalidade. Ela pode ser út il para um m elhor
ent endim ent o sobre os reais problem as que enfrent am os e, principalm ent e,
para o est abelecim ent o de um a divisão m et odológica sobre a at uação dos
órgãos governam ent ais.

Ressalvando- se as m odificações ocorridas nest es quase 10 anos, ela pode


aj udar os profissionais da segurança pública.
É, apenas, um a t eoria; e, com o t oda t eoria, a prát ica é que deve alim ent á-
la e t ransform á- la.
 
 
 

B - A TEORI A ( Mai 95)

Vem sendo com um , hoj e, nos com ent ários sobre o denom inado " Crim e
Organizado" ( CO) , ouvir- se expressões do t ipo " os m orros são, som ent e, a
pont a do iceberg" e " a polícia só prende os neguinhos do m orro”, m as não
os " chefões da Vieira Sout o" .
Expressões à part e, a experiência adquirida no acom panham ent o da
evolução da crim inalidade perm it iu- nos t eorizar sobre esse polêm ico
assunt o, sobre o qual especialist as vêm ainda discorrendo.
A figura a seguir t ranscrit a represent a a " Teoria dos 3 Níveis ou do I ceberg
I nvert ido" , pela qual se pode est rat ificar a crim inalidade em t rês níveis ( N1,
N2, N3) , cuj os 35 aspect os e caract eríst icas principais passarem os,
m et odicam ent e, a list ar.

C – OS 3 5 ASPECTOS

01. Quant o à visibilidade de cada nível:


- N 3 : é claro, bem visível, aparece em " verm elho" nos j ornais
diários;
- N 2 : é um nível de penum bra e aparece m uit o pouco nos j ornais;
- N 1 : é um nível escuro, desconhecido, e, quando aparece nos
j ornais não o é nas páginas policiais, m as nas polít icas, nas econôm icas
e, at é, nas sociais.
 
 
 
02. Quant o à denom inação dada a cada nível:
- N 3 : é o nível do consum o;
- N 2 : é o nível int erm ediário, do abast ecim ent o; é o canal de
suprim ent o;
- N 1 : é o nível de com ando, das grandes decisões.

03. Quant o à venda das drogas:


- N 3 : venda de drogas a varej o;
- N 2 : venda no at acado;
- N 1 : as drogas nunca aparecem ligadas a est e nível.

04. Quant o aos locais de at uação:


- N 3 : nas favelas, nos m orros e no asfalt o: nas " bocas- de- fum o" e
nas " est icas" ;
- N 2 : busca das drogas nos países vizinhos ou em depósit os no
Brasil, próxim os à front eira; t ransport e para as grandes cidades,
part icularm ent e Rio de Janeiro e São Paulo, diret am ent e para as favelas ou
para depósit os nas periferias; t ransport e para os EUA ou para a Europa,
norm alm ent e usando a via aérea;
- N 1 : at uam no Brasil e no Mundo.

05. Quant o aos grupos com que at uam :


- N 3 : em quadrilhas sem i- organizadas;
- N 2 : em em presas de fachada;
- N 1 : em em presas reais e em out ras, de fachada.

06. Quant o aos efet ivos de cada nível:


- N 3 : grande efet ivo; as últ im as est im at ivas apont am para um
núm ero de m arginais da lei, no Est ado do Rio de Janeiro, acim a de 150 m il;
- N 2 : pequeno efet ivo que não chega a 1% do Nível 3;
- N 1 : efet ivo ext rem am ent e reduzido; podem ser cont ados com os
dedos das m ãos.

07. Quant o às denom inações de seus int egrant es:


- N 3 : dono do m orro, chefe ou líder, gerent es e subgerent es,
" aviões" , " vapozeiros" , " seguranças" , " soldados" , " olheiros" , " foguet eiros" ;
- N 2 : int erm ediários, " m at ut os" , " m ulas" ;
- N 1 : m ega- em presários, " chefões" , " capi" , crim inosos do
" colarinho branco" .

08. Quant o à idade dos crim inosos:


- N 3 : j ovens, de 10 a 30 anos;
- N 2 : acim a dos 30 anos ( " cascudos" ) ;
- N 1 : acim a dos 45 anos.

09. Quant o à im agem est ereot ipada dos at or es de cada nível:


- N 3 : " neguinho do m orro" ;
- N 2 : " nouveau riche" ;
- N 1 : " cidadão acim a de qualquer suspeit a" .

10. Quant o às suas residências:


 
 
 
- N 3 : residem nos locais em que at uam , nos m orros, nas favelas e
nas periferias;
- N 2 : não at uam nos locais em que residem ; podem possuir casas
na I lha do Governador e apart am ent os em condom ínios da Barra da Tij uca;
- N 1 : t êm apart am ent os de cobert ura na Vieira Sout o, m ansões nas
regiões Serrana e dos Lagos, além de sít ios e fazendas em áreas fora do
Rio; t êm apart am ent os em Paris e em Nova York.

11. Quant o aos seus m eios de t ransport e:


- N 3 : não possuem aut om óveis; usam os roubados; usam m ot os,
para com et er ilícit os e para os " bondes" ;
- N 2 : possuem carros do ano e im port ados;
- N 1 : possuem iat es e aviões.

12. Quant o aos lugares para onde viaj am :


- N 3 : para as favelas e m orros vizinhos, com breves incursões no
asfalt o;
- N 2 : para out ros est ados do Brasil e países vizinhos;
- N 1 : m undo.

13. Quant o aos m ot ivos dessas viagens:


- N 3 : guerra ent re quadrilhas e assalt os;
- N 2 : const ant es viagens de " t rabalho" ;
- N 1 : m uit as viagens de " passeio" .

14. Quant o aos m eios de com unicações ut ilizados:


- N 3 : usam os t elefones públicos das associações de m oradores; os
chefes e gerent es possuem t elefones celulares;
- N 2 : usam t elefones residenciais e celulares, além de " pagers" e
fax;
- N 1 : só usam os t elefones das suas em presas; os residenciais e os
celulares são para um círculo rest rit o e raram ent e são usados para
" negócios" .

15. Quant o à violência que desencadeiam :


- N 3 : violência indiscrim inada, no m ais alt o grau: seqüest ros,
assalt os diversos, hom icídios em larga escala;
- N 2 : violência selet iva, quase sem pre rest rit a ao círculo da
crim inalidade;
- N 1 : não há sinais evident es de violência.

16. Quant o às arm as que ut ilizam :


- N 3 : grande quant idade de arm as sofist icadas, de grosso calibre,
cont rabandeadas;
- N 2 : arm as sofist icadas, suficient es para a aut odefesa;
- N 1 : não usam arm as.

17. Quant o à segurança de que dispõem :


- N 3 : " soldados" e " olheiros" para as " bocas- de- fum o" ; " bondes"
para os deslocam ent os;
- N 2 : pequena ou nenhum a; às vezes, um guarda- cost as;
 
 
 
- N 1 : equipes ost ensivas de segurança, int egradas por policiais.

18. Quant o ao am bient e social em que vivem :


- N 3 : am bient e de pobreza e de inj ust iças sociais;
- N 2 : vivem em diversos am bient es sociais;
- N 1 : vivem na alt a sociedade.

19. Quant o ao nível educacional:


- N 3 : baixo nível educacional, a m aioria analfabet a;
- N 2 : nível educacional m édio; desej am aum ent á- lo e, às vezes,
com pram seus diplom as de nível superior;
- N 1 : nível educacional superior; est udaram em excelent es
universidades e, às vezes, at é no ext erior.

20. Quant o às línguas em que se com unicam :


- N 3 : m al falam o port uguês; m uit a gíria;
- N 2 : procuram falar um port uguês sofist icado que, às vezes, soa
est ranho; falam o " port unhol" ;
- N 1 : falam I nglês e/ ou Francês.

21. Quant o ao nível cult ural:


- N 3 : baixo nível cult ural; int eressam - se por fut ebol, pagode e
escolas de sam ba; adoram o " rap" ;
- N 2 : nível cult ural m édio; procuram dem onst rar um preparo que
nãopossuem ; gost am de t eat ro;
- N 1 : nível cult ural superior; dem onst ram int eresse pelas art es e,
m uit as vezes, at uam em at ividades de benem erência.

22. Quant o às suas aspirações:


- N 3 : aspirações inat ingíveis;
- N 2 : m uit as aspirações j á at ingidas;
- N 1 : t odas as aspirações j á at ingidas.

23. Quant o ao " st at us" :


- N 3 : não sabem o que realm ent e querem ;
- N 2 : buscam sem pre aum ent ar;
- N 1 : querem m ant er.

24. Quant o ao passado, ao present e e ao fut uro:


- N 3 : sem fut uro e com pouco passado, vivem para o present e;
- N 2 : sem present e e com m uit o passado, vivem para o fut uro;
- N 1 : sem passado, vivem para o present e e para o fut uro dos
seus.

25. Quant o aos valores m orais:


- N 3 : valores m orais det urpados; a vida hum ana não t em nenhum
valor;
- N 2 : valores m orais ainda det urpados, m as j á com alguns de
acordo com o m eio social em que est ão vivendo;
- N 1 : valores m orais, pelo m enos aparent em ent e, t ot alm ent e de
acordo com o m eio social em que vivem .
 
 
 

26. Quant o ao poder econôm ico- financeiro:


- N 3 : poder econôm ico baixo, m ais volt ado para a sobrevivência e
para o consum o individual; os chefes j á dispõem de um a sit uação financeira
que os possibilit a at uar na corrupção;
- N 2 : bom poder econôm ico- financeiro, que os capacit a a gerenciar
negócios e pessoas em t orno de seus obj et ivos;
- N 1 : solidez econôm ico- financeira que lhes proporciona um a alt a
posição social e um grande poder de influência.

27. Quant o aos recursos financeiros:


- N 3 : apesar de dispor de pouco dinheiro, esse nível const it ui- se na
principal font e de recursos financeiros da crim inalidade;
- N 2 : é int erm ediário na circulação do dinheiro; não usa recursos
próprios;
- N 1 : as em presas de " fachada" fazem a lavagem do dinheiro.

28. Quant o aos níveis em que at uam na corrupção:


- N 3 : nível prim ário de corrupção;
- N 2 : nível int erm ediário de corrupção;
- N 1 : nível superior de corrupção.

29. Quant o à corrupção na polícia:


- N 3 : at uam no escalão m ais baixo do aparelho policial;
- N 2 : at uam no escalão int erm ediário do aparelho policial,
inclusive, em nível de decisão;
- N 1 : at uam no m ais alt o escalão do aparelho policial.

30. Quant o à corrupção na polít ica:


- N 3 : at uam na com unidade e na polít ica do bairro, at ravés das
associações de m oradores;
- N 2 : podem at uar na polít ica m unicipal e, at é, na regional;
- N 1 : podem penet rar at é nas inst it uições federais, influenciando
ou m esm o dom inando polít icos de alt o nível.

31. Quant o à repressão a esses níveis:


- N 3 : a repressão ao nível 3 pode dim inuir, pelo m enos
t em porariam ent e, os índices de crim inalidade sem , cont udo, im pedir o seu
ressurgim ent o;
- N 2 : a repressão ao Nível 2 vai dificult ar a ent rada de drogas e
arm as e desest abilizar o Nível 3;
- N 1 : a repressão ao Nível 1 vai provocar sérios danos à
crim inalidade e dem onst rar as sérias int enções do governo.

32. Quant o à m et áfora do " t anque cheio de água suj a" :


- N 3 : o sucesso na repressão vai " abrir o ralo" ;
- N 2 : o sucesso vai " fechar a t orneira" ;
- N 1 : o sucesso vai " esvaziar a água" .

33. Quant o à perm anência das ações de repressão:


- N 3 : const ant es, cont ra quadrilhas, drogas e arm as;
 
 
 
- N 2 : esporádicas ( at ualm ent e, só cont ra " m ulas" das drogas) ;
- N 1 : at ualm ent e, não há, com exceção das querelas polít icas.

34. Quant o aos órgãos de repressão:


- N 3 : os órgãos est aduais de Segurança Pública - PM e PC - t êm
conseguido os m elhores result ados;
- N 2 : norm alm ent e, seus int egrant es t êm sido presos por m eio de
operações da Polícia Federal;
- N 1 : no Brasil, nos últ im os anos, não se t em not ícia de nenhum
" capo" preso com culpabilidade com provada.

35. Quant o à at uação da I nt eligência:


- N 3 : at ua, principalm ent e, com o banco de dados e difusão de
conhecim ent os;
- N 2 : seria fundam ent al para dificult ar a ent rada de arm as e
drogas;
- N 1 : seria peça im port ant e num " pool" de órgãos federais.

D - O CRI M E ORGAN I ZAD O

Um a out ra quest ão polêm ica é se exist e no Brasil e, part icularm ent e, no Rio
de Janeiro, o Crim e Organizado ( CO) .
É evident e que se ent enderm os CO com o o conj unt o das organizações do
t ipo " m afiosas" que exist em em out ros países, com o a " Cosa Nost ra" , a
" Cam orra" , a " N'Dranghet a" , a " Yakuza" , et c, a respost a é não.
O que exist em , no Rio de Janeiro, são quadrilhas sem i- organizadas, com
est rut uras hierárquicas não m uit o bem definidas, e que lut am por t errit órios
- os m orros e/ ou as favelas, que são as suas verdadeiras bases de
sust ent ação e de hom izio, além de serem os pont os de venda de drogas.
Mesm o o “ j ogo- do- bicho”, que m uit os apont am com o o verdadeiro CO
caboclo, não possui as caract eríst icas próprias dessas grandes organizações.
As invest igações procedidas nos últ im os anos não confirm aram as
propaladas ligações com t rês dos " 4 Cavaleiros do CO" , o t ráfico de drogas,
o cont rabando de arm as e a lavagem de dinheiro. Som ent e sobre o 4º
cavaleiro, a corrupção, com provou- se a at uação do j ogo- do- bicho,
corrom pendo policiais e polít icos.
A " Teoria dos 3 Níveis ou do I ceberg I nvert ido" m ost ra- nos que som ent e
t erem os CO quando as organizações crim inosas est rut urarem - se
hierarquicam ent e, dom inando faixas vert icais nos t rês níveis.
Felizm ent e, nos dias at uais, em m aio de 1995, as ligações exist ent es ent re
esses níveis são aquelas absolut am ent e necessárias para as encom endas e
para os negócios. Não há com ando do N1 sobre o N2 e nem dest e sobre o
N3.
Rest a- nos saber at é quando...

Rom e u An t on io Fe r r e ir a - Ce l EB RR - M a i 1 9 9 5
 

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