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Quinta -feira, 8 de Maio de 2008 I SÉRIE - Número 19

BOLETIM DA REPÚBLICA
PUBLICAÇÃO OFICIAL DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

SUPLEMENTO
IMPRENSA NACIONAL DE MOÇAMBIQUE submetido formalmente ao Conselho Constitucional pelo
Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Segurança Privada e
Guardas de Moçambique (SINTESPGM).
AVISO Na pendência do pedido, oitenta e nove Deputados da
A m a t é r i a a publicar n o «Boletim da República» A s s e m b l e i a da R e p ú b l i c a vieram solicitar ao C o n s e l h o
deve ser remetida e m cópia devidamente autenticada, Constitucional, em 27 de Novembro de 2007, ao abrigo da
alínea c) do n.° 2 do artigo 245 da Constituição, a apreciação e
uma por c a d a a s s u n t o , d o n d e c o n s t e , a l é m d a s indi-
declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade do mesmo
c a ç õ e s n e c e s s á r i a s p a r a e s s e efeito, o a v e r b a m e n t o
Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril.
seguinte, assinado e autenticado: Para publicação no
«Boletim da República». Fundamentação do pedido dos Deputados da
Assembleia da República
Os Deputados da Assembleia da República fundamentam o
seu pedido nos termos a seguir resumidos:
SUMARIO a) o conteúdo do artigo 4 do Regulamento aprovado pelo
Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril, suscita o princípio
C o n s e l h o Constitucional: de retroactividade da lei em prejuízo do cidadão,
o b r i g a n d o as e m p r e s a s de s e g u r a n ç a p r i v a d a ,
Acórdão n." 5/CC/2008: constituídas antes da entrada em vigor do seu
Regulamento, a alterarem a sua estrutura societária, o
Atinente ao pedido de apreciação e declaração de incons-
titucionalidade do Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril, que aprova que viola o artigo 57 da Constituição;
o Regulamento das Empresas de Segurança Privada. b) as alíneas a) e d) do artigo 5, o n° 1 do artigo 6 e as alíneas
c) e f ) do artigo 17, todos do Regulamento, tendo
carácter inovador, não salvaguardam as situações
anteriores legalmente constituídas e não beneficiam
CONSELHO CONSTITUCIONAL os cidadãos. Assim sendo:
• os artigos 5 e 6 do Regulamento aprovado pelo
Acórdão n.° 5/CC/2008 Decreto n° 9/2007 violam o artigo 108 da
C o n s t i t u i ç ã o que p r o t e g e o i n v e s t i m e n t o
de 8 de Maio estrangeiro;
• o artigo 4 do mesmo Decreto e os artigos 5 e 6 do
P r o c e s s o s n. os 0 9 / C C / 0 7 e 0 8 / C C / 0 7 (Incorporado)
seu Regulamento são materialmente
inconstitucionais, por violação dos artigos 35, 57,
Acordam os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional:
82 e 108 da Constituição;
I • violam ainda os artigos 2, 6, 8 e 9 do Código
Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n° 2/2005,
Relatório
de 27 3e Dezembro;
Objecto dos pedidos • também violam os artigos 4 e 13 da Lei n° 3/93, de
Em 16 de Novembro de 2007 deu entrada no Conselho 24 de Junho, Lei dos Investimentos, no que
Constitucional um pedido de apreciação e declaração de respeita ao princípio da igualdade de tratamento;
inconstitucionalidade do Decreto n° 9/2007, de 30 de Abril, que • e violam a protecção dos direitos de propriedade
aprova o Regulamento das Empresas de Segurança Privada no concernente à segurança e protecção jurídica
(doravante também designado por Regulamento). sobre bens e direitos.
O pedido foi feito ao abrigo do disposto na alínea g) do n.° 2 c) nos termos do artigo 11 da Lei n° 3/93, de 24 de Junho,
do artigo 245 da Constituição e o respectivo requerimento, conjugado com o artigo 5 do Decreto n° 14/93, de 21 de
acompanhado de assinaturas de mais de dois mil cidadãos, foi Julho, tanto os estrangeiros como os nacionais podem
investir, em pé de igualdade, em todas as áreas entrada em vigor do Decreto n° 9/2007, ficam
económicas e a segurança privada não constitui gravemente prejudicados e penalizados com a nova
excepção; legislação;
d) as empresas de segurança privada, sejam sociedades ou g) os trabalhadores das empresas de segurança privada
pessoas singulares, são, nos termos do artigo 2 do poderão vir a ser tambem lesados "na medida em que
Código Comercial, empresários comerciais e a lei é- as grandes empresas empregam pelo menos 25.000
lhes aplicável sem discriminação entre nacionais e trabalhadores e são constituídas por capitais
estrangeiros, nos termos do artigo 8 do mesmo Código; maioritariamente estrangeiros";
e) todos os empresários, nacionais ou estrangeiros, têm h) por outro lado, o n.o 1 do artigo 17 do Regulamento impõe
capacidade para o exercício da actividade empresarial como requisitos para admissão à função de guarda de
em Moçambique, sem qualquer discriminação, nos segurança privada, nomeadamente, ter cumprido o
termos do artigo 9 do Código Comercial, serviço militar obrigatório e ter concluído com
Finalmente, numa formulação redigida de forma pouco clara, aproveitamento positivo um curso de formação de
os requerentes pedem, ao abrigo do no 1, conjugado çom a guarda, em Escola ou Centro de Formação reconhecido
alínea c) do n.° 2 do artigo 245 da Constituição, que o Conselho pelo Ministério do Interior;
Constitucional aprecie e declare a inconstitucionalidade ou i) no entanto, até a entrada em vigor do Decreto n° 9/2007
ilegalidade do Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril, na sua totalidade, não se conhecia nenhuma Escola ou Centro de
por violar os artigos 35, 57, 82 e 108, todos da Constituição, Formação reconhecido pelo Ministério do Interior, e
assim como os artigos 2,6, 8 e 9, todos do Código Comercial, e mais de 70% dos trabalhadores existentes não
ainda os artigos 4, 11 e 13, todos da Lei n.° 3/93, de 24 de Junho. cumpriram o Serviço Militar.
Os requerentes pedem, em suma, que sejam declarados
Fundamentacao do pedido dos dois mil cidadãos
materialmente inconstitucionais o artigo 4 do Decreto n.° 9/2007
Os dois mil cidadãos fundamentam o seu pedido nos termos e os artigos 5 e 6 do Regulamento por ele aprovado, por violação
que a seguir se expõem resumidamente; dos artigos 57, 82 e 108 da Constituição.
a) em meados de Setembro de 2007, foi posto em circulação,
pela Imprensa Nacional de Môçambique, o B.R, n° 17, Tramitaçâo dos processos
da I Série, de 30 de Abril, no qual vem publicado o O pedido dos dois mil cidadãos (Processo n° 8/CC/07)
Decreto n° 9/2007, de 30 de Abril, diploma que veio apresentava várias deficiências, tendo sido notificado o
substituir o Regulamento das empresas de segurança subscritor do requerimento, nos termos , do n° 3 do, artigo 62 da
privada, aprovado pelo Decreto n° 26/90, de 29 de Lei n° 6/2006, de 2 de Agosto (LOCC), para as suprir, conforme o
Novembro; despacho de fls, 38-39 dos autos.
b) o artigo 4 do referido Decreto n° 9/2007 impõe às empresas
Apesar deste pedido ter sido o primeiro a dar entrada no
de segurança privada já existentes, que não estiverem
Conselho Constitucional, o mesmo veio a ser admitido em 20 de
constituídas de acordo, com o Regulamento, o dever
Dezembro de 2007, por despacho de fls. 69 dos autos, após
de regularizarem a sua situação no prazo máximo de
180 dias, o que significa que esse Regulamento tem verificado terem sido supridas as deficiências que apresentava,
efeitos retroactivos; facto que ocorreu depois da admissão do pedido dos Deputados
da Assembleia da República (Processo n.° 9/CC/07), por despacho
c) o Regulamento dispõe, na alínea a) do no 1 do artigo 5,
de fls. 27 dos autos.
que "a nomeação aos cargos de administrador, director
ou gerente de empresas de segurança privada deverá O Presidente da República, na qualidade de Chefe do Governo,
ser feita a indivíduos de nacionalidade moçambicana"; foi notificado de ambos os pedidos, conforme a ordem cronológica
e, no n° 1 dò artigo 6, que "as empresas de segurança da sua admissão, nos termos e para o efeito do disposto no
privada em nome individual só podem ser detidas artigo 51 da LOCC.
exclusivamente por cidadãos nacionais e nas
sociedades comerciais é permitida a participação de Por se tratar dè pedidos com objecto idêntico, aquando da
sócios estrangeiros desde que o capital social notificação respeitante ao Processo n° 8/CC/07, prorrogou-se
maioritário seja de cidadãos moçambicanos"; por dez dias, nos termos do n.° 3 do artigo 64 da LOCC, o prazo
d) o artigo 57 da Constituição dispõe que na República de fixado na primeira notificação. Este prazo findou sem que o Órgão
Moçambique as leis só podem ter efeitos retroactivos autor da norma se tivesse pronunciado sobre qualquer dos
quando beneficiam os cidadãos e outras pessoas pedidos, procedimento que, além de se enquadrar no disposto
jurídicas; no artigo 51 da LOCC, não obsta à tramitação processual
e) o Decreto n° 9/2007, ao impor efeitos retroactivos ao subsequente, nos termos do n.° 1 do artigo 63 da mesma Lei.
Regulamento, enferma de inconstitucionalidade, Cumprindo o disposto no n.° 1 do artigo 64 da LOCC,
porque as empresas dè segurança privada criadas à incorporou-se o Processo no 8/CC/08 no Processo n° 9/CC/08,
luz da lei vigente à data da sua constituição, que não por este ter sido admitido em primeiro lugar.
impunha qualquer restrição à subscrição do capital
social por estrangeiros nem à participação destes nos Tendo em conta os fundamentos aduzidos num e noutro
órgãos de administração e direcção, são forçadas a pedido, o Presidente do Conselho Constitucional elaborou o
alterar a sua estrutura societária e a composição dos Memorando (fls. 74-91 dos autos), nos termos do n.o 1 do artigo
seus órgãos de administração e direcção; 63 da LOCC.
f ) os sócios estrangeiros, fundadores das sociedades da Cumpre agora apreciar e decidir os pedidos, de harmonia com
área de segurança privada ou os que adquiriram a orientação do Conselho Constitucional (fls. 96-99 dos autos)
participações sociais nessas sociedades antes da fixada nos termos do n.o 2 do artigo 63 da LOCC.
II Porque os Decretos do Conselho de Ministros são, nos termos
Fundamentação da alínea c) do n.° 1 do artigo 144 da Constituição, publicados no
Boletim da República, sob pena de ineficácia jurídica, e porque
Questões prévias
essa publicação se destina a dar conhecimento público da sua
Os presentes pedidos de fiscalização sucessiva existência e, portanto, só a partir da sua distribuição pública eles
da constitucionalidade e legalidade foram apresentados por quem passam a ter eficácia jurídica, é perfeitamente defensável, neste
tem legitimidade para o fazer, nos termos das alíneas c) e g) do caso, que o Decreto n.° 9/2007 somente a partir de Setembro de
n.° 2 do artigo 245 da Constituição. 2007 passou a produzir efeitos jurídicos e que, portanto, o termo
O Conselho Constitucional é, nos termos da alínea a) do n.° 1 fixado no seu artigo 4 não chegou a ter aplicação efectiva por ter,
do artigo 244 e do n.° 1 do artigo 245, ambos da Constituição, o entretanto, sido revogado.
órgão competente para apreciar e decidir as questões suscitadas Reforça-se esta conclusão com o preceituado no n.° 2 do artigo
nos pedidos formulados. 1 da citada Lei n.° 6/2003, de 18 de Abril, nos termos do qual °para
Existe uma questão prévia que se prende com a publicação, ná os efeitos estabelecidos no número anterior, o prazo de quinze
pendência dos pedidos, do Decreto n.° 69/2007, de 21 de dias conta-se a partir da data da efectiva publicação das leis e
Dezembro, no Suplemento ao B.R. n.° 51, da I Série, de 21 de demais diplomas, sendo também esta a que neles deve constar°
Dezembro de 2007 (fls. 92 dos autos), diploma que introduz A inobservância do disposto na última parte do n.° 2 do artigo
algumas alterações ao Decreto n° 9/2007, de 30 de Abril, assim 1 da Lei n.° 6/2003 só pode fazer incorrer em responsabilidade os
como ao seu Regulamento. indivíduos ou instituições a quem seja imputável a ilegalidade
O Decreto n.° 69/2007 tem três artigos: o artigo 1 dá nova cometida, e nunca em prejuízo dos legítimos interesses e direitos
redacção aos artigos 5 e 17 do Regulamento; o artigo 2 revoga o dos cidadãos destinatários de leis ou outras normas dè obrigatória
artigo 4 do Decreto n.° 9/2007, e, finalmente, o artigo 3 determina publicação.
a entrada em vigor do mesmo Decreto n.° 69/2007 na data da sua Assim, a data da efectiva publicação do Decreto n.° 9/2007,
publicação, data que veio a ser o dia 21 de Dezembro de 2007. embora os factos não permitam fixá-la com precisão, deve situar-
Face a estas alterações, importa determinar os efeitos da entrada se nos meados do mês de Setembro de 2007, e, por força da
em vigor do Decreto n.° 69/2007 relativamente aos mesmos citada Lei n.° 6/2003, o mesmo Decreto só entrou em vigor em
pedidos. finais do mesmo mês, momento a partir do qual iniciou a contagem
do prazo de 180 dias estipulado no artigo 4 do Decreto, cujo
O conteúdo do artigo 4 do Decreto n.° 9/2007, agora revogado,
termo final ocorreria no mês de Março de 2008, caso a disposição
é o seguinte: °as empresas de segurança privada já existentes,
em causa não tivesse sido revogada.
que não estiverem constituídas de acordo com o presente
regulamento, devem regularizar a sua situação no prazo de 180 Nestes termos, a apreciação de mérito da questão suscitada
dias°. da inconstitucionalidade do artigo 4 do Decreto n.° 9/2007 deixa
de ter relevância, porquanto se conclui que o lapso de tempo
A primeira questão que se suscita é a de saber a partir de
decorrido entre o início da vigência daquela disposição (finais
quando aquele artigo 4 terá iniciado a sua vigência e, portanto, a
de Setembro de 2007) e a sua revogação (21 de Dezembro de
partir de quando se deveria contar o prazo de 180 dias nele fixado
2007) não foi suficiente para que a mesma produzisse efeitos
e, consequentemente, se aquele artigo 4 terá efectivamente
práticos significativos nas situações jurídicas dos destinatários.
chegado a produzir efeitos jurídicos.
Em relação ao artigo 5 do Regulamento, a alteração substancial
O Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril, nada diz sobre a sua
a que foi sujeito pelo Decreto n.° 69/2007 consistiu na introdução
entrada em vigor, pelo que, a fazer fé na data que consta do
de um novo n° 2 do seguinte teor:
Suplemento ao B.R. n.° 17, da I Série, e que é o dia 30 Abril de
2007, de acordo com o disposto na Lei n.° 6/2003, de 18 de Abril, "2. A nomeação a cargos não previstos no n.° 1 do presente
que fixa em 15 dias o prazo ordinário de "vacatio legis", o mesmo artigo poderá recair em sócio de nacionalidade estrangeira,
Decreto entraria em vigor no dia 15 de Maio de 2007. sem prejuízo dos demais requisitos°.
Por seu lado, o artigo 4 do citado Decreto estabeleceu 180 Deve, pois, notar-se que, por virtude desta alteração (e em
articulação com a revogação já referida do artigo 4), a interdição
dias para a regularização da situação das empresas existentes,
de nomeação para os cargos de administrador, director ou gerente
isto é, sempre considerando estas datas e prazos, tal regularização
de empresas de segurança privada passou a vigorar apenas para
deveria ter lugar até 12 de Novembro de 2007 (11 de Novembro o futuro, isto é, para após a entrada em vigor do Decreto n.° 69/
foi domingo). E isto pressupõe que aquele prazo de 180 dias teria /2007, de 21 de Dezembro, e que outros cargos podem ser
findado antes da revogação do referido artigo 4 pelo Decreto n° exercidos por sócios de nacionalidade estrangeira, sem prejuízo,
69/2007, ou seja, que este artigo 4 foi revogado numa altura em em princípio, dos requisitos das alíneas b), c) e d) do n.° 1 do
que, para as empresas não constituídas de acordo com o Decreto artigo 5 do Regulamento.
n.° 9/2007, de 30 de Abril, tivesse já expirado o prazo para Com esta ressalva resultante das alterações introduzidas,
regularizarem a sua situação. o mérito da questão de inconstitucionalidade do citado artigo 5,
Mas os factos não permitem poder fazer-se fé na referida data suscitada pelos requerentes, deve continuar a merecer
de 30 de Abril, que consta do Suplemento ao B.R. n.° 17, como a apreciação deste Conselho.
data efectiva da publicação do Decreto n.° 9/2007. Quanto ao artigo 17 do Regulamento, a alteração de fundo
nele introduzida pelo Decreto n.° 69/2007 consistiu na modificação
Como se alega no requerimento do processo n° 08/CC/2007,
do conteúdo da alínea c) do seu n.° 1, que, ao invés de "terem
só °em meados de Setembro de 2007 foi posto em circulação pela cumprido o serviço militar obrigatório°, passou a °terem a sua
Imprensa de Moçambique° o referido Suplemento ao B.R. n° 17 e situação militar regularizada".
dos registos do Conselho Constitucional consta, efectivamente,
Assim, em relação a este artigo, e sempre ressalvados os efeitos
que só em 14 de Setembro de 2007 deu entrada neste Órgão o resultantes da revogação do artigo 4 do Decreto n.° 9/2007, as
mencionado. Suplemento. questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos requerentes
não são postas em causa pelas alterações introduzidas pelo reforço da capacidade combativa da Polícia, através de maior
Decreto n.° 69/2007, cabendo a este Conselho fazer a apreciação envolvimento, enquadramento e participação dos cidadãos na
do seu mérito, tarefa de prevenção criminal, sob forma de empresas de segurança
privada, em estrita colaboração com as forças de defesa e
Concluindo, os efeitos da entrada em vigor do Decreto n° 69/ segurança°.
2007, de 21 de Dezembro, sobre os pedidos submetidos a este
Conselho são os seguintes: Embora publicado no dia anterior ao da entrada em vigor
a) relativamente à apreciação de constitucionalidade do da Constituição, que ocorreu em 30 de Novembro de 1990, o
artigo 4 do Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril, procede Decreto n.° 26/90 começou a produzir efeitos já no período da
a questão prévia de que o facto superveniente vigência dessa Constituição, por causa da vacatio legis de seis
resultante da aprovação do Decreto n.° 69/2007, de 21 meses fixada pelo seu artigo 5.
de Dezembro, e nomeadamente o disposto no seu Neste contexto, pode considerar-se que o Decreto n.° 26/90,
artigo 2, determinou a inutilidade de uma decisão de ao permitir o exercício da actividade de segurança privada no
mérito por parte deste Conselho; Pais, traduzia uma certa forma de concretização da Constituição
b) quanto às demais questões suscitadas pelos requerentes, então vigente, a qual dispunha no seu artigo 61 que "os cidadãos
justifica-se que este Conselho Constitucional tome são encorajados a participar em organismos de defesa civil,
posição sobre a existência ou não de designadamente para protecção de infra-estruturas económicas,
inconstítucionalidades ou ilegalidades nas diversas sociais, e da produção°.
normas cuja apreciação foi requerida. O Decreto n.° 26/90 não previa limitações aos estrangeiros
relativamente à propriedade de empresas de segurança privada
Apreciação do mérito dos pedidos em nome individual nem à sua participação no capital das
"Resolvida a questão prévia, cumpre agora apreciar o mérito sociedades comerciais do ramo da segurança, nem à sua
dos pedidos apresentados, tendo em conta que o seu objecto designação para os órgãos de administração e gerência dessas
compreende questões, tanto de constitucionalidade, como de sociedades.
legalidade, as quais passam a ser formuladas nos seguintes O quadro legal descrito permaneceu inalterado durante
termos: cerca de dezasseis anos, isto é, desde 1991, ano do início da
a) a alínea a) do n.° 1 do artigo 5 e o n.° 1 do artigo 6 do vigência do Decreto n° 26/90, de 29 de Novembro, até a sua
Regulamento aprovado pelo Decreto n° 9/2007 violam substituição pelo Decreto n° 9/2007, de 30 de Abril, alterado pelo
o artigo 108 da Constituição, ainda que se considere a Decreto n.° 69/2007, de 21 de Dezembro.
alteração do artigo 5 pelo Decreto n,° 69/2007? Durante esse período em que vigorou o Decreto n.° 26/90
b) as mesmas disposições dos artigos 5 e 6 do Regulamento foram sendo criadas empresas de segurança privada no País, na
são materialmente inconstitucionais por violação dos sua maioria de proprietários estrangeiros ou de capital social
artigos 35, 57 e 82 da Constituição? maioritariamente detido por estrangeiros. Assim, a indústria de
c) a alínea d) do n.° 1 do artigo 5 do Regulamento é segurança privada foi adquirindo relevância no cenário sócio-
materialmente inconstitucional por violação do artigo éconómico nacional, empregando, segundo os requerentes, mais
35 da Constituição? de vinte e cinco mil trabalhadores.
d) a alínea f) do n.° 1 do artigo 17 do Regulamento é também É importante sublinhar que, embora exercida por particulares,
inconstitucional na medida em que não é conhecida a actividade de segurança privada visa a prossecução do interesse
nenhuma Escola ou Centro de Formação reconhecido público, e tem natureza complementar e subsidiária face às
pelo Ministério do Interior? competências desempenhadas pelas forças e serviços de
e) ainda relativamente aos citados preceitos da alínea a) do segurança do Estado, princípios que eram reconhecidos pelo
n.° 1 do artigo 5 e do n.° 1 do artigo 6 do Regulamento, citado preâmbulo do Decreto n.° 26/90 e são agora reiterados
estão eles feridos de ilegalidade por violarem o disposto pelo preâmbulo do Decreto n.° 9/2007.
nos artigos 2,6, 8 e 9 do Código Comercial, bem como No nosso Pais, a manutenção da ordem, segurança e
os artigos 4, 11 e 13 da Lei n.° 3/93, de 24 de Junho, tranquilidade públicas foi e continua sendo tarefa precípua do
Lei de Investimentos, no que respeita ao princípio de Estado, e enquadra-se nas atribuições relativas ao exercício da
igualdade de tratamento? soberania. Daí que, tendo como precedente o artigo 111 da
f) os dispositivos indicados violam a protecção dos direitos Constituição de 1990, na actual Lei Fundamental incluiu-se a
de propriedade no concernente à protecção jurídica matéria da ordem pública no rol das competências exclusivas
sobre bens e direitos? dos órgãos centrais do Estado, conforme se verifica no n° 2 do
Antes de resolver as questões arroladas, importa referir que o seu artigo 139.
quadro legal que, pela primeira vez depois da independência,
Nesta perspectiva, a Constituição atribui ao Conselho de
permitiu o exercício da actividade de segurança privada em
Ministros (órgão de soberania nos termos do artigo 133,
Moçambique data dos finais de 1990 e foi estabelecido pelo
Decreto n.° 26/90, de 29 de Novembro, que aprovou o competente conjugado com o artigo 200) as funções de velar pela ordem
Regulamento, publicado no 5° Suplemento ao B.R. da I Série, pública e pela segurança e estabilidade dos cidadãos e de
n.° 48, de 29 de Novembro de 1990, assegurar a disciplina social (n.° 1 do artigo 203, conjugado com
a alínea b) do n.° 1 do artigo 204), determinando, no n.° 2 do
No preâmbulo do referido Decreto reconhecia-se mesmo artigo 203, que a defesa da ordem pública seja assegurada
expressamente que a "Polícia Popular de Moçambique°, por órgãos apropriados funcionando sob controlo
subordinada ao Ministério do Interior, tinha como °tarefa principal
governamental.
garantir a ordem, segurança, protecção e tranquilidade públicas...".
Porém, segundo o mesmo preâmbulo, o aumento dos índices Complementando as citadas normas dos n. os 1 e 2 do
de criminalidade, que então se verificava, particularmente de artigo 203 e da alínea b) do n.° 1 do artigo 204, a Constituição
natureza económica e contra as pessoas, tornou °imperioso o atribui à Polícia da República de Moçambique, nos termos do
no n.° 1 do artigo 254, a função de garantir, nomeadamente, a lei Lei da Política de Defesa e Segurança, constitui princípio básico
e a ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens e a desta política a °responsabilidade do cidadão na defesa da pátria
tranquilidade pública. e na promoção da segurança do Estado e da ordem pública°
A ideia central que resulta claramente das considerações Embora os princípios anteriores não excluam a possibilidade
anteriores é a de que a actividade de segurança privada, a despeito de colaboração de estrangeiros na prossecução dos serviços de
de ser exercida por entidades particulares, normalmente movidas segurança, nas forma? legalmente previstas, tal colaboração não
por interesses comerciais, visa primordialmente a prossecução deve nunca ocorrer de maneira a desvirtuar o papel primacial
de u m i n t e r e s s e p ú b l i c o , c a r a c t e r i z a n d o - s e pela sua que, nessa matéria, cabe às instituições do Estado e aos cidadãos.
complementaridade e subsidiariedade relativamente às tarefas
Os fundamentos expostos demonstram não ser prudente
que a Constituição incumbe o Governo de prosseguir, através da
permitir que estrangeiros ou empresas de capitais maioritariamente
Polícia da República de Moçambique, no domínio da manutenção
detidos por estrangeiros possam controlar a actividade de
da ordem, segurança e tranquilidade públicas.
segurança privada, na qual se empregam efectivos que podem
E com base nesta orientação que se procede à apreciação aproximar-se aos das forças de segurança pública. Se tal fosse
subsequente das questões de inconstitucionalidade e de admitido como normal, semelhante permissão implicaria uma
ilegalidade suscitadas em relação a normas do Decreto n.° 9/ significativa alienação da soberania do Estado e atribuição a
/2007, de 30 de Abril. outras nacionalidades da delicada e quão fundamental função
de garantir a ordem e a segurança dos cidadãos.
Quanto às questões de inconstitucionalidade
Os requerentes alegam que a alínea a) do n.° 1 do artigo 5 e
No entendimento dos requerentes, a alínea a) do n.° 1 do o n.° 1 do artigo 6 do Regulamento violam o artigo 82 da
artigo 5 e o n.° 1 do artigo 6 do Regulamento aprovado pelo Constituição, que garante o direito de propriedade.
Decreto n° 9/2007 violam o artigo 108 da Constituição, na medida Em relação a esta alegação, é necessário observar que o
em que proíbem a nomeação de estrangeiros aos cargos de artigo 82 da Constituição, que consagra o direito de propriedade,
administrador, director ou gerente de empresas de segurança se localiza sistematicamente no capítulo relativo aos direitos e
privada, a detenção da propriedade das mesmas empresas de deveres económicos, sociais e culturais. Isto mostra que, além
segurança em nome individual por estrangeiros e impõem de ser um direito individual, o direito de propriedade desempenha
restrições à participação do capital estrangeiro nessas empresas também uma função social de interesse público, cuja prossecução
quando constituídas sob forma de sociedades comerciais. pode legitimar, em determinadas circunstâncias, imposições legais
O n.° 1 do artigo 108 da Constituição, cuja violação se alega, restritivas do seu exercício.
dispõe que o Estado garante o investimento estrangeiro, e que Esta concepção sobre o direito de propriedade é corroborada
este actua no quadro da política económica do mesmo Estado. pelo disposto no n.° 2 do artigo 82 da Constituição, na medida em
Note-se que, segundo o n.° 1 do artigo 96 da Constituição, a que permite, com garantias de justa indemnização, a expropriação
referida política económica visa, entre outros objectivos, o fundada em °necessidade, utilidade ou interesse público definidos
°reforço da soberania do Estado", razão pela qual, nos termos do nos termos da lei°.
n.° 2 do citado artigo 108 da Constituição, o investimento Estando ultrapassado o problema da retroactividade do
estrangeiro não é autorizado °naqueles sectores que estejam Regulamento aprovado pelo Decreto n.° 9/97, a ideia fundamental
reservados à propriedade ou exploração do Estado°. que se pretende afirmar com esta análise é a de que, verificando-
O artigo 108 da Constituição, compreendido sistematicamente, se razões objectivas e ponderosas de interesse público, se
não traduz a consagração de um direito dos estrangeiros ao justifica um regime jurídico que, respeitando o princípio da
investimento. Pela sua inserção no Capítulo II (Organização proporcionalidade, limite o direito de propriedade, incluindo sobre
económica) do Título IV (Organização económica, social, empresas de segurança privada.
financeira e fiscal) da Constituição, aquela disposição tem carácter Nestes termos, não se devem considerar materialmente
programático, consubstanciando a imposição duma tarefa ao inconstitucionais as normas da alínea a) do n.° 1 do artigo 5 e do
Estado, no sentido de criar condições legais e institucionais n.° 1 do artigo 6 do Regulamento, porquanto o seu conteúdo não
favoráveis ao investimento estrangeiro no País, quer atraindo-o, contraria o disposto nos artigos 108 e 82 da Constituição.
quer garantindo-o quando realizado. Os requerentes alegam, igualmente, estarem inquinadas de
Por outro lado, da interpretação conjugada do artigo 108 com inconstitucionalidade material as normas supracitadas, por
o n° 1 do artigo 96, ambos da Constituição, decorre que a garantia violarem o artigo 35 da Constituição, o qual determina que °todos
constitucional do investimento estrangeiro comporta limitações, os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos
antes de mais as que se prendem com a necessidade de o e estão sujeitos aos mesmos deveres...".
investimento actuar no quadro da política económica do Estado, Conforme consta da sua epígrafe, esta norma consagra os
dirigida ao reforço da soberania e com a previsão da existência princípios da universalidade e da igualdade. O primeiro princípio
de áreas de actividade económica reservadas à propriedade ou significa que os cidadãos são titulares de todos os direitos e
exploração do Estado. estão sujeitos a todos os deveres consagrados na ordem jurídica
e o segundo tem o sentido de que, perante a lei, os cidadãos se
Conforme se disse, é neste domínio da soberania, cujo reforço
encontram em posições jurídicas iguais relativamente aos direitos
a política económica do Estado prossegue, que se enquadra a
e deveres.
matéria da ordem, segurança e tranquilidade públicas, sendo
líquido que a defesa e o reforço da soberania do Estado O termo "cidadão" tem, neste contexto, o seu significado
moçambicano, como acontece noutros Estados de regime jurídico, ou seja designa o indivíduo que mantém um vínculo de
democrático, são prosseguidos por instituições estatais nacionalidade com o Estado moçambicano, nos termos dos artigos
apropriadas e com a participação dos cidadãos, os únicos 23 e seguintes da Constituição, o que se não deve entender
vinculados ao dever de contribuir para a defesa do país, nos como desconsideração pela ordem constitucional da situação
termos do n.° 1 do artigo 46 da Constituição. Por isso também, dos estrangeiros em relação ao gozo dos direitos e à vinculação
segundo a alínea a) do artigo 2 da Lei n° 17/97, de 1 de Outubro, a deveres.
No Direito Comparado, algumas Constituições complementam com a excepção dó disposto na alínea q) do n.° 2 do artigo 179 da
os princípios da universalidade e da igualdade com disposições Constituição, pode ser exercida pelo Governo mediante
específicas que equiparam os estrangeiros com os nacionais. autorização legislativa, nos termos do n° 3 do mesmo artigo 179
São exemplos as Constituições portuguesa, artigo 15°, italiana, da Constituição.
artigo 10°, n.° 2, espanhola, artigo 13°, brasileira, artigo 5°, corpo, Assim, a incompatibilidade que consta da alínea d) do n.°1do,
santómense, artigo 17° e cabo-verdeana, artigo 24o. artigo 5 do Regulamento aprovado pelo Decreto n.° 9/2007 só
Não existe na nossa Constituição disposição semelhante às poderia ter sido estabelecida, por via ou de lei da Assembleia da
que se acabam de citar. No entanto, existe a Lei n.° 5/93, de 28 de República ou de decreto-lei ao abrigo da alínea d) do n.° 1 do
Dezembro, sobre °regime jurídico do cidadão estrangeiro°, a qual artigo 204 da Constituição.
consagra, no n.° 1 do seu artigo 4, o princípio geral de equiparação Neste sentido, a alínea d) do n.° 1doartigo 5 do Regulamento
dos estrangeiros com os nacionais quanto os direitos e deveres. é inconstitucional dp ponto de vista formal, por violar, o disposto
Conclui-se, deste modo que, na ordem jurídica moçambicana, no n° 3 do artigo 137 da Constituição,
a questão em análise pertence ao fórum de direito ordinário, o Quanto à inconstitucionalidade alegada em relação à alínea c)
que torna improcedente a alegada inconstitucionalidade material do n.° 1 do artigo 17 do Regulamento (disposição alterada pelo
da alínea a) do no 1 do artigo 5 e do n.° 1 do artigo 6 do Decreto n.° 69/2007), deve observar-se que a exigência de se "ter
Regulamento, corn fundamento na violação do artigo 35 da cumprido o serviço militar obrigatório° não constituía qualquer
Constituição. inovação do Decreto n.° 9/2007, quanto aos requisitos que eram
Os requerentes entendem que o artigo 35 da Constituição é exigidos pelo Decreto n.° 26/90 para a admissão como guarda de
igualmente ofendido pela alínea d) do n.° 1 do artigo 5 do segurança privada,
Regulamento, disposição que exclui, em relação aos indivíduos O mesmo requisito vinha consagrado ipsís verbis na
que exerçam qualquer cargo de direcção e chefia na função alínea d) do n.° 1 do artigo 14 do Regulamento aprovado pelo
pública, a possibilidade de nomeação aos cargos de administrador, Decreto n.° 26/90, pelo que era de. presumir que todos os guardas
director ou gerente de empresas de segurança privada, admitidos nas empresas de segurança privada, antes da entrada
Porém, a disposição regulamentar posta em causa pelos em vigordoDecreto n° 9/2007, tivessem cumprido o serviço militar
requerentes não está directamente relacionada com os princípios obrigatório, sob pena de estarem numa situação ilegal.
da universalidade s da igualdade consagrados no artigo 35 da O Decreto no 69/2007, ao alterar a alínea c)do n°1 da artigo 17
Constituição. O objecto dessa disposição consiste em do Regulamento aprovado pelo Decreto n.° 9/2007, passando a
estabelecer incompatibilidade entre os cargos referidos no seu não se exigir o °serviço militar obrigatório cumprido°, mas sim a
corpo e o exercício de cargos de direcção e chefia na função °situação militar regularizada°, desagravou aquele requisito, pois
pública. pode regularizar-se a situação militar mediante a simples inscrição
A admissibilidade de incompatibilidades entre cargos públicos no recenseamento militar, nos termos dos artigos 11 e 12 do
e funções privadas encontra fundamento na própria Constituição Regulamento da Lei n.° 24/97, de 23 de Dezembro, Lei do Serviço
que estabelece directamente algumas dessas incompatibilidades, Militar, aprovado pelo Decreto n° 30/98, de 1 de Julho.
por exemplo, nos seus artigos 149, 219, 233 e 243, em relação, Por isso, a exigência de °ter o serviço militar regularizado°,
respectivamente, ao Presidente da República, aos magistrados sendo menos gravosa do que a de °ter cumprido o serviço militar
judiciais, aos magistrados do Tribunal Administrativo e aos Juízes obrigatório°, não violaria o artigo 57 da Constituição, mesmo
Conselheiros do Conselho Constitucional. que a sua aplicação tivesse efeitos retroactivos.
Essas incompatibilidades, que estão no domínio da ética do Mas porque as alterações introduzidas pelo Decreto n.° 69/
serviço público, não configuram discriminações de cidadãos em /2007 produzem efeitos para o futuro, não tem aqui relevância
termos de se ofenderem os princípios da igualdade e da discutir o problema da retroactividade, mas sim a
universalidade. Elas constituem um mecanismo jurídico de constitucionalidade material da actual alínea c) do n° 1 do artigo
prevenção de conflitos de interesses que podem advir da 17 do Regulamento,
acumulação num mesmo indivíduo de funções públicas e privadas,
visando sempre salvaguardar o interesse público. A regularização da situação militar, mediante a inscrição no
pertinente recenseamento, é pressuposto do cumprimento do
A despeito desta conclusão, o Conselho Constitucional serviço militar, o qual é, por sua vez, corolário do dever de todos
considera pertinente apreciar, ao abrigo do artigo 52 da LOCC, a os cidadãos participarem na defesa dá independência nacional,
constitucionalidade da questionada alínea d) do n.° 1 do artigo 5 soberania e integridade territorial, nos temos do n.° 1 do artigo
do Regulamento, em face do artigo 137 da Constituição, o qual, 267 da Constituição,
depois de especificar algumas incompatibilidades entre diversos
Por um lado, a inscrição no recenseamento militar constitui
cargos públicos, nos seus números 1 e 2, dispõe o seguinte:
obrigação dos cidadãos, no ano em-que completem 18 anos de
"3. A lei define outras incompatibilidades, incluindo entre os idade, nos térmos do n.° 2 do artigo 11 da Lei n.° 24/97, de 23 de
cargos públicos e funções privadas°. Dezembro. Por outro, só são admitidos como guardas de
O termo lei é aqui usado stricto sensu, devendo atribuir-se, ao segurança privada os candidatos que sejam maiores de 21 anos,
enunciado do citado n.° 3 do artigo 137 da Constituição, o sentido conforme dispõe a alínea b) do no 1 do artigo 17 do Regulamento
de que as incompatibilidades, incluindo entre cargos públicos e aprovado pelo Decreto n.° 9/2007. Assim, um candidato maior de
funções privadas, são reguladas por acto legislativo da 21 anos, mas que ainda não regularizou a sua situação militar,
Assembleia da República, acto que assume a forma de lei, encontra-se numa situação de violação da lei, situação que não
conforme os n.os 1 e 2 do artigo 143, conjugado com o artigo 182, deve merecer qualquer protecção da ordem jurídica.
ambos da Constituição. Não procede, portanto, a alegação de que o requisito da
Ao impor a forma de lei, o n.° 3 do artigo 137 da Constituição alínea c) do n.° 1 do artigo 17 do Regulamento aprovado pelo
traduz a atribuição à Assembleia da República de competência Decreto n.° 9/2007, na redacção dada pelo Decreto n.° 69/2007,
legislativa em materia de incompatibilidades, competência que, viola o artigo 57 da Constituição.
Na alínea f) do n.° 1 do artigo 17 do Regulamento, disposição Em relação ao n.° 1 do artigo 6 do Regulamento, o seu
também impugnada, exige-se uma formação profissional para o enunciado pode ser desdobrado em duas normas distintas:
exercício da função de guarda de segurança privada, função que,
• a primeira norma exclui, a contrario sensu, a possibilidade
em conformidade com o disposto na alínea a) do artigo 3 do
das pessoas singulares estrangeiras serem empresárias
mesmo Regulamento, consiste nomeadamente, na protecção e
comerciais da área de segurança privada;
segurança de pessoas, bens e serviços.
• a s e g u n d a exclui, t a m b é m a contrario sensu, a
Entendida deste modo, esta-função implica idoneidade e alto possibilidade do exercício da actividade de segurança
grau de responsabilidade no seu exercício, o que justifica a privada por sociedades comerciais cujo capital
exigência duma preparação prévia especializada aos indivíduos maioritário seja de estrangeiros.
que nela pretendam ingressar. Por isso não é desproporcionado Neste sentido, o disposto no n.° 1 do artigo 6 do Regulamento
e nem ofende a Constituição o requisito da alínea f ) do n.° 1 do limita o alcance do conceito de empresário comercial definido
artigo 17 do Regulamento. Que não seja conhecida nenhuma nas alíneas do artigo 2 do Código Comercial.
Escola ou Centro de Formação reconhecido pelo Ministério do
Interior, trata-se duma mera questão de facto que, neste caso, Quanto ao artigo 6 do Código Comercial, trata-se duma
disposição de direito internacional privado, de carácter remissivo,
não compete a este Conselho apreciar.
que se destina a resolver conflitos de leis no espaço, não se
Quanto às questões de ilegalidade verificando entre o seu conteúdo e os conteúdos da alínea a)
do n.° 1 do artigo 5 e do n.° 1 do artigo 6 do Regulamento qualquer
Os requerentes pedem que se declare a ilegalidade da conexão passível de gerar contradição que fundamente a
alínea a) do n.° 1 do artigo 5, assim como do n.° 1 do artigo 6 do ilegalidade que se invoca.
Regulamento, por entenderem que estes dispositivos violam o
disposto nos artigos 2, 6, 8 e 9 do Código Comercial. Não existe igualmente conexão entre as normas regulamentares
supracitadas e o artigo 8 do Código Comercial, porquanto este
Os conteúdos das citadas disposições do Código Comercial preceito trata da aplicação das disposições do Código às relações
são os seguintes: comerciais que se estabeleçam com estrangeiros, matéria que
• o artigo 2 (Empresários comerciais) delimita o nada tem haver, nem com a designação de pessoas a cargos
conceito de °empresários comerciais°, defíníndo- directivos de empresas comerciais, nem com a constituição dessas
os, segundo a sua alínea a), como °as pessoas empresas.
singulares ou colectivas que [...] exercem uma
O n.° 1 do artigo 6 do Regulamento limita a capacidade para o
empresa comercial°, e, segundo a alínea b), como
exercício da actividade empresarial, nos termos em que é
°as sociedades comerciais°;
consagrada no artigo 9 do Código Comercial, na medida em que
• o artigo 6 (Lei aplicável) indica a lei reguladora dos retira essa capacidade, quanto ao exercício da actividade de
actos de comércio quanto à substância e aos segurança privada, às pessoas singulares estrangeiras e às
efeitos das obrigações, ao modo de cumprimento
sociedades c o m e r c i a i s c u j o capital maioritário seja de
e à forma externa;
estrangeiros.
• o artigo 8 (Lei reguladora das relações comerciais
A análise anterior permite questionar a legalidade da alínea a)
com estrangeiros) determina a aplicabilidade das
do n.° 1 do artigo 5 do Regulamento face à alínea d) do n.° 1
disposições do Código Comercial °às relações
do artigo 104 do Código Comercial, assim como a legalidade do
comerciais com estrangeiros, excepto nos casos
n.° 1 do artigo 6 do mesmo Regulamento em confronto com os
em que a lei e x p r e s s a m e n t e determine o
artigos 2 e 9, ambos do Código Comercial.
contrário...";
Neste questionamento não se põe em causa o mérito das
• o artigo 9 (Capacidade para o exercício da
excepções que as referidas disposições do Regulamento
actividade comercial) dispõe que °pode ser
introduzem em relação a regras estabelecidas no Código Comercial,
empresário comercial toda a pessoa singular [...]
porquanto, conforme claramente se verifica, o próprio Código
ou pessoa colectiva [...] que tiver capacidade civil,
admite excepções quanto ao âmbito de aplicação das suas
sem prejuízo do disposto em legislação especial°. normas, como se verifica, nomeadamente, na última parte dos
Cabe agora averiguar em que medida os dispositivos legais seus artigos 8 e 9.
acabados de citar são violados pela alínea a) do n.° 1 do artigo 5
Porém, como lei geral na matéria do seu objecto, o Código
e pelo n.° 1 do artigo 6 do Regulamento.
Comercial não regula, e nem podia regular em concreto, todas as
A alínea a) do n.° 1 do artigo 5 do Regulamento exclui a excepções possíveis, remetendo tal regulamentação para
possibilidade de nomeação de estrangeiros para cargos de legislação especial.
administrador, director ou gerente de empresas de segurança O problema que se suscita neste contexto é o de saber se a
privada. referência à legislação especial que disponha em contrário,
No entanto, um administrador, director ou gerente de empresa contida nalgumas disposições do Código Comercial, como por
comercial não é, em virtude dessa qualidade, empresário comercial exemplo nos artigos 8 e 9, abrange ou não os decretos
tal como este é definido pelas alíneas a) e b) do artigo 2 do regulamentares do Governo.
Código Comercial. Por isso, inexiste qualquer conexão substancial A este propósito deve ter-se também em conta que o n.° 1 do
directa entre o conteúdo do artigo 2 do Código Comercial e a artigo 4 da Lei n.° 5/93, de 28 de Dezembro, consagra o princípio
restrição estabelecida pela alínea a) do n.° 1 do artigo 5 do geral da equiparação dos cidadãos estrangeiros com os cidadãos
Regulamento, passível de sustentar a ilegalidade desta norma. nacionais quanto aos direitos, deveres e garantias, nos seguintes
Verifica-se, porém, que a referida restrição, na medida em que termos:
abrange também, quem é sócio das empresas de segurança "1.
privada, retira o direito que esse sócio tem de °ser designado território nacional goza dos mesmos direitos e garantias e
para órgão de administração...", conforme o estipulado na está s u j e i t o aos m e s m o s d e v e r e s que o cidadão
alínea d) do n.° 1 do artigo 104 do Código Comercial. moçambicano°.
Este princípio geral admite excepções, pois o artigo 2 da Por via do n° 1 do artigo 6 do Regulamento aprovado pelo
Lei n.° 5/93 estabelece uma cláusula a que chama de °reserva de Decreto n.° 9/2007, o Governo veio, sem o amparo da competência
legislação especial" e, segundo o n.° 3 do citado artigo 4 da Lei, que lhe é atribuída pelo artigo 12 da Lei de Investimentos,
o princípio de equiparação °não se aplica aos direitos políticos e introduzir uma excepção à regra do artigo 11 da mesma Lei.
aos demais direitos e deveres expressamente reservados por lei É verdade que a Lei n.° 3/93, no seu artigo 29, defere ao
ao cidadão nacional°. Conselho de Ministros a competência de aprovar os respectivos
Está-se, mais uma vez, perante normas que remetem para diplomas regulamentares, mas isso não permite que através desses
legislação especial a regulação de excepções quanto aos direitos diplomas se introduzam excepções à aplicação das disposições
e deveres dos estrangeiros. da mesma Lei, sem que esta o permita expressamente como
Para resolver o problema anteriormente colocado, o de saber acontece no caso do seu artigo 12.
se a referência a legislação especial abrange também os decretos Neste sentido, procede a ilegalidade invocada pelos
do Governo, são também válidos, mutatis mutandis, os requerentes em relação ao n.° 1 do artigo 6 do Regulamento
argumentos que anteriormente expendemos para fundamentar a aprovado pelo Decreto n.° 9/2007.
inconstitucionalidade formal da alínea d) do n.° 1 do artigo 5 do Quanto ao artigo 11 da Lei n° 3/93, não se verifica qualquer
Regulamento face ao n.° 3 do artigo 137 da Constituição, devendo conexão entre o seu conteúdo e o da alínea a) do n.° 1 do artigo
concluir-se que a alínea a) do n° 1 do artigo 5 e o n.° 1 do artigo 5 do Regulamento, passível de gerar contradição que fundamente
6 do Regulamento enfermam de ilegalidade formal, em virtude de a ilegalidade invocada pelos requerentes.
constarem de um Decreto do Conselho de Ministros e
Finalmente, a questão da ilegalidade da alínea a) do n.° 1 do
introduzirem limites ao âmbito de aplicação de disposições legais,
artigo 5 e do n.° 1 do artigo 6 do Regulamento aprovado pelo
assim como restrições a direitos dos estrangeiros, matéria que,
Decreto n° 9/2007 em face do artigo 13 da Lei n.° 3/93, sobre a
sendo do fórum legislativo, exorbita a competência regulamentar
protecção dos direitos de propriedade, perdeu a sua relevância
do Governo.
processual, porquanto, aplicando-se aquelas disposições
Neste caso é aplicável o chamado °principio do congelamento regulamentares para o futuro, por força da revogação, pelo
do grau hierárquiço", segundo o qual °quando uma matéria Decreto n.° 69/2007, do artigo 4 do Decreto n.° 9/2007, elas não
estiver regulada por acto legislativo, o grau hierárquico dessa põem em causa as garantias da segurança e da protecção jurídica
regulamentação fica congelado e só um outro acto legislativo da propriedade sobre bens e direitos.
poderá incidir sobre a mesma matéria, interpretando, alterando,
revogando ou integrando a lei anterior° (Gomes Canotilho, Direito De toda a apreciação feita sobre as questões de
Constitucional e Teoria da Constituição, 7.a edição, Reimpressão, inconstitucionalidade e de ilegalidade relativas ao Regulamento
Almedina, 2003, p. 841). aprovado pelo Decreto n° 9/2007, de 30 de Abril, alterado pelo
Decreto n.° 69/2007, de 21 de Dezembro, resulta o seguinte:
Os fundamentos que antecedem servem também para julgar
a alegada violação do n.° 1 do artigo 4 da Lei n.° 3/93, de 24 de a) procede a inconstitucionalidade formal da alínea d) do
Junho, Lei de Investimentos, pela alínea a) do n° 1 do artigo 5 e n.° 1 do artigo 5 do Regulamento, por violação do
pelo n.° 1 do artigo 6 do Regulamento: disposto no n° 3 do artigo 137 da Constituição;
Com efeito, o citado dispositivo da Lei de Investimentos b) procede a ilegalidade formal das seguintes disposições:
estabelece o princípio da igualdade de tratamento dos • a alínea a) do n.° 1 do artigo 5, por violação da
investidores, empregadores e trabalhadores estrangeiros em alínea d) do n.° 1 do artigo 104 do Código Comercial
relação aos nacionais, no exercício das suas actividades, e e dos n°s 1 e 3 do artigo 4, conjugado com o artigo
qualquer excepção a este princípio somente pode ser estabelecida 2, ambos da Lei n.° 5/93, de 28 de Dezembro, e
por acto legislativo, ainda por violação do n° 1 do artigo 4 da Lei n.° 3/
Estão, deste modo, inquinados de ilegalidade formal as /93, de 24 de Junho;
alínea a) do n.° 1 do artigo 5 e o n° 1 do artigo 6 do Regulamento, • o n.° 1 do artigo 6, por violação dos artigos 2 e 9 do
em face do disposto no n° 1 do artigo 4 da Lei n.° 3/93, de 24 de Código Comercial e dos n°s 1 e 3 do artigo 4,
Junho. conjugado com o artigo 2, ambos da Lei no 5/93,
No entender dós requerentes as mesmas disposições de 28 de Dezembro, e ainda por violação do artigo
regulamentares contendem também com o artigo 11 da Lei n.° 3/ 11, conjugado com o artigo 12, ambos da Lei n.° 3/
/93, o qual dispõe o seguinte; /93, de 24 de Junho.
°Constituem áreas abertas à livre iniciativa de investimentos c) improcede a inconstitucionalidade material da alínea a)
privados todas as actividades económicas que não do n° 1 do artigo 5 e do n.° 1 do artigo 6, do Regulamento
estejam expressamente reservadas à propriedade ou face aos artigos 35, 82 e 108, todos da Constituição; e
exploração exclusivas do Estado ou à iniciativa do a inconstitucionalidade material das alíneas c) e d) do
investimento do sector público°. n.° 1 do artigo 17 do Regulamento face ao artigo 57,
Note-se que o artigo 12 da Lei n.° 3/93 atribui ao Conselho de também da Constituição;
Ministros a competência de definir "as áreas de actividade d) improcede a ilegalidade material da alínea a) do n.° 1 do
económicas reservadas à iniciativa do sector público para a
artigo 5 do Regulamento face aos artigos 2 e 6 do
realização de investimentos", referidas na última parte do citado
Código Comercial e ao artigo 11 da Lei n.° 3/93, de 24
artigo 11.
de Junho; assim como a ilegalidade material do n.° 1 do
Estas áreas são definidas pelo artigo 5 do Regulamento da Lei artigo 6 do Regulamento face aos artigo 6 e 8 do Código
de Investimentos, aprovado pelo Decreto n.° 14/93, de 21 de Comercial;
Julho, e alterado pelo Decreto n.° 36/95, de 8 de Agosto. E porque
nessas áreas não esta incluída a actividade de segurança privada, e) perdeu relevância processual a questão da ilegalidade da
esta cabe, em princípio, nas °áreas abertas à livre iniciativa de alínea a) do n.° 1 do artigo 5 e do n.o 1 do artigo 6 do
investimentos privados°, nos termos do citado artigo 11 da Lei Regulamento face ao artigo 13 da Lei n.° 3/93, de 24 de
n.° 3/93. Junho.
III ilegalidade material das alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 5,
Decisão do n.° 1 do artigo 6 e das alíneas c) ef ) do n.° 1 do artigo 17, todos
do Regulamento aprovado pelo Decreto n.° 9/2007, de 30 de Abril.
Pelos fundamentos expostos, o Conselho Constitucional Registe, notifique e publique-se.
decide: Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 53 da Lei Orgânica
a) declarar a inconstitucionalidade formal, com força do Conselho Constitucional.
obrigatória geral, da alínea d) do n.° 1 do artigo 5 do Maputo, 8 de Maio de 2008.
Regulamento aprovado pelo Decreto n.° 9/2007, de 30
Rui Baltazar dos Santos Alves
de Abril;
João André Ubisse Guenha
b) declarar a ilegalidade formal, com força obrigatória geral,
Orlando António da Graça
da alínea a) do n.° 1 do artigo 5 e do n.° 1 do artigo 6,
ambos do Regulamento aprovado pelo Decreto n.° 9/ Teodato Mondim da Silva Hunguana
/2007. Lúcia da Luz Ribeiro
Decide ainda o Conselho Constitucional julgar improcedentes Lúcia F.B. Maximiano do Amaral
os pedidos de declaração de inconstitucionalidade material e de Manuel Henrique Franque

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