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ENSINA TÉCNICAS PROFISSIONAIS E

COMBINAÇÕES DE SABORES BRASILEIROS

A U L A 4

A importância das
nossas raízes: a mandioca
como síntese do Brasil
Aula 4 • A importância das nossas raízes: a mandioca como síntese do Brasil

Mandioca:
a rainha do Brasil


Entendo a mandioca como espinha dorsal da cultura brasileira, da nossa história.
É o único ingrediente que estava aqui antes de Cabral, que passa por todas as
fases históricas do Brasil e ainda hoje está em todas as mesas e regiões do país.”

Existem diversos tipos de mandioca, mas a divisão básica se resume


a dois grupos, em que as mandiocas são visualmente parecidas, mas
com propriedades diferentes: a mandioca amarga (brava), venenosa
por conta da presença do ácido cianídrico, e a mandioca mansa (doce),
que também é chamada de aipim e macaxeira no Norte do Brasil e não
possui veneno.

Pelas técnicas e ferramentas criadas pelos índios, a raiz da mandioca dá


origem a diversos subprodutos e por isso é considerada a raiz do Brasil,
com uma importância cultural milenar.

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Aula 4 • A importância das nossas raízes: a mandioca como síntese do Brasil

Alimento, cultura e história


Os índios guarani, presentes nas regiões da América do Sul que englo-
bam territórios do Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, tinham
na base da alimentação o milho. Mas toda a nação tupi, que ocupava a
região Norte e a costa brasileira, tinha como base a cultura da mandioca,
com algumas pequenas diferenças entre os grupos étnicos.

A mandioca ficou conhecida no mundo inteiro durante o período das


navegações, por conta da intensa troca comercial de produtos entre os
continentes. Na América do Sul, chegaram os temperos do Oriente em
troca de novos sabores como chocolate, batata e milho. O Brasil expor-
tou mandioca, tapioca e amendoim.

CONEXÕES “A mandioca não tem semente, ela tem maniva, é um dos ter-
mos que usamos para um pedaço da planta. Do talo da man-
DO
ATALA dioca é que nasce uma nova planta. Se você colocar a maniva
horizontal, as ramas da mandioca nascem assim. Se plan­tar na
vertical, as raízes vão nascer verticais e vai ser mais difícil tirá-la
da terra. Então, parte do conhecimento da cultura da mandioca
já vem daí, no plantio.”

Da mandioca, usa-se praticamente tudo, até as folhas, que mesmo tóxicas,


são preparadas de forma que o veneno é retirado, permitindo o consumo.

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CONEXÕES “Dentro da cultura tupi eles aprenderam a secar a folha, moer, co-
zinhar junto com carne e fazer a maniçoba, um dos itens da cultura
DO
ATALA paraense. Que por acaso, também ocorre no recôncavo baiano.”

A mandioca produz diversas fa-


rinhas, desde farinhas finas e
cruas até as mais grossas, ácidas
e duras. Essa variação também
gera preparações diferenciadas.
Geralmente, depois de descas-
cada e ralada, a mandioca é colo-
cada em uma grande chapa onde
é desidratada e seca, até virar a
farinha.

Ela também é a base do tucupi,


caldo típico da região amazônica
já usado aqui em aula, e que é ob-
tido a partir da utilização de uma
ferramenta específica criada pelas
populações nativas locais, o tipiti.

Ele é uma espécie de prensa alongada de palha, onde a polpa da man-


dioca ralada é colocada e espremida. O caldo cai em uma vasilha e de-
pois de um tempo decanta, formando o amido de mandioca (goma da
tapioca) ao fundo.

O líquido é naturalmente fermentado e cozido por um dia com ervas e


alho e vira o tucupi amarelo.

CONEXÕES “Algumas culturas usam o tucupi amarelo de forma tão concen-


trada a ponto dele virar um tucupi preto.”
DO
ATALA

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Produção tradicional da
farinha de mandioca
Nesta aula, Atala fez uma demonstração de como é o processo da fei-
tura da farinha da mandioca para que a raiz possa gerar os diversos
produtos, após ser retirada da terra.

O processo é artesanal e geralmente feito por famílias de comunidades


locais da região Norte. A tradição é mantida de geração em geração.

Primeiro, é preciso retirar a casca da mandioca. Com uma faca mesmo,


dá pra soltar as lascas. Depois, inicia-se o processo de ralar a mandioca.
Com a raiz já ralada, entra o uso da ferramenta indígena tipiti, sempre
com uma vasilha para recolher o líquido.

CONEXÕES “Tem que ir colocando a mandioca ralada dentro do tipiti. Ela tem
muito mais caldo do que imaginamos, mal coloca no tipiti e já co-
DO
ATALA meça a sair caldo. Depois, aperta bem. Esse método é ancestral,
patrimonial e é usado até hoje.”

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A polpa da mandioca que fica dentro do tipiti após a extração do caldo já


é o produto da mandioca que vai dar origem a diversas outras receitas,
como a própria farinha de mandioca. Existe também a farinha de puba,
mais conhecida no Norte, resultado da mandioca fermentada.

CONEXÕES “Cada processo gera uma puba diferente. A puba é a mandioca fer-
DO
ATALA mentada na água, daí ela fica macia e com sabor mais azedo e ácido.”

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CONSTRUINDO
S A B O R E S

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Beiju
Ingredientes Utensílios:
ƒ 140 g de farinha ƒ Tapioca (⅓ da ƒ Bowl
de mandioca quantidade ƒ Frigideira
ƒ 140 g de água de farinha) ƒ Colher
ƒ Manteiga de garrafa ƒ Prato
ƒ Faca

Modo de preparo

1. Em um bowl, misture fa- equivalente à ⅓ ou 50%


rinha de mandioca e água. da farinha e misture bem.
A quantidade de líquido A quantidade de tapioca
deve ser suficiente para depende muito da qua-
umedecer a mandioca; lidade da farinha. Se ela
for pura, sem muito pro-
2. Coloque uma frigideira para cesso industrial, não pre-
aquecer em fogo médio; cisa de tapioca;

3. Adicione tapioca no bowl 4. Em seguida, com uma co-


da farinha em quantidade lher, monte os beijus na

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frigideiras de maneira si- 7. Pegue um pouco de man­


milar a panquecas; teiga de garrafa e pingue
em cima pra garantir sabor
5. Conforme aquece, molde e textura. Essa finalização é
as beiradas do beiju para usada no restaurante D.O.M.;
dar acabamento;
8. Adicione sal se quiser, trans-
6. Controle bem o fogo. Tanto fira o beiju para um prato e
a farinha quanto a tapioca, divida em 4 partes. Essa é a
quando úmidas e aqueci- finalização típica indígena.
das cozinham e ficam um
pouco elásticas. Essa é a C O N E XÕ E S DO ATA L A

textura que buscamos; “As índias fazem esses beijus pra se-
manas, só que ele não dura sema-
nas se você finalizar ele do jeito que
fiz aqui. Elas levam ao sol e deixam
secar, aí ele fica duro, com sabor e
textura especial. O que mais me fas-
cina é você secar e deixar por sema-
nas, umidecer de novo, trazer para
chapa e ele reviver. É sensacional.”

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Mandioca confitada
Confitar é uma técnica da gastronomia realizada para prolongar a vida
do ingrediente. É um método de conservação muito antigo e utilizado
no mundo todo.

CONEXÕES “Pode-se dizer que a geleia de frutas são frutas confitadas, por exem-
plo. Quando você pega carne de porco e cozinha na própria gor­dura,
DO
ATALA também é. O pato confit da cozinha francesa é isso. Podemos fazer
batatas e mandiocas confitadas pra conseguir textura especial.”

Ingredientes Utensílios:
ƒ Manteiga de garrafa ƒ Pedaços cozidos ƒ Panela
(o suficiente para de mandioca (a ƒ Frigideira
cobrir os pedaços quantidade que ƒ Colher
da mandioca cozida) você quiser).
ƒ Sal

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Modo de preparo

1. Adicione manteiga de garrafa 4. Após dourar um dos la-


até a metade da panela, que dos, vire as mandiocas e
deve estar em fogo baixo; acrescente um pouco de
sal. Deixe dourar mais um
2. Pegue os pedaços de man- pouco e tire do fogo.
dioca sem casca já cozidos
e coloque na manteiga de
C O N E XÕ E S DO ATA L A
garrafa, eles tem que ficar
submersos. Deixe cozinhar “Costumo dizer que se a mandio-
lentamente; ca fosse europeia ela seria con-
siderada fina iguaria e custaria
3. Depois de confitadas, co- bem mais caro. Digo isso pelo or-
loque as mandiocas para gulho e valor que deveríamos dar
dourar em uma frigideira a nossas culturas.”
em fogo alto;

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Chibé


O índio, muitas vezes quando não tem nada pra comer, mistura
farinha com água, mas isso também pode virar bebida.”

O chibé é uma preparação comum entre a população indígena da Amazô-


nia. A sua preparação pode variar dependendo de onde é feito, mas sem-
pre mantendo os ingredientes principais: água e farinha de mandioca.

Chibé bebida
Para a produção da bebida Chibé, é necessário misturar a farinha de
mandioca de puba (mais grossa e crocante) em uma garrafa de água.
Desta forma, a farinha é hidratada, decanta e passa sabor pra água. Em


seguida, coe. São 250 g de puba para cada litro de água.

Como a farinha é fermentada, vai gerar acidez. Nas comunidade indígenas


eles te oferecem um chibé bem geladinho, mas se não tem geladeira, como é
isso? É que geladinho pra eles é a maneira de se referir quando a bebida está
ácida, porque o frescor da acidez passa pra água e parece refrigerante.”

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Chibé comida
O chibé de comer consiste em misturar a farinha com água. É desta ma-
neira mais simples mesmo que os indígenas tradicionalmente comem o
chibé, mas aqui, Atala faz uma intervenção.

Ele transformou o chibé em uma espécie de cuscuz frio ou então um


tipo de tabule, ao procurar entender esse ponto em comum entre algu-
mas cozinhas.

Ingredientes Utensílios:
ƒ 150 g de de cheiro ƒ Bowl
farinha puba ƒ Sal ƒ Colher
ƒ 600 ml de água ƒ Salsinha (a gosto) ƒ Cumbuca/tigela
ƒ 30 g de cebola ƒ Coentro (a gosto) pequena
ƒ 20 g de tomate ƒ Tábua de corte
ƒ 15 g de pimenta ƒ Faca

Modo de preparo

1. Hidrate a farinha de man- 4. Adicione coentro. É um in-


dioca puba umedecendo- grediente comum da cozi-
-a com água em um bowl. nha tropical em geral.
A farinha vai beber o lí-
quido e ficar parecendo
um cuscuz;

2. Adicione cebola e toma-


te picado, sal, pimenta de
cheiro e misture devagar;

3. Transfira para uma tigela


menor e jogue salsinha por
cima para garantir frescor.
Ela é uma das ervas mais
frescas da cozinha, junto
da hortelã;

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Mandioca suflê -
travesseirinhos
Uma das preparações criadas com mandioca para o restaurante D.O.M.
foi inspirada no pão suflê da cozinha francesa, que são batatas que inflam
ao serem cozidas e ficam parecidas com pequenos travesseiros.

CONEXÕES “Descobrimos como fazer isso com mandioca. Acho que somos os
primeiros criadores dessa receita, não tem como confirmar porque
DO
ATALA a questão da autoria é sempre questionável, mas eu desconheço
qualquer processo parecido.”

Ingredientes Utensílios:
ƒ 1 l de óleo de cozinha ƒ 215 ml de água ƒ Panela funda
(milho ou canola) ƒ Bowl
ƒ 125 g de farinha ƒ Rolo de massa
de mandioca ƒ Colher
batida fininha ƒ Prato

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Modo de preparo

1. Coloque a panela funda ao use um rolo para abrir a


fogo alto com o óleo vege- massa. Tem que abrir em
tal. Controle a temperatura tamanho proporcional à
a 180 ºC; panela para caber. O for-
mato pode ser à sua esco-
2. Adicione a farinha de man- lha, comprida, quadrada,
dioca em um bowl e acres- redonda, etc.;
cente um pouco de água;
5. Coloque uma por uma na
3. Misture até virar uma bola panela com óleo. Assim
de massa homogênea com que estufar (suflar), vire e
textura elástica; cozinhe até ficar levemente
dourada;
4. Faça bolinhas pequenas
(mais ou menos de 5 g) e 6. Retire do fogo e sirva.

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E por fim, a tapioca


Você se recorda do caldo que foi
retirado da mandioca prensa-
da dentro do tipiti no início da
aula? Ele ficou reservado para
que acontecesse a decantação
da tapioca.

Neste processo, a goma da tapio-


ca se separa do líquido e surge no
fundo do bowl em seu formato
natural. Essa é a goma que com-
pramos seca no comércio para
fazer tapioca em casa. A versão
mais seca é o conhecido polvilho.

CONEXÕES “Sou apaixonado por esse ingrediente, a mandioca. Ela é talvez


uma das maiores riquezas do nosso país. A mandioca é, sem
DO
ATALA dúvida, a raiz do Brasil.”

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