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CADERNOS

VOLUME 1 | EDIÇÃO 5 | JANEIRO 2019

LASERTERAPIA NA DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR DOLOROSA


O DESPERTAR DE UMA REFLEXÃO CIENTÍFICA

EDITOR DO “CADERNOS SBDOF”


LIETE ZWIR

REVISÃO CIENTÍFICA
ANTÔNIO SÉRGIO GUIMARÃES
PAULO CESAR RODRIGUES CONTI

AUTOR DESTE FASCÍCULO


LAÍS VALENCISE MAGRI

DIRETORIA DA SBDOF

PRESIDENTE: REYNALDO LEITE MARTINS JÚNIOR


VICE-PRESIDENTE: PAULO AFONSO CUNALI
SECRETÁRIA: DANIELA GODOI GONÇALVES
TESOUREIRO: RODRIGO ESTEVÃO TEIXEIRA
LASERTERAPIA NA DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR DOLOROSA
O DESPERTAR DE UMA REFLEXÃO CIENTÍFICA

LAÍS VALENCISE MAGRI trial), e este tipo de estudo é guiado por diretrizes específicas e bem
determinadas por um grupo internacional de pesquisadores e instituições
FUNCIONA OU NÃO FUNCIONA? QUAL DOSE DEVO USAR? QUAIS ÁREAS
(CONSORT 2010)1, que determina parâmetros de randomização, alocação,
DEVO APLICAR? QUAL PROTOCOLO DE UTILIZAÇÃO? PARA QUAIS CASOS
grupo controle, desfecho, etc... E as metanálises e revisões sistemáticas são
DE DTM? VERMELHO OU INFRAVERMELHO? POSSO ASSOCIAR À OUTRAS
outra categoria de pesquisa, que analisam um grupo de ensaios clínicos com
TERAPIAS PARA DOR? MAS E SE O PACIENTE NÃO RESPONDE AO LASER? E
base também em critérios pré-determinados, e são considerados a “ponta da
O EFEITO PLACEBO?
pirâmide” em termos de nível de evidência. Portanto, é preciso buscar por
estes estudos como referência para as escolhas terapêuticas.
Prezado leitor, todos estes questionamentos devem rapidamente ter vindo à
sua mente ao ler o título deste texto. Sinto desapontá-lo, mas o objetivo aqui Diante desta breve exposição, o que será discutido a partir de agora tem
não é convencê-lo a utilizar ou não a laserterapia para casos de disfunção como base pesquisas científicas publicadas nos últimos 10 anos (2008 a 2018),
temporomandibular (DTM) dolorosa, e sim humildemente apresentar o que e que podem ajudar a nós, especialistas em DTM e Dor Orofacial, a
há de mais recente e confiável em pesquisas científicas sobre este tema. A compreender os mecanismos de ação da laserterapia, bem como quais
partir daí, cabe a cada profissional interpretar e refletir de forma crítica e ética resultados clínicos são esperados e quais subgrupos de pacientes respondem
sobre estes conhecimentos, considerando o universo multidimensional e com maior grau de analgesia, ou que simplesmente não respondem. Mas é
desafiador de cuidar de pessoas com dor. preciso ter em mente que existe muita controvérsia de opinião e de
resultados científicos relacionados com a utilização da laserterapia.
Antes de mais nada é preciso pontuar alguns esclarecimentos que envolvem a
construção do conhecimento científico: a experiência clínica é extremamente Com relação à DTM dolorosa, os estudos publicados ainda são contraditórios,
importante e relevante, e diversos profissionais utilizam a laserterapia em um uma vez que alguns resultados demonstraram efetividade superior em
número relativo de pacientes e referem ótimos resultados ou resultado comparação ao grupo que recebeu placebo (uma ponta de laser idêntica, que
nenhum, todavia quando falamos de pesquisa e disseminação de não emite irradiação, apenas a luz guia e o sinal sonoro)2-6, e outros
informações, é preciso que os resultados sejam extrapolados e reprodutíveis 7-11
observaram efeito semelhante ao placebo . Estas diferenças podem ser
para grandes populações, com eficácia e custo-benefício comprovados. Aí atribuídas à grande variabilidade de doses, protocolos e áreas de aplicação,
começam os problemas, já que muitas variáveis influenciam na percepção de que dificultam a comparação, sendo que alguns estudos de revisão
melhora da dor, como a relação com o cuidador, a confiança no tratamento, o sistemática e metanálise apontam que não existe evidência científica
“ritual” da aplicação do laser, dentre tantas outras. suficiente que indique resultados previsíveis deste tipo de terapia para casos
de DTM12-17 . Para resumir, as metanálises/revisões sistemáticas mais atuais e
O tipo de pesquisa desenvolvido para avaliar a efetividade de um tratamento suas conclusões são:
é chamado ensaio clínico randomizado (o famoso “RCT”, randomized clinical
PETRUCCI ET AL. (2011, J OROFAC PAIN): Ÿ Eticamente e cientificamente falando, é complicado utilizar uma terapia que
NÃO HÁ EVIDÊNCIA QUE SUPORTE A EFETIVIDADE DA LASERTERAPIA NO modula a dor por efeitos inespecíficos: efeito placebo, regressão à média e
TRATAMENTO DA DTM.
12 remissão espontânea de sinais e sintomas20. Ou seja, não dá para garantir
que foi o laser que levou à melhora.

MAIA ET AL. (2012, J APPL ORAL SCI): Ÿ Outro ponto importante: já foram testadas doses que variam entre 1 a 105
2
MUITOS ESTUDOS APONTAM QUE A LASERTERAPIA PARECE SER EFETIVA J/cm e praticamente todas foram efetivas na redução da dor em músculos
NA REDUÇÃO DA DOR DA DTM. NO ENTANTO, A DIVERSIDADE DE da mastigação e ATM, com maior ou menor diferença em relação ao
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PARÂMETROS DE APLICAÇÃO DEMANDA CAUTELA NA INTERPRETAÇÃO placebo . Tais resultados são discutíveis e nos fazem refletir: será a dose de
DESTES RESULTADOS.13 laser que melhora a dor ou o “ritual do cuidado” e toda a publicidade e
expectativa que envolve o laser? Como é possível que a melhora ocorra com
espectros tão diferentes de doses? Não há uma curva dose-resposta
CHEN ET AL. (2015, J ORAL REHABIL):
estabelecida? A resposta é não, já que doses tão variadas são efetivas da
A LASERTERAPIA TEM UMA EFICÁCIA LIMITADA NA REDUÇÃO DA DOR DE mesma maneira.
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PACIENTES COM DTM, NO ENTANTO ELA PROMOVE MELHORA


SIGNIFICATIVA DOS ASPECTOS FUNCIONAIS (MOBILIDADE Ÿ A aplicação em pontos pré-determinados ou em pontos de dor (pontos-
14 gatilho) não modifica a resposta de analgesia como demonstrado por um
MANDIBULAR).
estudo6, ou seja, mesmo que não haja aplicação na área dolorida da
musculatura ou da articulação, os pacientes referem melhora da dor.
HERPICH ET AL. (2015, J PHYS THER SCI):
MAIS ESTUDOS SÃO NECESSÁRIOS A FIM DE ESTABELECER A DOSE E OS MAS ENTÃO É PRECISO ENTENDER OS MECANISMOS DE AÇÃO DA
PARÂMETROS DE APLICAÇÃO DA LASERTERAPIA NA DTM, PORÉM SE LASERTERAPIA...
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TRATA DE UM CAMPO PROMISSOR. Os principais mecanismos relacionados à analgesia que estão descritos na
literatura são: aumento da microcirculação periférica, redução da
SHUKLA ET AL. (2016, NATI J MAXILLOFAC SURG): disponibilidade de substâncias inflamatórias (diminuição de sensibilização
A LASERTERAPIA PARECE SER EFETIVA NA REDUÇÃO DA DOR DA DTM, E periférica), fotobiomodulação (atua no complexo do citocromo C, modificação
DEVE SER CONSIDERADA COMO UMA OPÇÃO DE TRATAMENTO NÃO- no metabolismo celular e aumento de produção de ATP)22-24. Tendo isto em
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INVASIVA E COMPLEMENTAR. mente, talvez seja possível inferir que a laserterapia possa ser mais bem indicada
para quadros de DTM articular, que têm um caráter de dor mais inflamatório.
Com relação à dor muscular, algumas teorias buscam explicações para este
XU ET AL. (2018, PAIN RES MANAG):
mecanismo: a elevação do ATP que poderia gerar relaxamento muscular,
A LASERTERAPIA É EFETIVA EM REDUZIR A DOR EM PERÍODOS CURTOS
redução de bandas tensas e pontos-gatilho, redução da expressão de
APÓS A FINALIZAÇÃO DO TRATAMENTO (“SHORT-TERM FOLLOW-UP”), E
metaloproteinases à distância, modulação por placebo, dentre outras23,24.
COM RELAÇÃO AOS ASPECTOS FUNCIONAIS, HÁ SUPERIORIDADE DOS
GRUPOS QUE RECEBERAM O LASER EM RELAÇÃO AO PLACEBO.
17 Pensando neste sentido, a ciência agora busca um novo olhar: talvez seja preciso
investigar qual o perfil de pacientes que respondem de maneira mais efetiva à
Ou seja, a laserterapia parece ter efetividade relativa em reduzir a dor nos casos laserterapia, que são os chamados “clusters de respondentes e não-
de DTM, uma vez que os ensaios clínicos com maior nível de evidência apontam respondentes”. Estes subgrupos podem ser estudados com base em categorias
resultados semelhantes entre grupos laser e placebo, contudo há melhora como: perfil somatossensorial, aspectos emocionais, presença de comorbidades,
significativa nos aspectos funcionais de movimentação da mandíbula. dentre outras.
Lembrando que estes resultados foram acompanhados por períodos curtos (um E para finalizar, é preciso refletir sobre o efeito placebo do laser. Os estudos em
a três meses após a finalização do tratamento2-11).Poucos são os estudos que modelos animais e culturas de células demonstram um efeito “biológico” do laser
acompanharam os resultados por períodos maiores18,19. nos tecidos aplicados22-24...então porque será que nas pesquisas com seres
humanos, como descrito anteriormente, diversos autores observaram resultados
MAS ENTÃO, QUAL O PROBLEMA DE USAR A LASERTERAPIA NOS PACIENTES tão semelhantes entre grupos ativo e placebo? Talvez porque o efeito placebo
COM DTM DOLOROSA, JÁ QUE OS ESTUDOS APRESENTAM UMA CERTA represente exatamente os aspectos cognitivos, motivacionais e emocionais da
EFETIVIDADE, MELHORA DE ASPECTOS FUNCIONAIS, ALÉM DE SER UMA dor crônica, que é amplificado por uma terapia que envolve um “ritual de
TERAPIA CONSERVADORA, BEM ACEITA, NÃO-INVASIVA E PRATICAMENTE aplicação”, um custo significativo, um equipamento de elevada tecnologia, uma
SEM RISCOS? publicidade odontológica e um reforço cognitivo de cuidado ao retornar para as
aplicações.
E QUEM DISSE QUE O PLACEBO TAMBÉM NÃO É TERAPÊUTICO? 10. Magri LV, Carvalho VA, Rodrigues FC, Bataglion C, Leite-Panissi CR. Effectiveness of
low-level laser therapy on pain intensity, pressure pain threshold, and SF-MPQ indexes of
Enfim, todas estas inquietações colocadas neste breve texto iniciam um women with myofascial pain. Lasers Med Sci. 2017;32(2):419-428.
despertar de uma reflexão científica sobre a escolha de utilizar ou não a 11. Shobha R, Narayanan VS, Jagadish Pai BS, Jaishankar HP, Jijin MJ. Low-level laser
laserterapia em pacientes com DTM dolorosa. Fica cada vez mais evidente que therapy: A novel therapeutic approach to temporomandibular disorder – A randomized,
estratégias terapêuticas que visem modificar comportamentos e compreensões double-blinded, placebo-controlled trial. Indian J Dent Res. 2017;28(4):380-387.
acerca da dor crônica são as que garantem a manutenção da melhora a longo 12. Petrucci A, Sgolastra F, Gatto R, Mattei A, Monaco A. Effectiveness of low-level laser
prazo. Todavia, estratégias de analgesia, como a laserterapia, são positivas e therapy in temporomandibular disorders: a systematic review and meta-analysis. J Orofac
aceleram o processo de melhora e de comprometimento com o tratamento. Pain. 2011;25(4):298-307.
13. Maia ML, Bonjardim LR, Quintans Jde S, Ribeiro MA, Maia LG, Conti PC. Effect of low-
Diante de todas estas controvérsias científicas que permeiam a utilização da
level laser therapy on pain levels in patients with temporomandibular disorders: a
laserterapia na DTM dolorosa, dentre as quais algumas apontam para uma systematic review. J Appl Oral Sci. 2012;20(6):594-602.
efetividade significativa (na dor e nos aspectos funcionais), outras para uma
14. Chen J, Huang Z, Ge M, Gao M. Efficacy of low-level laser therapy in the treatment of
efetividade relativa e outras ainda para efeitos inespecíficos... fica então a TMDs: a meta-analysis of 14 randomised controlled trials. J Oral Rehabil. 2015;42(4):291-
reflexão: qual o nosso papel enquanto cuidadores de alguém que sente dor? 9.
QUE ESTE “DESPERTAR CIENTÍFICO” SEJA UMA ROTINA PARA NÓS, 15. Herpich CM, Amaral AP, Leal-Junior EC, Tosato Jde P, et al. Analysis of laser therapy
ESPECIALISTAS EM DTM E DOR OROFACIAL, E QUE NOS LEVE A UMA and assessment methods in the rehabilitation of temporomandibular disorder: a
PRÁTICA DE CUIDADO MAIS CONSCIENTE, HUMANA E ÉTICA. systematic review of the literature. J Phys Ther Sci. 2015;27(1):295-301.
16. Shukla D, Muthusekhar MR. Efficacy of low-level laser therapy in temporomandibular
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