Você está na página 1de 22

E-book

mucocele biliar
em cães
www.vetadrianameirelles.com.br
As informações deste e-book são baseadas em publicações
científicas e as referências se encontram no final do e-book.

As imagens ultrassonográficas são de autoria de Adriana Meirelles e


não devem ser utilizadas sem autorização prévia
O QUE É MUCOCELE BILIAR?

A mucocele biliar é um acúmulo anormal de muco

espesso que distende a vesícula biliar.

Não se conhece a causa exata da mucocele, porém se

sabe que ocorre uma disfunção e proliferação de células

secretoras de muco. É possível que a mucocele ocorra

após deposição de lama biliar.

A lama biliar é formada por precipitação de cristais

de colesterol, mucina, pigmentos biliares e sais biliares


no lúmen da vesícula biliar. Esse acúmulo resulta em

redução da motilidade e aumento de reabsorção de

água pelo lúmen. Em alguns casos a formação da

mucocele ocorre por colelitíase ou muco causando uma

obstrução de fluxo do ducto cístico. Na mucocele biliar,

a vesícula fica distendida e contém um material

gelatinoso verde e preto.


COLESTASE

A lama biliar já foi considerada por muitos como um achado

ultrassonográfico sem significado.

O esvaziamento da vesícula biliar é regulado por múltiplos fatores

neuroendócrinos e é coordenado pelo relaxamento do esfíncter de

Oddi. Além de armazenar e liberar bile, a vesícula biliar também é

responsável por concentrar bile durante o jejum e faz isso ao

absorver água e liberar ácidos biliares para o lúmen. No momento


do esvaziamento biliar ocorre uma limpeza do trato biliar pela

drenagem da bile.

A colestase ocorre quando há disfunção do esvaziamento biliar e

ocorre citotoxicidade pela exposição de células epiteliais ao

concentrado de ácidos biliares . A fração de ejeção da vesícula biliar

é usada como um índice de esvaziamento biliar. A contração da

vesícula biliar é controlada por colecistocinina liberada no período

pós-prandial, ou pela motilina durante o jejum.

A ultrassonografia pode ser utilizada para medir o esvaziamento da

vesícula biliar e o método foi previamente estabelecido ao alimentar

o cão com um alimento padrão e, em alguns casos, administração

de medicamentos predeterminados. O esvaziamento é considerado

normal quando o volume da vesícula em jejum é menor que 1 ml/kg

ou se a fração de ejeção máxima nas 2 horas pós alimentação é

maior ou igual a 25%.


Para calcular o volume da vesícula biliarisso, medir o comprimento

(C) máximo da vesícula no corte longitudinal e a largura (L) e altura

(A) no transversal e calcular o volume usando a fórmula elipsóide

(V=0,52 x C x A x L).

A fração de ejeção é calculada por FE = (V0-V) x 100/V0 (%).

Tsukagoshi et al. 2012 estudaram a fração de ejeção da vesícula

biliar em grupos com lama biliar móvel, lama biliar imóvel, mucocele

e cães normais (controle). Todos os grupos foram diferentes do

grupo controle, mostrando que mesmo em casos de lama biliar

móvel já há disfunção de esvaziamento. Não se sabe o exato

mecanismo que poderia levar isso a predisposição à mucocele,

porém se conhece efeitos tóxicos dos ácidos biliares e efeitos de

necrose por pressão à parede da vesícula biliar na mucocele.


DIAGNÓSTICO

A ultrassonografia é o exame mais útil e mais sensível para

diagnóstico de mucocele. As características ultrassonográficas

incluem lama biliar imóvel que não muda com alterações de decúbito

e/ou bile ecogênica estrelada ou finamente estriada (também

chamado de bile em padrão kiwi). Deve-se ter o cuidado para não

confundir porções de bile anecogênica e lama biliar mais ecogênica

com mucocele. Para isso, paciência e tempo são requeridos para se

certificar de não que realmente há não motilidade da lama por

gravidade (alterando decúbito e observando se realmente há

ausência de motilidade e ao fazer balotamento do abdômen). As

rupturas normalmente ocorrem na região fúndica e há

descontinuidade da parede e tecido hiperecogênico na periferia.


CLASSIFICAÇÃO
BESSO et al. (2000) classificou os tipos de mucocele e CHOI et al.

(2013) utilizaram essa classificação modificada quando estudaram o

padrão ultrassonográfico das mucoceles e os sinais clínicos em 43

cães. Eles classificaram a mucocele nos seguintes tipos:

Tipo 1 - bile ecogênica imóvel ocupando a vesícula biliar

Tipo 2 - padrão estrelado incompleto

Tipo 3 - típico padrão estrelado

Tipo 4 - combinação de padrão estrelado com padrão de kiwi

Tipo 5 - tipo kiwi com bile ecogênica central residual

Tipo 6 - padrão kiwi sem bile ecogênica central


ETIOLOGIA

A etiologia ainda é desconhecida, porém uma alteração progressiva

de lama biliar ecogênica para estrelada, para padrão kiwi já foi

proposta. Num primeiro momento, a bile ecogênica ocupa o lúmen

da vesícula e a bile hipoecogênica forma um molde ao longo da

parede da vesícula (padrão estrelado), então finas estriações se

formam com uma redução da lama residual ecogênica do centro

(padrão tipo fruta kiwi).

Não foi encontrada relação entre o tipo de mucocele e a

probabilidade de ruptura da vesícula biliar.


DOENÇAS ENDÓCRINAS

Mathew e Brown (2009) estudaram a relação da mucocele com as

doenças endócrinas. O estudo foi retrospectivo e há grande

discussão sobre o assunto. O que puderam afirmar é que as

chances de um cão com hipotireoidismo ou

hiperadrenocorticismo terem mucocele é maior do que nos

animais sem essas doenças. Eles não conseguiram provar relação

entre diabetes e mucocele, porém BESSO et al. (2000) sugerem

diabetes como possível fator de risco.


HIPERLIPIDEMIA

Kutsunai et al. (2014) estudaram a relação entre hiperlipidemia e a

mucocele biliar. Eles encontraram uma associação significativa em

cães com aumento de triglicerídeos e colesterol e presença

de mucocele biliar. Sugerem que a hiperlipidemia tenha um papel

importante na patogênese da mucocele. As principais hipóteses são

que com o colesterol aumentado, há aumento da excreção e

concentração do colesterol na bile causando lama biliar. Já o

aumento dos triglicerídeos estariam envolvidos na redução da

motilidade da vesícula biliar por exposição prolongada a bile

contendo alta concentração de ácidos biliares hidrofóbicos de alta

citotoxicidade.
SINAIS CLÍNICOS

Os sinais clínicos são inespecíficos e podem ser inapetência,

vômito, letargia, poliúria e polidipsia, diarreia. Pode haver dor

abdominal, febre, taquicardia e icterícia nos casos mais graves, além

de choque e morte por ruptura e peritonite biliar.

Cerca de 23% de cães com mucocele não apresentam sinais clínicos.


ALTERAÇÕES LABORATORIAIS

Diversos estudos mostram que cães com mucocele, especialmente

os sintomáticos, apresentam leucocitose (neutrofilia) e aumento nos

níveis de ALT, FA, GGT e bilirrubina total.


TRATAMENTO

A cirurgia têm sido recomendada como principal terapia devido ao

risco de ruptura.

Alguns casos se resolvem com tratamento medicamentoso.

Worley et al. (2004) realizaram tratamento cirúrgico em 22 cães e

avaliaram se havia algum fator que pudesse falar sobre prognóstico

e sobrevivência. 16 desses cães tinham histórico de vômito agudo,

14 inapetência ou anorexia, 9 letargia, 4 icterícia, 3 perda de peso,

2 com sinais vagos de desconforto e 1 com poliúria e polidipsia. O

estudo não conseguiu chegar a nenhum fator indicativo de

predição de prognóstico. Muitos cães tiveram pancreatite. Muitos


mostraram sinais mais graves durante a cirurgia do que a

ultrassonografia havia previsto.

Pike et al. (2004) estudaram 30 cães com mucocele e, neste estudo,

não relacionaram os casos de mucocele com etiologia inflamatória

ou bacteriana. Nesse mesmo estudo, também não encontraram

obstrução como sendo um fator predisponente para mucocele. O que

foi sim encontrado, foi hiperplasia das glândulas secretoras de muco.

A causa da hipersecreção de muco é desconhecida e deve ser

multifatorial. O aumento da secreção de muco já foi documentado

por exposição a sais biliares. É possível que fatores nutricionais e

ambientais estejam aumentando a incidência de mucocele. Além

disso, há um fator genético, especialmente em Cocker Spaniels.


Há trabalhos que indicam que aumentos em FA e ALT e leucocitose

leve podem ser indicativos de ruptura da vesícula. A ultrassonografia

se mostrou altamente confiável no diagnóstico da ruptura e incluiu

descontinuidade da parede, gordura hiperecogênica na porção

cranial do abdômen, líquido livre abdominal e material estriado ou

estrelar fora do lúmen biliar. A ruptura deve ser considerada uma

emergência cirúrgica. A colecistectomia proporcionou excelentes

resultados nos animais que sobreviveram ao período pós-cirúrgico.

A ruptura não foi fator indicativo de maior mortalidade no período

perioperatório.

Mayhew et al. (2008) relataram uma técnica de colecistectomia

laparoscópica minimamente invasiva em que obtiveram sucesso em

6 cães com mucocele.


Walter et al. (2008) relataram dois casos de tratamento

medicamentoso com sucesso. Em ambos os casos os cães tinham

sintomas gastrointestinais e o diagnóstico de hipotireoidismo foi feito

concomitantemente ao da mucocele. O tratamento do primeiro

paciente consistiu de:

S-adenosil-metionina (SAME) – 20 mg/kg VO SID;

Ômega-3 de óleo de peixe – 600mg VO SID;

Famotidina 0,5 mg/kg VO SID;

Ursodiol 13 mg/kg VO SID

(além de antibióticoterapia e a terapia para hipotireoidismo com

levotiroxina).
O tratamento medicamentoso recomendado a todos os pacientes

independente dos sinais clínicos no estudo de CHOI et al. (2013) foi:

• 10mg/kg de ácido ursodesoxicólico,

• 20 mg/kg SAMe (S-adenosil-l-metionina dissulfato p-

tolueno sulfonato)

• 10 mg/kg extrato Carduus marianus (silimarina).

Nesse mesmo trabalho, a colecistectomia foi indicada para todos os

cães sintomáticos, seja como tratamento inicial ou após tratamento

medicamentoso.
Cornejo et al. (2005) enfatiza a importância da

antibioticoterapia, já que a estase biliar predispõe a entrada de

bactérias entéricas até a via biliar e isso pode causar peritonite

septica. Eles também relatam que a colestase interfere com a

absorção de vitamina K e uma coagulopatia pode ocorrer. Portanto,

essas correções de vitamina K e hidroeletrolíticas podem ser

realizadas para estabilização do paciente antes da cirurgia. Se forem

detectadas alterações de coagulação, pode-se utilizar administração

subcutânea de vitamina K (0,5 mg/kg BID).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nonsurgical resolution of gallbladder mucocele in two dogs. Romanie Walter; Marilyn E.


Dunn; Marc-André d’Anjou; Manon Lécuyer - J Am Vet Med Assoc 2008;232;1688–1693

Surgical management of gallbladder mucoceles


in dogs: 22 cases (1999–2003). Deanna R. Worley; Heidi A. Hottinger; Howard J.
Lawrence - J Am Vet Med Assoc
2004;225:1418–1422

Decreased gallbladder emptying in dogs with biliary sludge or gallbladder mucocele. Taro
Tsukagshi, Koichi Ohno, Atsushi Tsukamoto, Kenjiro Fukushima, Masashi Takahashi, Ko
Nakashima, Yasuhito Fujino, Hajime Tsujimoto - 2012 Veterinary Radiology &
Ultrasound, Vol. 53, No. 1, 2012, pp 84–91

Gallbladder mucocele in dogs: 30 cases (2000–2002)


Fred S. Pike; John Berg; Norval W. King; Dominique G. Penninck; Cynthia R. L. Webster
- J Am Vet Med Assoc
2004;224:1615–1622

Gall bladder mucoceles and their association with endocrinopathies in dogs: a


retrospective case-control study. M. L. L. MESICH, P. D. MAYHEW*, M. PAEK, D. E. HOLT
AND D. C. BROWN -Journal of Small Animal Practice (2009) 50, 630–635

Laparoscopic Cholecystectomy for Management of Uncomplicated Gall Bladder Mucocele


in Six Dogs. PHILIPP D. MAYHEW, STEPHEN J. MEHLER, ANANT RADHAKRISHNAN -
Veterinary Surgery 37:625–630, 2008

The association between gall bladder mucoceles and hyperlipidaemia in dogs: A


retrospective case control study. M. Kutsunai, H. Kanemoto, K. Fukushima, Y. Fujino,
K. Ohno, H. Tsujimoto - The Veterinary Journal 199 (2014) 76–79
Canine Gallbladder Mucoceles. Lilian Cornejo, Cynthia R. L. Webster - Compendium
2005, 912-930

Você também pode gostar