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COMPETÊNCIA TERRITORIAL

Disciplina: Processo Penal


Professor: Glebson Bezerra
Grupo 02

Recife, 2022
Introdução

Entende-se por competência a medida e o limite da jurisdição, ou seja, é o critério que


definirá os limites nos quais o órgão jurisdicional poderá aplicar o direito objetivo ao caso
concreto.

Sobre o assunto relata Vicente Greco Filho, a competência é “o poder de fazer atuar a
jurisdição que tem um órgão jurisdicional diante de um caso concreto. Decorre esse poder
de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de
especialização da justiça, distribuição”.

É incontestável a impossibilidade de um único juiz decidir todas as lides existentes no


meio jurídico e, também, pela necessidade do órgão jurisdicional ser adequado para que
a decisão dos conflitos tenha o melhor aparato resolutivo.

A fixação da competência é fundamental para o exercício da jurisdição. Desse modo,


tradicionalmente, costuma-se conceituar a jurisdição como a aplicação da lei ao caso
concreto para solução do conflito de interesses; e a competência como o limite da
jurisdição.

Competência Territorial (ratione loci) / Em razão do local da infração

Para a definição da competência para julgamento de um processo criminal, compreende


a análise do local de ocorrência da infração ou, em alguns casos, o local do domicílio do
réu, que irá determinar em que base territorial será o processo julgado (comarca, na
Justiça Estadual, e Seção Judiciária, quando for da competência da Justiça Federal).

Para definirmos a competência territorial devemos, primeiramente, saber onde o crime


foi praticado. Mas, para isso, é necessário saber qual o critério utilizado para definir o
“lugar do crime”.

Nos crimes plurilocais, aplica-se, em regra, a teoria do resultado, considerando-se como


local do crime o lugar onde o resultado se consuma. A exceção a essa regra são os crimes
plurilocais contra a vida, onde se aplica a teoria da atividade. Assim, como regra, no
processo penal, a competência territorial é definida pelo lugar em que se consumar a
infração.

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Existem ainda alguns regramentos específicos, como nos crimes de competência dos
Juizados Especiais e nos atos infracionais, em que nesses casos se aplica a teoria da
atividade. Já em relação aos crimes falimentares, se considera lugar do crime o local em
que foi decretada a falência.

Além dessas especialidades, há também outros casos particulares, como:

1- Crime praticado no exterior e consumado no exterior – A competência será da


capital do estado em que o réu (acusado), no Brasil, tenha fixado seu último
domicílio, ou, caso nunca tenha sido domiciliado no Brasil, na capital federal.
2- Crime praticado a bordo de aeronaves ou embarcações, mas, por determinação da
Lei Penal, estejam sujeitos à Lei Brasileira – A competência será do local em que
primeiro aportar ou pousar a embarcação ou aeronave, ou, ainda, no último local
em que tenha aportado ou pousado.
3- No caso de o crime não se consumar, sendo, portanto, um crime tentado (art. 14,
II do CP) - Nessa hipótese, aplica-se o disposto no art. 70, segunda parte, do CPP,
considerando-se como lugar do crime o local onde ocorreu o último ato de
execução.

O art. 70 do CPP, em seu § 3° e o art. 71 abordam o fenômeno da prevenção, que é quando


dois ou mais órgãos jurisdicionais são competentes para apreciar determinada demanda,
sendo nesses casos a competência fixada naquele que primeiro atuar no caso. Assim, a
competência será fixada naquele Juízo que primeiro praticar algum ato relativo ao caso.
Essa é a definição de competência fixada por prevenção.

Nos termos do art. 83 do CPP. Assim, em se tratando de crime permanente (ou crime
continuado), praticado no território de duas ou mais jurisdições, a competência será de
qualquer delas, e será definida pela prevenção, nos termos do art. 71 do CPP.

A Lei 14.155/21 (Lei de fraude eletrônica) criou nova hipótese de definição da


competência territorial, trazendo algumas mudanças para o Código de Processo Penal.
Segundo o §4º do art. 70 do CPP: Art. 70 (...) § 4º Nos crimes previstos no art. 171 do
Código Penal (crime de estelionato), quando praticados mediante depósito, mediante
emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o
pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida
pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência
firmar-se-á pela prevenção. (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021). Como se vê, o referido

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artigo passou a estabelecer um critério, até então inexistente, de competência em razão
do foro do domicílio ou residência da vítima.

Se dois ou mais Juízes, na mesma comarca, forem competentes para julgar a demanda, a
competência será fixada pelo critério da distribuição, ou seja, a competência será fixada
naquele órgão jurisdicional ao qual fora distribuída a ação penal. Nos termos do art. 75
do CPP. Entretanto, tanto o critério da prevenção quanto o critério da distribuição não
passam de critérios de consolidação da competência territorial, pois a competência
daquele Juiz já existia antes da prevenção ou distribuição, tendo apenas se consolidado
quando da ocorrência de um destes fenômenos.

Competência Territorial em Razão do Domicílio do Réu

Existem casos em que a competência territorial poderá ser fixada levando-se em conta o
domicílio do réu, que será quando:

1- Não sendo conhecido o lugar da infração: será regulada pelo lugar do domicílio ou
residência do réu.

2- Se o réu tiver mais de uma residência: a competência será por meio de prevenção.

3- Se o réu não tiver residência ou for ignorado seu paradeiro: será competente o juiz que
primeiro tomar conhecimento do fato.

4- Crime de ação exclusivamente privada: poderá o querelante escolher ajuizar a queixa


no lugar do domicílio ou residência do réu, ainda que conhecido o lugar da infração (ex.:
Maria foi vítima de crime de ação penal privada, praticado por José. Maria poderá
escolher ajuizar a queixa-crime no lugar da infração ou no lugar do domicílio ou
residência de José). O art. 73 do CPP, fala em “casos de exclusiva ação privada”. Assim,
no caso de ação penal privada subsidiária da pública, não pode o querelante optar pela
comarca do domicílio do réu em detrimento da comarca do local da infração, caso este
local seja conhecido, pois esta ação não é exclusivamente privada, mas, na verdade, é
pública.

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Casuística

Quanto às espécies de infração penal há de se ficar atento à espécie de crime para fins de
fixação da competência territorial, dentre esses casos podemos citar:

1- Crimes de mera conduta: em relação a esses delitos, o tipo penal não prevê qualquer
resultado naturalístico. O tipo penal consiste, basicamente, na narrativa de algum
comportamento que se queira proibir ou impor, não fazendo menção à produção de
qualquer resultado material. Como exemplos, podemos citar os crimes de violação de
domicílio (CP, art. 150) e ato obsceno (CP, art. 233). Tais crimes consumam-se com a
simples prática da conduta, sendo o local da conduta, portanto, o foro competente para
processar e julgar o delito.

2- Crimes formais: essas infrações penais preveem um resultado naturalístico, que, no


entanto, não precisa ocorrer para que se verifique a consumação do delito, razão pela qual
também são conhecidas como crimes de consumação antecipada ou delitos de resultado
cortado. Em relação a tais delitos, o legislador antecipa a punição, não exigindo a
produção de qualquer resultado naturalístico, que, se ocorrer, configurará mero
exaurimento da conduta antecedente, a exemplo do que ocorre com o crime de extorsão
previsto no art. 158 do CP. Imagine-se o seguinte exemplo: determinado indivíduo,
recolhido a um presídio em Recife/PE, efetua ligações para alguém que está em
Maceió/AL, exigindo o pagamento de vantagem indevida, sob pena de causar mal a um
ente querido, ocorrendo a entrega da quantia a um comparsa na cidade de Natal/RN.
Nesse exemplo, não se pode confundir o local da conduta (Recife/PE), nem tampouco o
local de seu exaurimento (importante lembrar que o exaurimento consiste numa
ocorrência típica posterior à consumação do delito) – Natal/RN –, onde se deu a obtenção
da vantagem ilícita, com o local da consumação do crime de extorsão – Maceió/AL –, o
qual deverá determinar o foro competente para processar e julgar o delito.

3- Crimes materiais: são aqueles cuja consumação depende da produção naturalística de


um determinado resultado, expressamente previsto pelo tipo penal, tal como se dá com
os crimes de homicídio, infanticídio, etc. Como esses crimes consumam-se com a
produção do resultado, o foro competente é o do local do resultado. Por exemplo, como
o crime material de peculato-desvio (CP, art. 312, caput, segunda parte) consuma-se
quando o funcionário público efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel,
figurando o local da obtenção da vantagem como mero exaurimento do delito, compete

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ao foro do local onde efetivamente ocorrer o desvio de verba pública, e não ao do lugar
para o qual os valores foram destinados, o processamento e julgamento da ação penal.

4- Crimes qualificados pelo resultado: ocorrem quando o agente atua com dolo na conduta
e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito
ao resultado qualificador (crime preterdoloso), a exemplo do que ocorre com o crime de
lesão corporal qualificada pelo resultado aborto (CP, art. 129, § 2º, V). Em relação a tais
delitos, firma-se a competência pelo local da produção do resultado qualificador.

5- Crimes permanentes: são aqueles cuja consumação se prolonga no tempo. Em que o


crime permanente tem sua consumação perpetuando-se no tempo, logo pode-se dizer que
sua consumação ocorre enquanto durar a permanência, fixando-se daí a competência
territorial para processar e julgar o referido delito. Caso esse crime permanente seja
praticado em duas ou mais comarcas, a competência será determinada pela prevenção,
como citado acima.

6- Infrações em continuidade delitiva: diz-se continuada a infração quando o agente,


mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (CP, art. 71, caput). Por
exemplo, suponha-se que João, em 10 de janeiro de 2008, pratique um crime de roubo
contra um taxista na cidade de Recife/PE. Cinco dias depois, o agente, valendo-se do
mesmo modus operandi, pratica novo crime de roubo contra taxista, porém o faz na cidade
de Caruaru/PE. Dois dias mais tarde, outro crime de roubo, também contra um motorista
de táxi, mas desta feita em Olinda/PE. Nesses casos, por força do art. 71 do CPP, a
competência será firmada pela prevenção. Caso a regra do art. 71 do CPP não seja
observada, e, a despeito do caráter continuado da infração, sejam oferecidas três peças
acusatórias (uma em cada comarca), deve o juízo prevento (aquele que se antecipou aos
demais na prática de algum ato decisório, ainda que em momento anterior ao
oferecimento da denúncia ou queixa) avocar os processos que corram perante os outros
juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva (CPP, art. 82), hipótese em que
caberá ao juízo das execuções a unificação das penas.

7- Uso de documento falso: o foro competente é determinado pelo local em que o


documento foi apresentado. Se o uso do documento falso for cometido pelo próprio autor
da falsificação, caracterizado estará um só delito, qual seja o de falsificação, na medida

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em que o uso é considerado mero exaurimento para o autor do falsum, fixando-se a
competência, então, pelo lugar onde a falsificação se consumou, independentemente do
local do uso. Todavia, caso não seja conhecido o lugar da falsificação, fixa-se a
competência pelo local de uso do documento falso. Quanto ao juízo federal competente
para processar e julgar o delito de uso de passaporte falso, dispõe a súmula nº 200 do STJ
que “o juízo federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de
passaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou”. Destarte, mesmo que a falsidade
do passaporte seja constatada por agentes da imigração em um outro país, com posterior
deportação do agente para o Brasil, a competência do juízo federal será determinada não
pelo local em que o agente desembarcar, mas sim em virtude do local em que o passaporte
tiver sido apresentado para embarque. Afinal, no embarque, é imperativa a apresentação
do passaporte, consumando-se nesse ato o delito de uso de documento falso, ainda que a
verificação da falsidade somente ocorra no estrangeiro e haja posterior deportação e
reingresso do nacional. Não se pode confundir o delito de uso de passaporte falso com o
delito de falsificação de documento público, previsto no art. 297 do Código Penal. Nesse
caso, a competência será fixada em razão do local onde se efetuou a falsificação. Ainda
em relação ao crime de uso de passaporte falso, caso o agente seja preso em território
nacional ao fazer uso de passaporte estrangeiro falso, tendo em conta que o delito é
praticado em detrimento do serviço prestado na fronteira, em que a União, por meio da
Polícia Federal, fiscaliza o controle de ingresso e saída de estrangeiros do país, há de se
concluir pela competência da Justiça Federal do local em que o documento foi utilizado.

8- Contrabando ou descaminho: de acordo com a súmula nº 151 do STJ, “a competência


para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela
prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens”. Se um agente é surpreendido
por policiais federais na cidade de São Paulo, com mercadoria que adentrou o país pela
cidade de Foz do Iguaçu, Paraná, a competência da Justiça Federal será determinada não
pelo local da entrada do produto, mas sim pelo local da apreensão dos objetos.

9- Exposição à venda de mercadoria em condições impróprias ao consumo: como o


núcleo da ação delituosa prevista no art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/90, inicia-se e se encerra
com a exposição do produto à venda, a competência deve ser determinada em virtude do
local em que estiver situada a empresa responsável pela comercialização dos bens ou
produtos impróprios para o consumo (local onde o produto foi exposto à venda), e não a

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partir do foro em que fica a responsável pelo respectivo processo de produção e
embalagem.

10- Fraude no pagamento por meio de cheque: a consumação do crime previsto no art.
171, § 2º, VI, do CP, ocorre no local da recusa do pagamento, aquela onde está a agência
bancária que não quis pagar o cheque. É nesse sentido o teor das súmulas 521 do STF e
244 do STJ.

11- Estelionato por meio de cheque falso: em relação a este delito, cujo juízo de tipicidade
se dá por intermédio do art. 171, caput, do CP, o foro competente será determinado a
partir do local da obtenção da vantagem ilícita. É nesse sentido o teor da súmula nº 48 do
STJ.

12- Apropriação indébita: consuma-se o delito previsto no art. 168 do CP no local em que
se dá a inversão da posse, independentemente do local onde o bem for encontrado.
Quando não for possível estabelecer com precisão o local da inversão da posse, o foro
competente será o do local onde o elemento subjetivo da apropriação indébita (animus
rem sibi habendi) puder ser avaliado por elementos objetivos, tais como o lugar da
prestação de contas, ou qualquer outro ato a partir do qual o agente externe sua vontade
de não restituir o bem que estava em sua posse ou detenção, transformando-as em
propriedade.

13- Pedofilia por meio da internet: consuma-se o delito de pedofilia por meio da internet
(Lei nº 8.069/90, art. 241-A, com redação dada pela Lei nº 11.829/08) no momento da
publicação das imagens, ou seja, aquele em que ocorre o lançamento na internet das
fotografias de pornografia infantil, pouco importando, para fins de fixação da
competência, o local em que se encontra sediado o provedor de acesso ao ambiente
virtual.

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