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Processo Penal

A Competência em Matéria Penal


A competência é um conjunto de regras que asseguram a eficácia da garantia da
jurisdição, e, especialmente, do juiz natural. Como regra, um juiz ou tribunal somente
pode julgar um caso penal quando for competente em razão da matéria (art. 69, III, CPP),
pessoa (art. 69, VII, CPP) e lugar (art. 69, I e II, CPP).

Competência “Ratione Materiae”


Primeiro, para verificarmos qual será o juízo competente para julgar um caso,
deve-se analisar a natureza, isto é, a matéria do crime investigado.

Portanto, devemos questionar se o crime é da competência da Justiça Comum


(Estadual ou Federal) ou Especial (Militar e Eleitoral).

Passa-se aqui, a discutirmos primeiramente sobre as justiças especiais.

À Justiça Militar Federal, compete o julgamento dos militares pertencentes as


forças armadas (exército, marinha e aeronáuticas), que possuem atuação em todo
território nacional. Ao falar em “crimes militares”, a Constituição acaba por remeter para
o Código Penal Militar, cujo art. 9º define o que o é. Portanto, para que se tenha a
competência da Justiça Militar Federal é preciso que seja uma conduta tipificada no
Código Penal Militar.

Quando não estiver presente o interesse militar ou não for a conduta inerente
à função militar, a competência da Justiça Militar (Federal ou Estadual) poderá ser
afastada.

A competência da Justiça Militar Estadual está prevista no art. 135, p. 4, da


Constituição Federal.

O militar estadual que cometa crime doloso contra a vida de civil, será julgado
na justiça comum estadual, no tribunal do júri (art. 125, p.4, da CF).

Ao lado da Militar, a Justiça Eleitoral é a outra justiça especial. A competência


da Justiça Eleitoral está prevista no art. 121 da CF, assim, sempre que tivermos um crime
eleitoral, conexo com um crime comum, a competência para julgamento de ambos será
da Justiça Eleitoral (por força de conexão). É pacífico que a Justiça Eleitoral prevalece
sobre a comum.

Justiça (Comum) Federal

A competência da Justiça Federal é residual em relação às especiais, sendo


sua atuação restrita aos crimes que não sejam de competência daquelas.

O primeiro passo para verificar se um crime é ou não de competência da


Justiça Federal é fazer uma atenta leitura do art. 109 da CF1.

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Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V- A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema
financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento
provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os
casos de competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça
Militar;
Na esfera penal, interessam os incisos IV e seguintes.

No primeiro caso, o crime será de competência da Justiça Federal quando for


praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da Uniao ou de suas autarquias
ou empresas públicas. Assim, qualquer delito que atinja bens jurídicos sobre os quais
recaia esse interesse será de competência da Justiça Federal.

Mas essa interpretação não pode ser exaustiva ou por analogia. Logo, quando
a CF fala em empresa pública, por exemplo, não se pode ampliar para alcançar as
empresas de economia mista. Assim, os crimes praticados em detrimento da Caixa
Econômica Federal, por exemplo, serão julgados na Justiça Federal. Contudo, o mesmo
delito, praticado contra o Banco do Brasil, será julgado na Justiça Estadual, pois se trata
de empresa de economia mista.

Quanto aos Correios, eventual delito praticado em seu detrimento será de


competência da Justiça Federal. Contudo, quando estivermos diante de uma loja
franqueada, a situação muda completamente, cabendo à Justiça Estadual o processo e
julgamento.

Quanto ao inciso V, serão de competência da Justiça Federal os crimes


previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o
resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente. Nessa
situação encontram-se, entre outros, o tráfico de mulheres e crianças, e o delito de tráfico
de substâncias entorpecentes.

Atual questão problemática é a da competência para julgar os crimes


praticados pela internet. Em recente julgamento2, o STJ entendeu que ocrime de
difamação praticado contra menores em site de relacionamento, deveria ser julgado pela
Justiça Federal, pois fere direitos assegurados em Convenção Internacional e o site pode
ser acessado de qualquer país. O entendimento doutrinário nesse caso, é de máxima
atenção ao artigo 109 da CF.

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória,


após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à
nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
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Conflito de Competência - 112.616.
Com relação ao inciso IX, a CF trata sobre os crimes cometidos a bordo de
navios ou aeronaves. Mas, o que se entende por navio e aeronave? Eis o problema em se
utilizar de uma cláusula genérica. A jurisprudência, ao longo dos anos, criou conceitos
para justificar a intervenção da Justiça Federal apenas quando estivermos diante de
navios ou aeronaves de grande porte e que contenham a bandeira do Brasil.

Por fim, com relação aos crimes cometidos contra indígenas: como regra geral
a competência é da Justiça Estadual, exceto se houver a afetação a direitos indígenas, sua
organização social, costume, língua, crenças, tradições e direitos ordinários sobre a terra.

Justiça (Comum) Estadual

Por fim, temos a Justiça mais residual de todas. Um crime somente será
julgado pela Justiça Comum Estadual quando não for de competência das Especiais nem
da comum Federal.

Assim, trata-se de competência alcançada por exclusão.

Competência “Ratione Personae” (art. 69, VII, CPP)

Algumas pessoas, por exercerem determinadas funções, tem a prerrogativa


(não um privilégio) de serem julgadas originariamente por determinados órgãos.

Nesse sentido, é equivocada a ideia de que a prerrogativa de função constitui


um grande benefício ao réu. Nem sempre. O argumento de que ser julgado por um
tribunal composto por juízes (em tese) mais experientes é uma vantagem que esbarra na
impossibilidade de garantir um verdadeiro duplo grau de jurisdição.

Importante salientar que no julgamento da AP 937, o plenário do STF firmou


entendimento no sentido de restringir o alcance da prerrogativa de função dos Deputados
Federais e Senadores. Em síntese, somente haverá prerrogativa de função aos deputados
federais e senadores que praticarem crime durante o exercício do cargo e relacionados às
funções.

Alterando radicalmente o entendimento anterior, de que, uma vez


empossado, ele adquiria a prerrogativa inclusive para julgamento dos crimes praticados
antes da posse. Agora não mais.
Competência “Ratione Loci”

Definida a Justiça competente, a partir dos critérios anteriormente explicados


deve-se ainda apontar qual é o foro competente. Para tanto, utilizam-se as regras dos arts.
70 e 71 do CPP. Iniciemos pelo critério do art. 70 do CPP3, onde o lugar da infração é
aquele em que se consumar a infração, ou, no caso da tentativa, o lugar em que for
praticado o último ato de execução.

Assim, o conceito de lugar do crime identifica-se com aquilo que o Direito


Penal define como local da consumação ou, em caso da tentativa, aquele onde for
praticado o último ato de execução. Vejamos uma situação bastante comum: na cidade
de Piratininga – interior de São Paulo – ocorre um atropelamento. A vítima é conduzida

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Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no
caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
para um hospital de Porto Alegre, com mais recursos, onde, dias depois, vem a falecer em
decorrência das lesões sofridas.

O processo penal pelo delito de homicídio culposo irá tramitar em que


comarca? Apesar da confusão que possa gerar, tal processo deverá ocorrer em
Piratininga, pois todos os elementos do crime estão na cidade onde ocorreu o
atropelamento, e não onde a vítima morreu.

Noutra dimensão, é importante não esquecermos do art. 71 do CPP4. Quando


forem vários os crimes, praticados em diferentes cidades, mas que, pelas circunstâncias
de tempo, lugar e modo de execução, constituam uma continuidade delitiva (art. 71 do
Código Penal5), a competência pelo lugar da infração será definida a partir da prevenção.
Ou seja, na jurisdição em que já há atos processuais sendo processados.

Nos crimes praticados fora do território nacional, mas em que incida a regra
da extraterritorialidade da lei penal, será competente o juízo da Capital do Estado onde
houver por último residido o acusado6 e, caso ele nunca tenha residido no Brasil, será
julgado em Brasília, nos termos do art. 88 do CPP. Importante recordar que o simples fato
de o crime ter sido praticado no exterior não significa que será julgado na Justiça Federal.
Todo o oposto. A regra é o julgamento pela Justiça Estadual, salvo se estiver presente
alguma das causas do art. 109 da CF.

Nos crimes praticados a brodo de navios ou aeronaves, incidem as regras dos


art. 89 e 90, com a ressalva de que somente será de competência da Justiça Federal
quando se tratar de navio ou aeronave de grande porte.

Por fim, existe ainda um único caso de eleição de foro no processo penal,
previsto no art. 73 do CPP e somente aplicável no caso de ação penal privada, em que o
querelante poderá optar pelo foro do domicílio ou residência do réu.

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Art. 71. CPP - Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou
mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
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Art. 71 CP - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da
mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
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Art. 72. CPP - Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou
residência do réu.
Como identificar o Juízo Competente?

1. Fixar pela matéria (natureza da infração);


2. Verificar grau do órgão jurisdicional competente (prerrogativa de função);
3. Verificar o local da infração;
4. Estabelecido o Foto, estabelece-se o julgador (distribuição ou
conexão/continência e prevenção).

Causas Modificadoras da Competência: Conexão e Continência

Todas as regras anteriormente explicadas podem ser profundamente


alteradas ou mesmo negadas quando estivermos diante de conexão ou continência,
verdadeiras causas modificadoras da competência e que tem por fundamento a
necessidade de reunir os diversos delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo
processo, para julgamento simultâneo.

Conexão

Os casos de conexão estão previstos no art. 76 do CPP7, sendo ela responsável


por unir crimes em um mesmo processo. A conexão, é importante que se fixe isso, exige
sempre a prática de dois ou mais crimes. Pode haver ou não pluralidade de agentes, mas
não existe conexão quando o crime é único.

Com ela, reúne-se tudo para julgamento no mesmo processo. O problema vai
ser decidir quem irá julgar (Justiça e Órgão) e onde.

Continência

A continência, assim, no inciso I, une as pessoas acusadas de uma mesma


infração, para julgamento simultâneo. Não há pluralidade de crimes, mas de pessoas.

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Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias
pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por
várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para
conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na
prova de outra infração.
Quando duas ou mais pessoas cometerem um delito, haverá a reunião de todas no
mesmo processo.

A questão terá um complicador quando qualquer delas tiver uma prerrogativa


de função, em que deveria haver reunião para que todos fossem julgados no respectivo
tribunal competente para processar o detentor do cargo.

Regras para definição da Competência

Na conexão existe sempre uma pluralidade de infrações, muitas vzes


praticadas em diferentes cidades, mas que devem ser reunidas para julgamento
simultâneo. Em outros casos, o problema não é apenas as diferentes cidades, mas
também o concurso entre crime comuns e militares ou ainda eleitorais.

Para isso, o art. 78 do CPP estabelece uma série de regras.

1ª Algum dos crimes praticados é de competência da Justiça Militar? Se for


positiva a resposta, prevalece a competência da Justiça Militar e todos os crimes serão lá
reunidos.

2ª Algum dos crimes praticados é eleitoral? Nesse caso, a Justiça Eleitoral


prevalece sobre as demais, atriando tudo para a Justiça Eleitoral (art. 78, IV). Se a resposta
for negativa, passemos para a terceira pergunta.

3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de ser julgado por tribunal? Isso
conduz a aplicação do inciso III do art. 78, pois a jurisdição de maior categoria dos
tribunais prevalece sobre os órgãos de primeiro grau. Há que se considerar aqui a
problemática em torno da competência do Tribunal do Júri.

4ª Não sendo de competência das Especiais, algum dos crimes é de


competência da Justiça Federal (art. 109 CF)? Se algum dos crimes for de competência da
Justiça Comum Federa, incide o art. 78, III, prevalecendo-a sobre a Justiça Comum
Estadual.

Por fim, caso algum dos crimes seja de competência do Tribunal do Júri, todos
os crimes praticados irão ao Júri. Mais do que atrair, a competência constitucional do Júri
prevalece sobre os demais órgãos de primeiro grau.
Finalizando esse tópico, caso houverem sido praticados crime conexos nas
cidades “A”, “B” e “C” e, erroneamente, tiver sido instaurado em cada cidade um processo
pelo delito lá praticado, deverá o juiz avocar8 os demais processos para valer a regra do
julgamento simultâneo.

Cisão Processual

O art. 79 do CPP9 prevê em que casos a cisão processual será obrigatória,


ainda que exista conexão ou continência.

Com relação ao inciso I, com a alteração do art. 9º do CPM por conta da Lei
n. 13/491/2017, a regra agora é a reunião de todos os crimes na justiça militar. Ou seja, a
militar prevalece. Somente haverá a cisão quando, excepcionalmente, não houver o
preenchimento das condições previstas no art. 9 do CPM, situação em que a Justiça
Militar julgará os crimes por ela afeto e haverá cisão em relação ao restante.

No inciso II está consagrada a lógica e necessária separação entre a jurisdição


penal e aquela destinada à apuração dos atos infracionais praticados por crianças e
adolescentes.

No § 1, haverá a cisão quando em relação a algum dos corréus se verificar


uma doença mental superveniente ao crime. Nesse caso, o processo é separado, pois em
relação a esse corréu o processo ficará suspenso, até a melhora de sua condição.

No §2, a cisão ocorrerá quando o processo ficar suspenso porque um dos


corréus está foragido e a sessão de julgamento pelo Júri não pode ocorrer sem sua

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Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a
autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros
juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva.
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Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

§ 1o Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier
o caso previsto no art. 152.

§ 2o A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu foragido que não
possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.
presença, ou ainda, quando um dos réus é citado e outro não. No processo penal,
diferentemente do processo civil, o procedimento jurisdicional não pode ocorrer à revelia
de um dos corréus.

Por fim, prevê o art. 80 a separação facultativa dos processos nos casos de
crimes praticados em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando, pelo
número excessivo de acusados e para não prolongar a prisão provisória, o juiz reputar
conveniente.

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