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Crimes de

responsabilidade
Góes, Luciano
SST Crimes de responsabilidade / Luciano Góes
Ano: 2020
nº de p.: 12

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Crimes de
responsabilidade

Apresentação
A doutrina divide os crimes de responsabilidade em sentido amplo ou próprio
e em sentido estrito ou impróprios. O primeiro seriam as infrações político-
administrativas, tendo como sanções a perda do mandato e suspensão de direitos
políticos. O segundo seriam os crimes propriamente ditos, ou seja, os crimes
funcionais, como por exemplo, os crimes praticados por funcionários públicos,
incluindo-se os crimes de abuso de autoridade, punidos com penas privativas de
liberdade, que serão estudados oportunamente. Espero que aproveite bastante este
importante conteúdo. Bons estudos!

Conceitos iniciais
Os crimes denominados “responsabilidade” não são crimes propriamente ditos.
Em outras palavras, são condutas descritas em um preceito primário e uma sanção
prevendo pena privativa de liberdade, seja de reclusão ou detenção.

Atenção
Os crimes de responsabilidade são na verdade sanções político-
administrativas, ou seja, a punição possui natureza administrativa
e o julgamento é considerado político, pois realizado pelo poder
legislativo, sendo denominado pela doutrina de jurisdição política,
caminhando neste sentido os ensinamentos preconizados pela
doutrina.

Fundamento jurídico da jurisdição política


O fundamento inicial é a própria Constituição Federal (CF), que define, em seu
art. 85, a ideia de crimes de responsabilidade quando elenca os crimes de
responsabilidade praticados pelo presidente da República. Eles são crimes que
atentam contra a CF sendo especialmente contra:

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I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério


Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. (BRASIL, 1988)

Saiba mais
O nome do processo por crime de responsabilidade se chama
impeachment. Há dois precedentes em nosso país sobre este
tema: o caso ocorrido com o ex-presidente Fernando Collor de
Melo e o da ex-presidente Dilma Rousseff. Eles foram julgados
por crime de responsabilidade, e o processo de julgamento foi
realizado na Câmara e no Senado, presidido pelo presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF).

O constituinte sabia a diferença entre os crimes comuns, como furto, peculato,


homicídio etc., dos crimes de responsabilidade. Conforme se depreende do art. 86, §
1º, da Constituição, quando prevê os efeitos do recebimento da acusação em cada
caso, na qual,

admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços


da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o
Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. (BRASIL, 1988).

O art. 86 prevê que, com o recebimento da acusação (denúncia ou queixa-crime)


pelo STF, nas infrações penais comuns, ou recebida a acusação por crimes de
responsabilidade pelo Senado, o presidente da república ficará suspenso de suas
funções.

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Curiosidade
De leitura obrigatória, o livro “O Impeachment”, de Paulo
Brossard, apresenta os requisitos deste importante instrumento
constitucional utilizado duas vezes foi utilizado no Brasil. Não
deixe de ler!

A CF, também, delegou a uma lei ordinária a tarefa de definir as regras de


processamento e julgamento desses crimes, conforme dispõe o art. 86, parágrafo
único. Isso de fato ocorreu com a edição da Lei nº 1.079/50, que sofreu alterações
pela Lei nº 10.028/2000.

Ademais, além da CF, a Lei nº 1.079/50 tem previsão, inclusive, de se aplicar


subsidiariamente o Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o Regimento
Interno do Senado às regras sobre processo e julgamento dos crimes de
responsabilidade, conforme art. 38 da Lei nº 1.079/50.

Especialmente o presidente da república não está sujeito à prisão cautelar, mas


somente por crime comum e após decisão penal condenatória (não precisa estar
transitada em julgado, ou seja, após coisa julgada formal) por ato ocorrido durante
seu mandato, conforme art. 86, §§ 3º e 4º, da CF.

Competência para legislar sobre


crimes de responsabilidade
É importante salientar que a Lei nº 1.079/50 é lei federal, por se tratar de uma
legislação que deve ser utilizada em todas as esferas de poder, ou seja, se aplica
à União, Estados, Distrito Federal e municípios. Em outras palavras, os Estados
e municípios não poderão criar leis que tratem de crimes de responsabilidade,
ainda que possam as câmaras municipais julgarem os prefeitos por crimes de
responsabilidade, conforme o Decreto-Lei nº 201/67, porém os crimes e as regras
processuais somente poderão ser criados pela União.

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Saiba mais
Leia mais sobre o os crimes de responsabilidade consultado
o glossário legislativo da Câmara dos Deputados em: https://
www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/crime-de-
responsabilidade.

Sujeitos do crime de responsabilidade


Os crimes de responsabilidade podem ser praticados por, além do presidente da
República (art. 86, CR), o vice-presidente da República, os ministros de Estado e os
comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os ministros do Supremo
Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado-geral
da União (art. 52, I, CF); Governadores de Estado e Secretários de Estado (art. 74, Lei
nº 1.079/50).

A Lei nº 1.079/50 estende o processo e julgamento por crimes de responsabilidade


a outras pessoas. Porém, membros desses mesmos órgãos mencionados
anteriormente, como por exemplo, membros do Tribunal de Contas.

Ação penal popular


Os crimes de responsabilidade, por serem uma sanção político-administrativa, sua
ação penal possui denominação distinta das ações penais por crimes comuns.

Curiosidade
Ação penal popular: Trata-se da ação prevista nos arts. 14 e 41
da Lei nº 1.079/50, haja vista que os crimes previstos na CF e,
principalmente, na Lei nº 1.079/50, podem ser denunciados por
qualquer pessoa.

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Crimes em espécie
Os crimes estão previstos na CF:

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério


Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. (BRASIL, 1988)

Esses crimes estão elencados no art. 4º da Lei nº 1.079/50, incluindo neste artigo
4º o inciso VII, que prevê ato contra a “guarda e o legal emprego dos dinheiros
públicos” (BRASIL, 1950).

Processo e julgamento
Apesar de ser um processo e julgamento de caráter político e não jurisdicional, não
poderá a votação proferida pelos parlamentares ser em caráter sigiloso.

Nos crimes de responsabilidade do presidente da República, como forma de


exemplificar a forma para os demais chefes do executivo, tudo se inicia com puma
denúncia apresentada ao Presidente da Câmara dos Deputados, que poderá ou não
recebê-la. Porém, se rejeitar, o deve fazer de forma fundamentada. Caso rejeite,
cabe recurso para o Plenário da Câmara, conforme art. 218, § 3º, do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados (RICD), de 2019.

Na figura a seguir, acompanhe um esquema que simplifica o funcionamento do


processo de julgamento para os chefes do executivo.

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Julgamento dos chefes do executivo

Crime de 1ª fase - Câmara 2ª fase - Crime de


responsabilidade responsabilidade

Presidente da
República

Crime comum 1ª fase - Câmara 2ª fase -


Supremo Tribunal
Federal

Crime de Tribunal Especial (art. 78, § 3º, da Lei nº


responsabilidade

Governadores

Crime comum Superior Tribunal - 1ª fase - Câmara


l de Justiça (art. 105, § 1º, da CF/88)

Crime de responsabilidade (art. 4º, do Câmara de


Decreto-Lei nº 201/67) Vereadores

Prefeitos

Tribunal de Justiça (art. 29, § X, da CF)


Crime comum ou Tribunal Regional Federal
ou Tribunal Regional Eleitoral

Fonte: Elaborada pelo autor (2020).

No caso da ex-presidente Dilma Rousseff, a admissão da denúncia pelo presidente


da Câmara foi fundamentada com base no art. 10, itens 5 e 6, da Lei nº 1.079/90 e
pelas denominadas “pedaladas fiscais”, previstas, em tese, na tipicidade do art. 85,
§ IV, da CF/88.

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Após, cumpriu-se o disposto no art. 19 da Lei nº 1.079/50:

Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e


despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada
a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar
sobre a mesma. (BRASIL, 1950)

Trata-se de uma comissão formada por 65 deputados federais com 65 suplentes,


com função de analisar a denúncia, na qual elegem um relator.

Notificado o presidente da admissão da denúncia, haverá um prazo de dez sessões


para sua defesa apresentar sua resposta (defesa), seguida de cinco sessões para
que a Comissão apresente um parecer, que será apresentado em plenário para que
seja votada a admissão ou não da denúncia por um quórum de maioria qualificada
de 2/3.

Após a admissão, remete-se os autos ao Senado, que é responsável pelo


julgamento. No caso da ex-presidente Dilma, houve uma reviravolta quanto a essa
questão.

Saiba mais
Até então, o entendimento da doutrina, seguindo o texto
constitucional, é de que a admissão da Câmara vincularia o
Senado. Em outras palavras, havendo autorização da Câmara
dos Deputados, o Senado fica obrigado a instaurar o processo.
Não poderia mais o Senado reexaminar a admissão da Câmara,
instaurando ou não o processo.

Após pronunciamento da Câmara, que faz papel de um Tribunal de pronúncia


(semelhante à primeira fase do rito do Tribunal do Júri), caberá ao Senado somente
processar e julgar, podendo absolver o presidente. Porém, somente ao final do rito,
fazendo papel de um tribunal de julgamento, como se depreende do art. 23, §§ 1º e
5º e arts. 80 e 81, da Lei nº 1.079/50.

No entanto, no julgamento da ex-Presidente Dilma, o STF entendeu de forma


diversa. No bojo da ADPF nº 378 (2015), pronunciou a Suprema Corte que a
Constituição delibera que compete ao Senado, privativamente,

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“processar e julgar” o Presidente, conforme preceitua o art. 52, I e esta
expressão significa todo o processo, incluindo o recebimento da denúncia
até o julgamento final.

A atuação da Câmara dos Deputados deve ser compreendida como uma


etapa preliminar, ou seja, pré-processual, semelhante ao que ocorre na
investigação preliminar ou fase preliminar no rito dos juizados especiais
criminais, onde não há processo, segundo manifestação do Min. Roberto
Barroso, afirmando que “a Câmara apenas autoriza a instauração do
processo: não o instaura por si própria, muito menos determina que o
Senado o faça”.

Dessa forma, recebidos os autos do impeachment no Senado, deverá ser emitido


um parecer, conforme art. 44 a 46 da Lei nº 1.079/50, aplicável por analogia, que
será votado no Plenário para decidir se admite ou não a denúncia, ou seja, pelo voto
da maioria simples. Em outras palavras, dos 81 senadores, devem estar presentes
42 no dia da Sessão, sendo que 22 ao me nos devem votar.

Admitida a denúncia, o presidente é afastado de suas funções por 180 dias,


conforme art. 86, § 1º, II, da CF/88, oferecendo defesa, posteriormente ao
interrogatório, finalizando com o julgamento de 2/3 com a presença dos 81
Senadores. Após o julgamento no Senado, o STF, apesar de presidir o julgamento
por meio de seu presidente, está impedido de alterar o julgamento político dessa
casa legislativa.

Curiosidade
O presidente do STF quando dirige os trabalhos no Senado exerce
uma função híbrida, pois atua como judiciário, decidindo questões
de ordem e eventuais nulidades por violações a garantias
fundamentais, como a ampla defesa, por exemplo, e exerce uma
função política, pois está atuando no legislativo.

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A sentença será formalizada por meio de resolução, e a sanção determinada pelo
Senado não exclui as sanções penais propriamente ditas como o de corrupção
passiva.

As imunidades previstas no art. 86, §§3º e 4º não se estendem aos chefes do


executivo estadual e municipal porque são inerentes àS prerrogativas de Chefe de
Estado.

Conclusão
A discussão maior do tema desta unidade reside na real natureza jurídica dos
crimes de responsabilidade: política ou criminal? É a pergunta a ser feita.

De todas as formas, o processo decorrente dos crimes de responsabilidade, o


impeachment é um procedimento baseado em um juízo político, já que o início
se dá com a proposição do presidente da Câmara dos deputados. Com isso, é
preciso questionar não o instituto em si, mas sim os arranjos políticos que levam o
presidente da Câmara a aceitar ou não o pedido de impedimento.

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Referências
BRASIL. ADPF nº 378. Processo de impeachment – definição da legitimidade
constitucional do rito previsto na lei nº 1.079/1950. 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a


responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. Diário Oficial
da União, 14 mar. 1967.

BRASIL. Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. Define os crimes de responsabilidade e


regula o respectivo processo de julgamento. Diário Oficial da União, 12 abr. 1950.

BRASIL. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 2019.

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