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ISSN 2237-6011 119

Estratégias de ensino coletivo de violão em


um projeto social, com base na pedagogia
dalcrozeana

Natália Búrigo SEVERINO1


Adriana Gasparetto MARTELLI2

Resumo: O presente artigo visa abordar a metodologia do educador musical Émile


Jaques-Dalcroze como estratégia de ensino em aulas coletivas de violão, tendo
como material musical norteador a peça “Dona Maria” (Região de Sobradinho
– BA). Trata-se de uma pesquisa-ação in loco estruturada em um planejamento
de oito aulas, em que foram realizadas atividades musicais e corporais cujos
objetivos foram compreender o discurso musical e apresentar a importância do
corpo no processo de ensino-aprendizagem, buscando o aprendizado ativo e
global do indivíduo. Através da observação e análise dos resultados apresentados,
pudemos constatar uma assimilação efetiva dos conceitos musicais aprendidos
a partir das vivências musicais – refletida em uma substancial mudança de
comportamento dos educandos – na composição coletiva de um arranjo e na
performance.

Palavras-chave: Educação Musical. Émile Jaques-Dalcroze. Ensino Coletivo.


Violão. Projeto Social.

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Strategies for collective guitar teaching in a


social project based on dalcrozean pedagogy

Natália Búrigo SEVERINO


Adriana Gasparetto MARTELLI

Abstract: This article aims at approaching the methodology of music educator


Émile Jaques-Dalcroze as a teaching strategy for collective guitar lessons; having
as a guiding musical material the play “Dona Maria” (Sobradinho Region - BA).
This practical, on-site research devised eight classes, in which musical and
bodily activities were performed in order to understand the musical discourse
and present the importance of the body in the teaching-learning process, thus
seeking both the active and the global learning of the individual / the students.
Through the observation and analysis of the results here presented, we were
able to verify an effective assimilation of the musical concepts learned from the
musical experiences - reflected in a substantial behavioral change of the students
- in the collective composition of an arrangement and in the performance.

Keywords: Music Education. Émile Jaques-Dalcroze. Collective Education.


Guitar. Social Project.

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1.  INTRODUÇÃO

Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), educador musical


austríaco, professor do Conservatório de Genebra, desenvolveu
seu método baseado em sua experiência como educador; observou
as necessidades vindas de seus alunos e propôs novas didáticas
alinhadas a um pensamento de que o conhecimento musical não se
dissocia da prática e esta tampouco se dissocia do corpo, que é um
sistema integral.
Segundo Fonterrada (2008, p. 128), “[...] o que Dalcroze
entende por educação musical ultrapassa o conceito comumente
atribuído a essa expressão de ensino de música para crianças”. Para
este, qualquer ação artística é um ato educativo e o sujeito é a quem
a educação se destina, independentemente se for adulto, idoso,
criança. Seu método se dedica ao movimento de competências
individuais e, no que se refere à vivência do aluno e do seu “[...]
desenvolvimento das capacidades psicomotoras, sensíveis, mentais
e espirituais, é também pensado como agente de educação coletiva”
(FONTERRADA, 2008, p. 128).
Seu sistema, “Rythmique” (Rítmica), condensa todo seu
pensamento, com base em suas experiências e observações,
relacionando-se diretamente à educação geral e fornecendo
instrumentos para o desenvolvimento integral da pessoa por meio
da música e do movimento; desenvolvendo a escuta ativa, a voz
cantada, o movimento corporal e o uso do espaço. Porém, a Rítmica
é um meio de se estabelecer compreensões e não a finalidade do
método. A finalidade da Rítmica “[...] é permitir que os alunos,
ao final de seus estudos, digam não apenas eu sei, mas eu sinto”
(JAQUES-DALCROZE, 1917, p. viii apud MADUREIRA, 2012,
p. 5, destaques do autor).
Sobre esse sentir a música, Fonterrada (2008, p. 133) explica:
[...] A música não é um objeto externo, mas pertence,
ao mesmo tempo, ao fora e ao dentro do corpo. O corpo
expressa a música, mas também transforma-se em ouvido,
transmutando-se na própria música. No momento que
isso ocorre, música e movimento deixam de ser entidades

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diversas e separadas, passando a constituir, em sua


integração com o homem, uma unidade.
Segundo Dalcroze ([s.d.] apud RODRIGUES, 2018, p. 28),
“[...] as sensações musculares enriquecem o cérebro de imagens
motrizes”. Assim, quanto mais se estimulam essas sensações
musculares, mais claras e precisas são essas imagens. E para a
criança, o corpo é seu primeiro brinquedo, é através dele que toma
consciência de seu meio e de seus sentimentos. Madureira (2012)
aponta que Dalcroze buscou nas expressões corporais um meio
para simbolizar a linguagem musical; esse processo foi chamado
Plástica Animada. Para cada elemento musical, como fórmulas de
compasso, figuras rítmicas, frases, alturas, acordes, entre outros
aspectos, havia um gesto correspondente. Essa linguagem é um dos
três pilares da Rítmica, juntamente com solfejo e improvisação.
Busca-se trabalhar a escuta ativa, a sensibilidade motora, o sentido
rítmico e a expressão.
Dessa forma, compreendemos a importância do corpo no
fazer musical não como instrumento passivo que desempenha a
função de execução de um outro instrumento ou canto, mas sim
como elemento central e ativo para a vivência musical que se reflete
na excelência do aprendizado e da performance.
É possível fazer um paralelo entre a metodologia dalcrozeana
e o movimento construtivista: busca do aprendizado pelo aluno
através dos estímulos mediados pelo professor, com o objetivo
da construção do sujeito autônomo. Segundo Feitosa ([s.d.]), o
construtivismo é uma concepção de conhecimentos e não um
método: “Supõe uma determinada visão do ato de conhecer”
(FEITOSA, [s.d.], p. 1). Jean Piaget, biólogo suíço, posteriormente
se dedicou à psicologia e à epistemologia da educação; foi, segundo
Ferrari (2008), o nome mais influente no campo da educação
durante a segunda metade do século XX:
Para o cientista suíço, o conhecimento se dá por descobertas
que a própria criança faz […]. Vem de Piaget a ideia de que
o aprendizado é construído pelo aluno e é sua teoria que
inaugura a corrente construtivista (FERRARI, 2008, p. 3).

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Para Piaget, o conhecimento é uma atividade que se constrói


incessantemente, “[...] por meio de permutas entre organismo e o
meio” (FERRARI, 2008, p. 3).
Assim como ele, segundo Feitosa ([s.d.]), Paulo Freire
reconhece homens e mulheres como sujeitos produtores da cultura
e do conhecimento, em um processo permanente:
É na inconclusão do ser que se sabe como tal, que se funda a
educação como processo permanente. Mulheres e homens
se tornam educáveis na medida em que se reconhecem
inacabados. Não foi a educação que fez homens e mulheres
educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que
gerou sua educabilidade (FREIRE, 1996, p. 58).
Para o construtivismo, como aponta Feitosa ([s.d.]), o
educador é mais do que um transmissor do conhecimento, é um
sujeito que acompanha o educando, conhece como ele aprende,
quais os conhecimentos que constrói, quais conflitos cognitivos
tem e como é possível resolvê-los. Nessa atuação, ao educador são
exigidas pesquisa e reflexão crítica sobre a prática, e análise de seus
alunos para ajudá-los a ampliar os conhecimentos.
Para Freire (1996), o educador deve pensar constantemente
sua prática, para assim possibilitar a autonomia dos educandos e
a construção de uma aprendizagem libertadora, ou seja, crítica.
Em Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática
educativa, Freire (1996) disserta sobre o respeito à autonomia do ser
educado: “[...] saber que devo respeito à autonomia e à identidade
do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este
saber” (FREIRE, 1996, p. 61). Feitosa ([s.d.]) explica que essa
autonomia “[...] não é só prerrogativa do educador, tampouco dos
gestores e especialistas em educação. É deles, como é também dos
educandos” (FEITOSA, [s.d.], p. 6). As mudanças ao longo do tempo
sobre a troca do eixo do pensamento pedagógico do professor para
o aluno refletem as próprias mudanças do significado da palavra
pedagogia.
Segundo o dicionário Dicio – Dicionário Online de Português
([s.d.]), pedagogia é definida como:

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Ciência cujo objeto de análise é a educação, seus métodos


e princípios; reunião das teorias sobre educação e sobre
o ensino. [Por Extensão] Reunião das práticas e métodos
que garantem a adequação entre o conteúdo didático e as
pessoas que se utilizaram dele (DICIO, [s.d.], [n.p.]).
Porém, há pesquisas que defendem a ampliação de seu
significado. A pedagogia, enquanto teoria da educação, tem uma
importância incontestável na orientação da prática educativa.
A proposta de Pinto (2008, p. 1) é identificar a pedagogia
como campo de conhecimentos sobre a educação, pois “[...] não
se trata apenas de teorias científicas, na medida que envolve
outras formas e outros tipos de conhecimento”. O autor também
afirma, justificando a ampliação do conceito, o fato da pedagogia
não ser simplificada apenas à transferência de teorias científicas,
ou ao ensino bancário. Essas reflexões estão em sintonia com as
teorias construtivistas e freirianas, que também dialogam com a
metodologia de Dalcroze, refletindo sobre para quem ensino, o que
ensino e de que maneira ensino; e o que o educando tem a colaborar
através dos saberes que estão dentro dele.

2.  METODOLOGIA

Esta pesquisa teve caráter qualitativo, pois segundo Lüke e


André (1986, p. 13 apud SEVERINO, 2014, p. 62):
[...] envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contado direto do pesquisador com a situação estudada,
enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa
em retratar a perspectiva dos participantes.
O método de intervenção escolhido foi a pesquisa-ação,
partindo
[...] do pressuposto de que pesquisa e ação podem e devem
caminhar juntas, e devem ter por objetivo não apenas
descrever ou compreender determinada realidade social,
mas também transformá-la (SEVERINO, 2014, p. 64).

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3.  RESULTADOS

Após oito aulas de prática e observação do desenvolvimento


individual e coletivo dos alunos, seguem alguns apontamentos que
cogitamos serem relevantes.
Ao propor atividades em que se deveria utilizar todo o espaço
da sala, percebemos que foi quebrado o padrão estético da sala de
aula, onde o educador fica à frente e os alunos se limitam aos seus
lugares, geralmente mais recuados. Na primeira atividade, eles
sempre tendiam a formar filas ou círculos para se movimentarem;
após a orientação para não se preocuparem com uma formação e
ficarem livres para andar em qualquer direção, tomaram melhor
consciência do espaço.
A leitura de posturas foi um recurso fácil para visualizar a
posição das notas e o resultado foi excelente. Mesmo quando havia
alguma dificuldade na leitura convencional, recapitulavam-se as
posições e os alunos conseguiam fazer a relação e compreender.
Ao tocar a melodia da música, fazendo a leitura de fragmentos
dela, na pauta, os alunos verbalizaram a preferência de cantar e tocar
ao mesmo tempo. Durante a prática da leitura de alturas era sempre
pedido que eles falassem o nome das notas, depois a professora
tocava a melodia e eles cantavam juntos, e o último estágio era a
prática dos alunos tocando e cantando.
Os alunos se tornaram mais proativos, e as mudanças de
comportamento enriqueceram o aprendizado da turma. Durante
o processo de realização do arranjo da música, alunos que
dificilmente se expressavam deram ótimas sugestões de forma
musical, discutiram a divisão dos naipes e quem tocaria cada parte.
Esse arranjo foi realizado coletivamente e proporcionou aos alunos
além de criação, diálogo e respeito às ideias dos colegas. Ainda
em relação à criação, em outras atividades que proporcionavam
a composição, os alunos começaram a ter noção de dificuldade:
quando se propunha que criassem uma sequência rítmica e melódica,
logo pensavam em sequências difíceis, mas perceberam que isso
dificultaria a performance; então, começaram a sugerir notas sem
muitos saltos, procuravam tocar também notas em corda solta. Na

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questão rítmica, utilizavam semínimas e mínimas para facilitar a


prática.
Tecnicamente esses resultados também foram percebidos no
instrumento. Após as vivências musicais, ao passar da linguagem
corporal para o violão, foi possível averiguar a compreensão dos
assuntos abordados na segurança em que apresentavam ao tocar.

4.  DISCUSSÃO

Dialogando com os principais educadores musicais da primeira


e segunda geração de educadores, o Projeto Guri (ASSOCIAÇÃO
AMIGOS DO PROJETO GURI, 2010), projeto sociocultural no
qual a pesquisa foi realizada, é mantido pela Secretaria de Cultura
e Economia Criativa do Estado de São Paulo, está estabelecido no
estado há 24 anos e oferece, nos períodos de contraturno escolar,
aulas coletivas de música para crianças e adolescentes entre 6 e
18 anos. O Projeto tem como cerne da base pedagógica-musical o
teórico e educador Keith Swanwick e seu modelo C(L)A(S)P.

O polo de ensino escolhido para realização das atividades


está localizado no município de Brodowski, gerido pela Regional3
de Ribeirão Preto. A classe que definimos para realizar as práticas
musicais é a turma A (turma que inicia o aprendizado do instrumento)
do curso de violão, no qual a autora Adriana Martelli é educadora;
nela estão matriculados dez4 alunos com idades entre 9 e 13 anos.
A escolha da peça “Dona Maria” – inserida no livro de
coletânea de canções de Ermelinda Paz (2010), intitulado: 500
canções brasileiras – deu-se pela necessidade de ensinar e promover
o aprendizado musical e técnico do instrumento que essa música
apresenta: a leitura musical tradicional (partitura) de melodias,
fazendo com que o aluno reconheça graus conjuntos, saltos; o
reconhecimento e a leitura de figuras rítmicas como colcheias, pausa
de colcheia, compasso acéfalo, anacruse e ligadura de duração, de
3
“Regionais são unidades descentralizadas de atendimento administrativo, social e educativo-musical.
” (AAPG, 2ª ver. 2015/2016, p. 23)
4
O número máximo permitido para matrícula de alunos em uma classe de violão é de 12 alunos.

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maneira orgânica; e a compreensão de pulso, compasso binário,


modo mixolídio, frase musical e anacruse.
A proposta e a realização das atividades musicais tiveram
como objetivo final a leitura musical de maneira que o aluno
vivenciasse e internalizasse os conhecimentos, proporcionando um
aprendizado com consciência corporal, sem causar tensão durante
o processo e a prática, e que esses fatores lhe proporcionassem
fluência no âmbito da performance.

As atividades

Elencamos quatro atividades – descritas a seguir - baseadas


em parâmetros que achamos importantes para proporcionar a
sensibilização do indivíduo, a vivência, o entendimento e a prática
musical para a performance da peça “Dona Maria”. Os parâmetros
que julgamos necessários na abordagem são: pulso, criação, aspecto
modal, leitura, tempo – contratempo e escalas – arpejos.

Bexigas: pulso

Objetivos: desenvolver consciência de pulso, realizar


apreciação musical de músicas no modo mixolídio, favorecer
concentração, estimular a consciência corporal e a motricidade.
Conteúdos: marcação rítmica, exploração corporal, apreciação
musical, força motriz.
Procedimentos metodológicos: os alunos tiveram inicialmente
um momento de apreciação musical, em que ouviram a música que
foi base para a atividade: “Toada desafio” (Capiba). As bexigas
foram distribuídas, e a música colocada pela segunda vez. Os
alunos foram orientados a bater nas bexigas (jogando-as para o
alto) no pulso da música; para isso, precisaram, além de ouvir a
música, pensar na força com que teriam de tocar a bexiga para que
ela voltasse no tempo adequado para ser impulsionada novamente
para cima, no tempo da música.

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O terceiro estágio foi a orientação das partes do corpo que


deveriam tocar a bexiga: primeiro, as pontas dos dedos; depois,
mãos e braços; em seguida, cabeça e ombros. Dessa vez, foi
colocada a música “Baião de ninar” (Edino Krieger). Às vezes, os
alunos se esqueciam um pouco do pulso pela vontade de tocar a
bexiga, o que se considera totalmente normal para uma primeira
atividade como essa, pois como orienta Iramar Rodrigues, o pulso
deve ser executado de maneira orgânica, não se deve forçar a
precisão rítmica, ela deve aparecer naturalmente e com a prática,
respeitando o desenvolvimento de cada aluno (RODRIGUES,
2018, p. 52). É importante observar que, mesmo sendo lúdica, a
atividade tinha como um de seus objetivos proporcionar a escuta
ativa, o que foi comprovado pelas observações dos alunos sobre a
curiosidade dos instrumentos presentes na gravação, assim como a
melodia, contraponto e ritmo.
Para finalizar, foram usadas as partes inferiores do corpo:
joelhos e pés; primeiro separados, depois misturados. No último
momento, os alunos puderam tocar a bexiga com todas as partes do
corpo que foram trabalhadas. É necessário lembrar que a utilização
das várias partes do corpo é uma forma de conscientização corporal.
O aluno precisa compreender seu corpo, como se movimenta,
quais suas potencialidades. Segundo Rodrigues, a Rítmica tem
grande importância, pois, através da música, “[...] se pode chegar
à realização da tarefa mais importante na educação musical da
criança, que é sentir seu corpo” (RODRIGUES, 2018, p. 49).
Para a prática no instrumento dessa atividade, foi proposto
que eles tocassem três acordes que já eram de conhecimento
geral. O resultado foi o esperado, eles facilmente associaram os
movimentos corporais à mudança de pulso e ao toque de polegar
nos acordes. Iramar Rodrigues (2018, p. 44) nos elucida sobre a
importância de o educando ter consciência de seu corpo e do espaço
que ocupa:
Se a criança é bem orientada em seu próprio corpo, e
se orienta bem no espaço, terá menos dificuldades na
aprendizagem de leituras e da escrita. Alguns problemas
escolares neste sentido, são devidos, às vezes, a problemas
relacionados com percepção espacial e temporal

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Chamada musical: modo mixolídio e criação

Objetivos: tocar escala modal, aprender acidente sib, encontrar


outros sib nas regiões do braço de violão, desenvolver digitação de
mão esquerda, compor frase musical utilizando a nota aprendida.
Conteúdos: notas musicais, exploração das notas no braço do
violão, estímulo a criação musical, percepção, composição coletiva.
Procedimentos metodológicos: para essa atividade, os alunos
já tinham o conhecimento da escala de dó maior; partindo desse
ponto, foi apresentada a eles a nota sib na terceira corda do violão.
Foi proposto que eles encontrassem outros sib nas regiões em que
eles já tinham a prática da escala.
Para fixar o aprendizado e incentivar a criação musical,
foi proposto que compusessem uma frase musical curta em que
deveriam necessariamente usar a nota sib, para que memorizassem
sua localização, e que, a partir daquela aula, seria a resposta de cada
aluno na chamada no início de cada aula. O momento de criação
individual foi realizado com todos ao mesmo tempo, assim o aluno
não se sentiu constrangido em expor suas primeiras composições.
Os alunos criaram também uma frase comum para simbolizar as
ausências dos alunos: tocaram o sib grave (na 5ª corda) no ritmo do
baião. Apesar de ser uma orientação que seria dada em seguida, a
sugestão dessa composição veio dos próprios alunos. Nessa fase da
atividade, é possível observar a criação individual e a coletiva, em
que os alunos precisaram ouvir, pensar, dialogar e concordar, para
definir uma única frase que todos iriam tocar.
Com as frases compostas, no início de cada aula seguinte
a educadora passou a tocar uma harmonia com o ritmo do baião
fazendo a chamada dos alunos; eles ouviam o tempo musical para
iniciarem sua frase resposta. Para além da atividade de criação e
de conhecimento de uma escala modal, é possível explanar sobre
frases pergunta-resposta, sendo a chamada exemplo dessa prática.
Sendo a improvisação um dos pilares da pedagogia de
Dalcroze, ele ressalta a importância da prática para proporcionar ao
aluno “pensamentos musicais próprios” (MARIANI, 2012, p. 40).

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Me parece que a faculdade de improvisar deveria ser


cultivada desde o início dos estudos musicais. Parece inútil
ensinar uma técnica a alguém que não tenha o desejo de se
servir da mesma para um fim pessoal. É muito belo saber
exprimir as ideias dos outros, mas é preciso mesmo assim
saber exprimir de tempos em tempos as suas próprias
ideias (DALCROZE, 1948, p. 114 apud MARIANI, 2012,
p. 45).
Contrariamente às ideias de Dalcroze, é observada no ensino
tradicional de instrumento uma prática tardia do improviso e
consequentemente da criação musical. A ideia do inventar para as
crianças soa mais natural do que improvisar, e, com essa adaptação
de linguagem, a criação aconteceu naturalmente.
Foram analisadas as soluções técnicas – digitação de mão
esquerda – que os alunos deram para suas próprias criações, com
o intuito de desenvolver a autonomia nas digitações, encontrando
caminhos que estivessem dentro da técnica do violão e que, ao
mesmo tempo, facilitassem sua execução.

Leitura de posturas: leitura rítmica

Objetivos: iniciar e desenvolver a leitura rítmica através da


leitura relativa de posturas – pré-determinadas – para cada figura
musical (mínima, semínima, colcheia e respectivas pausas) presente
na peça a ser aprendida; criar sequências rítmicas através dessas
posturas proporcionando vivência musical para melhor assimilação
do aprendizado e apropriação dos conteúdos.
Conteúdos: marcação de pulso, leitura e escrita rítmica,
mínima, pausa de mínima, semínima, pausa de semínima, colcheia,
pausa de colcheia, ligadura de valor, tempo, contratempo, criação e
coordenação motora.
Procedimentos metodológicos: após o entendimento de pulso,
é apresentada de maneira auditiva – através do violão – a semínima;
sempre com a marcação do pulso feita por eles. É pedido para alguns
voluntários se posicionarem com a postura (pré-determinada) de
semínima; os alunos que restaram sentados tocam a sequência de

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posturas. Para simbolizar a pausa, retira-se um aluno, e o grupo


de performance toca nova sequência rítmica. Repete-se o mesmo
processo com a mínima e a pausa de mínima, compreendendo que é
uma figura cuja duração são dois pulsos. Entendido isso, é sugerido
que insiram as colcheias e pausas de colcheias com sua respectiva
postura. Nesse ponto, já é possível iniciar a sequência rítmica da
música que será aprendida. Os alunos do grupo de performance
fazem primeiro uma leitura cantada, marcando o pulso com palmas;
depois leem no violão com uma nota definida por eles. Os grupos
de performance e de posturas se revezam durante o exercício para
que todos possam ter a experiência das duas práticas. No final desse
processo, é importante mostrar a grafia de cada figura rítmica e
seus respectivos nomes. Para a compreensão da ligadura de valor,
é proposto que os alunos deem as mãos, simbolizando a soma dos
valores de um e de outro.
Para uma segunda fase dessa mesma atividade, mais
especificamente, na aula seguinte, é sugerido que os alunos se
dividam novamente em grupos e, usando os conhecimentos
adquiridos na aula anterior, criem uma sequência rítmica para o
outro grupo executar e vice-versa. Após criarem e tocarem, os
grupos escrevem na lousa a sequência rítmica que executaram.

Enrolar – desenrolar. Salto para frente e salto para trás: arpejo e


escala

Objetivos: desenvolver a percepção musical e identificar


auditivamente quando uma sequência melódica é uma escala ou
arpejo, ascendente ou descendente.
Conteúdos: escalas, arpejos, percepção musical e coordenação.
Procedimentos metodológicos: iniciar a atividade tocando
algumas vezes sequências de arpejos e grau conjunto para que os
alunos identifiquem cada uma delas auditivamente. Propor que
façam gestos com as mãos, mostrando a direção da sequência
melódica, ascendente ou descendente e se ocorreu saltos ou grau
conjunto. No terceiro momento, aplicar os movimentos para todo

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o corpo: ao ouvir uma sequência, os alunos devem identificar a


altura e a relação intervalar (escala/arpejo). A escala descendente
é representada pelo enrolar o corpo da postura inicial para baixo,
e ascendente desenrolar o corpo da postura inicial até os braços
esticarem para cima. O arpejo ascendente é representado com saltos
para frente, o descendente com saltos para trás.
Terminada atividade, pede-se para que os alunos identifiquem
tocando o trecho da música que estão aprendendo – “Dona Maria” –,
dizendo em quais trechos há arpejo e em quais há escala. Ao tocarem,
a professora chama a atenção para o salto de cordas no violão,
que normalmente acontece quando temos a realização de arpejos.
Para a última etapa, pode-se pedir aos alunos que façam desenhos
das sequências presentes na peça (de maneira gráfica, como eles
imaginam um som descendo e subindo), passando da linguagem
corporal – enrolar, desenrolar e saltos – para a linguagem gráfica;
visualizando o movimento melódico que aparecerá posteriormente,
quando tiverem contato com a partitura.
Percepção não é uma atividade de fácil desempenho, mas é
de grande importância para o músico e para o estudante de música,
portanto sua prática deve ser constante, de maneira a sensibilizar o
indivíduo para a escuta. Mantovani (2009) aponta a importância da
escuta e sua externalização a partir do movimento nas práticas de
Dalcroze ([s.d.] apud MANTOVANI, 2009, p. 45):
Segundo Dalcroze, a educação musical deveria partir
da audição, levando em consideração que todo o corpo
é passível de ouvir, externalizando, pelo movimento
corporal, os elementos musicais ouvidos e sentidos.
Para ele, o movimento corporal é imprescindível para
a ampliação da consciência rítmica e dos fenômenos
musicais.
Santos (2001 apud MARIANI, 2012) faz uma análise acerca
das propostas pedagógicas de Dalcroze, que nos faz refletir sobre a
prática dessa atividade:
Dalcroze tem como premissa a ideia de uma memória
corporal, realizada por outras partes do corpo, além do
ouvido, numa espécie de sinestesia. […] Ele traz para
uma discussão atual a transversalidade de Dalcroze numa

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prática ‘tátil-cinestésico-visual-auditiva’ (SANTOS, 2001


apud MARIANI, 2012, p. 32).
Sendo assim, percebemos que as relações feitas entre corpo e
escuta auxiliaram na memorização e na compreensão dos elementos
estudados. Por meio da rítmica é possível, então,
um refinamento dos sentidos por meio de uma escuta
atenta e de atuação do corpo como uma unidade, os quais,
através da sensorialidade e da sensibilidade, conduzem, a
uma consciência auditiva (MARIANI, 2012, p. 32).

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pedagogia de Dalcroze, como aponta Mantovani (2009),


é datada do início do século XX, porém sabe-se que antes, no
século XIX, já apresentava suas ideais em suas aulas e na escrita
de artigos. Uma vez que sua metodologia visa ao desenvolvimento
global do indivíduo, trazendo uma proposta oposta a uma formação
individualista e tecnicista, suas ideais continuam atuais e dialogam
diretamente com o pensamento freiriano e piagetiano na construção
integral dos saberes do indivíduo em busca de sua autonomia.
Com a prática das atividades propostas e, consequentemente,
com uma aula mais dinâmica, é possível afirmar que os alunos se
mostraram mais proativos e confiantes; impacto positivo e elemento
fundamental na busca da autonomia. É possível relacionar esse
comportamento de sentirem seguros ao fato de que eles tinham
certeza do que haviam aprendido. O processo de realização do
arranjo coletivo proporcionou aos alunos além de criação, diálogo
e respeito às ideias dos colegas.
Como parte do processo, para a compreensão dos elementos
musicais apresentados, na última aula foi distribuída aos alunos
a partitura integral da canção “Dona Maria” como proposta de
uma peça-desafio para tocarem, e o resultado foi positivo: leram e
compreenderam o discurso musical ali apresentado. Esse resultado
em sala foi também observado na performance da turma ao se
apresentarem na audição de final de semestre, mostrando excelência.

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Como educadoras pensamos que esse foi um processo de


reconhecimento: dos alunos, pela compreensão de suas realidades,
potencialidades e necessidades; da nossa função como educadoras,
em submergir para a compressão dos processos pedagógicos, cuja
finalidade dos resultados não é necessariamente o preciosismo
da prática instrumental, mas a compreensão através da vivência
musical, que quando bem estabelecida, naturalmente se refletirá na
excelência da performance; e de uma análise individual e coletiva
para refletir os resultados obtidos e direcioná-los não apenas como
objetivo final, mas também como linha contínua de um constante
aprendizado. “É também na inconclusão de que nos tornamos
conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura
que se alicerça a esperança” (FREIRE, 1996, p. 58).

REFERÊNCIAS

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