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TRAVESSIA

R e v is t a d o M i g r a n t e

CEM - Centro de Estudos Migratórios


O RETORNO SEGUNDO ADBELMALEK SAYAD
(Federação dos CEMs J.B.Scalabrini)
S id n e i M arco D ó m e la s ....................................... 0 3
Publicação quadrimestral, voltada ao estudo e divul­
gação da realidade do migrante a partir dos diferentes
ramos do conhecimento: social, político, econômico, ABDELMALEK SAYAD:
educacional, cultural, etc. O DESENRAIZAMENTO FEITO LUCIDEZ
A frâ n io G a rc ia ........................................................ 0 5
Diretor
Sidney daSilva
Editores
Dirceu Cutti
O RETORNO
Sidnei M . Dómelas e le m e n to c o n s titu tiv o
Jornalista Responsável da co n d içã o do im igran te
Antonio Garcia Peres (MtB 3081)

Conselho Editorial
Carlos B. Vainer
Dulce Baptista
Francisco Nunes As c a r a c te r ístic a s g e n é rica s ou as
Heinz Dieter Heidemann c o n s ta n te s do fen ô m en o m ig ra tó rio .............. 0 7
Helion Póvoa Neto
José G. Baccarin
José Guilherme C. Magnani A n o çã o de retorn o na p e r sp e c tiv a de
José J. Gebara
Luiz Bassegio
um a antropologia to ta l do ato de m igrar........11
Marilda A. Menezes
Oswaldo M.S. Truzzi
Teresa Sales O retorn o do a u sen te:
um a em preitada de tod a a a u sê n c ia .................16
Conselho Consultivo
Alfredo J. Gonçalves
Cláudio Ambrozio
A a u sên cia é um a fa lta ...........................................18
Edgard Malagodi
Ermínia Maricato
Marilia P. Sposito
Milton Schwantes O retorn o co m o p rod u to do
p en sa m en to de E sta d o ..........................................2 0
Autor: Abdelmalek Sayad
Tradução: Ana Cristina Arantes Nasser
Margarida Maria de Andrade
Sidnei Marco Dómelas Im igração de trabalho e Im igração
Capa: 2M Criação e Produção Gráfica Ltda de P ov o a m en to ........................................................ 2 4
Editoração Eletrônica
Dirceu Cutti
Impressão
Gráfica e Editora Peres Ltda - Fone:(011)7209.1387 In serção e re-in serção: a c o n tin u id a d e
Endereço para Correspondência de um a m esm a relação de fo rça s..................... 2 7
Rua Vasco Pereira, 55 - Liberdade
01514-030 São Paulo/SP - Brasil
Fone: (011)278.6227-Fax: (011)278.2284
E-Mail: cemsp@cidadanet. org.br
A rein serçã o c o m o afirm ação da
http://www. scalabrini. org id en tid a d e n a c io n a l do p aís
de em igração.............................................................3 0
Os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores
TRAVESSIA

O RETORNO
SEGUNDO ABDELMALEK SAYAD
jm V rite s de a p re s e n ta r este n ú m e ro e s p e c ia l da Travessia, h á ta n to te m p o
u p ro m e tid o , com o te x to c a tiv a n te d o so ciólog o a rg e lin o , ra d ic a d o n a F ra n ­
j é ça, A b d e lm a le k Sayad, tem os o d e v e r de p e d ir d escu lp as aos assinantes
JLL, de nossa re v is ta . A fin a l, este te x to f o i o b je to de um a e n tu s iá s tic a p u b lic i­
dade n a q u a rta capa d o n ú m e ro 2 3 , de se te m b ro de 1 9 9 5 , q u a n d o d iz ía m o s q u e “ em
b re v e ” n ó s o c o lo c a ría m o s á d isp o siçã o de todos... A p re p a ra ç ã o d o te x to p a ra p u b li­
cação c u s to u -n o s , n a verdade, m a is de q u a tro anos, fr u to de tra b a lh o s , esperas e c o n ­
tra tem p o s.
N o in íc io de 9 5 , recebem os a in d ic a ç ã o d o n o m e de S a ya d p a ra a p re p a ra ç ã o de um
a rtig o p a ra o n ú m e ro sobre “R e to rn o ” (tC 2 2 ). D ia n te das d ific u ld a d e s p a ra c o n ta tá -
lo , s e rv im o -n o s d o a p o io de nossos colegas d o CIEMI-Centre d'Information et Études
sur les Migrations Internationales, em P aris, n a pessoa de L o re n z o P rencipe. A p e s a r de
a lg u m a in s is tê n c ia , d u ra n te m eses n ã o o b tive m o s q u a lq u e r resposta p o r p a rte d o a u ­
to r, a té q u e às vésperas d o e n v io d o n ° 2 2 da Travessia p a ra a g rá fic a , recebem os, p e lo
c o rre io , as p rim e ira s p á g in a s d o q u e v iria a s e r o te x to q u e o ra apresentam os. Ficam os
e n tre a d m ira d o s e d e silu d id o s, p o is a re v is ta já estava p ro n ta . A lg u m a s sem anas m a is e
recebem os, via C IE M I, o tra b a lh o c o m p le to ju n ta m e n te com um a c a rta de Sayad:

Dommartin, 13 de julho de 1995


Caros Senhores,
Antes de mais nada, gostaria que me desculpassem pela grande demora na redação deste
texto. Agradeço de todo coração pelo convite e pela oportunidade e, sobretudo, pela liberdade
que vocês me deram para escrevê-lo. Eu não sei se a minha abordagem do tema do retorno
atende as vossas expectativas. Eu não estou certo disso. Eu nada sei sobre os movimentos migra­
tórios internos no Brasil e sobre o comportamento dos migrantes brasileiros, de uma região a
outra. Preferi tratar daquilo que acredito conhecer melhor. Nesse meio tempo, recebi o número
da Travessia dedicado ao tema do retorno, o que mostra que meu texto chega tarde, o que não
me surpreende, pois a culpa é minha. Apesar disso, eu o deixo à vossa disposição, esperando que
encontrem nele algum proveito, e que talvez possam utilizá-lo em uma outra publicação. Vocês
têm plena liberdade de dispor dele como e quando quiserem.
Agradecendo vivamente e renovando minhas desculpas, envio-lhes minhas mais cordiais
saudações.
A. Sayad

Logo p erceb em os a q u a lid a d e d o te x to q ue tín h a m o s em m ãos, a p e sa r de e x tre m a ­


m e n te lo n g o p a ra os p a d rõ e s da nossa re vista . O fa to de re ce b e rm o s um a c a rta tão
c o rd ia l d o a u to r n ã o d e ix o u de s e r g ra tific a n te , s o b re tu d o p a ra q u e m já c o n h e cia a n ­
te rio rm e n te a fo rç a de suas pesquisas n a França. A s reações de a d m ira ç ã o de c o la b o ra ­
d o re s da Travessia, q u e já co n h e cia m o n om e de Sayad, te rm in a ra m p o r re fo rç a r a
ce rteza so b re a im p o rtâ n c ia d o m a te ria l q u e tín h a m o s em mãos. T ratava-se de um
tra b a lh o de g ra n d e v a lo r q u e d e ve ria s e r s o c ia liz a d o aos le ito re s d a Travessia e a todos
os in teressa do s em c o n h e c e ra re a lid a d e da m ig ra ç ã o e d o m ig ra n te . F o i esse e n tu sia s­
m o q u e n o s le v o u a a n u n c ia r “p a ra b re v e ” a p u b lic a ç ã o d o texto, n o fin a l de 9 5 , q u a n ­
d o já tín h a m o s um a p rim e ira e a in d a m u ito p re c á ria tra d u ç ã o d o te x to em francês.

T ravessia Especial / Janeiro / 2000 - 3


E n tre ta n to , a ta re fa re v e lo u -s e m u ito m a is d if íc il d o q u e im a ginavam os. S ayad era
u m a u to r e spe cia lm e n te co m p lexo \ p rin c ip a lm e n te p e lo m o d o co m o escrevia e a b o r­
dava os seus temas. O nosso te x to dem andava u m im p o rta n te tra b a lh o de revisão.
Pessoas fo ra m co n vid a d a s p a ra a e m p re ita d a , m as p o r um a sé rie de razões n ã o p u d e ­
ra m a s s u m i-la . O u tra s co m eçaram , com e ntu sia sm o e vontade de c o n tr ib u ir p a ra a
Travessia, m as se v ira m im p e d id a s p o r vá rio s p ro b le m a s - in c lu s iv e a d ific u ld a d e de
e n fre n ta r o á rd u o te x to o rig in a l, q ue tam bém p re c is a v a de um a revisão. O im passe
in s ta lo u -s e , e se m a n te ve p o r m u ito tem po.
F o i quando, n o in íc io de 1 998, Sayad veio a falecer, e o C IE M I, com q uem ele h a via
ta n to co lab o ra do , p u b lic o u este te xto em sua re v is ta Migrations Société, co m o fo rm a de
hom enageá-lo. Se n u m p rim e iro m o m e n to fica m o s decepcionados, p o is havíam os p e r­
d id o a e xclu sivid a d e de sua p u b lica çã o , p o ste rio rm e n te , o co n ta to com o te x to p u b lic a ­
d o em fra n c ê s re s u lto u em u m n o v o e stím u lo p a ra a re tom ad a da tradução, um a vez
q u e este apresentava um a re visã o d o o rig in a l, o q ue n os a ju d o u a s u p e ra r m u ita s das
d ific u ld a d e s q u e encontravam os. A p a r tir de 9 9, re tom am os os tra b a lh o s n u m ritm o
m u ito m a is in ten so , o q ue p e rm itiu q ue ele pudesse v ir à lu z nesse com eço de ano.
A ssim , é co m sa tisfa çã o q u e a prese nta m o s agora, em p o rtu g u ê s , este te x to de
Sayad. Podem os d iz e r q u e ele s in te tiz a m u ito bem os fru to s dos tra b a lh o s e id é ia s
d e se n vo lvid o s p o r este a u to r a p ro p ó s ito da m ig ra çã o . A sua g ra n d e o rig in a lid a d e
s a lta aos o lh o s : p rim e iro , n a abordagem da m ig ra ç ã o co m o fa to s o c ia l to ta l, em que
le v a em co n sid e ra çã o os v á rio s ra m o s das c iê n c ia s hum anas, sem d e ix a r de la d o a
lite ra tu ra ; em segundo lu g a r, p o rq u e o a u to r - p e la sua h is tó ria de vid a e p o r sua
fo rm a ç ã o acad ê m ica - a b o rd o u , de m a n e ira o rig in a l, a m ig ra ç ã o a p a r tir d o p o n to
de vista d o m ig ra n te . Nesse sentido, a c re d ita m o s q u e ele te m m u ito a n o s d iz e i; em
e sp e cia l à q u e les q u e se engajam n os m o v im e n to s so cia is ju n to aos m ig ra n te s n a p e rs ­
p e c tiv a da c o n s tru ç ã o de novas re la çõe s sociais. S ayad é u m c ie n tis ta s o c ia l “ m ig ra n te ”,
q u e estuda a m ig ra ç ã o a p a r tir d o lu g a r s o c ia l dos m ig ra n te s, co m u n ic a n d o -s e (ta m ­
b é m ) co m os m ig ra n te s.
F in a lm e nte , devem os a grad ece r a algum as pessoas que c o la b o ra ra m p a ra que este
te x to viesse à lu z . A gradecem os os co m p a n h e iro s d o C IE M I, p rin c ip a lm e n te Lorenzo
P re n cip e e M y rn a G iovanella, sem a p a rtic ip a ç ã o dos q u a is este tra b a lh o n ã o chegaria
a té nós; e tam bém aos pro fe sso re s A frâ n io G arcia e C arlos V ainer que, n o B ra s il, co n h e ­
ce ra m Sayad e c o la b o ra ra m conosco. Agradecem os, postum am ente, ao Pe. G ia nfa usto
R osoli, q ue d o C SER-Centro S tu d i E m ig ra zio n e Rom a, e n v io u -n o s as fo to s q ue ilu s tra m
estas p ág in as. N o entanto, nossa m a io r d ív id a de g ra tid ã o é p a ra com A n a C ris tin a
A ra n te s N asser e M a rg a rid a M a ria de A nd ra d e, q ue ju n to conosco se esm eraram p a ra
q u e esta tra d u ç ã o pudesse v ir a p ú b lic o . O C E M agradece a todos!
E, co m o n ã o p o d e ría d e ix a r de ser, estendem os nossa hom enagem e a g rad ecim e nto
a A b d e lm a le k Sayad que, a travé s deste seu ú ltim o e scrito , p re s e n te o u -n o s co m um
p e q u e n o tesouro. A ele, que a lç o u vôo d e n tre n ó s ru m o a ú ltim a m ig ra ç ã o a ntes m esm o
de sa b o re a r a p re se n te p u b lic a ç ã o , dedicam os este E special da Revista d o M ig ra n te !

S tJ n e i W a rc o 2 o r n e ic ii

4 - Travessia Especial / J an eiro / 2000


T R A V E SSIA

o doscm niznm cnto feito lucidez

bdelmalek Sayad esteve no Brasil em 1991 e em 1994; seus seminários


para pesquisadores e estudantes de pós-graduação da UFRJ (PPGAS
do Museu Nacional e do IFCS) versaram sobre o itinerário objetivo e a
^ vivência mais recôndita de processos seculares: o colonialismo francés
no norte da África, a emigração de camponeses da Cabilia desde o início do século atual,
a guerra de independência nos anos 50-60, a imigração de argelinos transformada em
questão nacional da política francesa, a favela e os conjuntos habitacionais (as famosas
'cites' parisienses retratadas no film e 'La hainej, como lugares de destino e universo de
reelaboração do espaço citadino e do mundo subjetivo de imigrantes. As gravações destas
palestras são testemunhas de seu entusiasmo em discutir sua obra, de sua abertura em
discutir toda sua vida, quase sempre por mais de cinco horas seguidas...
Fez trabalho de campo junto com antropólogos do Museu Nacional para aprofundar o
diálogo sobre teoria e método onde ganham corpo, inteligibilidade e sabor; participou de
pesquisas em andamento: na Zona da Mata de Pernambuco, na favela da Rocinha,nos
loteamentos clandestinos de Nova Iguaçu e junto ao operariado do ABC paulista. Fez
conferências em São Paulo, fe z questão de conhecer o barroco de Ouro Preto e o rastro da
escravidão. Encarnava a postura reflexiva que acreditava justa para as ciências sociais: a
boa análise sociológica è também um grande exercício de auto-análise. Portador de doen­
ças graves, que lhe obrigavam a hospitalizações frequentes e lhe ceifaram a vida cedo
demais (em 1998), prezava como ninguém os prazeres da comunhão com amigos em com­
panhia de Rebecca, sua esposa; por sorte nossa, a caipirinha bem doce, o feijão com
arroz, não estavam sujeitos às restrições das dietas magras em cereais a que estava obri­
gado tanto em sua terra natal - a Argélia - quanto na França. Sentiu-se no Brasil como
numa nova casa sua, algo como um lugar geométrico entre a Argélia e a França, onde a
modernidade opulenta contrasta com o caráter maciço da pobreza e desemboca em vio­
lência desenfreada. Verbalizou por repetidas vezes que era como se sentisse longe e perto,
à boa distância para pensar, desses dois mundos próximos e antagônicos, que lhe aguçava
a razão e destravava a consciência da dor de estar submetido a todas as urgências. Contra
o racismo de uns, o integrismo de outros, a fuga diante do inevitável, usava sempre como
antídoto a busca constante da compreensão das condições que engendravam o sofrimento,
exibindo uma lucidez dura e cortante como fio de navalha.
Abdelmalek Sayad nasceu em um povoado de camponeses da região montanhosa da
Cabilia em 1933, entre as duas guerras mundiais; único filho homem de fam ília modesta
cujo pai havia sido escolarizado, assim como dois de seus tios, fo i matriculado na escola
francesa em 1941, durante a Segunda Guerra. Como explicou, a obstinação de seu pai lhe
fe z titular de grande privilégio: teve a oportunidade de estudar em escola que abria as
portas para o sistema secundário e superior na França, não ficando condenado às frontei­
ras das escolas destinadas apenas às populações nativas. Para prosseguir os estudos se­
cundários teve que viver em casas de familiares e amigos de cidade próxima de seu povo­
ado de origem, pôde concluir este ciclo em liceu da periferia de Argel quando seu pai para
lá se mudou. Findo o secundário, fe z curso para a Escola Normal em Argel, estabeleci­
mento prestigioso do ensino superior francês encarregado da form ação de professores

T ravessia Especial / Janeiro / 2000 - 5


primários, onde os alunos dispunham de bolsas e de alojamentos especiais durante os
estudos. Ingressou, assim, em estabelecimento de elite que só admitia recrutar 10% de
seus efetivos entre os descendentes de população nativa. Após a formatura, ensinou em
Argel e em locais conhecidos por serem sedes de comandos da Frente de Libertação da
Argélia (FNL). Sua trajetória apresenta, portanto, as marcas daqueles a quem o sistema
de ensino, associado a um fo rte investimento pessoal, em todas as acepções deste termo,
proporciona os instrumentos de mobilidade ascendente no espaço social; mas como nada
os destinava a ocupar as posições efetivamente conquistadas, a postura rejlexiva consti­
tui, nestes casos, tanto um meio de objetivar para tornar conhecido o universo de chegada
quanto um instrumento de sócio-análise.
Entrou mais tarde, em 1958, para a Universidade onde realizou estudos de Psicologia
e, posteriormente, de Filosofia. Em aula sobre Kant, conheceu Pierre Bourdieu, que fora
trabalhar na Universidade de Argel após estudos na Escola Normal Superior de Paris;
Bourdieu prestava então seu serviço militar e com outros especialistas do INSEE - o IBGE
francês - criaram na Argélia um dispositivo de levantamentos estatísticos que equiparou o
sistema loca! ao que passava a existir em Paris. Estes trabalhos reuniram pesquisadores e
estudantes franceses e argelinos e cristalizaram uma rede, a AARDES - Associação Arge­
lina para a pesquisa demográfica, econômica e social - que permitiu a realização dos
estudos materializados em Travail et travailleurs en Algérie. Assim, entre 1959 e 1962,
estreitou-se a parceria e a amizade entre Abdelmalek Sayad e Pierre Bourdieu, que publi­
caram em conjunto, em 1964, Le Déracinement, uma análise excepcional do processo de
expropriação do campesinato argelino de suas condições de existência, através da política
militar de reagrupamento em campos de concentração, e dos fundamentos da desigual
capacidade das fam ílias e dos indivíduos de se apropriarem dos mecanismos inerentes à
economia de mercado. Não se deve esquecer que não é p o r acaso que os trabalhos
etnológicos que assentaram o prestígio de Pierre Bourdieu como antropólogo, particular­
mente sobre a cosmología e o sistema de parentesco cabile, publicados em Esquisse d'une
théorie de la pratique e no Sens pratique, são dedicados a A. Sayad.
Foi no prolongamento das atividades de pesquisa feitas durante a guerra de indepen­
dência, e mesmo na tentativa de fa zer um doutorado em história na França, que Abdelmalek
Sayad emigrou a Paris e começou a trabalhar no Centro de Sociologia Européia, grupo de
pesquisa em que realizou toda sua obra posterior. A princípio só dispôs de empregos pre­
cários na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), chegando apenas a 'chef
de travaux'; só em 1977 ingressou como pesquisador no CNRS, onde acabou por obter o
cargo de 'diretor de pesquisas'. Esta última fa se fo i praticamente dedicada à análise da
imigração como revelador do Estado e da sociedade receptores dos imigrantes, mas tam­
bém e fundamentalmente, dos dilemas e conflitos subjetivos a que está afeito todo aquele
que se desloca de um universo cultural recebido p o r herança ao nascer para outro em que
é confrontado a form as e a forças diferentes das que identifica a priori. Os trabalhos de
Abdelmalek Sayad sobre os processos de emigração e de imigração - movimentos comple­
mentares que só podem parecer idênticos para quem os vê de fo ra e de longe sem buscar
realmente entendê-los - são exemplares do estudo dos significados do 'Estado-Nação' e de
'comunidade nacional' no século XX. O livro póstumo, que acaba de ser publicado, tem
título altamente significativo: “A dupla ausência. Das ilusões dos emigrantes aio sofrimen­
to dos imigrantes”. Seria de se estranhar que seus trabalhos sejam também formidáveis
reveladores dos dramas individuais experimentados por aqueles que atravessam as jron-
teiras do estabelecido e do conhecido?

s4fiâ*ua f a r d a

6 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


O RETORNO
ELEMENTO CONSTITUTIVO
DA CONDIÇÃO DO IMIGRANTE
Se fosse preciso conferir ao fenómeno migratorio, em seu duplo aspecto de emigração e imigra­
ção, assim como em suas formas nacional e internacional, uma definição genérica ou suficientemente
ampia para abranger especialmente todos os deslocamentos que vêm ocorrendo, ao menos após a
metade do século XIX, não se encontraria melhor expressão que a metáfora seguinte, segundo a qual
“a ordem da cidade sempre se alimentou da ordem rural, e a ordem da fábrica (ou do canteiro de
obras) sempre se alimentou da ordem dos campos

As características genéricas ou as
con stan tes do fenôm eno migratório
os limites do território nacional, Américas - e em seguida, mais tardiamente, imi­
com o que se chamou “êxodo ru­ grantes turcos, gregos, portugueses, etc.
ral”, foi inicialmente verdade que No entanto, por sua vez, esta outra fonte de
o mundo rural tenha despejado na cidade sua po­ aprovisionamento de mão-de-obra estrangeira,
pulação, agora tida como suplementar, que por mas próxima, deveria inevitavelmente se esgo­
sua vez absorvia este suplemento, do qual era tri­ tar. Ela se extenuou progressivamente à medida
butária para seu próprio crescimento. E como as que os países fornecedores, apesar da deficiên­
reservas locais se esgotavam, enquanto o mesmo cia econômica atestada precisamente pela emi­
processo de crescimento capitalista - de desvalo­ gração de seus cidadãos, em direção a países mais
rização de um lado, e de urbanização e industria­ ricos, foram se integrando ao mundo desenvolvi­
lização de outro - prosseguia sempre segundo a do. Assim, por oposição aos países do Terceiro
mesma lógica, o êxodo rural do primeiro momento Mundo que os substituem neste papel de forne­
se estendia, a partir daí, numa emigração e numa cedor de imigrantes, eles tendiam a superar o atra­
imigração transfronteiras, além dos limites do ter­ so que os separava dos países utilizadores de sua
ritório nacional, mas que permanecem ainda em mão-de-obra imigrante, para se encontrar quase
grande medida em uma relação de contiguidade. em paridade com eles: os últimos países deste
Na França, este foi claramente, até uma data tipo, a operar a conversão que os dispensaria da
relativamente recente - o período entre as duas emigração de seus cidadãos, seriam aqueles do
guerras, e mesmo mais tarde ainda, após a Se­ sul da Europa (Itália, Espanha, e numa menor pro­
gunda Guerra Mundial -, o caso das imigrações porção, Portugal e Grécia). De países tradicio­
que foram precisamente chamadas de contigui­ nais de emigração, tendem a se tomar países de
dade, todas intra-européias, como por exemplo, imigração ou, pelo menos, de uma imigração “sel­
as imigrações sucessivas de suiços, belgas, itali­ v a g e m Pois, nesta questão, muitos países po­
anos, espanhóis, portugueses, etc., e alargando dem - segundo a posição que ocupam no plano
um pouco mais o círculo dos recrutamentos, a internacional e no sistema mundial de relações
imigração de poloneses, tchecos... de força entre países - ser, ao mesmo tempo, e
A Alemanha conheceu o mesmo processo: ela sem contradição, países de emigração de seus
também recebeu muitos imigrantes, vindos inici­ próprios cidadãos que vão imigrar para países
almente da Europa Central (tchecos, poloneses, mais ricos, e países de imigração para os cida­
austro-húngaros...) - ainda que ela mesma tenha dãos estrangeiros emigrando de países mais po­
deslocado, ou precisamente porque deslocou, en­ bres.
tão, muitos imigrantes, especialmente para as Com efeito, a partir do momento que a mão-

Trav essia E special / Janeiro / 2000 - 7


Foto: UNHCR/22029/05.1992/A. Hollmann
de-obra - “liberada” de seu estado anterior pelas utilizam a mão-de-obra imigrante.
1. Contudo, sob a condição de
que o mercado no qual essa mão- transformações estruturais da economia, a fim de Hoje, mais do que no passado, nunca se in­
de-obra vai ser despejada, mer­ tornar-se disponível para outras utilizações' - sistirá o bastante, sobretudo nesse contexto ge­
cado essencialmente urbano e in­ podia encontrar ocupação dentro do quadro da neralizado de corrida ao trabalho assalariado,
dustrial, possa realmente absor-
vé-la. economia nacional e no interior dos limites do sobre o significado que adquire esse tipo de trans­
território nacional, não houve mais motivo para ferência de mão-de-obra, de um país a outro: tra-
ela emigrar (maciçamente) para fora do país, pro­ ta-se de um modo de relação que atesta funda­
2. Migrações de trabalho, certa- curando em outros lugares o que podia encontrar mentalmente uma relação de dominação, encon­
mente. Mas existem migrações,
por mais reduzidas que sejam, e em nível local ou nacional. Aliás, aí está a signi­ trada no princípio da própria gênese dessas
por quaisquer que sejam as ra­ ficação essencial deste duplo fenômeno da emi­ tranferências, constituindo, inclusive, o padrão de
zões declaradas, que não sejam
de trabalho? Isto é, que não te­ gração (emigração a partir de países “pobres” em medida dessa dominação. Foi sempre assim em
nham implicações no mercado de trabalho assalariado) e da imigração (imigração toda parte? O estado atual das migrações inter­
trabalho? nacionais poderia ter valor paradigmático2.
para países “pobres” em mão-de-obra e, portan­
to, relativamente “ricos” em empregos). Em qual­ Tendo a migração de vizinhança (e de uma
quer nível que se situem os países considerados, vizinhança que não é somente geográfica3) se
3. E também diriamos cultural,
tendo em vista que se fala cada este fenômeno constitui hoje, sem dúvida, um esgotado, e continuando a agir a mesma lógica
vez mais das migrações atuais, indicador mais seguro do desenvolvimento desi­ que já presidira às formas anteriores de emigra­
provenientes de continentes mais
afastados, de menor “proximida­ gual, que separa os países de imigração dos de ção e de imigração, a referida migração suscitará
de cultural"ou, mais exatamente, emigração, assim como da assimetria flagrante e governará o mesmo processo, ampliado agora
de “distância cultural” sempre
maior.
das relações de força (as materiais e, grosso modo, à escala do que se denomina “a economia-mun-
econômicas, e as simbólicas, istc é, de prestígio) do”, segundo os termos de I. Wallerstein. Em ou­
que opõem as duas categorias de países, os do­ tras palavras, e isto porque as mesmas causas pro­
4. Isto é, a busca, grosso modo, minantes e os dominados. Também, a partir do duzem os mesmos efeitos, a busca do trabalho -
do trabalho assalariado, já que
para a população concernente, momento em que um país tido como de emigra­ no sentido conhecido em nossa economia, no sen­
população de proletários, no sen­ ção deixa de sê-lo, pode-se seguramente dizer que tido entendido pela teoria econômica, que é a te­
tido primeiro do termo, ele é o úni­
co meio do qual ela dispõe para atingiu ou tende a atingir o nível de desenvolvi­ oria da economia moderna4- tem se ampliado na
se suprir de dinheiro. mento econômico, principalmente dos países que medida mesma da expansão da economia da qual

8 - Travessia E special / Ja n e iro / 2000


ela é o vetor, a economia capitalista, a única aliás do e para o mundo desenvolvido), que pode dele
existente, de vocação mundial, impondo-se em retirar, como havia feito no passado em seu pró­
todos os lugares por si mesma, e pelo simples prio território - inicialmente cada país, em seus
fato de se propor5. próprios campos e, depois, nos campos dos paí­
5. Ela é a única economia, pois a
Esta força intrínseca da qual é dotada, e a vi­ ses vizinhos -, o suplemento de população do qual outra economia que dela se dife­
olência que carrega em si, estão no fundamento tem necessidade; mas somente quando, onde e rencia não possui sequer um
nome que lhe seja próprio: ela é
da separação que normalmente se faz entre, de em função de suas necessidades. chamada economia pré-capita-
um lado, o mundo desenvolvido, que ¿justamen­ Tendo presente isso e somando-se os efeitos lis ta ; esta só é nomeada tendo
como referência aquilo que ela
te como a terra natal dessa forma de economia, das transformações internas dos países do Ter­ não é, a economia capitalista, a
terras nas quais ela atinge sua plena realização, ceiro Mundo, as quais caminham para uma urba­ única que se sabe nomear. É ,
e, de outro lado, o que hoje se chama o mundo do nização selvagem, dificilmente controlável, che­ segundo a expressão de Max
Weber, “a economia do não eco­
subdesenvolvimento, o Terceiro Mundo, ou seja, ga-se à outra comparação, a da periferia (além nômico’’-. “Este caráter próprio da
todas as terras estrangeiras a “este fato históri- daquela do campo). Agora que o processo se ini­ economia capitalista e - uma coi­
sa levando à outra - a importân­
co-culturar, evocado por Max Weber, e nas quais ciou, o Terceiro Mundo também poderia assu­ cia da teoria da utilidade marginal
esta economia vinda de um outro mundo se trans­ mir, assim como o efeito campo, o papel de peri­ (como de toda teoria do valor)
plantou e se impôs a partir de fora, completamente feria, igualmente sob nova forma, podendo man­ para a compreensão dessa épo­
ca, consistem no fato de que, do
pronta. Não sendo na verdade, como no caso das ter, diante do mundo desenvolvido, a mesma re­ mesmo modo que a chamaram,
sociedades de economia desenvolvida, a inven­ lação homologicamente mantida entre periferia não sem razão, a história econô­
mica de numerosas épocas do
ção intrínseca dessas outras sociedades, que só e cidade neste mundo - entendendo-se que ele aí passado, 'a história do não-eco-
puderam recebê-la contra a própria vontade, e não relegaria (como faz com suas próprias periferias nôm ico'[o grifo é nosso], da mes­
em relação às suas classes sociais mais baixas) ma forma nas condições presen­
sendo uma criação de seu gênio próprio, ela só tes da vida, a reaproximação des­
poderia conhecer nestas terras de expansão uma as populações que esperam para imigrar para seu ta teoria com a realidade, era, é,
forma incompleta, aproximada, como que impro­ território, populações potencialmente candidatas e tanto quanto se possa julgar,
será, cada vez maior e modelará
visada. à emigração, mantidas nessas espécies de perife­ o destino de camadas cada vez
No lugar de invenção, há, no melhor dos ca­ rias em escala mundial, à espera que esta mais amplas da humanidade. É
neste fato histórico-cultural que
sos, adaptação. Assim sendo, pode-se dizer que virtualidade se realize, e que seja do seu agrado reside a significação heurística da
é o mesmo processo que esteve agindo, do êxodo realizá-la. teoria da utilidade marginal”. Max
rural intemo às sociedades industrializadas, che­ Assim, na medida de sua extensão no tempo W EBER, citado em O scar
LANGE, Econom ie Politique,
gando às migrações internacionais e interconti­ e através do espaço, e além mesmo da extrema Problèmes Gènèraux, Paris: PUF,
nentais da época atual, agora que não há mais diversidade de situações às quais esta extensão o 1962, p.396, (Tomo 1).
praticamente, no mundo desenvolvido, (que é, expõe, o fenômeno migratório, ao longo de toda
também, em regra geral, o mundo da imigração), a sua história - que se confunde com a própria
outros imigrantes que não sejam aqueles prove­ história de nosso sistema econômico e sua reali­
nientes do Terceiro Mundo, isto é, do mundo sub­ zação - inscreve-se numa mesma lógica, gover­
desenvolvido, que é também, atual ou virtualmen­ nada, desde seus primordios até seu estágio atu­
te, o mundo de emigração. al, tanto pelos deterninismos econômicos, (isto
Para voltar ao ponto de partida e à definição é, pelos imperativos próprios à nossa economia),
inicialmente proposta, através do paradigma da como também pelas categorias de nosso entendi­
cidade que se alimenta do campo, a relação entre mento político que é, inclusive, um entendimen­
o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvol­ to indistintamente social, econômico, cultural,
vido parece reproduzir, mutatis mutandis, a rela­ moral, político (no caso específico, entendimen­
ção inicial, já antiga e talvez universal, entre ci­ to nacional, e mesmo nacionalista) e mental.
dade e campo: o mundo desenvolvido, mundo da Entretanto, apesar da gênese aparentemente
imigração e mundo do urbano, alimentar-se-ia do semelhante e comum das diferentes formas de
Terceiro Mundo, mundo da ruralidade (ou, mais emigração e de imigração, não se deve concluir
exatamente, de menor industrialização e urbani­ por sua identificação total. Muitas característi­
zação, mesmo se ele está sob um processo de cas de naturezas diversas separam o êxodo rural
desruralização intensa e anárquica) e mundo da das migrações internacionais; separam o êxodo
emigração de longo curso, à distância e para além rural ou as migrações, tais como foram conheci­
das fronteiras nacionais e não somente da emi­ das pelas sociedades européias - na metade do
gração interna em direção às cidades locais, pro­ século XIX, entre outros períodos -, do êxodo
veniente do êxodo rural (ou concomitantemente rural e da série de migrações que hoje se reali­
a esta emigração local e a este êxodo). O Tercei­ zam nas sociedades do Terceiro Mundo. Nesse
ro Mundo aparece, assim, como o campo (enten­ sentido, não se pode ignorar a particularidade dos
dido como nova maneira do mundo desenvolvi­ países do Novo Mundo que, em razão de sua his-

Trav essia E special / Janeiro / 2000 - 9


tória singular, são, por definição, países de imi­ dem ser pensadas como diferenças entre regiões
gração e países que, até o momento, apesar de ou entre províncias/estados - sejam, nesses ca­
parecerem ter esgotado sua capacidade de rece­ sos, quase da mesma natureza que as diferenças
ber população, têm uma relação diferente com a entre nações (salvo aquelas que se atêm ao esta­
imigração, distinguindo-se muito, neste ponto, tuto político). E sempre pelas mesmas razões his­
dos países do Velho Mundo e, essencialmente, tóricas (história do povoamento) e geográficas
dos países europeus; uma particularidade que faz (a extrema extensão territorial dos países), não
de toda a sua história, uma história de imigração, se exclui que o vínculo individual ao torrão e,
aquela dos conquistadores, dos colonos, dos ne­ por intermédio deste, à unidade territorial, soci­
gros, seus escravos e servos, etc., e, por isso mes­ al, cultural, e mesmo política à qual se pertence,
mo, uma história principalmente da emigração unidade viva, concreta, calorosa, efetiva, vale, em
européia. A emigração para as Américas, sobre­ certas circunstâncias e configurações geopolíticas
tudo a partir dos velhos países da Europa, pode­ e sócio-políticas, mais do que vale o vínculo à
ría constituir, após a etapa da conquista e da pri­ nação, entidade relativamente abstrata (como nós
meira colonização propriamente dita, apenas uma podemos pensá-lo e vivê-lo nas nações européi­
maneira de prolongar mais adiante, além do oce­ as mais antigas, mais reduzidas espacial e
ano, os deslocamentos de populações internos a demográficamente). Há patriotismos regionais
estes países; poderia ser apenas o prolongamen­ mais vigorosos que os patriotismos nacionais. E
to do êxodo rural local, assim como das migra­ sem nada conhecer do com portamento dos
ções entre eles partilhadas, para horizontes mais migrantes brasileiros, quanto às suas relações com
distantes, como sobretudo os Estados Unidos. suas regiões de origem e de residência ou de imi­
Também não se ignora que neste Novo Mun­ gração - em suma, quanto às perspectivas de re­
do - que foi por muito tempo a terra de encontro torno à terra natal -, não se pode ignorar esta re­
de todos os emigrantes do mundo, portanto, o lação diferencial com o território nacional, seja
lugar de um povoamento extremamente diferen­ ele relativamente pequeno e fortemente homogê­
ciado, muito heterogêneo e mesmo heteróclito, neo em todos os aspectos, ganhando em compre­
onde a homogeneidade está sempre por construir, ensão o que perde em extensão, ou seja ele, ao
e onde os países, como é o caso do Brasil, são contrário, largamente extenso e diversificado,
extremamente vastos, quase do tamanho de um perdendo em compreensão o que ganha em ex­
continente - a distinção feita alhures entre, de um tensão.
lado, o êxodo rural, as m igrações internas Estas breves referências ex abrupto das con­
concernentes, portanto, aos nacionais do país, e, dições mais gerais, criadoras dos deslocamentos
de outro lado, as migrações internacionais, pró­ de populações no contexto atual das relações de
ximas ou distantes, não poderia ter aqui a mesma dominação, seja de uma região para outra no in­
significação. Pode ser que elas não sejam tão ra­ terior de um mesmo país, seja, mais frequente­
dicalmente separadas, como se pensa segundo o mente, no cenário internacional entre os países
modelo europeu, que tem suas condições parti­ de força desigual, não foram aqui examinadas, e
culares e suas características próprias. A existên­ nem têm outro sentido de sê-lo, senão para aju­
cia de grupos nacionais oriundos, em datas dife­ dar a compreender o que há de quase universal
rentes e mais ou menos recuadas no passado, de no fato de emigrar (que é ele mesmo um fato uni­
6. Cf. John GILLISSEN, “Le statut origens étnicas e/ou nacionais muito variadas, as versal6) e o que há de específico a cada uma das
de l'étranger à la lum ière de
l'h isto ire co m p a ra tive ” , in:
grandes distâncias a serem vencidas e que são migrações histórica e sociologicamente caracte­
“L'Étranger”, Bruxelles: Recueil de percorridas, por exemplo, pelos emigrantes do rizadas - nenhuma migração assemelha-se à ou­
la Société Jean Bodin, Éditions de Nordeste ou da Amazônia, para chegar ao Rio ou tra. Essas referências não têm outra função aqui
la Llbralrie Encyclopédlque, 1958
(Tome 1, pp. 5-57). a São Paulo, tudo isto pode contribuir, parece, senão ajudar a refletir sobre as reações comuns,
para atenuar, de fato, de um modo prático, a dis­ constantes da condição de emigrante e de imi­
tância que separa, de direito, de um modo ofici­ grante e as reações diferenciadas, variações liga­
al, o imigrante brasileiro que vem de um Estado das à conjuntura (do momento e do lugar); rea­
do Brasil e que pertence ao Brasil (uma forma de ções tais que se pode apreendê-las, mesmo da
migração local, no âmbito de uma relação de parte das populações envolvidas, em primeira
pertencimento nacional) do imigrante totalmente instância, os próprios interessados, emigrantes de
estrangeiro ao Brasil. um lugar (região, província, país, estado, conti­
Não é, portanto, totalmente sem razão, pos­ nente, etc.) e imigrantes em outro lugar. Dentre
tular que as diferenças - que, a respeito da enti­ essas inúmeras reações semelhantes e diferentes
dade nacional e da unidade política do país, po­ aparece a noção de retorno.

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A n o çã o de retorn o na p e rsp ectiv a de
um a a n tro p o lo g ia to ta l do a to de m igrar

idéia de retorno está intrínsecamente aqui não é a sua terra, etc. É uma questão que é,
circunscrita à denominação e à idéia de fato, um chamado, atuando para lembrar ao
mesma de emigração e imigração. imigrante a verdade de sua condição.
Não existe imigração em um lugar sem que tenha Além do fato de ser vivamente verdadeira e
havido emigração a partir de um outro lugar; não lúcida, a resposta dada aqui, em forma de metá­
existe presença em qualquer lugar que não tenha fora, sobre a questão do retomo, tem em si mes­
a contrapartida de uma ausência alhures. É a pró­ ma um valor de lição: não é próprio ao imigrante
pria condição do humano, é a sua finitude que ser sempre totalmente iludido sobre sua condi­
está em causa: não se pode estar presente simul­ ção inicial. O retorno é naturalmente o desejo e o
taneamente em dois lugares diferentes, mas se sonho de todos os imigrantes, é como recuperar
pode ir de um lugar a outro, o espaço se deixa a visão, a luz que falta ao cego, mas, como cego,
percorrer e permite, assim, uma multipresença eles sabem que esta é uma operação impossível.
sucessiva no tempo. Não se pode estar e ter esta­ Só lhes resta, então, refugiarem -se num a
do ao m esm o tem po. O passado, que é o intranquila nostalgia ou saudade da terra.
“ter-estado”, não pode jamais tornar-se novamen­ Na mesma época e na mesma empresa que
te presente e voltar a estar-no-presente, a concluira um acordo com o organismo oficial
irreversibilidade do tempo não o permite. encarregado pelo Estado de conduzir a “política
A própria denominação de imigrante remete de retomo dos imigrantes”, vários operários es­
implicitamente à de emigrante, que é o seu trangeiros nos afirmaram que se desviavam to­
corolário. Há circunstâncias, inclusive, em que das as manhãs dos postos desse serviço especial
ela é percebida como um chamado do imigrante - instalados na porta da fábrica - para pouparem-
para suas origens e, por isto, como a denúncia de se da prova, particularmente humilhante para o
sua presença enquanto imigrante. seu amor próprio (pessoal e nacional), do que
Ao longo de uma pesquisa realizada na Fran­ consideravam um chamado às suas origens, à sua
ça sobre as condições do retorno, denominada condição primeira, à de emigrantes antes da de
como reinserção dos imigrantes em seus países imigrantes, um chamado à sua verdade essencial
de origem - prática que os poderes públicos de­ e, no fundo, um convite a partir. É na lógica da
sejavam encorajar por meio especialmente de honra que essas coisas são percebidas! É como
incentivos, - um pesquisador-investigador rece­ se fosse um teste da inserção social do imigrante,
beu uma resposta muito procedente de um dos onde quer que ele esteja.
seus entrevistados, antigo trabalhador imigrante, O imigrante só deixa de sê-lo quando não é
a quem, em seu local de trabalho, ele havia per­ mais assim denominado e, consequentemente,
guntado: “Você quer retornar para sua terra, para quando ele próprio assim não mais se denomina,
seu país?” A resposta foi: “É o mesmo que per­ não mais se percebe como tal. E a extinção desta
guntar a um cego se ele quer a luz!” A questão denominação apaga, a um só tempo, a questão
posta desta maneira já continha em si a resposta do retomo inscrito na condição do imigrante. Na
que se impunha como a única lógica, na medida verdade não se trata, sob o pretexto do retomo,
em que, no fundo, ela convidava o entrevistado a da questão mais fundamental da legitimidade in­
voltar para a sua terra, para o seu país, o que é, na trínseca da presença daquele que é visto e desig­
visão do senso comum, totalmente normal, inclu­ nado como um imigrante?
sive natural. É preciso ser um pouco herético, Deslocado no sentido próprio do termo, no
heresiarca de alguma maneira, para duvidar des­ sentido do deslocamento no espaço, o imigrante
ta lógica, e ainda mais para contestá-la. A inten­ é também deslocado de uma maneira diferente
ção objetiva da questão (inclusive, independen­ desse primeiro sentido: a presença do imigrante,
temente do investigador e do entrevistado) con­ presença imprópria, é deslocada no sentido em
siste, queira-se ou não, em fazer com que o inter­ que se diz que uma palavra está deslocada.
rogado compreenda, caso ele tenha esquecido, A noção do retomo estaria no centro do que
que ele não é daqui, que seu lugar não é aqui, que pode ser ou do que desejaria ser uma antropolo-

Trav essia E special / Janeiro / 2000 -11


gia total do ato de emigrar e de imigrar7: antro­ ação, os lugares e os homens que se deixou, tal
7. Léon e Rebecca GRINBERG, pologia social, cultural, política, na qual se intro­ qual se os deixou.
Psychanalyse du migrant et de duz eficazmente a lembrança da dimensão uni­ Relação também ao espaço, pois emigrar e
/'exile: Lyon: Césura Éd., 1986,
292 p. versal do fenômeno migratório. A questão do re­ imigrar é antes de mais nada mudar de espaço,
tomo - que pode constituir um verdadeiro objeto de território. O espaço se conforma mais facil­
de estudo, pois ela é principalmente da ordem do mente do que o tempo a todas as idas e vindas
fantasma que ronda as consciências - representa que aí se podem inscrever, contudo, sob a condi­
uma das dimensões essenciais dessa antropolo­ ção de que nada contrarie essa relativa liberdade
gia, na medida em que pressupõe necessariamente de movimento, que aí não se tracem fronteiras,
vários modos de relações: uma relação com o tem­ esses produtos de um ato jurídico de delimita­
po, o tempo de ontem e o tempo do futuro, a re­ ção, produtos ao mesmo tempo de um direito pro­
presentação de um e a projeção do outro, sendo priamente regalista (o direito de regere fines e
estreitamente dependentes do domínio que se tem regere sacra) e do poder nomotético de decretar
do tempo presente, isto é, do tempo cotidiano da a união e a separação". Ainda que isto se passe
imigração presente; uma relação com a terra, em sem muitas dificuldades ou se confronte com obs­
todas as suas formas e seus valores (a terra na­ táculos maiores ou menores, mudar de espaço -
tal), inicialmente, em sua dimensão física ou ge­ deslocar-se no espaço, que é sempre um espaço
ográfica e, em seguida, em suas outras qualifica­ qualificado - é descobrir e aprender simultanea­
ções sociais, o espaço físico sendo, em suma, mente que o espaço é, por definição, um “espaço
apenas a metáfora espacial do espaço social; uma nostálgico”, um lugar aberto a todas as nostalgi­
relação com o grupo, aquele que se deixou fisi­ as, isto é, carregado de afetividade. O espaço não
camente, mas que se continua a carregar de uma é, portanto, esse espaço abstrato, contínuo e ho­
maneira ou de outra, e aquele no qual se entrou e mogêneo dos matemáticos, esse conjunto de lu­
ao qual é preciso se impor, aprender a conhecer e gares indiferentes e intercambiáveis entre os quais
dominar. Todas essas relações se mantêm entre se pode ir e vir em espírito, e com toda a liberda­
si, são solidárias umas com as outras, e a unidade de, como o postula a geometria. Se existe uma
que formam é a mesma que constitui o assim de­ nostalgia agarrada ao espaço, e se este é no fun­
nominado ser social. Da mesma forma que mui­ do de si mesmo um lugar de nostalgia, como se
8. A linguagem dos próprios inte­ tos outros temas recorrentes, tais como o exílio e experimenta em todos os deslocamentos, é por­
ressados; a linguagem daqueles
que eles deixaram (parentes, a nostalgia, o tema do retorno se integra, através que se trata de um espaço vivo, concreto, quali­
compatriotas, etc.); a linguagem de todas as expressões conferidas pela linguagem tativa, emocional, e até mesmo apaixonadamen-
daqueles que se obrigam, através comum8, à série dos grandes mitos propostos à
de tudo aquilo que se diz sobre
te distinto12.
Imigração e ¡migrantes, a lembrar explicação da história e à elucidação da pessoa “A geometria não tem nada a ver com a nos­
a estes últimos que “eles não são humana, que tendo sido a ela totalmente incor­ talgia”, dirá Vladimir Jankélévitch13.
daqui”, que eles são sempre pas­
síveis de um “retomo". porados, são dela como a encarnação viva. A parte o retorno - ao qual ela finge chamar
Inicialmente, relação com o tempo, que é a por acreditar trazê-lo em si mesma - e através
noção do retorno tal como se configura no ima­ dele, o remédio que ela designa, a nostalgia do
ginário imigrante (e pelo imaginário do imigran­ lugar tem um grande poder de transfiguração de
te), o retorno é para o próprio imigrante, mas tam­ tudo o que toca e, como o amor, efeitos de en­
9. Retorno do filho pródigo entre bém para o seu grupo9, um retorno a si, um retor­ cantamento evidentemente, e mais ainda, efeitos
os seus, na espera de “matar um
novilho gordo”: o ato de emigrar, no ao tempo anterior à emigração, uma retros­ de sacralização e santificação: o país, o solo na­
de romper com seu grupo tendo pectiva; portanto, uma temática da memória que tal, a casa dos antepassados, e mais simplesmen­
sendo alguma coisa de suspeito, não é somente uma temática da nostalgia no sen­
como uma falta que será preciso
te a casa natal, cada um desses lugares privilegi­
expiar, e mesmo uma traição que tido primeiro do termo, a algia do nostos (a dor ados da nostalgia (e pela nostalgia), e, em cada
é preciso reparar. do retomo, a saudade da terra), um mal cujo re­ um desses lugares, cada um desses pontos parti­
médio se chama o retorno (hostos), Itaca sendo culares que são o objeto de um intenso investi­
10. Vladimir JANKÉLÉVITCH, para Ulisses o nome deste remédio10. Em verda­ mento da memória nostálgica, tornam-se lugares
irre ve rsib le et Ia nosta/gie, Pa­
ris: Ed. Flammarion, 1983, pp.
de, a nostalgia não é o mal do retorno, pois, uma sacralizados, lugares benditos, terras santas; vai-
340-386. vez realizado, descobre-se que ele não é a solu­ se aí em peregrinação, conformando-se desta
ção: não existe verdadeiramente retomo (ao idên­ maneira à intenção de toda peregrinação que é o
tico). Se de um lado, pode-se sempre voltar ao retomo às fontes, o retorno profano a estes luga­
ponto de partida, o espaço se presta bem a esse ir res da natureza e da história tornados santos pela
11. Pierre BOURDIEU, “L'ldentité
et la representation", Actes de Ia e vir, de outro lado, não se pode voltar ao tempo graça da nostalgia.
Recherche en Sciences Sociales, da partida, tomar-se novamente aquele que se era A valorização da terra natal, uma tarefa à qual
n°35, novembre, 1980, pp. 66-69. nesse momento, nem reencontrar na mesma situ­ se empenha apaixonadamente, investindo todo o

12 - Travessia E special / Ja neiro / 2000


seu ser social, dotada de um forte poder de co (os quadros espaço-temporais e os quadros
mobilização, pois ela engaja toda a identidade sociais) não é tão nítida quanto se pensa. Ela não 12. Numerosas são as evocações
poéticas do espaço. São encon­
social e cultural (individual, ou em estado dis­ é de natureza radical nos dois casos expostos, tradas na poesia, evidentemente,
perso, e coletivo, ou em estado organizado) da como se poderia acreditar. mas são também musicais, pic­
A primeira relação poderia ser apenas uma tóricas, mitológicas, e mesmo fi­
pessoa, essa tarefa será retomada, para além da losóficas. Gaston Bachelard, ex­
cena puramente afetiva da nostalgia, e para além versão reduzida da segunda, porque a sensação plorando as forças emocionais
da reação unicamente individual, no plano lar­ propriamente nostálgica não se beneficiou aqui que nos ligam aos elementos na­
turais, e, aqui, à terra, fala da po­
gamente político. do acom panham ento e de toda a força do ética cinzenta do espaço que nos
Em um primeiro momento, sobretudo na ge­ enquadramento que poderia lhe assegurar a von­ é familiar, da escada da casa na­
tal: “para além das lembranças, a
ração dos românticos, e à sua maneira, a pátria tade política; assim também, o patriotismo e o casa natal está fisicamente inscri­
foi celebrada, louvada, glorificada e, após ser nacionalism o, tais como foram louvados e ta em nós; ela é um grupo de há­
deixada, cantada e chorada14; em um segundo embelezados politicamente, parecem dever co­ bitos orgânicos. Com 20 anos de
intervalo, apesar de todas as es­
momento, após a revolução de 1848, na França, mungar facilmente com a nostalgia à qual eles cadas anônimas, reencontraría­
antes mesmo de ser constrangido a deixar sua teriam conferido, assim, um poder supremo, uma mos os reflexos da 'primeira es­
cada', não tropeçaríamos em um
pátria e sem mesmo tê-lo sido, é quando será cul­ aura excepcional e uma extensão quase univer­ degrau um pouco mais alto. Todo
tivada a extrema valorização que as formas mo­ sal. Perceber-se-á melhor o parentesco que exis­ o ser da casa se desenvolvería,
te entre esses dois registros, quando se analisar fiel ao nosso ser (...). A palavra
dernas de patriotismo e de nacionalismo vão dar hábito é uma palavra demasiado
ao solo da pátria e ao território da nação. as formas de pensamento que cada um coloca em usada para exprimir esta ligação
Ao longo do século XIX, o século por exce­ ação, em um caso para pensar a imigração e, no apaixonada do nosso corpo que
não esquece a casa inesquecível’’
lência do nacionalismo, a terra natal, nacional e outro, para se pensar como imigrante, todas for­ (La Politique de I'espace, p. 32);
não somente local, tomará com a afirmação do mas de pensamento comuns à nostalgia e que, "Eu sou o espaço onde estou",
disse Noêl Arnaud, citado por
princípio das nacionalidades um sentido totalmen­ em última análise, são formas de pensamento do Gaston Bachelard. E Jankélévitch,
te apaixonado, ao ponto de constituir, hoje ain­ Estado, o Estado se pensa ao pensar a imigração. filósofo poeta, fala, por sua vez,
da, o termo de referência pelo qual se define todo Enfim, relação ao grupo, e aos dois grupos: de uma “geografia patética, de
uma topografia mística cuja úni­
pertencimento, inclusive a própria existência da aquele do qual se emigrou, e aquele do qual se ca toponim ia, p o r sua força
pessoa. Com efeito, quer se trate do pertencimento tomou um imigrante. Esta relação não é muito evocativa, coloca já em movimen­
to o trabalho da reminiscência e
ao tempo, ao espaço, ao grupo, os principais qua­ clara, não é nunca totalmente límpida de uma da imaginação’’.
dros que estruturam a vida social e mesmo toda parte e de outra; é da natureza do fenômeno mi­
existência individual - existir é existir no tempo, gratório que ela seja fundamentalmente ambígua,
no espaço e no interior de um grupo social (é a que ela esteja no nó das contradições que habi­ 13. Vladimir JANKÉLÉVITCH, op.
cit., p. 341.
condição da existência política) - sempre está em tam a consciência de todo emigrante e imigrante
causa um p erten cim ento nacional, um (real ou potencial) e, no limite, de todo indivíduo
pertencim ento n acionalm ente definido: o face à representação que ele tem da emigração e
pertencimento a cada um a seu tempo é um da imigração (as suas, eventualmente e, sempre,
pertencim ento à h istó ria nacional; o as dos outros), na medida em que todo indivíduo
pertencimento ao espaço é um pertencimento ao é em princípio membro de um grupo original (a 14. São os cantos do exílio. Victor
território nacional; o pertencimento ao grupo é gênese não é aqui somente biológica, mas tam­ Hugo, também desterrado na ilha
de Jersey, soube lhes dar uma voz
um pertencimento ao grupo dos nacionais e um bém social, histórica, política, cultural, etc.) e, na qual se reconhecerão todos os
pertencimento à nação e à nacionalidade que lhe em seguida, membro de vários outros grupos que exilados da terra: “Não se pode
se diria “segundos”, mas não necessariamente se­ viver sem pão, não se pode viver
são comuns. também sem pátria".
Só há existência política possível, isto é, po­ cundários, sobretudo no caso da imigração, em
liticamente reconhecida, dentro do quadro da que se é inevitavelmente membro, de uma certa
nação e da nacionalidade, e ainda sob condição maneira, da sociedade de imigração e de outros
de ser garantida pelo Estado. Só se pode existir grupos ainda, entre os quais, o grupo dos imi­
no cenário internacional como membro de uma grantes (de mesma origem ou de origem diferen­
nação e de um a nacionalidade. Se há te). Relação ambígua, de má fé, marcada de cons­
descompasso, em aparência, entre, de um lado, a ciência culpada em relação primeiro ao grupo de
relação completamente melancólica que a nos­ origem, o grupo que se deixou de fato, que se
talgia estabelece com o lugar do qual se separou, deixou material, orgânica e corporalmente, mas
com o tempo que se esvaiu, com o grupo que se que se quer assegurar (e ao mesmo tempo se as­
deixou, e, de outro lado a relação à nacionalida­ segurar) de que ele não foi deixado afetivamente,
de e o pertencimento à nação, a diferença entre não foi deixado nem pelo coração, nem pelo es­
uma e outras formas de presença e de referência pírito, é ao menos aquilo que se quer acreditar e
aos quadros que estruturam toda a nossa existên­ fazer acreditar, que se quer proclamar a propósi­
cia e toda a nossa visão do mundo social e políti­ to e fora de propósito, o que se pretende fazer

Trav essia E special / Janeiro / 2000 -1 3


saber a todo mundo. alimenta a nostalgia que tem, por contrário, a
Demonstrar, em primeiro lugar, aos seus, aos decepção - e sobretudo, como se ter partido por
seus próximos, ao grupo (local, regional, e mais tanto tempo não houvesse mudado em nada o emi­
ainda, nacional) - do qual se separou, sem alegria grante que retorna, no fundo, não para reencon­
no coração, mas por constrangimento - que a in­ trar, como imagina, as coisas como as tinha dei­
feliz separação, à qual se é desta maneira cons­ xado, mas para se reencontrar a si mesmo, tal
trangido, não é desejada, nem escolhida com toda como era (ou acreditava ser) quando partiu: é
a liberdade, nem mesmo com conhecimento de desta outra ilusão que frequentemente participa
causa, mas é imposta. Daí a necessidade de lhe a decepção engendrada pelo retomo (ou uma certa
conferir um álibi, encontrar-lhe uma razão mai­ forma de retomo), reação inversa, mas totalmen­
or; um álibi e uma razão que parecem previamente te complementar à consciência nostálgica.
combinados entre todos os pares, e realizam tão Em resumo, não se deixa sua terra impune­
bem o acordo do ausente: tanto o emigrante que mente, pois o tempo age sobre todos os seus pa­
se vai, não sem se lamentar (é preciso que haja res. Não se prescinde impunemente do grupo e
um lamento manifesto), e que tem necessidade de sua ação cotidianamente presente, de sua pres­
disso para partir com a consciência em paz, quan­ são mais comum - a ponto de não ser mais res­
to dos presentes, aqueles que ficam e não têm sentida como tal, tornando-se algo totalmente na­
outra escolha senão olhar o emigrante partir para tural e independente -, bem como de seus meca­
contá-lo em seguida entre os ausentes, para in­ nismos de inserção social, mecanismos que são
cluí-lo entre os que partiram alhures. ao mesmo tempo prescritivos e normativos, e
A emigração deve ser realizada e vivida ne­ enfim, largamente performativos, no sentido de
cessariamente na dor, uma dor compartilhada que visam compor a legítima definição da ordem
entre os que partem e os que ficam. Desta manei­ social, tida como a única existente. A mudança
ra, a emigração que se permite pensar sempre resultante da ruptura constitutiva da emigração,
15. Aliás, é o que todos os pares como provisória, por mais longa que seja e mais bem como da ausência subsequente, não consis­
desejam e se desejam mutua­ durável que se anuncie15, não deve ser taxada de te somente no envelhecimento físico, que atinge
mente: que a emigração possa se
conformar à representação ideal renúncia ao grupo, ainda menos de abdicação, o a todos e que seria como uma marca do tempo
que se faz dela, o retorno pondo que se assemelharia demais à abjuração. Renún­ que passa; mas, ela é também, e principalmente,
fim seguram ente à ausência,
mesmo não dissipando totalmen­ cia, abdicação, abjuração seriam, nestes casos, de ordem social, de natureza social, em
te a nostalgia. renúncia, abdicação a si e abjuração de si, pois consequência da defecção que a provocou e da
não faltaria oportunidade de descobrir que uma qual carrega sempre a marca. Deste ponto de vis­
pessoa, enquanto ser social, só tem existência pelo ta, havería uma “nostalgia tipicamente temporal”,
grupo e, idealmente, no grupo de seus pares, e que evocaria um retorno não a uma outra liga­
para o grupo. E é, sem dúvida, esta verdade, que ção, uma ligação antiga, mas um retorno no tem­
circunstâncias como a emigração, o exílio, cir­ po, um retomo ao passado, como se o tempo fos­
cunstâncias em que se realiza e se experimenta se reversível e pudesse ser percorrido em sentido
concretamente a ruptura com o grupo, vêm lem­ inverso.
brar a cada um o triunfo do individualismo (so­ Assim como a ausência, a presença também
16. Ou antes, a m alfadada
irreversibilidade do tempo, a im­ bre o holismo, sobre o primado do grupo) - so­ tem seus próprios efeitos. Não se habita impune­
possível reversibilidade do passa­ bretudo nesses tempos que o consagram em to­ mente um outro país, não se vive no seio de uma
do e do ter sido, reversibilidade
perseguida por todo emigrante ou
dos os planos (na economia, na política, nas rela­ outra sociedade, de uma outra economia, em um
todo exilado e, mais ainda, todo ções sociais, mesmo as mais familiares, as mais outro mundo, em suma, sem que algo permaneça
nostálgico do passado e de seu domésticas e as mais íntimas, etc.)-triunfo do qual desta presença, sem que se sofra mais ou menos
passado, de seu "ter-sido", que
não será mais. a imigração é, em parte, uma das consequências, intensa e profundamente, conforme as modalida­
deve-se aqui registrar, certamente, mas triunfo ao des do contato, os domínios, as experiências e as
qual ela traz sua contribuição, jam ais sensibilidades individuais, por vezes, mesmo não
negligenciável, na medida em que, ao favorecer se dando conta delas, e, outras vezes, estando
17. Mesmo Ulisses que, chegan­
do a ítaca, pareceu não reconhe­ a tendência à individualização que a emigração plenamente consciente dos efeitos.
cer sua ilha, que, entretanto, não já trazia consigo, tornou-se sua verdadeira esco­ A imigração não ocorre sem deixar marcas,
mudou de lugar e nem poderia,
pois é só um rochedo; se bem
la. Só se deixa o grupo, diz-se, para melhor frequentemente de maneira indelével, mesmo sem
que, no momento de seu retorno, reencontrá-lo; e, se possível, no mesmo estado, reconhecê-lo, seja por nos átennos à ilusão da
a deusa Atenas a tenha mergu­ “tal como a eternidade o congelou”16, fixou-o de integridade formal e da fidelidade a si, seja por
lhado em uma cobertura de nu­
vens, que o im pediu de uma vez por todas. Reencontrá-lo como se nada não sermos nem mesmo conscientes disto. E, sem
reconhecê-la. tivesse acontecido, como se nada o tivesse mu­ dúvida, o fato de não perceber que houve mu­
dado durante a ausência17 - é a ilusão da qual se dança no contato com os outros, dentre os quais

14 - Travessia E special / Ja neiro / 2000


18. A conjunção entre os efeitos
da ausência de um lugar, os de
suas origens (ou, em outros ter­
mos, os efeitos da emigração) e
os da presença em outro lugar,
aqueles de sua imigração, chega,
por exemplo, a produzir o resulta­
do ilustrado por este caso, que é
mais do que uma anedota: um
imigrante argelino, então com
mais de 50 anos, prestes a se
aposentar, casado na França, pai
de família, praticamente sem
retornarão seu pais (desde 1943,
data de sua chegada à França,
até o momento de sua aposenta­
doria em 1989, não se pode dizer
que tenha efetuado mais de duas
viagens ao seu povoado para re­
ver os seus). Quando ele era to­
mado pela saudade da Argélia ia,
sábado pela manhã, dar uma vol­
ta pelo Consulado de seu país em
Paris para respirar a atmosfera,
e voltava dali curado por muito
tempo de sua nostalgia: com efei­
to, sua longa e contínua presen­
ça na França e sua familiaridade
com os serviços administrativos
franceses dotaram -no de um
olhar e um julgamento críticos,
pouco afeitos à apreciação, sem
reservas, da organização dos ser­
viços consulares, nos quais sem­
pre havia multidão, tumulto, de­
sordem, tensões, numerosos pre­
textos para disputas e dramas, o
que não deixava de aumentar o
mau humor dos agentes consu­
lares.

19. Não de uma ausência


Foto: UNHCR/24259/12.1994/A. Hollmann indeterminada, ausência de um
outro lugar qualquer ou de todos
nos encontramos e no meio dos quais vivemos, corporificaram”) 18. Da mesma forma que não há os outros lugares - como se até
seria antes o sinal e a garantia da eficácia, da so- presença em um lugar que não se pague com uma pudesse existir onipresença, o
que é unicamente o ponto de vis­
lidez e da perpetuação das mudanças sociais e ausência19 em outro lugar; não há inserção ou ta ou se refere ao ponto de vista
culturais intervindas desta maneira, e testemunha- integração neste lugar de presença que não se divino -, mas de uma ausência
ria a sua irrevogável apropriação daquilo que pague com uma des-inserção ou des-integração bem determinada, em relação
com um lugar precisamente defi­
interiorizamos profundamente e incorporamos to- em relação a este outro lugar, que não é senão o nido, super-investido de qualifica­
talmente no sentido literal da palavra (“eles se lugar da ausência e da referência para o ausente. ções, o lugar de origem.

Trav essia E special / Janeiro / 2000 -1 5


O retorn o do a u sen te:
u m a em p reitad a de to d a a a u sê n c ia

20. Este h erói d o retorno, herói de inda a propósito do retorno de esta ausência jamais tivesse se realizado ou
um a odisséia que nos é c o n tad a
em vin te e q u a tro cantos, e q u e
Ulisses20, este pode ser tomado acontecido, como se fosse nula ou não reali­
co n ju ga a partid a e o retorno, a como modelo do retorno (nostos) zada - é inclusive sob esta condição que Ulisses
partida te n d o e m vista o retorno,
urna partida q u e é to d a a histo ria
dos emigrantes. Mas, sob a condição de que, a pôde encontrar a felicidade23e cumprir os vo­
d o retorno, urna p a rtid a q u e se exemplo de Ulisses, esses emigrantes simples­ tos firmados ao longo de sua Odisséia; o con­
p rolonga em um a s é rie d e p eri­ mente desejem retornar a seu ponto de parti­ trário teria sido a decepção, e que Penélope ces­
p é cia s e p e re g rin a ç õ e s (é o te r­
m o p a ra fa la r d o e m ig ra n te , o da, e trabalhem sempre para isso; também sob sasse a surda e inquieta espera que a habita -,
p e re g rin u s ) pa ra c u lm in a r n o re ­ a condição de que, como Ulisses, eles saibam porém, mais ainda, ele repara essa ausência ex­
tom o.
o que querem e, consequentemente, trabalhem piando a espécie de injustiça social que estava
para realizar o que querem; sob a condição de em sua gênese. É triunfante e com a espada de-
que, assim como Ulisses fizera durante o seu sembainhada, que Ulisses retornou à ítaca.
périplo no Mediterrâneo, eles vivam, pensem, Também não há como não compreender o
ajam, constantemente no sentido do retorno - sonho quimérico de todos os emigrantes de
o que significa dizer, então, que eles partiram retornarem ricos para a sua terra natal, mesmo
apenas para voltar, o retorno estando implíci­ que a ausência desta riqueza não fosse um mo­
to ao próprio ato de emigrar, e, ao menos como tivo real e uma razão opostos ao retorno, o qual
intenção e, se possível, como comportamen­ poderia, inclusive, ser contrariado e impossi­
21. O u seja, de um o u tro m od o tos efetivos21, pré-existindo à partida; sob a bilitado por essa riqueza, caso ela jamais se
q u e so b a fo rm a d e urn a m era
c o n je c tu ra a b s tra ta ou d e u m a condição ainda de que eles caminhem sem ces­ realizasse: ela seria essa ninfa Calypso, essa
p ro je çã o em um fu tu ro to ta lm e n ­ sar e sempre um pouco mais nesta mesma di­ feiticeira Circe, a graciosa e brincalhona
te im a gin á rio ou o nírico.
reção e que, contra ventos e marés e sem se Nausicaa e outras sereias às quais Ulisses sou­
distrair, ou se desviar de rumo, apesar das nu­ be resistir sob a perspectiva única de reencon­
merosas armadilhas semeadas pelo trajeto, trar a fiel Penélope. Porém, o emigrante co­
apesar das múltiplas tentações, seduções, mum saberá, a exemplo de Ulisses, resistir ao
corrupções possíveis, provas todas de que poder da riqueza inesperada que lhe adviria?
Ulisses triunfou, eles naveguem em direção ao Seguramente não! Voltar rico, efetivamente ou
mesmo vestígio, à mesma ilha, ao mesmo por­ somente em aparência, pois aqui a aparência
to, à mesma cidade, ítaca, que cada emigrante conta talvez mais que a realidade24, consiste
ou exilado carrega consigo. em, de certa forma, querer fazer sua revanche
Como se já estivesse inscrito na partida e social, mas também tornar claro para si e para
programado ao longo de toda a ausência, que os outros o sentido de sua emigração e de sua
22. Q u e é, d e um a certa m aneira, insiste em realizá-lo, esse retorno22apaga a au­ ausência, para que estas não sejam, uma e ou­
a p e na s u m a partida bem s u c e d i­
da, na m ed id a em q u e d á a im ­
sência à qual ele realmente põe fim, traz à tona, tra, pura vaidade, falência total, ato gratuito
p re s s ã o d e te r a tu a liz a d o a s sem remorsos nem lamentos, um traço negador e, entretanto, absurdo, ato desprovido de qual­
p o ten cia lid a d e s que contém .
e vingativo e, no fundo, procede, faz ou se es­ quer significado, pois só há sentido e razão no
força por fazer, no melhor dos casos, como se reconhecimento que lhe atesta o grupo.

16 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


23. São num erosas as m áxim as, as
s e n te n ç a s , o s p ro v é r b io s e os
ensinam entos, tanto os da sabedo­
Foto: UNHCR/19055/04.1989/S. Emngton ria popular, com o aqueles da refle­
xão erudita e filosófica, a relem brar
que a felicidade extrem a, a quietu­
de perfeita, a beatitude, a “ephèse"
de que fa la P lotino, o filó so fo da
pátria perdida, só se encontram no
retorno à pátria, onde quer que ela
esteja. Para alguns, trata-se de urna
pátria espiritual, m etafísica, aquela
das esperas escatológicas, e que é
a ve rdadeira pátria de todos os ho­
m ens, urna especie de Jerusalém
m ística ou de cidade celestial; po­
rém , esta pátria universal não é a b­
solutam ente deste m undo, reconhe-
ce-se (P lo tin o e, d epois dele, em
su a lin g u a g e m , L a m m e n a is , p o r
exem plo: “ a p á tria não é desta te r­
ra '’, palavras de um crente). É toda
a O disséia de Ulisses que adquire,
entre os neo-platônicos, um senti­
do alegórico, elevando-se às dim en­
sões de um a im ensa transfiguração
esp iritu a l (aquém e além de nosso
m undo).
Para outros, pátria local, país natal,
te rra de origem o nde n e ce ssaria ­
m ente estão “seus berços e seus
tú m u lo s” , seus p rim eiros inícios e
seu fim derradeiro, pátria que tem
um fo rte p o d e r d e a tra çã o sobre
seus filhos. Não se costum a dizer,
à guisa de d esejo e para o m aior
conforto de todos, que “a li onde ti­
v e s te te u n a s c im e n to , te rá s teu
tú m u lo ” com o se os restos m ortais
do de fun to no exílio só pudessem
e n co n tra r paz na terra e sob a terra
“natal"? Na falta do retorno efetivo
e em vida do em igrante, o retorno
p o st-m o rte m e o repatriam ento do
corpo para seu enterro na pátria (lo­
cal ou nacional) constituem , em cer­
tas trad içõ e s ou culturas, um a o bri­
g ação m oral em relação ao grupo
e, reciprocam ente, do grupo em re­
lação a o m orto. Ou ainda, form a de
lem brete recom endando mais sabe­
doria e m ais razão ou m ais ponde­
ração: “A vida inteira é um a corrida,
co rre-se d a q ui e de lá, m as tu p o ­
des co rre r despreocupado e Incons­
tante, que a m orte te alcançará e
tua terra te r e t o m a r á “ E squece tua
terra, m as ela não te esquecerá; no
últim o dia, te trará de volta a ela". É
o que tam bém diz o poem a chinês
(Lao Tseu, Tao Te King, séculos IV
e III a.C .): “ Os se re s p rosperam à
vontade, m as cada um retorna à sua
r a iz /v o lta r à sua raiz é a quietude,
é c u m p rir seu destino".

24. O se r social é feito de tal m a­


neira que ele é e ssencialm ente um
se r percebido, portanto, um ser so­
bretudo p reocupado com a percep­
ção que o O utro tem dele, com a
representação que faz de si m es­
mo, de seu p a recer e de seu apare­
cer.

Travessia Especial / Janeiro / 2000 -17


A a u sê n c ia é u m a falta

ompreende-se também que os emigran­ próprios emigrantes, evidentemente, e aquele de

25. Ser objetivamente culpável é


ser culpável sem estar conscien­
C tes experimentam - em sua ânsia de apa­
gar sua emigração, de fazer esquecer
esta ausência objetivamente culpável25, que acre­
ditam profundamente dever reparar para redimir
seus compatriotas ou conterrâneos: um discurso
que é inteiramente de louvores, de celebração dos
méritos da emigração, ou de outro porém igual
modo, discurso de comiseração, que insiste tal­
te disto, culpável independente-
mente de sua vontade e da de to­ a falta, resgatando-se desta dupla falta que é a vez demasiadamente sobre as penas e sofrimen­
dos, estando a culpabilidade ins­ emigração26, os emigrantes de volta para casa, e tos28suportados pelos emigrantes, que têm que
crita no próprio ato.
às vezes antes mesmo disso - a necessidade de viver na terra dos outros, servindo aos outros,
aplacar sua fome e sua sede do país, tentando di­ apresentando-se, então, como trabalhadores
26. A emigração é uma falta no retamente, ou por procuração, ocupar aí o maior forçados, do trabalho mais depreciado, mais
sentido literal do termo, no senti­ lugar, estar presente intensamente, em todos os desprezível, desqualificado e desqualificante;
do de falta (o emigrante faz falta
ao grupo, como o aluno pode fal­ lugares, em todos os momentos, em todas as cir­ portanto, como heróis de devotamento29, vo­
tar à aula, a ausência é em si cunstâncias (se necessário recorrendo à media­ luntários de um outro combate, combatentes
uma falta); inclusive no sentido da sombra...
moral da palavra, no sentido de
ção de um vicariato), como se fosse uma questão
“culpa", sendo, aliás, este último de honra recuperar os anos de emigração, preen­ Louvam-se sua coragem, seu sacrifício, sua
sentido não totalmente excluído cher o vazio deixado por estes anos vividos alhu­ generosidade, sobretudo quando, após tudo isto,
do primeiro.
res: mais em outros lugares do que no seu pró­ eles retornam, o que faz deles os campeões da
prio, mais fora do que dentro, mais longe do que fidelidade, pois provaram desta maneira seu ape­
perto e junto...; anos que, sob a ótica da presença go à terra, ao grupo, à pátria, assumindo assim
coadjuvante no grupo, não podem deixar de pa­ quase ares de santos. Mas, na realidade, esse dis­
recer anos vazios, perdidos, vãos ou fugazes. curso, por mais sincero que seja, e esquecendo
Frequentemente, a casa construída no país de também a quem e a quê ele é destinado, não es­
origem não tem outra função que esta: recordar a condería alguma coisa? Inveja, ciúme, até mes­
presença desaparecida e negar este desapareci­ mo ódio e, em todo caso, a intenção segura de
mento. Porém, por força de querer corrigi-la, enquadrar esses dissidentes que podem se afir­
atenuá-la, mascará-la, negá-la, exorcizá-la, não mar como sérios concorrentes em todos os pla­
se estaria indicando-a, apontando-a, reforçando- nos, e não apenas no econômico e no social, mas
a? No lugar de uma casa deixada vazia, não se também em todo o sistema de relações de força
construiría uma outra à qual se conferiría a mis­ materiais e simbólicas.
são simbólica de testemunhar que, apesar da emi­ A ascensão social destes mutantes de um novo
27. “Eu não vendí a minha parte
no povoado", ouve-se frequente­ gração, permanecer-se-ia ali27, mesmo condenan­ gênero é duvidosa, em todos os domínios. Ela é
mente dizer. do-a, ela também, a continuar vazia? São duas tida sob suspeita e lhe faltaria legitimidade, por­
faltas das quais se esperava que uma compensas­ que foi adquirida (pode-se reprová-la) em outros
se a outra, mas que, aqui, acumulam-se frequen­ lugares e fora das vias ortodoxas. A concorrên­
temente. No âmago de cada indivíduo, emigrar é cia não é somente de ordem econômica, pois,
28. Sofrimentos não somente fí­
sicos, mas também morais, que
como uma maneira de desertar e, no limite, uma indissociavelmente ligada à ordem cultural, ela
consistem nos atentados fre ­ forma de traição. Sempre paira sobre a emigra­ se retraduz e encontra sua confirmação em uma
quentes à dignidade, à auto-es­ ção esse ar de suspeita, uma atmosfera de des­ ordem simbólica, sob a fonna de uma concorrên­
tima, à honra da pessoa, reações
que se devem colocar sob o títu­ confiança interiorizada e reprimida, que se proí­ cia na ordem do prestígio e das lutas no interior
lo de racismo. be, salvo exceções, de manifestar ou de procla­ da hierarquia das classificações sociais. Tanto a
mar em alta voz. O emigrante não é, portanto, ascensão social (com suas gratificações simbóli­
aquele que passou para o outro lado? E, mesmo cas), como as inovações culturais (com suas
29. Eles trabalham seguramente
para si, mas também e mais que que fosse por uma boa causa, não é aquele que retraduções na esfera econômica) revestem-se de
todos os seus outros concida­ aderiu ao campo oposto, qualquer que seja este uma significação diferente, caso sejam endógenas
dãos, para a sociedade ou comu­ e totalmente indígenas ou, ao contrário, exógenas
nidade de origem pelas quais
campo, o dos ricos, dos poderosos, dos dominan­
eles aceitaram o sacrifício da tes, e, em última análise, o campo dos adversári­ e alógenas (ou suscetíveis de serem assim deno­
emigração. os? minadas), ou caso sejam importadas do exterior
Esta é, sem dúvida, a razão secreta de todos ou, ao contário, engendradas localmente.
os protestos (mais ou menos de boa fé) de que se Em um caso, aquele dos emigrantes
cerca o discurso sobre a emigração, aquele dos retomados e tidos como transfigurados pela emi-

18 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


gração, as novidades que podem lhes ser atribuí­ migratória modelos ditos estrangeiros e que, se­
das prestam-se facilmente ao risco da gundo os momentos e os interesses adotados nessa
estigmatização, e mesmo da anatematização; por perspectiva, podem ser tanto levados em consi­
outro lado, no caso inverso, aquele aparentemente deração, como podem ser atingidos por um aná-
da criação espontânea, totalmente autônoma, que tema. A segunda, por fabricar ou tender a fabri­
não se reporta a nenhum modelo estrangeiro, as car a semelhança, a similitude entre os imigran­
mesmas novidades podem ser louvadas pelo pres­ tes, e para não dizer, idealmente, a assimilação,
tígio de seus promotores. contribuindo, assim, para reduzir a alteridade que
Neste contexto, pode ocorrer que os emigran­ eles constituem e introduziram na sociedade de
tes, após seu retorno, apareçam como imigração. No limite, nas duas extremidades da
desnaturados portadores de todas as perversões cadeia, trata-se da mesma suspeita e do mesmo
possíveis (notadamente culturais) - já que eles processo de alteridade, tanto no caso da emigra­
próprios foram pervertidos no contato com o es­ ção e, mais precisamente, dos emigrantes que
trangeiro -, assim como das subversões engen­ retornaram, como no outro caso, o da imigração,
dradas para a ordem social que também é, neces­ até a redução total e a dissolução integral da di­
sariamente, uma ordem moral. Neste sentido, eles ferença por ela constituída.
poderiam ser uma espécie de desmancha-praze­ Para completar a outra vertente da relação -
res, enfim, heréticos em potencial. desta vez, com a sociedade de imigração, teste­
Com efeito, esses homens que retomaram da munhada pelo retomo - é preciso reconhecer que
imigração30, homens do entre-dois - entre-dois- o segundo aspecto dessa mesma relação dupla é 30. No duplo sentido da palavra
voltar, no sentido de retorno e no
lugares, entre-dois-tempos, entre-duas-socieda- correlato ao primeiro. O retorno consagra esses sentido de despertar de suas ilu­
des, etc. - são também, e principalmente, homens dois aspectos que carrega consigo e do qual é, sões, ou de suas esperanças.
entre-duas-maneiras-de-ser ou entre-duas-cultu- em grande parte, o produto: ele ilustra simulta­
ras. E, sem dúvida, o processo mais pernicioso neamente a relação que o emigrante estabelece
que pode alcançá-los e que pode ocorrer seja na com tudo aquilo de que se separou graças à sua
emigração de uns, como na imigração de outros, emigração (a relação com o grupo e a relação
é um processo sobretudo cultural: seus argumen­ com o espaço e o tempo próprios ao grupo, etc.),
tos, assim como os elementos por ele restabele­ como também a relação que o imigrante mantém
cidos, são de natureza cultural, essencialmente simultânea e correlatamente com a sociedade de
concernentes ao modo de vida, às maneiras de imigração e com sua condição de imigrante. Na
pensar e de agir, aos comportamentos, às práti­ realidade, essa dupla relação é apenas a relação
cas cotidianas, às atitudes, etc., e referem-se, em que cada um dos emigrantes-imigrantes estabe­
última análise, a tudo o que é subsumido sob o lece consigo mesmo, uma encontrando na outra
processo de assimilação, ao que está implicita­ seu modo real de expressão e sua forma própria
mente contido no que se reconhece como seme­ de objetivação. Tendo que viver na terra dos ou­
lhança e dessemelhança. De um lado e de outro, tros, entre eles e com eles, só se pode viver, mais
a emigração e a imigração são suspeitas de sub­ ou menos aberta e profundamente, um pouco à
versão e mais ou menos abertamente acusadas de sua maneira, em quase todas as esferas da exis­
alterações culturais. E através delas que se intro­ tência; só se pode lhes dar a impressão de estar
duzem práticas suscetíveis de perturbar a inteiramente disposto a viver como eles, a se fa­
homogeneidade cultural do grupo e prejudicar sua zer assimilar por eles e, tanto quanto possível, o
autenticidade fundadora. Evidentemente, o risco que não se diz frequentemente, a assimilá-los31. 31. A similitude alcançada pelo
processo de assim ilação tem
é maior do lado do mais fraco, do lado daquele Mas, ao mesmo tempo, e sem que haja a menor suas próprias condições de pos­
que, neste confronto, está na posição de domina­ contradição, toma-se o cuidado de se persuadir sibilidade e, além do mais, conhe­
do, isto é, do lado da emigração; quando a amea­ e também de convencer uns e outros e, neste caso, ce níveis de realização diferentes
conforme os domínios, as melho­
ça é maior, a acusação - mesmo silenciada e re­ mesmo aqueles entre os quais se é imigrante, que res performances atingidas quan­
primida - é ainda mais violenta, e o processo im­ apesar de tudo, se é fiel a si, às suas origens, do há conjunção das disposições
individuais (sociologicamente de­
posto aos emigrantes retornados, enquanto por­ conforme à sua identidade, a mobilização por terminadas) e das solicitações
tadores desta ameaça, é tanto mais fácil e injus­ este sentimento de fidelidade a si e de conformi­ externas.
tamente instruído. dade à sua identidade em um contexto que pare­
A emigração e a imigração carregam consigo ce levar, ao contrário, a rupturas, sendo eviden­
objetivamente a ameaça de atentado à integrida­ temente desiguais segundo os dominios - o in­
de cultural. A primeira, por fabricar a vestimento que se diria identitário não podendo
dessemelhança entre os emigrantes, e ser o mesmo em toda a parte, em todos os luga­
consequentemente, por extrair desta experiência res e tempos.

Travessia Especial / Janeiro / 2000 -1 9


O retorno com o produto
do pensam ento de Estado
ensar a imigração (ou a emigração), é secundária; uma vida ausente, figurada ou ima­
pensar o Estado. É o Estado que se pen­ ginada, rememorada, uma vida que foi primeira
sa a si mesmo ao pensar a imigração cronologicamente e que permaneceu primeira,
(ou a emigração) e, na medida em que não tem essencial, afetiva e efetivamente, e que, sem dú­
consciência que, assim fazendo, pensa-se a si vida, voltará a sê-lo um dia. Esta vida, pensada e
32. Assim ocorre a propósito de mesmo32, termina por se enunciar naquilo que sonhada mais que vivida, está inscrita, calcada
todas as definições dominantes, tem de mais essencial e, ao mesmo tempo, enun­ sobre aquela outra vida, vida real e
que são em regra geral definições
de objetos dominantes (o que é o ciar da maneira mais evidente as regras de seu empíricamente experimentada. A presença nes­
Estado), que procuram se igno­ funcionamento e revelar as bases de sua institui­ ta vida e no mundo que a carrega é como uma
rar como tais e por aí se impor, presença distraída, uma presença ausente, uma
isto é, de se fazer conhecer e re­
ção. Se isso é manifesto no caso das migrações
conhecer, sem o saber, como as internacionais, pois tudo se joga através dessa presença distanciada; em contraste, a outra vida
únicas legítimas. linha de separação - em si mesma mínima, mas ausente ou a vida que se consagra à ausência,
cujos efeitos são de uma importância capital - aos lugares longínquos e aos tempos passados
que é a fronteira entre o nacional e o não-nacio- da ausência, é como uma vida que a evocação
nal, distinção que está no princípio mesmo da sonhadora torna presente, mas de uma presença
constituição do Estado Nacional, de Estado-Na- fantasmagórica, totalmente irreal, onírica, que se
ção, não se pode dizer com toda a segurança que desenrola paralelamente à vida ativa e cotidia­
não reste nada desse princípio no caso das mi­ na. Presença e ausência se entrelaçam desta ma­
grações internas a um mesmo Estado, sobretudo neira, e misturam suas características e também
quando este cobre um território ¡mensamente seu poder: de um lado, o poder de se ausentar
grande e não fortemente centralizado. neste lugar e neste momento; de outro lado, in­
Já se disse que a ubiquidade era o sonho de versamente, o poder de se tomar presente em um
todos os deslocados, de todos os transplantados, outro lugar e em um outro tempo. Quimera de
mas a ubiquidade - estar presente em dois luga­ querer se furtar mágica e sobrenaturalmente à
res diferentes ao mesmo tempo, estar e ter esta­ dura realidade do aqui e agora!
do, ou ainda estar no presente e estar no futuro Essa realidade e as superações empreendi­
simultaneamente - não faz parte da condição hu­ das para poder vencê-la não são somente dados
mana. Porém, ilusoriamente, e por uma ilusão da experiência subjetiva e individual, provas
que é coletivamente sustentada por todos os par­ suportadas isoladamente e sublimadas através da
ceiros envolvidos, os emigrantes-imigrantes em imaginação poética e da melancolia da nostal­
especial, seu grupo de origem ou sua sociedade, gia. São dados essencialm ente po lítico s,
a sociedade de sua imigração, (illusio collusio), constitutivos de nosso ser político e, vice-versa,
o imigrante está aqui e lá, está presente e ausen­ de todo o nosso mundo político, assim como de
te ou, invertendo os termos, não está nem aqui nossa própria visão do mundo político e social.
nem lá, nem presente, nem ausente. Está duas Nesse sentido, esta visão seria como uma
vezes presente e duas vezes ausente: aqui, ele di-visão entre o que é nacional e o que não o é,
está presente física e materialmente, de maneira entre uma presença nacional e uma presença es­
corporal apenas, e ausente moral e mentalmen­ trangeira, entre o estatuto de uma e o da outra.
te, em espírito; lá, ele está nos fatos, física, ma­ Nosso entendimento político, aquele que te­
terial e corporalmente ausente, mas está moral, mos de nosso mundo sócio-político, mundo cons­
mental, imaginária e espiritualmente presente. tituído sobre uma base nacional, constrói-se de
Esse é um dos numerosos paradoxos da imi­ tal sorte que a presença estrangeira no seio da
gração: ausente onde está presente e presente nação não pode ser concebida de outra maneira
onde está ausente. Duplamente presente - efeti­ senão sujeita a características que são essenci­
vamente aqui e ficticiamente lá - e duplamente ais, no sentido em que são atributos constitutivos
ausente - ficticiamente aqui e efetivamente lá - o da noção de Estado e de sua soberania.
imigrante teria uma dupla vida, que ultrapassa e Toda presença estrangeira, presença não-na-
que é diversa da oposição tradicional entre vida cional dentro da nação, é pensada como presen­
pública e vida íntima: uma vida presente, banal, ça necessariamente provisória, mesmo quando
cotidiana, vida que pesa e enreda, vida segunda, esse provisório possa ser indefinido, possa pro-
ao mesmo tempo cronológica e essencialmente longar-se indefinidamente, criando, desta forma,

20 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


uma presença estrangeira permanentemente pro­ za, pois faz parte da própria natureza desta pre­
visória, ou em outros termos, uma presença du­ sença não ser natural, não ser uma evidência, e
rável, mas vivida por todos de maneira provisó­ não ser de tal modo que se possa dizer: “é natu­
ria, adequada aos olhos de todos por intenso sen­ ral que...”; a presença imigrante não poderia
timento do provisório. conter em si mesma seu próprio fim.
Presença provisória por natureza, o que tam­ Assim, ela é, no melhor dos casos, uma pre­
bém significa uma presença que se subordina a sença naturalizada, mas jamais uma presença
alguma razão que lhe é exterior, a alguma razão natural33; uma presença que resulta de uma cons­ 33. Um vocabulário próprio da lin­
guagem jurídico-política da natu­
que lhe serve de álibi, e da qual ela retiraria seu tante operação de naturalização (no sentido em ralização: operação quase mági­
significado e sua justificativa: esta razão, ou este que se fala da naturalização dos fatos sociais) e ca de transubstanciação (no sen­
álibi, constitui o trabalho. O trabalho é a razão de justificação, a presença estrangeira sendo uma tido religioso do termo), que con­
siste em fazer de um não-naclo-
de ser do imigrante, ele dá conta de sua presença presença apenas legitimada, portanto, uma pre­ nal, ou de um não-natural, um
que, na falta deste motivo, estaria confinada ao sença sempre justificável de um esforço de nacional, ou melhor, um naciona­
lizado, um naturalizado, porém,
absurdo aos olhos da razão nacional, da razão legitimação, mas nunca uma presença intrínseca nem por isso, o naturalizado é um
do Estado Nacional. O trabalho contém em si, a e fundamentalmente legítima, em tudo que se natural.
partir de nossa representação atual do mundo, pode dizer dessa presença, seja a seu favor, ou
toda a inteligência do fenômeno migratório, da ao contrário, para condená-la ou para denunciar
emigração e da imigração que, sem ele, seriam os seus efeitos (principalmente os efeitos soci­
incompreensíveis e intoleráveis sob todos os ais e os culturais), contribui, de certa maneira, a
pontos de vista, intelectual, ética, econômica, este esforço de legitimação do ilegítimo, de lici­
cultural e, não apenas, politicamente. tação do ilícito.
Presença não-natural, que não é por nature­ Provisória de direito, não tendo o seu fim em
Foto: UNHCR/22031/05.1992/A. Hollmann

Travessla Especial / Janeiro / 2000 - 21


si mesma, presença deslocada, presença extra­ se opera entre os cidadãos residentes, que per­
ordinária, a presença imigrante é obrigada, como tencem à nação e que gozam, desta maneira, de
quer e o exige a lógica do Estado, a se confor­ privilégios específicos, e os residentes que são
mar a uma neutralidade política. Fato dos mais estrangeiros à nação e que, por isso, são excluí­
políticos, pois trata-se, em última análise, de um dos destes privilégios que são atributos exclusi­
fato que concerne à cité, à população do país, a vos dos nacionais. É sem dúvida isto que faz com
população de hoje em seu estado presente e à que, inconscientemente, e portanto mais eficaz­
população nacional de amanhã, a imigração é mente ainda, todos os discursos sobre a imigra­
neutralizada politicamente, ela é despojada de ção e sobre a condição do imigrante concordem
sua natureza política pela extrema “tecnicização” objetivamente entre si. Eles emanam dos mes­
da qual ela é objeto: ela não é senão um instru­ mos esquemas de pensamento e de percepção do
mento, uma técnica a serviço do trabalho, e mais Outro, que é o estrangeiro; eles testemunham as
amplamente, a serviço da economia; ela não é mesmas definições que se têm sempre, tanto de
senão um dado da economia e não tem outra fun­ si, quanto deste outro - sendo a definição explí­
ção que a econômica. Sabe-se qual é o papel da cita deste outro como o negativo da definição
“tecnicização” nesse assunto: “tecnicizar” um explícita de si. Salvo variações de vocabulário e
problema social, como se faz da imigração tor­ de estilo é o mesmo discurso, pois ele é a ex­
nando-a um problema exclusivamente econômi­ pressão do mesmo modo de pensamento e do
co, é despolitizá-lo, ou melhor, a-politizá-lo; é mesmo tipo de representação, introjetados tanto
nisso que também consiste a naturalização dos pela classe dos politicos, pela esfera econômica
objetos sociais. (sobretudo entre os representantes do patronato),
Observando o que ocorre no campo da imi­ pelos meios jurídico-administrativos, como tam­
gração, não é seguro que, por razões exclusiva­ bém pela opinião pública. Neste sentido, não
mente políticas, a imigração, despojada de sua existe grande diferença entre a linguagem das leis
significação política, seja submetida à neutrali­ e dos regulamentos administrativos relativos à
dade política. É preciso que a isto se somem con­ imigração, a linguagem dos homens políticos
siderações de ordem ética, considerações de poli­ quando eles se pronunciam sobre este assunto, a
34. O termo “política" e “polidez” dez34, para que a neutralidade política da imi­ linguagem do mundo do trabalho, tanto a dos em­
não d e riv a m da m e sm a
etimologia? As concessões polí­ gração e sua a-politização sejam unánimemente pregadores como também a dos sindicatos que
ticas m ais essenciais não são compreendidas e reconhecidas. E descortés, con­ são os primeiros a poder conhecer o papel da
obtidas frequentemente pela me­ imigração, a linguagem do campo da ação soci­
trário aos bons usos e à moral social, imiscuir-se
diação ou pelo subterfúgio da po­
lidez? E sob pretexto de conces­ nos assuntos internos próprios da casa na qual al, os imigrantes sendo, de uma certa maneira,
sões acessórias e de pura forma se é recebido! É preciso que a imigração não seja componentes dos novos pobres da sociedade, e,
não se cede também frequente­
mente em coisas essenciais? mais o que era ou deveria ser idealmente, para enfim, a linguagem do senso comum. Elas não
que se encaminhe de outro modo, instalando-se, se diferenciam muito, porque participam de uma
então, em verdadeira heresia quanto à religião mesma representação e procedem de uma mes­
do Estado ou do Estado como religião. ma definição do imigrante e da imigração.
Ditadas pela razão de Estado, as característi­ Assim, remetida aos princípios mais gerais
cas próprias à presença imigrante, presença sui que presidem ao estatuto de todos que venham a
generis, encontram sua sanção ou sua suprema residir em outro país, a noção de retorno não pode
consagração na exclusão política fora da esfera ser totalmente independente desses princípios.
política, tal como ela é atribuída a essa presença. Seria impossível considerar que ela não tem nada
Todas essas características que definem a a ver com aqueles princípios. Sem dúvida, para
presença estrangeira não são tão ampla - e mes­ mais coerência e clareza, seria preciso começar
mo unánimemente - partilhadas, apenas em ra­ evocando, como um pano de fundo, todos os
zão de alguma adesão exterior que seria, não se dados que caracterizam, assim, a condição civil
sabe bem porque, como universal. O poder que do imigrante ou do exilado, antes de empreen­
têm de se impor a todos, assim como sua facul­ der - como se acabou de fazer - a análise muito
dade de universalização, adviriam antes do fato superficial dos motivos pessoais e das disposi­
de elas serem os produtos de nossas estruturas ções individuais que parecem governar a pers­
mentais - que são também estruturas políticas (e, pectiva do retorno. Este pode ser considerado
ocasionalmente, estruturas nacionais, e mesmo também no âmbito de suas realizações passadas,
nacionalistas) -, e que, paralelamente a isto, elas e não somente - como igualmente se acabou de fa­
estruturam, por sua vez, toda nossa concepção zer - sob o ponto de vista das reações de cada um e
política do mundo, a começar pela distinção que dos sentimentos que os motivam, ou sob o ponto

22 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


de vista das categorias que estruturam os modos devidos a circunstâncias essencialmente políti­ 35. Entre 1830 e 1915, 60% dos
emigrantes chegados nos Estados
de pensamento e as formas de personalidade. cas. Com efeito, dificilmente se concebe que as Unidos eram homens (70% entre
A propósito dos antecedentes históricos e não migrações, que constituem fugas diante dos ris­ 1900 e 1910); 70% a 80% dos
migrantes chegados na Argentina
mais m itológicos, à m aneira do retorno de cos políticos, que podem até mesmo incluir ame­ entre 1860 e 1920. Segundo os
Ulisses, e m A Odisséia, o primeiro exemplo que aças de morte e não somente de privação de li­ países de origem, entre os emi­
vem ¡mediatamente ao espírito é aquele da imi­ berdade, obedeçam a uma lógica eletiva de mes­ grantes a proporção de homens se
elevava, em 1910, a 87% para os
gração européia, durante todo o século XIX, em ma natureza que as migrações de trabalho. portugueses, 85% para os italia­
direção às Américas e, mais especialmente, aos Os exilados desse tipo - cujo exílio ou êxodo nos, e somente 50% a 60% para
os alemães, austríacos e britâni­
Estados Unidos. A esse respeito, estabeleceu-se, é devido a deslocamentos de fronteiras e, por cos.
é verdade, toda uma lenda, toda uma representa­ conseguinte, a supressões (politicamente falan­
ção alimentada de visões românticas, de anedo­ do) de territórios inteiros, a supressões de naci­ 36. O grupo de idade de 15 a 40
tas, de contos retomados pela literatura e pelo onalidades, ou ainda, a operações concertadas e anos foi sempre majoritário entre
os imigrantes, qualquer que fosse
cinema, que acabaram por impor a imagem de sistemáticas de banimento e expulsão, a medi­
o país de origem e de destinação,
uma imigração de povoamento, de uma imigra­ das de discriminação regional, étnica, religiosa, mais de 66% dos imigrantes nos
ção voluntarista e conquistadora, serenamente linguística... e de submissão cultural em especi­ Estados Unidos se situavam nes­
sa faixa etária; 83% dos imigran­
desvinculada de toda idéia de retomo. A reali­ al - não podem senão pertencer a todas as fra­ tes, no período de 1906 a 1910.
dade, porém, é outra. ções da mesma população, a todos os sexos, clas­
Até mesmo esta imigração - imigração de ses de idade, categorias sociais, e assim sendo,
37. Os recenseamentos de 1900,
longo curso, transoceánica, que se compraz des­ referir-se ao conjunto da população vítima des­ 1910 e 1920, nos Estados Unidos,
crever como uma transferência maciça de popu­ se estado de coisas. A relação ao mesmo tempo re g istra ra m , resp e ctiva m en te ,
22,2%, 22,6% e 19,5% de homens
lações inteiras partindo à conquista de terras vir­ com o país de imigração - que é aqui o país de brancos nascidos no estrangeiro,
gens, ou seja, como uma transferência definiti­ refúgio ou o país de asilo político, sem dúvida a isto é, imigrantes essencialmente
va, organizada e conduzida como tal - não esca­ única forma de exílio verdadeiro - e com o país europeus, nas cidades de mais de
2500 habitantes, contra somente
pou totalmente à regra do retorno. Essa imigra­ natal do qual se foi expulso, banido e do qual se 7,6%,7,7% e 6,7%, nos distritos ru­
ção, apresentada como o feito de famílias herói­ é o fugitivo e não somente o emigrante comum, rais. Todos esses homens, inclu­
sive a maioria daqueles que resi­
cas, demonstra na realidade, guardadas as devi­ coloca-se então de maneira totalmente diferente. diam no meio rural, estavam em­
das proporções, as mesm as características E, consequentemente, é também o retomo ou a pregados não na agricultura, como
eventualidade do retomo que não podem ser con­ se poderia esperar de uma emigra­
demográficas, sociais, econômicas, que as imi­ ção voltada para uma política de
grações intra-européias (inicialmente, e, em se­ siderados da mesma maneira que no caso dos ou­ povoamento colonial, mas nas ati­
guida, provenientes de paises não-europeus): imi­ tros emigrantes. O retomo está a espera, ao menos vidades industriais e nos setores
de transporte (os alemães e os in­
grações majoritariamente de homens35, e de ho­ em teoria39, de uma eventual mudança de contexto gleses principalmente, os irlande­
mens jovens36; imigração de homens chamados político, um retomo provável ao statu quo ante ou, ses, parcialmente, nas atividades
típicas da Revolução Industrial; os
a se estabelecer nas metrópoles da costa atlânti­ no mínimo, uma modificação que seja radical e, italianos, os mais numerosos en­
ca dos Estados Unidos e nos centros industriais evidentemente no sentido que se estima favorável, tre os im igrantes originários da
do norte (e não no oeste do pais); imigração de do regime político que se considera responsável Europa do Sul, nos empregos não-
qualificados da extração mineral,
homens chamados a trabalhar preferencialmen­ pela expatriação. Segue-se a isso que os desloca­ da construção civil, nas profissões
te nas atividades industriais, na exploração de dos e os refugiados desta categoria teriam a ten­ de artesanato, etc.).
minas e nos transportes, do que nas atividades dência a ser mais favoravelmente dispostos - a
agrícolas37; e, enfim, imigração de homens que despeito das intenções políticas que podem con­
não serão nunca definitivamente enraizados no tinuar a animá-los, a despeito do fato de que po­ 38. Para todos esses dados, reme­
te-se proveitosamente ao anuário,
país, visto que as taxas de retomo ao país de ori­ dem continuar a lutar politicamente pelas mu­ já antigo, organizado por W. F.
gem se situavam, durante o último quarto do sé­ danças políticas em seus países - por uma instala­ Willcox, International Migrations,
New York: Bureau of Ec. Res.,
culo XIX, em torno de 30% a 40% do total dos ção definitiva, logo sem espírito, e não somente
1929, reprinted in New York-Lon-
imigrantes, tanto britânicos - aparentemente os sem esperança, de retomo ao país de origem. dres-Paris: Gordon and Breach
que, por razões históricas e sociológicas, foram Esta relação diferencial quanto ao retorno Publications, 1969 (2volumes).

levados a se instalar definitivamente na terra de (permitida ou proibida, desejada e lamentada por


sua imigração -, quanto italianos, espanhóis, etc. não ter-se realizado ou, ao contrário, delibera­ 39. É o que se passa e se vive no
Entre 1908 e 1915, isto é, em uma época relati­ damente recusada), relação intimamente associ­ imaginário desse tipo de exilado,
apesar das denegações de pura
vamente tardia, e durante períodos relativamen­ ada àquela que se tem de sua condição de imi­ forma das quais ele pode ser pró­
te longos, retornaram aos seus países de origem38 grante e também, indiretamente, à condição de digo, e ainda que ele não afirme
nada disto e nem o afirme para si
mais de 50% dos imigrantes europeus nos Esta­ emigrante e, em certos casos, do exilado, do ba­
mesmo, é o que expressa o dese­
dos Unidos. nido, do proscrito, do refugiado político, etc., jo, mais ou menos secreto, mais
Certamente, nem todas as migrações apresen­ reúne estruturalmente a oposição que se costu­ ou menos sincero, mas segura­
mente o mais caro, de todo exila­
tam as características aqui apontadas. E o caso ma fazer entre duas formas de imigração fen o ­ do, quaisquer que sejam as razões
notadamente dos deslocamentos de população menalmente diferentes, isto é, nas aparências. de seu exilio.

Travessia Especial I Janeiro / 2000 - 23


40. Tem-se produzido um verda­
deiro artefato, isto é, um enuncia­
do que não é nem verdadeiro nem
Im igração de trab alh o e
falso, e portanto pode ser ao mes­
mo tempo verdade ou falsidade,
im ig ra çã o de p o v o a m e n to
segundo o uso que se faça dele,
mas que é sem cessar retomado
e reproduzido tal qual, sem que se
encontre aí o que acrescentar.

41. “Maus” imigrantes, imigração or comodidade de exposição, mais do gração de trabalho” é uma imigração que
“má”: algumas destas qualifica­
ções depreciativas podem parecer
que por razões de verdade sociológi­ retornará, refluirá, e que a imigração familiar
exageradas à vista da eufemi- ca, habituou-se a distinguir de manei­ é uma imigração que permanecerá, implantar-
zação generalizada, na qual se ra artificiosa40, uma imigração de trabalho de se-á, e formará descendência. Uma trabalhará
envolvem, em regra geral, o dis­
curso habitual sobre a imigração, uma imigração de povoamento. quando muito para a prosperidade do país; a
e, especialmente, a linguagem dos Evidentemente, esta oposição é rica de sub­ outra, sem que o saiba, para a posteridade do
dominantes, quando se propõe a
mencionar as diferenciações soci­ entendidos e de pressupostos ideológicos, e até país, sobretudo quando este tem necessidade
ais existentes na realidade. Sobre­ mesmo racistas. A imigração de trabalho, que de um reforço em natalidade.
tudo quando essas considerações, A sociedade de imigração encontraria al­
características distintivas que atu­
não tem outra razão de ser que o trabalho, é
am necessariamente em detrimen­ uma imigração de adultos, de homens em sua gum reconforto nessa situação - mas sob con­
to dos dominados, tendem, unica­ maioria. Ela é pensada e definida como uma dição de que isto lhe convenha, que ela se be­
mente por sua enunciação, a in­
correr, seja por puro etnocentris- imigração essencialmente provisória, enquan­ neficie disso - ao louvar o sinal de confiança e
mo, seja por preconceitos e ver­ to a realidade desmente esta representação que reconhecimento de que certos imigrantes (os
dadeiro partis prís, no risco objeti­ bons, para acircunstância) fazem prova, ao nela
vo da acusação de racismo. Cer­
dela se faz; é uma imigração puramente ins­
tamente, não há como não se ale­ trumental, tolerada como um mal menor, mas depositar, o que eles podem ter de mais caro e
grar, do ponto de vista da moral, jamais desejada; é reputada inassimilável. precioso, suas famílias, suas esposas e seus
pelo trabalho de eufemização em­
preendido aqui e ali, espécie de Certos autores chegam a fazer corresponder filhos de pouca idade e, consequentemente,
controle efetuado sobre si, de auto­ a essa primeira oposição uma segunda, a opo­ não somente seu presente imediato, aquele da
censura ou de auto-correção. E, labuta e do salário, mas o seu futuro. Em opo­
sem dúvida, é preciso ver nessa
sição entre uma imigração de quantidade e uma
forma de polidez um dos efeitos imigração de qualidade: a primeira seria cons­ sição, a imigração dita de trabalho é percebi­
benéficos da relativa vulgarização tituída pela imigração de trabalho, a segunda da como uma imigração recalcitrante, descon­
(ou democratização) do relativismo
cultural que, numa primeira apro­ seria aquela que se desejaria prestigiosa, fiada, em atitude de defesa, uma imigração que
ximação e ao preço de uma enriquecedora por si, não infam ante e é também suspeita de ser, ela própria, suspei-
distorção em relação ao sentido
original, parece ter descido do céu enobrecedora, cultivada, tudo isso conferindo- tosa. Dela também se diz que é parasitária,
puro do axiomático científico so­ lhe a disponibilidade de se deixar assimilar e porque não manifesta um grande investimen­
bre a terra, neste século e nas prá­ to, e sobretudo, investimento afetivo e simbó­
ticas mais correntes. No entanto,
assimilar-se por si mesma.
não se pode, apesar disso, igno­ Essa imigração é, evidentemente, uma imi­ lico, que dela se espera quanto à sociedade de
rar ou fingir ignorar o que as aqui­ gração familiar, as pessoas de qualidade não imigração.
sições culturais de nossa época -
que são também aquisições simul­ poderiam se separar de seus cônjuges e de seus Imigração de trabalho, de um lado, imigra­
taneamente sociais, éticas, políti­ filhos41. ção de povoamento, de outro, esta oposição
cas, e mentais - mascaram, recal­ postulada por suas comodidades classifi-
cam no inconsciente social e tor­
Tudo isso conduz a admitir, sem que nada
nam inconfessáveis, para o mo­ tenha sido estabelecido nem teórica, nem catórias42, por mais que fosse fundada na ra­
mento, mas não impensáveis. As­ empíricamente, sem que se tenha dado nenhum zão e de forma argumentada, jamais a frontei­
sim, em outros tempos, nos é per-
fundamento sério a esta afirmativa, que a “imi­ ra entre as duas teria sido bem estabelecida.

24 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


mitido bem mais que agora opor
uma imigração que seria apenas
de trabalho e de trabalhadores a
uma imigração que seria de povo­
amento com as qualidades que es­
tão associadas a esta opção. Ne­
cessita-se da autoridade cientifica
de um M. Coornaert - por exem­
plo, grande historiador medieval,
professor no Collège de France -
e também dessa forma de autori­
dade, espécie de engenhosidade
ou de Inocência, que os grandes
cientistas podem demonstrar,
quando pienos da autoridade que
lhes é reconhecida no seu campo,
são solicitados a se pronunciar
sobre assuntos ou objetos sociais
relativamente afastados do domí­
nio de suas competências especí­
ficas, sendo levados a produzir
(sem que realizem plenamente as
condições sociais nas quais efe­
tuam esse tipo de produções e,
assim, a própria significação e,
portanto, as consequências soci­
ais destas produções) textos que
são, de fato, manifestos e confis­
sões autorizadas, incomuns, isto
é, no sentido da opinião mais usu­
al e mais comum. Assim, a equipe
cientifica do INED (Institut National
d'Études Démographiques), tendo
empreendido a publicação, em
1947, de um conjunto de textos
reunidos para formar o Cahier n°2
de Documents sur /'Immigration.
sob a direção de Louis Chevallier,
autor de um texto redigido em
1944, intitulado “Principaux
aspects du problème de
I'immigration”, havia pedido para
M. Coornaert preparar a publica­
ção em questão. Remetendo “às
práticas da imigração do Antigo
Regime" e “em oposição à história
recente do século XIX', ele realiza
um texto muito interessante,
“L'Etat et I'immigration de maln-
d'oeuvre sous l'Ancien Régime",
que não faz senão sistematizar,
sem hesitação e com toda inge­
nuidade, a oposição entre o que
ele denomina uma imigração de
quantidade (imigração contempo­
rânea, desde o século XIX) e uma
Imigração de qualidade (tal como
era praticada nos tempos antigos).

42. Havería imigrações boas e


úteis somente para a primeira fun­
ção, o trabalho, e delas não have-
ria então nada mais a esperar. São,
em regra geral, quase sempre as
imigrações mais numerosas, as
imigrações do momento, originári­
as principalmente dos países mais
pobres e mais distantes, sob to­
dos os aspectos. Haveria imigra­
ções diferentes destas que, além
da função do trabalho, trariam algo
mais à ordem social, política, cul­
Foto: UNHCR/20028/03.1990/A. Hollmann tural e demográfica.

Travessia Especial / Janeiro / 2000 - 25


Hoje não existe imigração considerada de po­ a liberdade e segundo o que acreditam ser seu
voamento, e mesmo de colonização que não interesse, a decisão de partir; são eles que de­
tenha começado como uma imigração de tra­ cidem, por si mesmos e por sua própria conta
43. A imigração européia nos Es­ balho43: é o caso exemplar da imigração arge­ por quanto tempo vão ficar e, ao final deste
tados Unidos, durante a segunda período, decidem se lhes convêm retornar, se
metade do século XIX, constitui
lina na França. Arquitetada especialmente para
uma excelente ilustração deste ser apenas uma imigração de trabalho, toda sua ganham com isto, ou ao contrário a retardar o
paradoxo. Ao contrário, pode-se gênese histórica é inteiramente determinada retorno e talvez mesmo a renunciar a ele total­
dizer que não existe imigração
considerada essencialmente uma pela ação colonial: em parte, de maneira indi­ mente. Este ponto de vista, que se pode taxar
imigração de trabalho, e também reta, pela ação global da colonização sobre de ingênuo, quando só é a expressão do senso
desejada como tal por todos os
parceiros envolvidos (os dois pa­
todas as estruturas da sociedade colonizada comum, revela, quando incorporado por cer­
íses entre os quais ela se divide e (suas estruturas sociais, políticas, econômicas tos homens de ciência, o princípio mais geral
os próprios interessados) que não e culturais, todas intimamente ligadas umas às que está na gênese do que eles chamam o indi­
tenha acabado ou acabe um dia,
sem seus próprios efeitos - o efei­ outras); e em parte, de maneira direta, pelo que vidualismo metodológico, um pré-conceito de
to se tomando aqui retroativamen- a França em guerra fez aos trabalhadores das método consistindo a calar ou a minimizar a
te causa -. por converter-se em
imigração familiar, logo, de povo­ Colônias (já antes da Primeira Guerra Mundi­ parte que as estruturas objetivas, isto é, as re­
amento. al), principalmente argelinos, requisitados du­ lações de força presentes, assume em todas as
rante as hostilidades, a título de militares e a relações sociais.
título de operários, para o escavamento de trin­ Deste ponto de vista, a realização da mi­
cheiras (por ocasião da Primeira Guerra Mun­ gração toma quase sempre a aparência do pa­
dial), e de operários da indústria de armamen­ radoxo do monte de areia. No começo, o que
to, e após a Guerra, visando aos trabalhos de se vê são sempre alguns resíduos arrancados
reconstrução. da rocha-mãe, estes grãozinhos de pedra se­
Esta imigração engendrada de maneira qua­ rão transportados pelo vento na direção que é
se experimental por uma verdadeira operação a sua; mas se no caminho surge um leve obstá­
de cirurgia - sem dúvida porque foi uma das culo ou se interpõe um pequeno acidente de
primeiras, senão a primeira imigração origi­ terreno, que servirão de primeiro incidente de
nária daquilo que hoje se chama o Terceiro percurso e de primeiro ponto de retenção para
44. Temos toda razão em pensar Mundo, ou o mundo subdesenvolvido44 - pre­ o primeiro grão de areia depositado, este será
que a França (e não a Inglaterra),
no mundo desenvolvido atual, in­ cisou de mais de meio século para fazer o início da formação da duna que só será vista
ventou pela mediação de seu im­ corresponder as duas formas de imigração, a quando tiver atingido o tamanho adulto. Veem-
pério colonial e no seio dele, atra­ se os grãos de areia transportados, pode-se vê-
vés da mais preciosa de suas co­
imigração de trabalhadores isolados e a imi­
lônias, a Argélia, o recurso maci­ gração de suas famílias. E porque esta imigra­ los depositar-se, mas só se vê a rocha se erodir
ço, e com o único fim de obter ção relativamente precoce - ela começou após e a duna se formar muito tempo após a desa­
mão-de-obra assalariada e prole­
tária, aos emigrantes retirados de 1880 e de maneira muito significativa nos pri­ gregação e a acumulação. Uma nova duna se
suas terras coloniais. Correlativa­ meiros anos deste século - perdurou quase sem somando às outras na imensidão do deserto, o
mente, a Argélia - país intensa­ pó da areia, que as constituiu, pode ainda ser
mente colonizado, integrante do
descontinuidade até hoje, teve todo o tempo
mundo do subdesenvolvimento no necessário para suscitar sua substituição a par­ levado e transportado para se aglutinar a uma
estado atual -, é o primeiro dos tir dos anos 50, sob a forma mais completa e outra duna mais longe ou para contribuir à for­
países deste mundo a recorrer ao
trabalho assalariado disponível qualitativamente diferente de uma imigração mação de uma nova duna, mas nunca se verá
nos países do mundo desenvol­ familiar - o que as outras imigrações operári­ os grãos de areia retornarem à primeira rocha
vido.
as do Terceiro Mundo, porque muito mais tar­ da qual se destacaram, se por acaso esta rocha
dias, não tiveram necessidade de fazer ou não ainda existir!
tiveram necessidade de um tempo tão longo Neste caso também a irreversibilidade do
para fazê-lo -, as duas formas de imigração não tempo proíbe este deslocamento em sentido
se sucedendo mais, no mesmo caso ou para o inverso, proíbe a reversibilidade deste movi­
mesmo indivíduo, senão com alguns anos de mento que não é mais um movimento no espa­
intervalo. ço, mas no tempo. Metaforicamente, acontece
No que se refere às migrações, o pensamen­ o mesmo com a migração: vêem-se os emigran­
to dominante - a doxa comumente partilhada tes partirem uns após os outros, vêem-se os
ou que poderia se chamar o bom senso comum, imigrantes chegarem uns atrás dos outros e uns
pronto a se satisfazer da observação empírica seguindo os outros, mas só se compreende o
e do que esta lhe traz, mais do que da revela­ que é a emigração lá e o que é a imigração
ção de verdades escondidas - é levado a privi­ aqui, posteriormente, quando o processo já está
legiar o ponto de vista individualista: são in­ bem encaminhado, quando a duna já está for­
divíduos isoladamente que tomam, com toda mada.

26 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


In serção e re-inserção:
a c o n tin u id a d e de um a
45. Este ato, apenas considerado
m esm a relação de forças no seu estado disperso, é, na rea­
lidade, um ato objetivamente co­
letivo, conduzido (nem sempre
sem seu conhecimento) de manei­
ra organizada somente pelo pais
de imigração, o único a possuir a
em dúvida para uma compreensão mais capacidade de fazê-lo.
total desse fenômeno, convém mudar de
perspectiva. E preciso se colocar de ago­
46. É o que se faz geralmente ao
ra em diante, não mais do ponto de vista intimista, postular que a verdade do fenô­
das reações individuais, afetivas, das reações do meno está contida inteiramente na
coração que tomam frequentemente a forma de conduta e no livre arbítrio dos in­
teressados que decidem ou não
feridas, ou então do ponto de vista da análise emigrar, e ao assumir a resolução
impressionista objetiva ou subjetiva, da melan­ de tecnicizar, e por consequência,
de despolitizar um fenômeno en­
Foto: Pedrão colia nostálgica. tretanto essencialmente político,
Trata-se da relação objetiva na qual se encon­ uma vez que ele concerne a seus
tram, um frente ao outro, os países vinculados cidadãos nas duas partes: atuais
para o país de emigração e po­
pelo ato migratório de indivíduos singulares45. E tenciais para o país de imigração.
a estrutura dessa relação, que está além e é de
uma outra natureza que as reações dos agentes,
47. Espera-se dele, para o simples
que convém tomar em consideração, para com­ conforto da ordem social, moral,
preender plenamente a significação da ambigui­ política, econômica, cultural, mes­
mo intelectual, que assegure, diga
dade política associada à noção de retomo do imi­
o que ele quer fazer (como se tudo
grante. dependesse apenas de sua von­
A migração internacional - mesmo quando tade), que se pronuncie de manei­
ra totalmente determinada, mani­
resultado harmônico de convenções bilaterais (e festa e conhecida por antecipação,
sobretudo nestes casos, diriamos) - é o produto em favor de um dos termos desta
alternativa que é, no fundo, uma
de uma relação de forças. Negá-lo, ou somente exigência da lógica política (e de
ocultá-lo46, é sempre vantajoso para o mais forte, Estado neste caso) de nosso uni­
para o parceiro em posição dominante, que é aqui verso nacional. Espera-se natural­
mente isso como se a escolha lhe
sempre o parceiro que oferece em seu território fosse dada unilateral e decidida­
possibilidades de empregos, e jamais o parceiro mente, com todo conhecimento de
causa, fosse previsível e pudesse
que só tem a oferecer os seus trabalhadores des­ enunciar-se a prior/, como se a
providos de trabalho em suas terras. indeterminação nessa relação não
Nesta ótica, submetidas ao modo de pensar estivesse objetivamente inscrita na
dupla condição de emigrante e imi­
da nação, as noções de retorno do imigrante à grante. Não se dirá nunca o bas­
sua sociedade ou, ao contrário, de fixação defi­ tante sobre isso, esta espécie de
falácia que decorre de nossas pró­
nitiva na sociedade do país de imigração47, ex- prias estruturas mentais aplicadas
primem-se em um outro vocabulário que traz a a um objeto dessa natureza.
marca de um voluntarismo político nacional e na­
cionalista e de um intervencionismo estatal. 48. Sobretudo no caso do Estado
O retomo é então nomeado reinserção, e é concernido pela emigração, cujos
meios de negociação nesta ques­
pela mediação deste termo-álibi, aceitável por to­ tão são quase inexistentes, a pre­
dos, que os Estados interessados podem, resguar­ sença estrangeira ou não-nacional
é da ordem da soberania plena e
dada a sua soberania, negociar ou fingir negoci­ total do país de residência.
ar48 os procedimentos que convém dar ao retor­
49. E, evidentemente, para o mai­
no.
or bem de seus imigrantes, pois
A opção inversa ao retomo, tal como o país não se concebe (outra ilusão!) que
de imigração espera conduzir com toda autono­ possa existir antinomia ou somen­
te divergência entre os interesses
mia, em seu próprio território, por sua própria da nação e aqueles proclamados
conta, e também para seu próprio bem49, recebe dos imigrantes.

Travessia Especial / Janeiro / 2000 -27


50. Para tomar um exemplo, todo por parte dele o nome de inserção e, mais explí­ cional e de suas preferências implícitas, quase
o discurso sobre a imigração na citamente, o de integração50. Assim, uma nova naturais, menos bem posicionados e apreciados
França se divide entre estes dois
pólos. Desde a interrupção ou a divisão se opera do ponto de vista da política de que os primeiros, dos quais se é levado a louvar,
suspensão da imigração dos tra­ imigração entre, de um lado, os imigrantes, que é por contraste, a maior faculdade de adaptação, a
balhadores estrangeiros - medida
tomada ao mesmo tempo por to­ oportuto inserir ou integrar, e que seriam os bons maior capacidade de assimilação e a melhor
dos os países europeus sensivel­ imigrantes, que aliás não pediríam senão isto e assimilabilidade. Chegando até mesmo ao ponto
mente nas mesmas datas, sob o de fazer depender o sucesso do esforço de
que com toda boa vontade subscreveríam a esta
efeito conjuntural do que se cha­
mou então o primeiro choque do iniciativa, a mais benéfica de todas para eles, integração de uns, da operação de reinserção dos
petróleo (1973-74), e confirmada como se gosta de proclamar; e de outro lado, os outros, isto é, de sua eliminação, criando, assim,
em seguida em razão da crise eco­
nômica que atingiu os países oci­ imigrantes que, antes rebeldes, desejariam não se no seio da mesma população e da mesma condi­
dentais -, a França começou a fa­ beneficiar desta vantagem5', mas que seria preci­ ção social e civil (no sentido do direito), duas
zer valer e a colocar em ação sua
so, por esta razão, ajudar de uma maneira ou de categorias antitéticas de interesses.
política de reínserção, possibilitan­
do o encorajamento e a ajuda por outra a retomar ao seu país de origem, a reinserir- Segundo um processo totalmente análogo e,
diversos canais: o pagamento de se em sua sociedade e em sua economia, e, tanto grosso modo, pelas mesmas razões, que perten­
um abono, correspondente na épo­
ca a 10.000 FF, depois que a situ­ quanto possível em um nível superior52 - estes cem à ordem e à lógica da Nação e salientariam
ação do candidato tivesse sido re­ imigrantes sendo, do ponto de vista da lógica na- então aquilo que se poderia chamar “o amor-pró-
gularizada diante dos organismos
sociais; um estágio mais ou me­ Foto: UNHCR/24012/02.1994/A. Hollmann
nos longo de form ação qualifi-
cante, mas desta vez à destinação
do país de origem, cujo consenti­
mento prévio é solicitado (o objeti­
vo sendo a definição das forma­
ções técnicas prioritárias, o que,
de uma parte e de outra, faria so-
çobrar este procedimento no oce­
ano das formalidades administra­
tivas e das lentidões burocráticas
acum uladas), com o se alguns
meses de aprendizagem acelera­
da lograssem e compensassem o
que anos de vida profissional não
realizaram; uma ajuda para a cria­
ção de empresa, sempre no país
de origem (país do qual se foi se­
parado às vezes durante numero­
sos anos) como se, pela virtude ou
a magia da imigração, simples pro­
letários fossem tomados pelo es­
pírito de em preendim ento e se
convertessem em empresários em
países mal equipados sob este as­
pecto, e sem se saber se isso lhes
é vantajoso ou se aumenta as difi­
culdades. Foram centenas de mi­
lhares de retornos programados no
espaço de alguns anos e todo um
plano global requerendo a contri­
buição de diversos organismos so­
ciais (os fundos de seguridade so­
cia l, de a p o s e n ta d o ria , de
alocações familiares, de indeniza­
ção por desemprego, etc.; os ser­
viços sociais do Ministério do Tra­
balho, da Formação Profissional,
a Agência Nacional de Imigração,
etc.) e executado para obter esse
resultado. Porém, no fim das con­
tas, não somente o balanço da
operação contínua claram ente
abaixo do previsto, mas parece
também que não há retornos finan­
ciados ou visando à reinserção, a
não ser aqueles que ocorreríam de
qualquer maneira, em primeiro lu­
gar dos imigrantes portugueses,
que podiam voltar alguns anos
mais tarde sob o estatuto de cida­
dãos de um Estado-membro da
União Européia.

28 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


prio nacional”, mas de um ponto de vista total­ to comum e cotidiano da imigração (tudo aquilo
mente simétrico, o próprio país de emigração - sobre o qual o país da emigração não tem ne­
confrontado à conjuntura da reinserção de seus nhum poder) - o retorno e a incitação mais ou 51. É preciso reconhecer-lhe esta
emigrantes, para a qual se é convidado e à qual menos camuflada do retomo constituem para os liberdade e o direito de recusar,
mesmo quando isto é contrário ao
não se pode furtar53 - é levado também a confir­ dois parceiros a ocasião, cada um à sua maneira, seu interesse, a vantagem que lhe
mar e reforçar a distinção que o país de imigra­ de experimentar o mais intensamente (sobretudo é assim oferecida!
ção acaba de fazer entre os imigrantes. no caso do parceiro em posição dominada, o país
Qualquer que seja o custo, e certamente por da emigração) a relação de força que está no prin­
custar, tanto ao Estado globalmente - que, além cípio da relação de migração.
de deixar de receber as divisas que lhe garante a Momento privilegiado em favor do qual se
emigração de seus súditos, vê sobrecarregar-se desmascara a verdade desta relação, o retomo - 52. É preciso que a Imigração,
seu fardo demográfico - como individualmente, desde que objeto de um discurso público quase para além de todas as vantagens
a ela atribuídas, tenha ainda este
a cada um dos interessados, os emigrantes que oficial e mais ainda de disposições políticas dos último mérito!
escolhem e aceitam retornar definitivamente ao poderes públicos - age como uma espécie de cha­
seu país, são vistos tendencialmente e sobretudo mado da dimensão nacionalista à qual está con­
vêem-se a si mesmos como os bons emigrantes, frontado o fenômeno migratório, de um lado e de
os puros, os incorruptíveis - seu comportamento, outro da fronteira (entre nações e entre naciona­
53. As necessidades da ordem
na circunstância, valendo realmente a seus olhos lismos) em que se divide. Ele é percebido, em nacional e as lógicas dos perten-
como brevet de nacionalismo e patriotismo. Ao particular pelo país de emigração, como um de­ cim entos nacionais fazem com
que haja limites mentais ao espa­
contrário, os outros emigrantes, aqueles que se safio nacionalista que lhe é lançado, aquele de ço das respostas concebíveis,
deixaram seduzir pela sociedade do país de imi­ retomar os seus, de retomar seus cidadãos, que receptíveis: nenhum Estado pode
gração e por sua condição de imigrantes, não não se quer mais em outros lugares. dizer a um outro: "Eu lhe impo-
nho a presença sobre o seu terri­
podem deixar de ser considerados, no mínimo, Nesta circunstância, enquanto o país de imi­ tório [o território da soberania na­
como nacionalmente suspeitos, mesmo se, no fun­ gração se autoriza a falar sobre o direito ao retor­ cional] de m e u s c id a d ão s", e
tampouco, "eu não quero, eu re­
do, proíbe-se de lhes intentar abertamente um pro­ no - como se o retomo dos emigrantes, isto é, dos cuso o retorno, a presença sobre
cesso sob este aspecto, mesmo querendo se en­ cidadãos exclusivos do país de emigração, por­ o m eu território de meus próprios
contrar para eles circunstâncias atenuantes, pois tanto emigrantes reconhecidos pelo Estado e ga­ cidadãos emigrantes vindos da
terra dos outros".
acontece o mesmo com toda representação que rantidos como tais, pudesse em si mesmo, e não
se constituiu sobre a emigração e sobre o próprio nas condições de sua efetivação, ser contestado
resgate desta representação e, em definitivo, com em direito, ser renegado e recusado aos cidadãos
a própria emigração. Pode-se, a rigor, deplorar nacionais emigrantes no estrangeiro -, o país da
nacionalmente que eles tenham tido a possibili­ emigração não tem outra resposta senão procla­
dade de escolher a solução do retomo, que eles mar publicamente (isto é, na intenção dos outros
sejam constrangidos a fazer perdurar a solução entre os quais notadamente o país de imigração,
do exílio, mas não se pode censurá-los explicita­ mais que na intenção de seus próprios emigrantes),
mente de se desviarem voluntariamente de seu que é de seu dever, que ele se faz um dever, que ele
país. Não se podería chegar até este extremo, pois, cumpriría o seu dever de acolher seus emigrantes,
além do fato de existirem relações e interesses esta parte integrante dele mesmo que as circunstân­
bem reais - materiais e não somente simbólicos - cias obrigaram ao exílio em um país estrangeiro.
a salvaguardar, uma condenação franca por naci­ Evocou-se, por exemplo, a constituição, por
onalismo da escolha feita (recusa-se acreditar que parte da França, como país de imigração, da opo­
seja uma escolha, pois é uma necessidade) em sição complementar ou dialética entre inserção e
favor do prolongamento da imigração antes que reinserção, no momento preciso em que ela pre­
54. Este retorno continua a ser
do retomo ao país natal54, questionaria novamente tendia conduzir paralelamente duas operações sempre visto como sendo neces­
todo o edifício sobre o qual repousa o sistema similares, a fim de reduzir a presença estrangei­ sariamente, por definição, um re­
torno secretamente desejado - e
migratório e, mais particularmente, todo o siste­ ra, notadamente a de trabalhadores imigrantes e nem poderia ser de outro modo -,
ma de justificação e legitimação que se deu à emi­ suas famílias: inicialmente, interromper todo cres­ como um retorno que o emigran­
gração, todo o sistema de louvores e méritos pelo cimento e toda renovação desta presença; em se­ te não teve apenas a possibilida­
de mental de realizar, um retorno
qual não se cessou de gratificá-la, em suma, toda guida, impor e proceder ao repatriamento dos imi­ que ele está sempre à espera de
a ideologia que está no seu fundamento. Assim, grantes que já estão em solo francês. Porém, para poder satisfazer, mas jamais, pois
isto é nacionalmente inconcebível,
sem dúvida, mais que o ato primeiro gerador da uma compreensão mais ampla desta relação que como um desejo e também um
emigração e da imigração - quer este ato se situe tende a desfazer o que a relação inversa de emi- objetivo aos quais ele terla renun­
no âmbito de uma convenção inter-estatal, quer ciado por si mesmo, voluntaria­
gração-imigração fizera em seu tempo, é perti­
mente.
esteja a margem de todo acordo desta espécie, e nente evocar o que foi, a título de réplica, a atitu­
também e sobretudo mais que o desenvolvimen­ de de um país de emigração, a Argélia.

Travessia Especial / Janeiro / 2000 - 29


A rein serçã o co m o afirm ação
da id en tid a d e n a cio n a l
do p aís de em igração

em dúvida, é preciso assinalar o lugar virtude”. E de se desfazer em proposições lison­


particular que ocupa a Argélia, primei­ jeiras para si e para seus emigrantes, que teriam
ramente, na história da imigração na então decidido voluntária e livremente por sua
França há um século, a imigração argelina sendo inserção (quando, de fato, decidiu-se em seu lu­
o protótipo mesmo da imigração de origem colo­ gar), e, ao mesmo tempo, um pouco vingativas
nial (imigração de trabalhadores coloniais, como com respeito aos paises de imigração: seria de
foram designados por muito tempo); em seguida, outro modo ou, em outros termos, o retorno da­
no que se refere aos efetivos globais da popula­ ria a impressão de ser obrigatório, não teria en­
ção imigrante, a população argelina na França foi tão nada de glorioso em si mesmo; e, consideran­
por muito tempo e talvez continue ainda a ser a do as expectativas coletivas que são necessaria­
mais numerosa, sobretudo se incluirmos os fran­ mente aquelas de caráter nacionalista, marcadas
ceses de origem argelina que, por isto, não são por uma intenção de revanche política e histórica
mais considerados como estrangeiros (é o caso - as expectativas da política, inclusive, mais que
sobretudo, independentemente das naturalizações as da sociedade global ou ainda do grupo de ori­
de adultos, de todas as crianças nascidas na Fran­ gem, da família, do próprio interessado -, seria
ça, a partir de janeiro de 1963). E, enfim, no ima­ então ressentido como um fim vergonhoso. Na
ginário coletivo francês - o que não deixa de ter falta desta conivência, que não tem necessidade
importância, em razão principalmente das rela­ de ser articulada para produzir os efeitos que dela
ções antes tumultuadas entre os dois países du­ se espera, a incitação ao retomo, sobretudo quan­
rante toda a história colonial e para além dela -, o do se faz insistente, corre o risco de ser recebida
fenômeno migratório representa para os dois pa­ e compreendida pelo que é objetivamente, isto é,
íses um prolongamento desta história. uma expulsão mal camuflada, e consequen­
Recai-se ainda aqui sobre as considerações temente, um ato de hostilidade contra o país de
de nacionalismo e os problemas de amor-próprio emigração.
nacional. Uma política de refluxo da parte dos A reinserção que proclamam - após tê-la re­
países de imigração - mesmo quando envolta, tomado por sua própria conta, certos países de
como foi o caso na França, de sutis eufemismos e emigração, uns mais que os outros - não é so­
acompanhada de sedutoras precauções (os pro­ mente um problema técnico. Ela está mesmo lon­
testos de boa fé e das melhores disposições dos ge de sê-lo, seja porque o país de origem tenha
responsáveis por esta política) ou das melhores necessidade de uma mão-de-obra formada que
justificações (a formação-retomo, por exemplo), lhe fornecería sua emigração viva e atuante nas
ornando-se suficientemente àefair-play a fim de sociedades industrializadas e de economia mo­
obter o acordo, não passaria de pura forma - uma derna, seja porque as relações políticas com os
tal política não podería receber o assentimento países de imigração tenham necessidade de ser
que procura. Nenhum país de emigração pode de­ liberadas da pressão que se exercia sobre elas
centemente endossar esta política, pelo menos pu­ através da pessoa dos emigrantes. Porém, acima
blicamente e de maneira manifesta sob a forma, de tudo, o discurso sobre a reinserção não pode
por exemplo, de uma proclamação explícitamen­ ser totalmente dissociado do próprio retomo, obe­
te enunciada; da mesma forma, só lhe resta uma dece uma outra lógica. Assim, no caso da Argé­
coisa nesta circunstância: “da necessidade, fazer lia, para retomar o exemplo singular deste país

30 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


que decidira pela suspensão da emigração para a
França (setembro de 1972) - antes mesmo que
esta tivesse deliberado, de sua parte, por uma
medida na mesma direção (julho de 1973), inter­
romper a emigração - é algo que tem sua própria
significação no contexto em que se decidiu por
ela. Não basta deliberar sobre a emigração de
hoje, é preciso voltar sobre a emigração passada,
sobre toda a história da emigração que se con­
funde aqui com a história colonial na sua totali­
dade, e que tem valor emblemático neste senti­
do. O discurso sobre a reinserção, independente­
mente de seus efeitos, toma forma, sobretudo
quando aparenta ser verdadeiramente autônomo
e não como a retomada dissimulada do discurso
do país de imigração, de uma revanche sobre a
história antiga (sobre a colonização e a emigra­
ção que é sua filha). Ele se pretende uma manei­
ra mágica de negar esta história ao negar os efei­
tos dela e ao reintegrá-los.
Enquanto nacional no estrangeiro (fora da
nação), o emigrante só tem como solução legíti­
ma em sua condição de imigrante o retorno lógi­
co, necessário, inelutável ao país, mesmo quan­
do este retomo é adiado para o fim da vida ativa,
às vésperas da morte ou somente post mortem,
para ser enterrado na terra natal. Tipo de discur­
so tendo seu fim em si mesmo, o discurso sobre a
reinserção dos imigrantes nos países de destino e
dos emigrantes nos países de origem, basta-se a
si mesmo, e isto no caso de efetivamente haver
retomo ou não, sendo este definitivo ou não, ou
somente ilusório, etc. E a própria idéia de que a
reinserção possa ser submetida a condições ma­
teriais de p o ssib ilid ad e e depender de
determinismos sociológicos, que seja subordi­
nada a considerações exteriores e que seja de
natureza quase instrumental, que não vá por si só
e não se imponha naturalmente (sob o modo: “é
natural que... ”) e por si mesma, e como se gosta
de acreditar e de se autoconvencer, é esta idéia Foto: UNHCR/24281/12.1994/A. Hollmann
que está excluída por ser impensável, insustentá­ (em estado individual) como objetiva ou nacio­
vel e insuportável. nal (em estado coletivo), seu modo profético, etc.
Este discurso também deve tudo isso, defini­ Recusar-se responder - nem mesmo negativamen­
tivamente, ao fato de que participa da lógica na­ te, pois mesmo isto tem valor de consentimento -
cional (e nacionalista), que distingue entre o na­ a este discurso não deixaria de ser interpretado,
cional que se é e que se deve continuar a ser onde sobretudo nos casos mais flagrantes, como uma
quer que se encontre (mesmo emigrante fora da falta ou prova de traição. E os emigrantes que se
nação), e o não-nacional que não se deveria ser, tomam culpados desta falta são considerados
idealmente, em nenhuma parte. E ainda deve ao como más pessoas, maus argelinos, renegados ou,
fato de ser fundamentalmente um discurso naci­ o que é pior no caso em questão, como coloniza­
onal, e mesmo nacionalista e patriótico, numero­ dos em novo estilo, colonizados anacrônicos (no
sas destas características mais específicas, tais momento em que seus compatriotas são indepen­
quais seu caráter patético, sua força afetiva, seu dentes em um país independente) e por escolha
tom passional, sua popularidade tanto subjetiva (a da imigração e não aquela da reinserção na

Travessia Especial / Janeiro / 2000 - 31


nação). nua no país, com o direito de ser prioritários na
Sempre por nacionalismo e por uma espécie corrida aos bens sociais mais procurados, ao
de super-oferta em declarações, em disposições mesmo tempo máis indispensáveis e preciosos: o
55. Pois o diálogo real e o único administrativas, em atos cuja significação e fim trabalho, a habitação, a saúde, o acesso aos bens
que vale a pena ser estabelecido, últimos seriam por natureza mais simbólicos que de serviço, a escola. Camuflada, enfurnada nas
mesmo implicitamente, sem apa­
rentar nada e fingindo ignorar a afetivos55, o país de emigração, para ser confor­ profundezas do inconsciente social, expulsa do
outra parte na intenção em que me ao que se acredita serem suas obrigações na­ campo do visível, a competição que se escondia
se sustenta, é o diálogo com o
país de imigração que está no cionais, aquelas relativas aos seus cidadãos - ali­ subterráneamente vai doravante aproveitar a oca­
centro de todos os motivos dos ás, menos por eles próprios do que pelas obriga­ sião para aparecer à luz do dia, manifestar-se pu­
quais a imigração é o pretexto. ções que o comprometem na cena internacional - blicamente e afirmar-se aos olhos de todos. O dis­
não pode deixar de tomar (ou anunciar que se curso sobre a reinserção dos emigrantes, enquanto
tomam) um certo número de disposições desti­ apenas intencional, enquanto desposava a forma
nadas a favorecer a reinserção dos emigrantes de um discurso de autocelebração sem
que a desejam: exoneração dos direitos alfande­ consequências práticas, não comportava senão
gários sobre os bens importados (os bens de con­ vantagens de ordem sobretudo simbólica. No en­
sumo e de equipamento doméstico, ou principal­ tanto, a partir do momento em que ele podia ser
mente, os bens de equipamento industrial ou seguido, ou anunciar-se como uma realidade efe­
artesanal, visando à criação de atividades novas), tiva, a tendência maior era a de que só retivesse
quotas reservadas no programa de habitação so­ dele a competição que estabelece, tomando-se
cial, esforços em matéria escolar por uma me­ pretexto para a em ergência e a quase
lhor integração dos filhos das fam ílias institucionalização do conflito e do divórcio en­
reinseridas, os antigos alunos de uma escola es­ tre a população emigrante “a quem tudo será dado
trangeira no sistema educativo nacional ou, na para rogar que ela volte ao país” e a população
falta disto, acordo firmado com as autoridades permanente do país, que considera sofrer uma
consulares pela escolarização dos mesmos anti­ injusta concorrência, sendo sacrificada em pro­
gos alunos da escola francesa nos estabelecimen­ veito de uma fração que só fez acumular, dentro
tos dependendo das mesmas autoridades, etc. das circunstâncias, as vantagens de duas posições,
Inserção ou reinseção, porque estas duas rea­ a de emigrante na França e aquela de reinserido
lidades sociais escapam à vontade do Estado, (ou reinserível) no país de origem.
assim como seu cumprimento ao intervencio­ Em conclusão, além de algumas implicações
nismo do poder público, e também porque elas que tentamos desajeitada e parcialmente desve­
repousam grosso modo sobre os mesmos pressu­ lar, dentre as múltiplas contidas no duplo fato da
postos ideológicos - a conformidade a estes pres­ emigração e da imigração - que será então preci­
supostos, primando tanto em uns como em ou­ so definir como sendo respectivamente “a pre­
tros, pela realização efetiva dos objetivos pro­ sença de nacionais fora da nação” (e portanto,
clamados, quando esta é da ordem das possibili­ sua ausência da nação) e “a presença no seio da
dades materiais -, elas conduzem nos dois casos nação de não-nacionais” - e que são constitutivas
a uma forma de artifício. No momento mesmo precisamente desse duplo fato de ausência e de
em que integram mais seguramente a mitologia presença, pode-se dizer que, na medida em que
nacional da qual constituiriam uma excelente ilus­ se fala de imigração e de imigrantes, fala-se tam­
tração, não deixam de induzir a efeitos bem re­ bém, no mesmo instante e inevitavelmente, de
ais, especialmente no seio da sociedade de emi­ emigração e de emigrantes. Há uma lógica da
gração, em razão apenas do discurso sobre a denominação e de seus efeitos. Um dos efeitos
reinserção que é superabundantemente dirigido latentes desta lógica é que à condição social do
ao conjunto da opinião pública. imigrante em um lugar (e, correlativamente, de
Independentemente de seu conteúdo real e de emigrante fora de um outro lugar) e à condição
seus efeitos próprios, se é que é seguido de efei­ civil (no sentido jurídico do termo “estrangei­
tos, deve desencadear uma verdadeira competi­ ro”), está sempre associada implicitamente e,
ção entre, de um lado, os emigrantes aos quais se quando as circunstâncias se prestam a isto, de
reprova nesta circunstância sua ausência - uma maneira explícita, a idéia de retorno. Um retor­
ausência invejada, pois lhes teria poupado um no que não é, em síntese, senão um retorno à
grande número de privações, de sacrifícios que norma, à normalidade, à ortodoxia - o resto, isto
eles não tiveram que suportar -, e de outro lado, é, o contrário (e, neste caso, a emigração e a imi­
seus compatriotas não-emigrados que se consi­ gração) não sendo senão anomia, heterodoxia, e
deram, pelo simples fato de sua presença contí­ até, heresia.

32 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


T R A V E S S IA - R e v i s t a d o M i g r a n t e ?

S { ¿ til aeeinan ci ^Reciiéta '7 7 ò 4 l/S S S r)? 4 NÚMEROS


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PUBLICADOS
S feoccíoel ad^uinin númenoe aoulcoc
S a in d a á á tem po peina m ontan a coleção 01 - Sazonais
02 - Cidade
03 - Fronteira Agrícola
UV a com o p ro cedd er
e 04 - Violência
05 - Voto
Observe, ao lado, a relação dos números publicados;
06 - Barragens
Veja abaixo as opções para assinatura e aquisição de números avulsos;
Escolha o que deseja receber;
07 - Cultura
Faça você mesmo as contas - (as despesas postais, via impresso, são por nossa conta); 08 - Trabalho
Efetue o pedido mediante pagamento. 09 - Família
10 - Religião e Religiosidades
11 - Estrangeiros
d d o r m a â d e f ^ a c ja m e n to 12 - Educação
13 - Pena de Morte
Escolha a opção que lhe facilita mais: 14 - Migrar e Morar
a) Cheque nominal à Pia Soc. dos Miss, de S. Carlos 15 - Tempo e Espaço
h) Depósito bancário nominal à Pia Soc. dos Miss, de S. Carlos; Banco Bradesco, 16 - Desemprego e Subemprego
Agência Tabatinguera n"0515-0; conta corrente n"23083-9 e envie-nos cópia
17 - Imagens
do comprovante do depósito.
18 - Novas Tecnologias
19 - Identidades
\J a io r d a ^ d J á ó in a ta r a 20 - Saúde
21 - Emigração
( ) Ass. válida por 1 ano................................. R$ 15,00 22 - Retorno
( ) Ass. válida por 2 anos................................R$ 25,00 23 - Metrópole
( ) Ass. válida por 3 anos................................R$ 35,00 24 - índios e Territórios
25 - Deslocamentos Compulsórios
& Restrições à Migração
y ]ú m e r o ó a ió o ó
26 - Mulher Migrante
- Exemplares do n° 1 ao 7..................................R$ 1,00 27 - Nomadismos
- Demais exemplares: N° avulso...................... R$ 5,00 28 - Meio Ambiente
Quantidade..................... R$ 4,00 29 - Albergue
- Coleção Completa.............................................R$90,00 30 - Clandestinidade
31 - Festas
y ] o iá o ¿ d n d ereço 32 - Memória
33 - Mercosul
Rua Vasco Pereira, 55 Liberdade CEP:01514-030 São Paulo/SP - Brasil
Fone: (011)278.6227 Fax: (011)278.2284 34 - Associações
E-Mail: cemsp@cidadanet.org.br 35 - Gerações na Migração
http://www.scalabrini.org

T ravessia Especial / Janeiro / 2000 - 33


Alguns Escritos de A bdelm alek Sayad

(et P. B o u rd ie u ), Le Déracinement, Ia crise de 1'agriculture traditionnelle


1964 en Algérie, Paris, Minuit, (rééd. 1996).

“Les 'trois âges' de l'ém igration algérienne en France”, Actes de Ia


1977 recherche en sciences sociales, n. 15, juin. pp. 59-79.

Les Usages sociaux de la culture des immigrés, Paris, CIEMM.


1978

“Urna pobreza exótica: a im igração argelina na França”, Revista Brasilei­


1991 ra de Ciências Sociais, n° 17, outubro, pp.84-107.

“Entrevista. Colonialism o e m igrações”, Mana. Estudos em Antropologia


1996 Social, vol. 2, 1, Rio de Janeiro, Relum e-Dum ara, abril, p p.155-170.

“Urna fam ilia deslocada”. In: P. Bourdieu (coord.) A Miséria do Mundo.


1997 Petrópolis, Vozes, pp. 35-51.

A Imigração ou os paradoxos da alteridade, São Paulo, Edusp.


1998

“O Retorno, elem ento constitutivo da condição do im igrante”. Travessia -


2000 Revista do Migrante, n° especial, janeiro.

34 - Travessia Especial / Janeiro / 2000


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rav e ssia e s tá a b e rta à p u b licação de artigos de

T p e sq u isa d o re s e e stu d io so s que a n a lisa m a reali­


d ad e em q u e o m ig ran te e s tá envolvido, a p a rtir
dos d iferen tes ra m o s do conhecim ento: social, político,
c u ltu ra l, econôm ico, antropológico, edu cacio n al, etc.
LANÇAMENTOS

TRAVESSIA
A rev ista d e stin a -se , fu n d a m e n ta lm e n te , a u m público N° 3 6
in term ed iário; q u e r se r u m a p o n te e n tre a p ro d u ção a c a ­ 5 SÉCU LO S
dêm ica e a p ro d u çã o p o p u lar. Se for do se u in te resse , D E M IG R A Ç Ã O
envie artig o s p a ra a red ação , seguindo a s o rien taçõ es (Jan-Abr/00)
abaixo elen cad as: P ra z o p a r a
en m o
d o s a r tig o s :
* De preferência, artigos que se enquadrem dentro dos temas previamente anunciados, (22/12/99)
conforme consta ao lado;
* Tamanho: aproximadamente 250 linhas de 75 toques, incluindo notas e bibliografia;
* Intercalar o texto com alguns intertítulos;
* Clareza de linguagem e simplificação dos conceitos;
* Na medida do possível, enviar algumas fotos com os respectivos créditos, as quais
serão posteriormente devolvidas;
* Os artigos devem ser inéditos;
* Fazer constar breve identificação do autor, endereço e telefone;
* Notas: utilizar apenas nos casos em que o texto requer alguma explicação relevante;
* Referências: devem constar no interior do texto, entre parênteses, com o nome, ano e
quando especificas, a página. Ex.: (Silva, 1996, p.3);
* Bibliografia - Ater-se à referida no texto, seguindo o padrão abaixo:
a) Livros: nome do autor; ano entre parênteses; título do artigo em itálico; local da
publicação; nome da editora. Exemplo: FERNANDES, Florestan (1977)A Sociologia
no Brasil. Petrópolis, Vozes.
b) Artigos: nome do autor; ano entre parênteses; título do artigo entre aspas; nome do
periódico em itálico; volume (se houver) e n°; mês(es); n° da página. Exemplo: SARTI,
Cynthia Andersen (1995) “São os Migrantes Tradicionais?”. Travessia-Revista do
'TRAVESSIA
Migrante, n° 23, setembro-dezembro, p. 11. N° 3 8
N B : P o r tra ta r-s e de a rtig o s breves, p e d e-se u t iliz a r os re c u rs o s a c im a com p a rc im ô n ia . B A IR R O S E
V IZ IN H A N Ç A S
0 autox de <vttiyo ¡ku&licado teceflená def e%emf¿(ane¿ da- tevctía .
(Set-Dez/00)
P razo p a r a
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d o s a r tig o s :
de su b m eter o s a rtig o s à s u a ap reciação
(31/07/00)
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