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Osensaiosdestelivrobuscam, sempretendocomoreferência
teórica ouprismametodológicoasanáliseseprocedimentos
mt W mm _

dialéticosdosprimeirosautoresdaTeoria esclareceros
impactoseproblemassuscitadospelas
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particularmentepelo
oucamposdeatividades:nocinema, naliteratura, nasartes,
noensinoenaescola, na vidacotidiana, naproduçãoteóricae
culturalcontemporâneas, naspráticassociaiseatémesmono
Estadoenapráticapolítica.

I SBN i ? â - Ô S - 7 ? 5 1 - C n b - 5

V 788577 510962
CAPES
Bruno Pucci
Renato Franco
Luiz Roberto Gomes
(Organizadores)
eoria Crítica na era digital: de­
T safios, l ivro r e su l t an t e d a s at i vi ­
d a d e s d e p e sq u i sa d o s G e p s Te o­
r i a Cr ít i c a e Ed u c a ç ã o ( U n i m e p ,
Uf sc ar ) e Teor i a Cr ít i ca: t e c n o l o gi a,
cul t ur a e f o r m a ç ã o ( Un e sp - Ar ) a l m e ­
j a, a p ar t i r d e p a r á m e t r o s m e t o d o ­
l ó gi c o s o r i u n d o s d a s o b r a s d o s a u ­
t o r e s d a p r i m e i r a g e r a ç ã o d a Te o­
ria Cr ít i ca d a So c i e d a d e - q u e i n­
cl ui p e n sa d o r e s c o m o Ad o r n o , Hor ­
k hei m er , M a r c u se e Be n j a m i n - r e­
f l et i r so b r e a s q u e st õ e s c a n d e n t e s
e q u a se se m p r e c o m p l e x a s d e c o r ­
r e n t e s d a d i sse m i n a ç ã o e m e sc a l a
gl o b al d a s r e c e n t e s t e c n o l o gi a s d e
c o m u n i c a ç ã o . N e sse m o v i m e n t o ,
at u al i zam a p e r sp e c t i v a cr ít i ca e r a­
d i c al m e n t e i n c o n f o r m i st a e m a n a d a
d a t e o r i a d i a l é t i c a o r i gi n a l m e n t e
c o n c e b i d a p o r t a i s au t o r e s.
N e ssa p e r sp e c t i v a, o s v á r i o s e n ­
sa i o s n e l e a p r e se n t a d o s a c e i t a m
o d e sa f i o d e q u e st i o n a r a s m a i s v a ­
r i ad as i m p l i caçõe s da nova t e c n o ­
l o gi a d i gi t al se m h e si t a ç õ e s e se m
r e c u a r d i a n t e d a e u f o r i a ( q u a se )
ge r a l p o r e l a s su sc i t a d a .
El e s t e n t a m d e l i n e a r o s i m p a c ­
t o s e p r o b l e m a s su sc i t a d o s p e l a s
t e c n o l o g i a s d i gi t a i s n a s m a i s d i f e ­
r e n t e s á r e a s o u c a m p o s d e at i vi -
d a d e s, se j a e n c a r a n d o d i r e t a m e n ­
t e o f e n ô m e n o d a gl o b a l i zaç ã o ,
se j a q u e st i o n a n d o o s c o n c e i t o s d e
t é c n i c a e d e t e c n o l o gi a a f ir n d e
e st a b e l e c e r u m a d i st i n ç ã o cr ít i ca
e f e c u n d a e n t r e e l e s, j á q u e a T e o ­
r i a Cr ít i c a n ã o se p o si c i o n a c o n t r a
a t écni ca, c o m o m u i t o s i nad ver t i­
d a m e n t e c o n c e b e m . Co m c o r a ge m
ci vi l - r e q u i si t o p r é v i o p a r a a r ef l e­
x ã o i n q u i e t a e e sc l a r e c e d o r a - r e­
f l e t e m a i n d a so b r e o i m p a c t o c a u ­
sa d o p e l o u n i v e r so d i gi t al n o c i n e ­
m a, n a l i t e r a t u r a, n a s a r t e s, n o
e n si n o e n a v i d a e sc o l ar , n a v i d a
c o t i d i an a, na i n f ân ci a, na p r o d u ç ã o
t e ó r i c a e c u l t u r al c o n t e m p o r â n e a s,
n a s p r á t i c a s so c i a i s e a t é m e sm o
n a p o l ít i c a e n a c o n f i g u r a ç ã o d o
Est a d o Be l i ge r a n t e - n o â m b i t o d o
q u a l a s t e c n o l o g i a s d i gi t a i s r eve ­
l am se r p o d e r o so i n st r u m e n t o , j á
q u e p o ssi b i l i t a m t a n t o n o v a c o n f i ­
g u r a ç ã o d a a t i v i d a d e m i l i t ar e d a
gu e r r a q u a n t o o c o n t r o l e gl o b a l d a
v i d a so c i a l .
Enf i m , o s e n sa i o s d e sse l ivro pi o­
n e i r o e i n st i ga n t e p r o c u r a m a p o n ­
t a r e i n t e r p r e t ar o s a sp e c t o s c o n ­
t r a d i t ó r i o s d o u n i v e r so d i gi t al a f i m
d e ver if icar em q u e m e d i d a e l e s
a p r e se n t a m u m p o t e n c i al e m a n c i -
p at ór i o ou se, a o cont r ár i o, r ef or çam
a a d a p t a ç ã o r e p r e ssi v a o u a s f or ­
ç a s so c i a i s h o st i s, r e sp o n sá v e i s
pela m a n u t e n ç ã o da b ar b ár i e no
p r e se n t e .
R en a t o Fr an c o
T EO RIA CRIT ICA NA ERA DIGITAL:
DESA FIO S
Copyright © 2014, dos autores

Coleção Teoria Crítica- Volume 1


Coordenaçãoeditorial: ValentimFacioli
Capaeprojeto gráfico domiolo: Antônio doAmaral Rocha
Revisão: ThiagoValentimJaneiro

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL, DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Γ Ϊ 288
Teoria crítica na era digital desafios / organização Bruno Pucci. Renato Franco,
Lui/ Roberto Gomes 1. cd. Sao Paulo: Nankin. 2014.
312 p, : il.; 23 cm. íTeoria crítica; I)

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7751-096-2

I Filosofia. 2 Sociologia. I Pucci, Bruno. II. Franco, Renato.


Ill Gomes, Lui/ Roberto. IV Série.

14-18720 CDD: 128


CDU: 128
y .............. . .—— ________ ___ __ ______________________________________________ J
16/12/2014 16/12/2014

NANKIN EDITORIAL
Rua Tabatinguera, 140, 8Uandar,
conj. 803 - Centro - São Paulo
CEP 01020-000
Tel. (0 * * 1 1 ) 3106-7567, 3105-0261
Fax (0 * * 1 1 )3 1 0 4 -7 0 3 3
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nankin@nankin. com. br

2014
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Br u n o Pu c c i
R en a t o Fr an c o
L u i z R o b er t o G o mes
( Or gan i zad o r e s)

T EO RI A CRIT ICA NA ERA DIGIT AL:


DESA FIO S
SU M A RIO

Apr esent ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1. Gl o b a l i za ç ã o na e r a d i g i t a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
O sw al do G iac ó ia J u nio r

2. T e o r i a c r ít i c a , t é c n i c a e t e c n o l o g i a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Mar il ia M el l o Pisani

3. T h e o d o r A d o r n o e a f r i e z a b u r gu e sa e m t e m p o s d e
t e c n o l o g i a s d i g i t a i s. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Br u no Puc ci

4. L e m b r a n ç a s d a i n f â n c i a e h i st ó r i a d e v i d a e m Inf ânci a em
Ber l i m d e W a l t e r Be n j a m i n : c o n t r a st e c o m a s n a r r a t i v a s d a
r e d e so c i a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
SlEGLINDE JORNITZ

5. O Est a d o b e l i g e r a n t e e a t e c n o l o g i a d i g i t a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Débo r a C. Car v al h o

6. O c c u p y T e c h n o l o gy : u m a l e i t u r a m a r c u se a n a d a r e l a ç ã o
e n t r e t e c n o l o g i a e o p o t e n c i a l p a r a m u d a n ç a so c i a l . . . . . . . . . . 95
A r n o l d L. Far r

7. Míd i a , t e c n o l o g i a e r e c u sa : o d e sa f i o à
e d u c a ç ã o de M a r c u se . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Ro bespier r e de O l iv eir a
8. Co n t r i b u i ç ã o a c r ít i c a d e c i n e m a: o n e ga t i v o r e v e l a d o
ent r e o novo e o v e l h o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Gust avo Chât aignier Gadel h a

9. A e m a n c i p a ç ã o d as i m a ge n s f íl m i c a s: m o n t a ge m e m
T h e o d o r W. Ad o r n o e Al e x a n d e r K l u g e . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
YosHiKAZu T akemine

10. A t e o r i a d o f i l m e d e Al e x a n d e r Kl u ge r e c o n st r u íd a c o m o
“ t eoria d i d át i c a” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Mar io n Po l l manns

11. Me m ó r i a e e l a b o r a ç ã o d o p a ssa d o n o c i n e m a d e
Al e x a n d e r Kl u ge e na f i l o so f i a d e T h e o d o r Ad o r n o . . . . . . . . 171
Ro bso n Lo u r eir o

12. Al e x a n d e r Kl u ge : o q u e n o s se p a r a d o p a ssa d o n ão é
um a b i sm o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
J o sé Pedr o A nt unes

13. Ad o r n o , He i d e gge r , m e t a f ísi c a e o n t o l o g i a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217


Edu ar do So ar es Neves Sil va

14. Cr o n o s a c o r r e n t a d o ? No t as so b r e a t e m p o r a l i d a d e na
c u l t u r a d i g i t a l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
A r i Fer nando Maia

15. Teor i a cr ít i ca e Am é r i ca Lat i na: d e saf i os d a cr ít i ca l i t er ár i a . . . 237


Edu ar do Gu er r eir o Br it o Lo sso

16. Mu t a ç õ e s na p r á t i c a c r í t i c a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249
Fabio A kcel r ud Dur ão

17. No v a s m íd i a s e i d e o l o gi a: so b r e a c r ít i c a d o
e sc l a r e c i m e n t o d i g i t a l i z a d o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265
W o l f g ang Fr it z Bo ck

18. A v i d a m o r a l é p o ssív e l ? Re f l e x õ e s so b r e u m a q u e st ã o d a
Te o r i a c r i t i c a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
Do u g l as Gar c ia A l ves J unio r

Sobre os organizadores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305

Sobre os a ut or es. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307


T EORIA CRIT ICA E AMERICA U T IN A:
D E SA F I O S D A C R I T I C A L I T E R A R I A

Eduar do G u e r r e ir o B r it o L o sso
Un i ve r si d ad e Fed er ai Rur al do Rio de Janei r o (UFRRJ)

1. I n t r o d u ç ã o

tra b a lh o p re te n d e d is s e rta r so b re a seg u in te p ro b lem ática: co m o a


O te o ria c rític a p e n sa a d o m in a ç ã o e d ep en d ê n cia na A m érica L atina,
c o m o e la d ia lo g a ria co m te o ria s la tin o -a m e ric a n a s e qual a c o n trib u iç ã o
d e sse e n c o n tro p a ra a c rític a lite rá ria no B rasil. N ão me in teressa, aqui,
fazer a h isto rio g ra fia de um a recep ção da teoria crítica na A m érica Latina,
an tes, em c o m o a te o ria c rític a e n fre n ta q u estõ es esp ecíficam en te latino-
a m e ric a n a s e de q u e m o d o seria leg ítim o fo rm u lar a noção de um a teoria
c rític a la tin o -a m e ric a n a não só p o r ser feita p o r b ra sile iro s, m as por ter
um a refle x ão so b re a co n ju n ção dos dois fatores. O s representantes da p ri­
m eira g e ra ç ã o d a te o ria c rític a n ão ab o rd aram d ire ta m e n te o p ro b lem a,
ain d a q u e já na Dialética do esclarecimento, A dorno e H o rk h eim er m o s­
traram a c o n sc iê n c ia de q u e “os co n flito s no T erceiro M undo [...] não são
m ero s in c id e n te s h is tó ric o s ” (A d o r n o , 1985, p. 9).
L sse é o h o rizo n te da p ro b lem ática, m as o artigo propoe um recorte. O
q u e farei aqui será so m e n te in tro d u z ir a q u estão . P rim eiro, no ám b ito da
c rític a lite rá ria , situ a r o tip o de re la ç ã o o c o rrid a en tre c e n tro e p eriferia,
co m o a c rític a literária b rasileira en fren to u e propos um a o rien tação diante
das d ific u ld a d e s , a qual q u e stio n o e term in o p ro p o n d o alg u m as linhas de
re fle x ã o te ó ric a g erais.
2. D a r e p r o d u ç ã o a c a u sa l i d a d e in t e rn a

A o se tocar no p ro b lem a da em an cip açã o d o p e n sa m e n to la tin o -a m e ri­


can o em relação ao eu ro p eu p ro p o sto p ela teo ria da d e p e n d ê n c ia e a filo ­
sofia da libertação, sobressai o lastro histórico cie um a d ep en d en cia q u e foi
h isto ricam en te c o n stru íd a e m an tid a ao lo n g o de sé c u lo s, fo rm a n d o um a
en g ren ag em socio e c o n ó m ic a e cu ltu ral c o m p le x a . E da e ssê n c ia m esm a
da d o m in a ç ã o c a p ita lista p ro d u z ir a tra so s q u e sirv a m de b ase e stru tu ra l
para o av an ço do p ro g re sso . N ão ex iste d e se n v o lv im e n to m o d e rn o sem a
p ro d u çã o v o lu n tária e e stru tu ra l de a tra so a rtific ia l, de um fe u d a lism o
m o d ern am en te p ro je ta d o e in sta u ra d o , p o r e x e m p lo , c o m o foi o c a s o no
Brasil. O atraso latino am erican o ex p õ e m ais claram en te a v erd ad e m esm a
do sistem a longe de ser dela um su p le m e n to “ p e rifé ric o ” , é o seu cen tro
sem pre disfarçado; longe de ser n ecessário “co rrer atrás do p re ju íz o ” , ele é
a prova de que o sistem a vive m ais de p re ju íz o d o q u e de g a n h o , m ais de
o p ressão do que de liberdade. D iv erso s p e n sad o res re ssa lta ra m e ssa p e c u ­
liaridade do cap italism o , que é freq u en tem en te ig n o rad a p o r q u em sem pre
pensa do ponto de vista d o c e n tro e a g ra v a d o p o r q u em , nos p aíses p e rifé ­
ricos. re p ro d u / a id eo lo g ia m esm a q u e o d e sq u a lific a .
Por sua v e/, a literatura e sua crítica, nesses países, estavam fadadas a um
processo de assim ilação dos m ovim entos euro peus e de tentativas, frustradas
ou bem sucedidas, de au to n o m ização em relação a eles. E sco las e sté tic a s e
escolas de pensam ento europeu foram , d u ran te séculos, p ro n tam en te im p o r­
tadas e assim iladas. No Brasil, o p ro cesso de in d ep en d ên cia cu ltu ral foi ini­
ciado não só no m arco da sem ana de 22, m as desde os esfo rço s do R o m an ­
tism o. passando pelo sucesso de alguns escritores d eterm in an tes, co m o C ruz
e S o u /a. José de A lencar e M achado de A ssis pela “h istó ria dos brasileiros
no seu desejo de tei um a literatura” (C a n d id o , 1981, p. 25) a qual con d u ziu ,
no m odernism o, a um a “ m aio rid ad e lite rária” p o r ter m arcad o a sin g u la ri­
dade d o m o v im e n to em re la ç ã o aos e u ro p e u s (C a n d id o , 1989, p. 151 ). A
partir dele in icio u -se um p ro ce sso de " c a u sa lid a d e in te rn a ” no q u a l, ain d a
que não tenha ro m p id o co m a in flu ên cia d e te rm in a n te da E u ro p a, as novas
gerações rem etem se as anteriores d ialeticam en te e p erm item um a c o n tin u i­
dade histórica p ró p ria ( C a n d id o , 1989. p . 151).
A ssim co m o foi com o caso dos eu ro p eu s, a p ro cesso de au to n o m ia lite-
ra n a na A m erica L atina se fez a p artir d o p rin c íp io da n a c io n a lid a d e , tan to
para a produção estetica q u an to crítica. F ico u ev id en te, ao lo n g o d o tem p o ,
que a literatura latino am erican a loi m ais longe d o q u e a teoria. E n q u an to a
literatura ganhou características próprias, capacidade de invenção e autotrans
lorm açào. a m aior p a n e d o en sin o e pesquisa das ciências h u m an as na A m é­
rica Lalina continua devendo boa parte de seu im pulso perm anente às teorias
im portadas.
C o m o ex p licar esse fenôm eno? Parece que o esforço por criar um a v o /
a rtística e n c o n tro u m ais ch an ces de d esenvolvim ento do que a voz de um
p en sam en to crítico. D e q u alq u er form a, há, no século XX, dos anos 30 em
diante, p ro d u çõ es críticas e teóricas que conseguiram , pelo m enos, m arcar
um a d iferen ça. A teo lo g ia e a filosofia da libertação, a teoria da d ep en d ên ­
cia na eco n o m ia, a so cio lo g ia, a história e a própria crítica literária p ro d u ­
ziram o b ra s q u e d em o n stram q u alid ad e e singularidade. O tratam en to de
q u estõ es esp ecificam en te nacionais e latino-am ericanas em cada um a d es­
sas á re a s e n c o n tro u g ra n d e s re a liz a ç õ e s que fo rm u laram um tratam en to
ad eq u a d o e criativ o .
E n q u a n to e sse a v a n ç o foi g a n h a n d o terren o , ele teve de lidar com as
n o v id ad es v in d as d o países cen trais. D os anos 50 em diante, o q u estio n a­
m ento da v alid ad e de se p ro d u zir um filtro para as novidades estrangeiras
co m eço u a ser possível, co isa que, entre os países centrais, sem pre ocorreu
e p ro p o rc io n o u as d isc u ssõ e s as m ais v ariad as. Foi a p artir do final dos
anos 6 0 e ao lo n g o dos anos 70 e 80, especialm ente, que, na crítica literá­
ria b rasileira, apareceu um a discussão sobre literatura e subdesenvolvim en­
to, c o m a rtig o s de v ário s in te le c tu a is (F erreira G ullar, A n to n io C an d id o .
S ilv ia n o S a n tia g o , H aro ld o de C am p o s, R oberto S chw arz etc.).
E ssa d is c u s s ã o é p e rtin e n te p rec isa m en te p orque é d ig n o de nota que
h o u v e u m a g ra n d e d ific u ld a d e de ad eq u ar teorias de fora ao estu d o da e s ­
p ecificid ad e nacional. P or isso introduziu-se um esforço do pensam ento la­
tin o -a m e ric a n o em se restrin g ir às fronteiras de sua própria especificidade
p ara e v ita r a im ita ç ã o servil de teorias eu ro p eias e norte-am ericanas. ( ito
d o is trech o s e x e m p la re s de R oberto S chw arz a respeito desse ditícil nó da
d e p e n d ê n c ia cu ltu ral. P rim eiro um que propoe um norte para o uso de teo ­
rias fo ra d o lugar:

Idéias estão no lugar quando representam abstrações do processo a que


se referem , e é uma fatalidade de nossa dependência cultural que estejamos
sem pre interp retando a nossa realidade com sistem as conceituais criados
noutra parte, a partir de outros processos sociais. Neste sentido, as próprias
ideologias libertárias são com frequência uma ideia tora do lugar, e so deixam
de sé-lo quando se reconstroem a partir de contradições locais. (Sr hwa r /,
1978. p. 120, da entrevista "C uidado com as ideologias alienígenas” )

N a literatu ra, o b serv am o s que houve um a d esconfiança de reproduzo o


d iscu rso lib ertário im p o rtad o sem atentar para a especificidade 1‘K.al e, sale
acrescentar, pessoal, do escritor. O s ro m ánticos e os realistas estavam preo­
c u p a d o s com a adaptação dos ideários eu ro p eu s desses m o v im en to s às c a ­
racterísticas na vida nacional e p reten d iam , até, su p erar as p rim eiras pelas
s e p u n d a s , em bora, o que o co rreu , em g ran d e parte, foi o inverso: h o u v e a
idealização do nacional com as lentes eu ro p eias. C a n d id o e S c h w a rz c o n ­
s i d e t am ser M achado de A ssis aq u ele que co n seg u iu sair d o s p ressu p o sto s
r e a l i s t a s trab alh an d o rig o ro sam en te a p artir das c o n tra d iç õ e s locais.
O d iag n ó stico d o crítico literário é certeiro. E no c aso da teoria, ou não
tem os um ex em p lo da altu ra de M achado de A ssis nem C la ric e L isp ecto r,
ou e sta m o s ignorando nossos grandes pensadores. D esde os anos 30, so ció ­
logos co m o S érg io B uarq ue de H o la n d a e G ilb e rto F rey re e sta b e le c e ra m
unia qualidade inédita no pensam ento sobre o B rasil assim com o. na crítica
literária, A n to n io C an d id o . O q u e eles c o n q u ista ra m é e q u iv a le n te ao que
M achado de A ssis. G racilian o R am o s e G u im arães R osa a lcan ça ram na li­
teratura: p ro d u ziram , a p artir d as c o n tra d iç õ e s lo c a is, um p e n sa m e n to in ­
dependente. A inda assim , eles e stã o sem p re co m o s o lh o s no B rasil. C o r­
respondem a eq uação feita por S chw arz: a so lu ção está na aten ção ao local.
Se ela nao é feita, nào ha c o m o o p e n sa m e n to b ra sile iro e n c o n tra r alg u m a
ch an ce de o rig in alid ad e. C o n tu d o , isso não seria c o n d e n a r e te rn a m e n te os
p esq u isad o res latin o -a m e ric a n o s a ficarem p re so s a su a e sp e c ific id a d e e,
paradoxal m ente, relegar q u alq u er esp ecu lação geral para os países d esenvol­
vidos? O que seria um a so lu ção não to m ar-se-ia. in v ersam en te, um a p risão
que corrobora a propria d ep en d ên cia? A co n trad ição ch eg a ao p onto de c o n ­
siderai que toda e qualquer proposta de p en sar qu estõ es gerais está co n d en a­
ria a sei vista, sem pre, co m o cópia; será d e sp re /a d a ou am ald iço ad a pela sua
origem plebéia. A dificuldade h istórico-estrutural d o em p reen d im en to , m es­
mo se porventura fosse superada, carreg aria a m arca d a in su p erab ilid ad e.
I· por isso m esm o que há. in c lu siv e , c a rê n c ia m e sm o de te n ta tiv a s, de
gestos m inim am ente ousados. D ificilm en te vem o s su rg ir um b rasileiro que
se arvore a p en sar q u estõ es g erais de m aneira d ifere n te, co m a m esm a c o n ­
siste n c ia e a c e ita ç ã o q u e p e n sa m as q u e s tõ e s lo c a is. T ais te n ta tiv a s n ão
existem ou nào a p a re c e m ? M ais ou m en o s a p a rtir d o s a n o s 5 0 e 60, e x is ­
tem e aparecem , de certo m odo, m as co m m uita d ificu ld ad e. V ilém F lusser,
por exem p lo , viveu a m aior parte d o tem p o no B rasil e xó d e p o is de m o rto
passou a ser e stu d a d o in te m a c io n a lm e n te e, até h o je, m u ito s n ão o c o n s i­
deram um p e n sa d o r b ra sile iro .
I íeten h am o nos m elh o r no p e n sa m e n to q u e não d e sc o la d o o b je to local
e e x a m in e m o s c o m o ele se ju s tif ic a . N u m a e n tre v is ta so b re A d o rn o , na
com em oração vie seus 11K) anos de n ascim en to . S chw arz p o sicio n a-se sobre
este topico.
D igam os (]ue o ensaism o de Antonio ( andido e a sua pesquisa de for­
mas am bicionavam esclarecer a peculiaridade da experiência brasileira,
seja literária, seja social. Ao passo que Adorno sondava o sentido e o des
tino da civ ilização burguesa com o um todo. Num caso esta em pauta o
B rasil, e so m ediatam ente o curso do m undo-, enguanto no outro se trata
do rum o da hum anidade com o que diretam ente. A diferença das linhas de
h orizonte acarreta um a diferença de genero e torn um m enor e outro
m aior, os dois com prós e contras. De fato. dificilm ente alguém buscará
orientação sobre o m undo contem porâneo num estudo sobre as Memórias
ile um sargento de milícias e a dialética da m alandragem (em bora seja
p erleitam ente possível), assim com o ninguém buscará menos do que isso
num en saio sobre H ölderlin ou Beckett. Entretanto, ao assum ir resoluta­
m ente o valor de um a experiência cultural de periferia, ao não abrir mão
dela, A ntonio C andido chegava a um resultado de peso, que de periférico
não tem nada: a universalidade das categorias dos países que nos servem
de m odelo não convence e a sua aplicação direta aos nossos é um equívo­
co. N ão tenho dúvida de que o ensaísm o periférico de qualidade sugere a
e x istê n c ia de certa linearidade indevida nas construções dialéticas de
A dom o e do próprio Marx - uma homogeneização que faz supor que a pe­
riferia vá ou possa repetir os passos do centro (Sc h wa r z , 2012, p. 49).

E ssas p alav ras to cam precisam ente no núcleo da questão e m erecem ser
c o m e n ta d a s em d e ta lh e . E le c o m p a ra o trab alh o de C an d id o e A dorno, o
que é um tan to ex trav ag an te e ao m esm o tem po absolutam ente necessário:
cai para n o ssa d isc u ssã o co m o um a luva. Schw arz está sendo entrevistado
p o r se r um d o s m a io re s c rític o s lite rá rio s b ra sile iro s e. en q u an to tal, foi
um dos p rim eiro s leitores de A dorno em território tropical e serve-se m uito
do lra n k fu rtia n o em seus en saio s. M as ele quer violentar o m otivo m esm o
da e n tre v is ta . S e e la foi fe ita p a ra e n a lte c e r o filó so fo alem ão , ele q u er
c o m p a rá -lo co m o g ran d e c rític o literário brasileiro que foi seu professor,
a fa v o r d o m esm o . T ra ta -s e de um a m era m arcação de terren o ! Sim . p o ­
rém , p o r m ais g ro sse ira q u e soe, é leg ítim a, p recisam en te pelos m otivos
que fo rn e c e : m e sm o q u e A n to n io C an d id o escrev a no tom m en o r de um
o lh ar c o n c e n tra d o na peri feria e A dorno trabalhe com questões universais,
m esm o q u e C a n d id o d e te n h a -se na literatu ra (ainda que tenha seus traba
Ihos em so c io lo g ia ) e A d o rn o seja um filósofo ex trem am en te eru d ito que
ten h a e sc rito so b re so cio lo g ia, p sican álise, literatura, m ú sica etc.. A dorno
não d i/ a v erd ad e so b re aq u ilo que é o b jeto do investim ento de ( andido e
S ch w arz, p o r m ais que ten h a até aju d ad o o últim o. Por isso. ( andido e seu
fiel alu n o são m ais m odestos e precisos do que A dorno e, co m p arato am en
te sao bem m enos pro blem áticos. N ão scria essa a lò g ica de um “esp ecia-
lisino ' O que o p en sam en to da p e rife ria te n a a d iz e r para o c e n tro é que
o centro deve “ b aix ar a bola” , ser m ais m o d esto e esp e c ífic o ? S ch w arz vai
m a i s longe: a virtude da especificidade dos p eriféricos pode fo rn e cer o rien ­
ta rã o para a u n iv ersalid ad e que a ela m esm a falta, e n q u a n to que a u n iv e r­
salid ad e e u rope ia não se ap lica in te g ra lm e n te em te rritó rio p e rifé ric o . A
inversão é o u sad a sem d eix ar de co n serv ar sua m o d eração . P o d eriam o s até
levar a lógica da arg u m en taçã o a suas ú ltim as c o n se q u ê n c ia s e c o m p le ta r
aq u ilo que o p ro fe sso r b ra sile iro não ch eg o u a e v id e n c ia r, c o n tu d o , é um
d ado im p lícito q u e está c la m a n d o para ser ex p lícito : o q u e falta a A d o rn o
para dar “o rien tação sobre o m u n d o ” está em A n to n io C an d id o . É só saber
retirar dali. P orém , nem C a n d id o nem m esm o S c h w a rz d e ra m esse novo
passo. A obra de Schw arz foi um aprofundam ento dos cam inhos abertos pelo
seu professor na leitura da periferia. Ele está d izen d o isso para os q u e virão.
í) apelo se ju stifica, e. ao que tudo indica, alg u n s n o m es e stã o se aven-

turando nessa via, co m o Paulo A rantes. E um cam in h o p ro m e te d o r e d ev e­


m os m centivá-lo. P rim eiro, no en tan to , é in ev itáv el c o n sta ta r q u e ele está
para ser feito. C o n tin u a se n d o sin to m á tic o o fa to de q u e S c h w a rz ap o n te
para ele m as nao tenha a rrisc a d o um p asso n esse sen tid o . S e g u n d o , q u e o
seu p ro p ó sito de a la v a n c a r ( a n d id o d ia n te de A d o rn o d e p e n d a de urna
p ro m essa q u e nao e stá em ( 'a n d id o nem n ele m e sm o . A o m e sm o te m p o
que devenios co n co rd ar com sua m an o b ra d ialética no sen tid o de v alo rizar
( andido e outros pensadores brasileiros, d ev em o s tam b ém o b se rv a r que eia
m esm a nao sai de seus m c o n to rn á v e is lim ites. Q u a n d o S c h w a rz e x p lic ita
q u e a g ra n d e q u a lid a d e de C a n d id o fre n te a o s b ra s ile iro s e ao p ró p rio
A d o rn o e a de n ão ter a b e rto m ão de d e te r-s e n a p e rife ria , a c o n tra d iç ã o
que ap o n íam o s acim a toda ten tativ a p e rifé ric a de p e n sa r q u e stõ e s g erais
c a rre g a ra a m arca local de sua im p o s s ib ilid a d e - é re fo rç a d a , m a is u m a
vez, em co n traste co m a v irtu d e sag rad a da m o d é stia c a n d id ia n a .
S chw arz propõe, sem d ú v id a, um a saíd a p ara o im p asse: c o rrig ir A d o r­
no com ( andido, co rrig ir o u n iv ersalism o d o s d e se n v o lv id o s c o m o p o te n ­
cial universal da esp ecificid ad e p eriférica. Tal p ro p o sta d ev eria, a m eu ver.
ser seriam ente d iscu tid a e praticada, pois c o n c o rd o q u e a p o ten cialid ad e do
p en sam en to p erifé ric o de se e x p a n d ir é real e n ão só de C a n d id o , c o m o
do p ró p rio S ch w a rz - , a p e s a r de h av er, n e le m e sm o , um im p e d im e n to
lundam ental que n ecessitaria de um salto in e v ita v e lm e n te tra n sg re ssiv o de
seus alunos E ntretanto, para q u e isso o co rra, ain d a falta aí d e sfa z e r um nó
d ilicil que a p ro p o sta m esm a ag rav a. O p o sic io n a m e n to de to d a a o b ra de
S ch w arz, in siste n te m e n te re fle tid o e re to m a d o em c a d a e n sa io e livro, é o
de ap o n tar, com razão , c o m o os d e fe n so re s da m era “ ê n fa se na d im e n sã o
in tern acio n al da c u ltu ra ” (S c h w a r z , 1987, p . 34) reproduzem a ideologia
da g lo b a liz a ç ã o que é p ro fu n d a m e n te ex clu d en te p recisam en te quando
parece integrar. H á um a polem ica dele, explícita ou im plícita, com críticos
literário s c o m o S ilv ian o S antiago, Luiz C osta Lim a e H aroldo de C am pos
que. p o r m ais d ifere n tes que sejam , defendem um a apropriação das idéias
im p o rta d a s m ais d e sin ib id a e que não se sentem am eaçados por isso, e n ­
quanto ele considera que tais m odos de apropriação carregam m arcas de d i­
luição. O s c rític o s citad o s ainda fazem um esforço de pensar questões na­
cio n ais ju n ta m e n te com um a produção que tam bém se perm ite não se refe
rir ao B ra sil, o u , no c a so m ais e sp e c ífic o de S ilv ian o S an tiag o , escrev e
sobre o B rasil a p a rtir de um p arad ig m a teórico p ós-estruturalista que va
1o riz a a d ile re n ç a , a lirm a a p o sitiv id a d e da có p ia, do sim u lacro e. com
isso , su p õ e re s o lv e r g ra n d e s im p asses en cam p an d o a nova filo so fia
lib e rtá ria fran cesa.
S em en trar agora nas polêm icas e diferenças de cada um desses críticos,
o q u e se o b se rv a é q u e eles ain d a estão ligados a um fórum nacional, e n ­
q u a n to q u e m u ito s h isto ria d o re s de filo so fia, p o r ex em p lo , lidam com
o b ras de filó so fo s ab u n d an tem en te estudados no m undo todo e servem -se
de um a b ib lio g rafia internacional não só sem se referir à pobreza da recep ­
ção n acio n al c o m o tam b ém não parecem p ro b le m a ti/a r o fato de escreve
rem em p o rtu g u ê s e n ão criarem um co n tex to de recep ção crítica de suas
pesquisas. Seu objeto e seus pares são internacionais, mas tais pares não vão
seq u er to m a r c o n h e c im e n to de que estão sendo citados, louvados ou m es­
m o c ritic a d o s.
O q u e re s s a lta d e sse s d ife re n te s m odos de lidar com as co n d içõ es de
p o ssib ilid a d e c o n c re ta s de p ro d u ção e recepção é que o apelo de Schw arz
tem sua ra z ã o d ia n te dos p esq u isad o res supostam ente internacionais e d a ­
q u eles q u e p ro cu ram in terv ir nos deb ates nacionais a partir da nova m oda
in te rn a c io n a l p e n s a n d o e n c o n tra r n esse g esto a re so lu ç ã o fácil dos seus
p ro b le m a s. P o ré m , su a d e s q u a liftc a ç ã o de p rin c íp io da p o ssib ilid a d e de
um a a p ro p ria ç ã o “an tro p o fág ica , co m o o quer H aroldo de C am pos, ou da
recep ção n acio n al e in tern acio n al de um a teorização peritérica de questões
g erais, não a ju d a e refo rça a etern a aporia: ou se dá atenção direta ao local
ou se re p ro d u z idéias fora do lugar. Fica sem pre a censura, subterrânea ou
ev id en ciad a, de que não é possível pensar nada geral sem cair na cópia tora
de p ro p ó sito . F alta então, sim p lesm en te, rom per com o pressuposto de que
sem o b je to local a te o ria p e rifé ric a não tem ch an ce. C o n tu d o , to d as as
a d v e rtê n c ia s de S c h w a rz d ev em ser bem retrab alh ad as para que um p o si­
c io n am en to que o c o n trarie não caia nas precariedades que ele soube iden
tiíicar. L nlão, a q u estão é: co m o pensar objetos não-locais na p e rite n a sem
reproduzir o já pensado nos grandes centros de p esquisa? N ão estam os aqui
para dar urna resposta rápida a um a tarefa tão intrincada, co n tu d o , p recisa­
mos abordar agora um asp ecto co n creto , in stru m en tal: os m eios de p ro d u ­
ção in telectu al, d ig am o s assim .

3. I n f e r n o e m p í r i c o

N o p lan o m aterial, o p rin cip al m o tiv o d a d ific u ld a d e é, sem d ú v id a , a


Ialta de b ib lio tec as bem e q u ip a d a s e de c o n d iç õ e s fa v o rá v e is de tra b a lh o
que forneçam aos p esquisadores m eios de c o n h e c e r a p ro d u çã o in tern acio ­
nal para. a p artir daí, p en sarem e stra té g ia s p ró p rias de in se rç ã o n u m a d is­
cu ssão g eral atu al. S eg u n d o , o q u e pode p a re c e r c o n trá rio ao q u e foi d ito
mas é na verdade com plem entar, penso que o p en sam en to latin o -am erican o
tem -se preocupado m uito pouco com a fom eniação de um a discussão local e
do estabelecim ento de um a cau salid ad e interna, co m o o fizeram os seus e s­
critores, não so no plano de objetos locais, co m o q u er S chw arz, m as na c o n ­
duis to de discussões sobre objetos não-locais. Seria preciso valorizar a leitura
(m esm o que absolutam ente critica) dos p ensadores b rasileiro s e latin o -am e­
ricanos que ten taram av an ç ar alg u m p asso n esse cam p o . C o n tin u a m o s um
processo de assim ilação e repetição de teorias internacionais, mal conhecidas,
em que nem contribuím os satisfatoriam ente para a discussão de onde elas vie­
ram . nem p ro d u zim o s o n osso filtro e d ista n c ia m e n to p ró p rio d elas.
() p rim e iro p o n to é la m e n ta v e lm e n te in so lú v e l p ara a c o m u n id a d e de
p ro fe sso re s u n iv e rs itá rio s , p o is n ão d e p e n d e d o s p e s q u is a d o re s , m as da
san ta v o n tad e p o lític a d o s a d m in is tra d o re s d a s u n iv e rs id a d e s p ú b lic a s e
p riv ad as, bem c o m o do M in isté rio d a E d u c a ç ã o , da C u ltu ra e d o s e m p re ­
sários. que d everíam esp iar um p o u q u in h o para o e sta d o d as b ib lio tec as no
llrasil e para as c o n d iç õ e s de trab alh o d o s p ro fe sso re s, q u e e stã o c a d a vez
m ais a sso b e rb a d o s de a tiv id a d e s b u ro c rá tic a s in tra d e p a rta m e n la is e na
m ultiplicação de ex ig ên cias dos ó rg ão s de b o lsa. C o m o não há p ersp e ctiv a
île q u e isso o c o rra nem em m é d io p ra z o , p e s q u is a d o re s b ra s ile iro s d e v e ­
ríam m o b iliza r u m a luta p o lític a de c o n s c ie n tiz a ç ã o da p o p u la ç ã o , d o g o ­
verno e d a c la sse e m p re sa ria l p ara o p ro b le m a , o q u e é u m a ta re fa o b v ia ­
m ente das m ais terrív eis e im p ro v á v e is, m as q u e , a m eu ver, é a m ais p re ­
m ente h o je para a u n iv e rsid a d e la tin o -a m e ric a n a .
De q u alq u er form a, no dia a dia d ev em o s trab alh ar, p o r m ais c o n s c ie n ­
tes que sejam os das d ificu ld ad es, positivamente com a precariedade e não
com o ideal Na p rática, p ro fe sso re s u n iv e rsitá rio s re tira m de seu p ró p rio
b o lso a c o m p ra de livros n a c io n a is e im p o rta d o s, e m p re s ta m uns ao s ou-
tros os ex em p lares e in to rm am -se reciprocam ente. A tecnologia desenvol­
vida p elo s p aíses c e n tra is para a re a lizaç ão da internet foi. no final das
co n tas, u m a b en çã o para países sem b ib lio teca decente. A com unicação,
in fo rm ação e a q u isiç ã o de livros na internet é, hoje, o principal fator que
g a ra n te u m a real v an tag em da g era ção atual de p ro fesso res p eriférico s
trente às g eraçõ es passadas, ainda que as bolsas de pós-graduação para e s ­
tudos no exterior, bem com o a presença de pesquisadores estrangeiros em
eventos n acio n ais tam b ém proporcionem um clim a anim ador. Se esses ú l­
tim os fato res são fin an ciad o s pelos órgãos de bolsa, o que devem os aplau­
dir. c o m p ro v am , ain d a e sem pre, nossa d ep en d ên cia intrínseca dos países
que p o ssu em co n d içõ es de trabalho m uito m elhores. E o fator que conside­
ro p rin c ip a l —a in tern et —foi feito e é p rio ritariam en te m antido por eles,
in clu siv e a m aio r parte da d ig italização dos livros e revistas de acesso p ú ­
blico. L ogo, o av an ço da p esq u isa latino-am ericana continua devendo sin ­
ceros a g ra d e c im e n to s às g raças que advém da tecnologia do centro. Ju sta­
m ente nos tem p o s em que o Brasil está em pleno crescim ento econôm ico e
PIB e stra to sfé ric o , a u n iv ersid ad e b rasileira continua à cata das m igalhas
que cae m lá de c im a p o r m eio do acesso virtual.
P or c o n se g u in te , se g u in d o e ssa m esm a prática, o segundo ponto pode
ser m o tiv o de re fo rm u la ç ã o dos p esq u isad o res. O que falta na p eriferia é
um a m istu ra alq u ím ica de co n sciên cia da precariedade, m odos astuciosos e
m a c u n a ím ic o s d e d e la se d e s v ia r (im a g in a n d o um a bela co n ju n ção de
U lisses de A d o rn o e M acu n aím a de M ario de A ndrade), boa dose de e n tu ­
siasm o, c o n fia n ç a na relação com os colegas e consideração com o co n tex ­
to de d is c u s s ã o . N o sso o tim ism o p ro d u tiv o deve, en tão , fu n d am en tar-se
no p e ssim ism o m esm o das condições que nunca m udam substancialm cnte.
U m a d essas co n stru çõ es do contexto de discussão está sendo produzida
p elo C o n g re s s o In te rn a c io n a l de T eo ria C rítica. S eg u n d o nossos co leg as
alem ães, estam o s co n fig u ran d o , no Brasil, um polo privilegiado de "exílio”
que reto m a e atu aliza o pro jeto inicial de A dorno e H orkheim er. C abe per­
guntar se esta m o s, com isso, recebendo, m ais um a vez. "teorias libertárias
de fo ra e não p e n sa n d o em n o sso co n tex to ou, ao contrário, estam os re a l­
m ente e la b o ra n d o c ritic a m e n te to d as as im p licaçõ es o b jetiv as, teó ricas e
m e sm o p s ic o ló g ic a s de e s ta rm o s n u m a so c ie d a d e b ra sile ira p ro d u zin d o
c rític a so cial.
A p ró p ria te o ria c rític a é m ais u m a das teorias im portadas e não é d e ­
sejável q u e ela seja cau sa do m esm o grave erro. A lém de haver o problem a
fu n d a m e n ta l, h o je , da a tu a liz a ç ã o da teo ria crítica, ao qual todos os pinti
c ip a n te s d o C o n g re s s o de T eo ria C ritic a e stã o en g ajad o s, o em b ate entre
teoria crítica e teorias latin o -am erican as tem o m esm o peso. C om o os dois.
;i n o sso ver, nao se ex clu em , ao c o n trá rio , d ev em se a rtic u la r ju n to s , se
isso lo r feito , tem o s m u ito s m o tiv o s para a c re d ita r q u e um p o d e d a r ao
o u tro soluções surpreendentes.
N áo é m era c o in c id ê n c ia q u e fora o m arx ism o o p ro p ic ia d o r d a m aior
parle d o que se en co n tra de m elh o r em c iê n c ia s h u m an as no B rasil, e sp e ­
cialm ente na área de estudos de literatura. E a teoria crítica m esm a, através
de nom es co m o R oberto S ch w arz e A lfredo B osi. tem sid o a p ro v e itad a de
fo rm a responsável e criativ a para p en sar q u estõ es p ró p rias da cu ltu ra c li­
teratu ra brasileira. C o n tu d o , m esm o nos re su lta d o s m ais felizes, a atitu d e
de ter um ob jeto de estu d o brasileiro facilita o p ro cesso de au to n o m ização .
[>or um lado, e lim ita, por ou tro . A ssim co m o as teo rias n ascem de exam es
e sp e c ífic o s, com essa base p ro b le m a tiz a m o to d o e. p o r fim . to rn a m -se
produtivas para a análise e in terp retação de o u tras p articu larid ad es, o d ese­
jo d o brasileiro de não só te o riz a r e p esq u isar, m as de ter a sua au to n o m ia
teórica, im plica um esfo rço de p en sar a to talid ad e, ou m elh o r, propor, sem
m edo nem en trav e p sico ló g ico , p esso al, c o le tiv o , ou in stitu c io n a l, fo rm as
de p en sar a to talid ad e, e v id e n te m e n te , sem p re a p a rtir d o o b je to , q u e , e n ­
tretan to , não d ev e ser o b rig a to ria m e n te sem p re lo c a l. S e e sse é um m ote
p ró p rio do m arx ism o e da te o ria c rític a , e le m e re c e se r le v a d o a sé rio na
q u estão das relaçõ es de d e p e n d ê n c ia p e rifé ric a da te o ria h o je. Se o B rasil
esta sendo um abrigo privilegiado da teo ria crítica g raças ao C o n g resso , seu
trabalho aqui não d ev eria ser um a o p o rtu n id ad e, um e stím u lo , um a chance
para p ro d u z ir um a rica d ia lé tic a e n tre o g era l e o p a rtic u la r, o lo c a l e o
global, em que os planos c o o p e ra m -se m u tu am en te, sem q u e um im p eça o
o u tro de a v an ç ar?
N esse caso , term in am o s n o ssas c o n s id e ra ç õ e s co m a su g e stã o de um a
a g e n d a p ara tratar, na te o ria e na p rá tic a , as s e g u in te s q u e s tõ e s q u e d e i­
xarei em ab erto : I >c o m o o c o rre m os p ro c e s s o s d e le g itim a ç ã o m u n d ia l
das te o ria s; 2) q u a is as c h a n c e s q u e tra b a lh o s p e rifé ric o s tê m d e p e n sa r
o b je to s g e ra is, d e s lig a d o s d e e s p e c ific id a d e s lo c a is , m as s a b e n d o p a rtir
das m esm as; .rí q u e stio n a r a d ia lé tic a d o u n iv ersal e p a rtic u la r, tão d is c u ­
tida em to rn o da o b ra lite rá ria p e rifé ric a , no c a s o d o tra b a lh o te ó ric o ; 4)
c o m o um o lh ai la tin o -a m e ric a n o p o d e ría re n o v a r a te o ria c rític a ; 5) que
tip o de c o o p e ra ç ã o p ode se e s ta b e le c e r e n tre o p e n s a m e n to la tin o -a m e ri­
c a n o e a te o ria c rític a .
A d ific u ld a d e de d e lim ita r o p ro b le m a e stá p re c is a m e n te na su a c o m ­
p lex id ad e reflex iv a. A teo ria p e n sa o g e ra l. m as. c o m o d i / ia A d o rn o , não
deve com isso su b su m ir seu o b jeto . N o c a so em q u e stã o , a p ró p ria teo ria é
o o b jeto , e aqui tam b ém sua a b stra ç ã o leva a ig n o ra r o q u e e stá se passan
do d e b a ix o d o seu p ro p rio n a r i/.
Re f e r ê n c i a s b i b l i o g r á f i c a s

A d o r n o , T h eo d o r W., Ho r k h e im h r , M ax. Dialética do esclarecimento.


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