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LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

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Caro(a) aluno(a),

A Faculdade Anísio Teixeira (FAT), tem o interesse contínuo em


proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes
que conduzem ao conhecimento.

Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional


para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento
intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm
acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo,
produzem cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito
às informações necessárias para o exercício de suas variadas funções.

Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo,


totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construtor melhor
para os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso.

Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita
dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe
docente da Faculdade Anísio Teixeira (FAT).

Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio
de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e
síntese dos saberes.

Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o


equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos!

Atenciosamente,

Setor Pedagógico

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 4

CAPÍTULO 1 – SOCIOINTERACIONISMO ...................................................................... 5

CAPÍTULO 2 - LINGUAGEM ESCRITA ............................................................................ 9

CAPÍTULO 3 -A VISÃO INTERACIONISTA DE PIAGET ............................................ 15

CAPÍTULO 4 - O PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO ...................................................... 17

CAPÍTULO 5 - OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ....................... 20

CAPÍTULO 6 - AS CONSEQUÊNCIAS DO MODELO PIAGETIANO PARA A


AÇÃO PEDAGÓGICA .......................................................................................................... 24
1. A TEORIA PIAGETIANA ............................................................................................... 27
2. OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ........................................... 29
3. A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM NA TEORIA DE PIAGET ..................................... 31

CAPÍTULO 7 - ORALIDADE, ESCRITA E HIPERTEXTUALIDADE ......................... 35

CAPÍTULO 8 - LINGUAGEM E COGNIÇÃO HUMANA ............................................... 42

CAPÍTULO 9 – INTERFERÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM


ORAL....................................................................................................................................... 48
1. DESENVOLVIMENTO DE LINGUAGEM ................................................................... 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 53

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 54

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APRESENTAÇÃO

Você está iniciando o estudo da disciplina Linguagem e Comunicação, que tem como
principal objetivo a intervenção pedagógica no âmbito da cultura e do social, que são essenciais
para proporcionar experiências de aprendizagem que conduzem a criança ao desenvolvimento
significativo em diversas áreas. Este módulo apresenta um panorama sobre esta ciência,
pensando discutir, através da pesquisa bibliográfica, as teorias de Vygotsky e Piaget e sua
importância para a educação e especificamente para a educação especial. Os textos aqui
elaborados é um composto de citações e paráfrases extraídas de alguns dos principais autores
sobre o assunto.
Nesta trajetória, portanto, estudaremos um pouco sobre as contribuições da teoria
sociointeracionista e da psicogênese para a compreensão do desenvolvimento do sujeito,
focalizando os pontos de divergências e de complementaridade dessas teorias. Serão discutidos
os processos de internalização e de mediação das funções psicológicas. A análise da disciplina
estará centrada na conceitualização do desenvolvimento cognitivo e da comunicação e
linguagem, buscando relacioná-los com o processo de ensino-aprendizagem.
Desejamos que essa disciplina contribua para aprofundar o seu conhecimento a
respeito do processo de ensino-aprendizagem. Juntos, iremos conhecer um pouco mais sobre
esse processo que constitui o desenvolvimento do indivíduo.

Boa trajetória de estudos!

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CAPÍTULO 1 – SOCIOINTERACIONISMO

A forma como se dá o processo de aprendizagem na criança, tem sido um dos objetos


de estudo mais importantes no âmbito da educação, em todos os tempos. O Construtivismo e o
Sociointeracionismo surgem então, como as principais práticas educacionais propostas para
fundamentar esse processo. Nomes como o de Vigotsky e Piaget aparecem no início no século
XX, respaldando os estudos teorias e técnicas utilizadas para explicar e ilustrar o processo de
ensino-aprendizagem. De forma geral, podemos dizer que o construtivismo se preocupa com a
elaboração da construção do conhecimento interno no qual a aprendizagem depende do nível
de desenvolvimento do sujeito; enquanto o sociointeracionismo se ocupa com o aprendizado a
partir do meio social, enfatizando o papel do contexto histórico e cultural nos processos de
desenvolvimento e aprendizagem.
Para Vygotsky, é por meio da atividade cerebral que o homem se integra à cultura,
essa atividade é mediada pela linguagem e é estimulada pela interação entre os indivíduos em
um meio social, uma vez que a linguagem humana é, sobretudo, um fenômeno social. O
comportamento do homem seria formado pelas peculiaridades e condições biológicas e sociais

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do seu crescimento. O fator biológico, assim, determinaria a base, o que fundamenta as reações
inatas, e o organismo não teria possibilidade de extrapolar os limites desse fundamento, pois
sobre ele se erige um sistema de reações adquiridas. Neste contexto, a faculdade psíquica não
é inata, e também não se trata de um pacote pronto, o funcionamento psicológico do ser humano,
segundo Vygotsky se caracterizaria pelo que denomina de Planos Genéticos de
Desenvolvimento, que são classificados pelo autor como Filogênese, Ontogênese, Sociogênese
e Microgênese. Vejamos a seguir um pouco acerca desses processos.
O processo filogenético está ligado à história da espécie, através de um processo de
mudança lento, que deixa uma herança para o indivíduo na forma de genes, transformando-se
com o passar do tempo. Em outras palavras, todas as espécies têm uma própria história e todas
elas acabam por definir uma história. Esse desenvolvimento histórico-cultural muda no decorrer
dos séculos, deixando um legado por meio de tecnologias simbólicas e materiais como
alfabetização, sistemas numéricos, computadores, a escrita e normas culturais.
Já a Ontogênese é um processo intimamente ligado à Filogênese, que trata do
desenvolvimento do ser, ou seja, cuida de esclarece o fato do homem pertencer a sua espécie,
por exemplo, uma criança da espécie humana aprende a sentar, engatinhar, andar, se alimentar
conforme a sua espécie.
A Sociogênese está relacionada à história da cultura, onde o sujeito está inserido,
mas vale destacar que essa história envolve todas as mudanças culturais que de alguma forma,
interferem no desenvolvimento psicológico. A cultura dessa maneira funciona como um
potencializador das faculdades humanas. A Microgênese, por sua vez, diz respeito a um olhar
micro que se pode ter sobre um fenômeno, o que tem a ver com a questão do “como se aprende”,
o que desafia a ideia do determinismo. Resumindo, o desenvolvimento microgenético nada mais
é do que a aprendizagem que os indivíduos vivenciam a cada momento em contextos
determinados, a partir da sua formação genética e histórico-cultural.
A mediação simbólica é uma ideia de Vygotsky e têm a ver com a relação do homem
com o mundo, que se realiza através de instrumentos e signos. A maior parte das ações humanas
no mundo é mediada pela experiência de outros.
Nesse processo de interação, o homem é capaz de abstrair, classificar e generalizar, o
que só é possível por causa do sistema simbólico articulado e organizado que possui, portanto
o significado é um fenômeno do pensamento, dessa forma, o pensamento e a linguagem são os
elementos que definem o funcionamento psicológico humano.
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Torna-se aqui, necessário destacar que os signos são construídos culturalmente, sendo
a língua, o lugar onde está construção ocorre. Ao falar em linguagem, Vygotsky não se refere
a qualquer linguagem, mas sim à fala, o discurso.
A comunicação é considerada a primeira função da linguagem e o pensamento
generalizante é a segunda, é justamente nesta função que pensamento e linguagem se unem.
No desenvolvimento de todo esse processo, a relação entre pensamento e palavra é um
movimento contínuo, pois é através de palavras que o pensamento passa a existir. Para
Vygotsky, o primeiro uso da linguagem é a fala socializada, que exerce uma função
comunicativa. O discurso interior seria o mais desenvolvido, e surge por volta dos três, quatro
anos de idade, quando a criança fala sozinha, sem precisar de interlocutor, é o que se chama de
fala egocêntrica, uma fala que a criança utiliza para ajudá-la a resolver um problema.
O sujeito aprende e se desenvolve por meio da cultura, sendo assim, o
desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem de fora para dentro, para melhor ilustrar essa
realidade, podemos citar o brinquedo e a brincadeira, que são fundamentais para a criança, já
que é na brincadeira a criança pode aprender as regras da vida adulta, experienciando-as, e até
modificando-as.
Valem a pena salientar que existem funções denominadas psicointelectuais superiores,
que aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança. A primeira vez surge nas
atividades coletivas, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades
individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, dessa vez, como funções
intrapsíquicas. Neste contexto, o desenvolvimento deve ser observado de forma prospectiva,
em direção aquilo que ainda não aconteceu. Vygotsky denomina esse processo de Zona de
Desenvolvimento Proximal, que diz respeito à distância entre o nível de desenvolvimento real,
que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de
um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Em outras palavras, diz respeito a todo o potencial de conhecimento que pode ser
adquirido pelo indivíduo na relação entre o conhecimento prévio e a sua interação social, a
partir de uma interação dialética, uma vez que existe o nível de desenvolvimento real, que indica
o olhar retrospectivo e o nível de desenvolvimento potencial, o que indica estar próximo a
acontecer.

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A ideia de que o indivíduo não precisaria exatamente de passar por um processo de
maturação ou atingir certa idade para assimilar certos conhecimentos, é uma das maiores
contribuições de Vygotsky para os estudos acerca do processo de aprendizagem. Em sua teoria,
esses conhecimentos podem ser adquiridos mais rapidamente ou mais tardiamente, dependendo
das relações desses indivíduos com o meio em que vivem.
Na escola a criança não aprende aquilo que é consegue realizar por si mesma, mas a
fazer o que é ainda incapaz de realizar, porém que está ao seu alcance a partir da mediação do
professor. Na instrução, o fundamental é o novo que a criança aprende, assim, a zona de
desenvolvimento proximal é o aspecto mais determinante no que se diz respeito ao ensino e ao
desenvolvimento, pois determina o campo das gradações que estão ao alcance da criança.
Do ponto vista biológico, o homem parece ter se mantido o mesmo de séculos atrás.
No entanto, sob o ponto de vista cultural, com o passar das gerações, os seres humanos vão se
apropriando do que a sua geração anterior produziu, fazendo com que cada novo ciclo
geracional se desenvolvesse e evoluísse. Resumindo, o principal desenvolvimento no contexto
da aprendizagem, se encontra na ordem social do indivíduo no seu processo de aprendizagem.
O aprendizado escolar para Vygotsky induz o tipo de percepção generalizante,
desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança acerca dos seus
próprios processos mentais. Através de seu sistema hierárquico de inter-relações, os conceitos
científicos parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio se desenvolvem, sendo
mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras áreas do pensamento. A consciência
reflexiva chega à criança através dos portais dos conhecimentos científicos. Ele defendia a ideia
de que, mais que o indivíduo agir, é preciso interagir.

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CAPÍTULO 2 - LINGUAGEM ESCRITA

Outra grande contribuição de sociointeracionismo por meio de Vygotsky gira em torno


do desenvolvimento da linguagem escrita, cujas ideias são bastante contemporâneas e estão
estritamente ligadas às questões centrais de sua teoria. A linguagem escrita, assim como outras
formas de linguagem, é construída socialmente, através da interação dos sujeitos entre si e com
o mundo, em um processo contínuo.
Nosso autor afirma que a escrita é um sistema de representação simbólica da realidade,
que medeia à relação entre os indivíduos e o mundo que os cercam. Para ele, a escrita ultrapassa
o domínio da grafia das palavras, pois se trata de um produto cultural construído historicamente,
e a criança passa por um processo muito complexo para adquiri-la, que tem início bem antes da
criança ingressar na escola. A partir da perspectiva Vygotskyana, alfabetizar é mais que
aprender a grafar palavras; aprender a escrever é construir uma nova inserção cultural, é
aprender uma forma de interagir com o meio no qual se está inserido.
É preciso entender assim, que a aprendizagem é um fenômeno extremamente
complexo, que envolve aspectos cognitivos, emocionais, orgânicos, psicossociais e culturais, e

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é resultante do desenvolvimento de conhecimentos, assim como da transferência destes para
uma nova situação.
Já sabemos aqui que Vygotsky concebe que o homem se constitui através de sua
interação com o meio em que está inserido. Cabe, contudo, ressaltar que esta interação é
dialética, e não uma somatória de aspectos biológicos inatos e adquiridos. Trata-se de um
processo, onde o indivíduo ao mesmo tempo em que internaliza as formas culturais, pode
transformá-las e assim intervir em seu meio, ou seja, ocorre uma relação dialética entre o mundo
e o sujeito se constitui e se liberta. Sob essa perspectiva, o processo de aprendizagem, e os
vários processos constitutivos do homem, são desencadeados a partir das relações de troca que
o sujeito estabelece com o meio, ou seja, da interação dialética entre ele e o meio que está
inserido.
Portanto, em sua teoria, ao falar da aprendizagem, Vygotsky, sempre se remete ao
desenvolvimento, pois o mesmo considera que esses são dois processos que estão intimamente
relacionados, sendo impossível dissociá-los.
Vygotsky critica três grandes postulados teóricos no que se refere ao processo de
desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo. O primeiro deles é a chamada visão
Maturacionista, que afirma que o desenvolvimento é pré-requisito para a Aprendizagem, ou
seja, o desenvolvimento precede a aprendizagem; o segundo, denominado Behaviorismo,
defende que o aprendizado é desenvolvimento; e o último, conhecido como a teoria da Gestalt,
diz que o desenvolvimento depende do aprendizado. Para Vygotsky, estes processos não são
iguais e nem um está subordinada ao outro, ao contrário, eles constituem-se reciprocamente.
Não resta dúvida de que o aprendizado seja um aspecto necessário e fundamental no
processo de desenvolvimento do indivíduo, levando em consideração que, o desenvolvimento
pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado meio, a partir da
interação com ele.
O aprendizado da criança está diretamente relacionado ao seu desenvolvimento. Esse
desenvolvimento ocorre graças ao processo de maturação do organismo do indivíduo e é o
justamente o aprendizado que faz despertar os processos internos de desenvolvimento que só
acontece devido à interação entre indivíduo e o ambiente cultural que o rodeia.
Assim, podemos dizer que o desenvolvimento depende do aprendizado. No entanto,
esta é uma relação muito complexa, e somente a partir da discussão dos dois níveis de
desenvolvimento, postulados por Vygotsky, torna-se possível esclarecer esta questão. Os dois
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níveis de desenvolvimento definidos pelo teórico são assim denominados: Nível de
Desenvolvimento Real e Nível de Desenvolvimento Potencial.
O Nível de Desenvolvimento Real se refere às conquistas já efetivadas, ou seja,
corresponde às tarefas e atividades que a criança já é capaz de fazer sozinha, sem a ajuda de
ninguém, por que já tem domínio sobre elas, considerando que o nível de desenvolvimento das
funções mentais da criança que se estabeleceram como resultados de certos ciclos de
desenvolvimento já foram já completados.
Já o Nível de Desenvolvimento Potencial está relacionado às funções que as crianças
não são capazes de fazer, sem a ajuda de outro indivíduo, ou seja, a criança não tem total
domínio sobre elas.
É fundamental considerar os dois níveis acima citados para entendermos melhor o
processo de desenvolvimento, pois ambos constituem um só processo. Ao Nível de
Desenvolvimento Potencial, Vygotsky denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP). Trata-se da distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento
potencial. É nessa zona que o aprendizado ocorre, pois é nesse contexto, de interação com
outros indivíduos, quando a criança entra em contato com coisas que ela não conhece, as quais,
sem a ajuda do outro, seria impossível de ocorrer.
O momento de aprendizagem tem que ser motivador e favorável, assim como quem
“ensina” deve ter paciência e afeto para com quem está aprendendo, para que a aprendizagem
seja significativa e satisfatória e o ciclo de desenvolvimento seja completado. O meio em que
o sujeito em processo de aprendizado está inserido deve ser instigante e propício ao
desenvolvimento desse processo. O professor o mediador responsável para criar este ambiente.
Na realidade, o que está em processo de amadurecimento é o caminho que o indivíduo
vai percorrer para desenvolver funções que também estão em processo de amadurecimento e
que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real.
Vygotsky afirma que o aprendizado da criança se inicia antes mesmo dessa ingressar
na escola, o mesmo acontece também com o próprio processo de aprendizagem da língua
escrita. Ele entende que a escrita vai além da dominação da grafia das palavras, pois é um
produto cultural, construído historicamente, por isso para adquiri-la a criança passa por um
processo bastante complexo.

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Antes de atingir a idade escolar, a criança aprende e assimila um bom número de
técnicas que prepara o caminho para a escrita. Estas técnicas capacitam e facilitam o que fácil
aprendizado em relação ao conceito e a técnica da escrita.
Geralmente e infelizmente, na escola o processo da escrita consiste em um ato
mecânico, focando-se totalmente na reprodução das letras, noutras palavras, ensina-se a
desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita de uma
forma mais reflexiva. O que acaba sendo uma prática de atividade artificial, pois se ignora os
aspectos psíquicos da criança, considerando o processo de alfabetização apenas como aquisição
de habilidade motora. Na realidade, aprender a escrever é aprender uma forma de interagir com
o meio sob o qual está inserido.
Ao entrar na escola, o aluno já possui um conhecimento prévio, já traz uma bagagem
de conhecimentos que adquiriu no decorrer de sua vida. Assim, quando a criança assimila o
nome de qualquer objeto, um conceito, uma cor, ele já está aprendendo. No entanto, não se
pode ignorar o papel da escola no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança,
uma vez que a escola oferece elementos novos para o seu aprendizado, quando o professor
trabalha na Zona de Desenvolvimento Proximal do aluno.
Assim, o processo ensino-aprendizado deve partir daquilo que as crianças já sabem
(ZDR) e chegar aos objetivos estabelecidos pela escola, atingindo as etapas não consolidadas
(ZDP). O professor, por sua vez, ele deve intervir de modo significativo, nas atividades que a
criança não consegue desenvolver sozinha, no sentido de auxiliá-las.
Vale a pena ressaltar, que não se trata de uma intervenção diretiva, onde tudo é
controlado e determinado pelo professor. Mesmo que Vygotsky destaque o papel da intervenção
no desenvolvimento, seu objetivo maior é salientar a importância do meio cultural e das
relações entre os indivíduos para a definição de um percurso de desenvolvimento do indivíduo,
sem propor uma pedagogia diretiva e autoritária.
A interação entre as crianças é outro aspecto fundamental permitido e trabalhado pela
escola, e que deve ser destacado para o desenvolvimento das mesmas, tendo em vista que é a
partir da interação com o meio e com outras pessoas que ela aprende.
Sem dúvidas, podemos dizer embasados na teoria de Vygotsky, que o indivíduo
aprende em todo lugar e a todo o momento, dentro da escola e fora dela, inclusive em situações
informais.

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A linguagem escrita, como acontece em outras formas de linguagem, é construída
socialmente, através da interação dos sujeitos entre si e com o mundo, em um processo
contínuo.
Conforme Vygotsky, a escrita é um sistema de representação simbólica da realidade,
que medeia à relação entre o indivíduo e o mundo. Segundo ele a escrita é um processo
histórico, por isso é relevante entender o processo de escrita em sua gênese, antes da criança
ingressar na escola e submeter-se ao ensino sistemático da linguagem escrita, para assim
compreender o caminho que ela percorre para aprender a ler e a escrever.
O aprendizado da escrita é um produto cultural construído ao longo da história da
humanidade, e é entendido por Vygotsky como um processo bastante complexo. A
complexidade se encontra no fato de a escrita ser um sistema de representação da realidade
bastante sofisticado.
Ainda neste contexto, Vygotsky declara que a compreensão da linguagem escrita é
efetuada, primeiramente, através da linguagem falada, ou seja, é necessário compreender
primeiro a linguagem falada para então, compreender a linguagem escrita. Acontece assim,
porque o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças se dá a partir do momento que ela
percebe que além de coisas ela pode também desenhar a fala, ou seja, ela começa a escrever
quando ela percebe que a escrita é a representação, o desenho, da fala, e que ela pode desenhar
essa fala.
Para alguns teóricos, a memória é a precursora da verdadeira escrita. A primeira forma
de escrita para se caracteriza quando a criança utiliza mecanismos gráficos como uma espécie
de signo auxiliar da memória, mesmo que de rabiscos, os quais não são diferenciados pela sua
forma externa.
Depois dessa etapa, os traços e rabiscos são substituídos por figuras e desenhos, que
darão lugar aos signos. Esse processo envolve uma sequência de aspectos, que são formados e
influenciados pela interação da criança com o meio sociocultural. Toda a trajetória do
desenvolvimento da escrita e do desenvolvimento da criança se encontram nessa sequência de
acontecimentos.
Na criança, o desenvolvimento da linguagem escrita acontece por meio do
deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. Mas, não se trata de um
processo contínuo, pois não se desenvolve em linha reta, e como qualquer outra função, o

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desenvolvimento da escrita depende das relações psicológicas, culturais, sociais, econômicas e
políticas.
Ao educador cabe conhecer seus alunos, observar e analisar o meio em que eles estão
inseridos, para melhor perceber as relações que eles estabelecem com esse meio, e dessa forma,
levar em consideração o conhecimento prévio que esses alunos já possuem antes de ingressar
na escola.
O processo de alfabetização precisa ser desenvolvido em um ambiente motivador para
que os educadores possam repensar a concepção e modo de alfabetizar, além da mera
representação de letras, do domínio e decifração do código. Na verdade, deve-se alfabetizar,
ensinando os indivíduos a ler e a escrever no contexto das práticas sociais.
Outra área do conhecimento da Psicologia é o estudo do desenvolvimento do ser
humano, onde as proposições nucleares se concentram no esforço de compreender o homem
em todos os seus aspectos, abarcando diversas fases do desenvolvimento, desde o nascimento
até o seu mais completo grau de maturidade e estabilidade. A linha evolutiva da Psicologia tem
produzido a elaboração de várias teorias que pretendem reconstituir as condições de produção
da representação do mundo a partir de diferentes metodologias e dos vários pontos de vistas
A teoria de Jean Piaget se destaca de outras tantas, graças ao seu caráter inovador ao
introduzir uma nova visão, representada pela linha interacionista que nada mais é do que uma
tentativa de integrar as posições dicotômicas de duas tendências teóricas que permeiam a
Psicologia em geral - o materialismo mecanicista e o idealismo – que são marcadas pelo
antagonismo de seus postulados, que como já foi mencionado aqui, separam de forma estanque
o físico e o psíquico.
Vale destacar que o modelo piagetiano zela pelo rigor científico de sua produção, que
vigorou nos anos 70, e trouxe contribuições práticas fundamentais para o campo da Educação.

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CAPÍTULO 3 -A VISÃO INTERACIONISTA DE PIAGET

As ideias de Piaget se opõem as duas correntes antagônicas e inconciliáveis que


permeiam a Psicologia em geral, o objetivismo e o subjetivismo. Elas são derivadas de duas
grandes vertentes filosóficas, o idealismo e o materialismo mecanicista, que são legados do
dualismo radical de Descartes, que propõe a separação existente entre corpo e alma, entre físico
e psíquico. Neste contexto, a Psicologia Objetivista, privilegia o dado externo, afirmando que
todo conhecimento provém da experiência; e a Psicologia Subjetivista é contrariamente,
respaldada no substrato psíquico, e defende que todo conhecimento é anterior à experiência,
declarando, assim, a primazia do sujeito sobre o objeto.
Piaget formula o conceito de epigênese por considerar as duas posições acima,
insuficientes para explicar o processo evolutivo da filogenia humana. Ele argumenta que o
conhecimento não é oriundo somente da experiência dos objetos, nem de uma programação
inata pré-formada no sujeito, mas sim, de construções sucessivas com elaborações constantes
de novas estruturas.
O processo evolutivo da filogenia humana tem uma origem biológica que é ativada
pela ação e interação do organismo com o meio ambiente físico e social que o rodeia. O que

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significa que as formas primitivas da mente, biologicamente constituídas, são reorganizadas
pela psique socializada, ou seja, existe uma relação de interdependência entre o sujeito
conhecedor e o objeto que será conhecido. Trata-se de um processo que se ocorre através de
um mecanismo autorregulatório que nada mais é que um processo de equilibração progressiva
entre o organismo e o meio em que o indivíduo está inserido.

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CAPÍTULO 4 - O PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO

O sujeito epistêmico é o elemento principal do modelo piagetiano, uma vez que a


grande preocupação da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do
homem, desde seu nascimento até a idade adulta. Aqui, a compreensão dos mecanismos de
constituição do conhecimento, segundo Piaget, equivale à compreensão dos mecanismos
envolvidos na formação do pensamento lógico, matemático. A lógica para Piaget representa a
parte final do equilíbrio das ações, trata-se de um sistema de operações, isto é, de ações que se
tornaram reversíveis e podem ser compostas entre si.
Piaget entende que a gênese do conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, o
pensamento lógico não é inato nem externo ao organismo, mas é essencialmente construído em
meio à interação homem-objeto. Portanto, o desenvolvimento da filogenia humana se dá através
de um mecanismo autorregulatório que tem como base condições biológicas ativadas pela ação
e interação do organismo com o meio ambiente físico e social. Assim, podemos dizer que a
experiência sensorial e o raciocínio são bases do processo de constituição da inteligência e do
pensamento lógico do homem.
Nessa percepção de Piaget, o homem possui uma estrutura biológica que o viabiliza
seu desenvolvimento mental, porém, esse fato por si mesmo não garante o desencadeamento
de fatores que propiciam o seu desenvolvimento, mesmo por que este só acontecerá a partir da
interação do sujeito com o objeto que deve ser conhecido. Embora a relação com o objeto seja
essencial, ela também não é uma condição suficiente para realização plena do desenvolvimento
cognitivo humano, pois para que isso aconteça é necessário que haja o exercício do raciocínio.
A constituição do pensamento lógico requer um processo interno de reflexão. Esses aspectos
revelam que Piaget focaliza o processo interno dessa confecção ao tentar descrever a origem da
constituição do pensamento lógico.
Para resumir, podemos dizer que o desenvolvimento humano, conforme o modelo
piagetiano, é explicado a partir do pressuposto de que existe uma conjuntura de relações
interdependentes entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer.
Na teoria piagetiana, o conceito de equilibração é especialmente destacável, pois
representa o fundamento que explica todo o processo do desenvolvimento humano. Este
fenômeno tem essencialmente, um caráter universal, pois ocorre de forma uniforme em todos

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os indivíduos da espécie humana, embora possa sofrer variações em função de conteúdos
culturais presentes no meio em que o indivíduo está inserido. A partir desse raciocínio, o estudo
de Piaget considera a atuação de dois elementos básicos ao desenvolvimento humano, os fatores
invariantes e os fatores variantes.
Piaget afirma que o indivíduo, ao nascer, recebe como legado várias estruturas
biológicas (sensoriais e neurológicas) que continuam constantes ao longo da sua vida. Essas
estruturas biológicas são denominadas de fatores invariantes que predispõem o surgimento de
determinadas estruturas mentais. Por causa disso, a vertente piagetiana considera que o
indivíduo carrega consigo duas marcas inatas que são a tendência natural à organização e à
adaptação.
Já os fatores variantes são representados pelo conceito de esquema que constitui a
unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, trata-se de um elemento
que se modifica no processo de interação com o meio, com o objetivo de adaptar o indivíduo à
realidade que o rodeia. Assim, a teoria psicogenética revela que a inteligência não é herdada,
mas, construída no processo interativo do homem com o meio ambiente em que ele estiver
inserido.
O equilíbrio para Piaget se refere ao objetivo que o organismo almeja, mas que
contraditoriamente, nunca alcança. Isso ocorre porque no processo de interação podem ocorrer
desajustes do meio ambiente que rompem o equilíbrio do organismo, estimulando esforços para
que a adaptação se restabeleça. Trata-se na verdade, de uma busca que o organismo promove
para produzir novas formas de adaptação, o que envolve dois mecanismos diferentes, mas
indissociáveis e que se complementam, a assimilação e a acomodação.
O processo de assimilação representa uma tentativa de integração de aspectos
experienciais aos esquemas previamente estruturados, ou seja, quando o indivíduo entra em
contato com o objeto do conhecimento, ele busca extrair as que lhe interessam, abrindo mão de
outras que não lhe são tão relevantes, com a constante intenção de restabelecer a equilibração
do organismo. A assimilação, então, consiste na tentativa do indivíduo em solucionar uma
determinada situação a partir da estrutura cognitiva que ele possui naquele momento específico
da sua existência.
A acomodação, por sua vez, é a capacidade de transformação da estrutura mental
antiga para poder dominar um novo objeto do conhecimento. Noutras palavras, a acomodação
representa o momento da ação do objeto sobre o sujeito, tornando-se nesta feita, elemento
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complementar das interações sujeito/objeto. Em resumo, toda experiência é assimiladaa uma
estrutura de ideias pré-existentes, que podem provocar uma transformação nesses esquemas,
produzindo dessa forma, um processo de acomodação.
Vale salientar que os processos de assimilação e acomodação são complementares
entre si e ambos estão presentes durante toda a vida do indivíduo, o que permite um estado de
adaptação intelectual. É bastante improvável acontecer uma situação em que possa ocorrer
assimilação sem acomodação, uma vez que um objeto raramente é igual a outro já conhecido,
ou uma situação é exatamente igual à outra.
A partir dessa perspectiva, o processo de equilibração pode ser entendido como um
mecanismo de organização de estruturas cognitivas em um sistema coerente que objetiva levar
o indivíduo a elaboração de uma forma de adaptação à realidade. O conceito de equilibração
indica, portanto, movimento e dinamismo, pois a constituição do conhecimento leva o indivíduo
a situações de conflitos cognitivos constantes que movimentam o organismo com o intuito de
solucioná-los.
Porém, esse processo de transformação irá depender sempre do modo como o
indivíduo irá elaborar e assimilar as suas interações com o meio, isso ocorre graças ao fato da
equilibração do organismo refletir as elaborações possibilitadas pelos níveis de
desenvolvimento cognitivo que o organismo apresenta em várias fases da sua vida. Sobre isso
Piaget classifica os modos de relacionamento com a realidade em quatro períodos, que veremos
a seguir.

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CAPÍTULO 5 - OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Piaget considera quatro fases no processo evolutivo da espécie humana, que se


caracterizam por ser tudo o que o indivíduo consegue fazer melhor no decorrer das diferentes
faixas etárias, ao longo do seu processo de desenvolvimento. O primeiro período é denominado
Sensório-motor, que ocorre desde o nascimento até os dois anos; o segundo é o Pré-
operatório que ocorre entre os dois aos sete anos; o terceiro é chamado de Operações
Concretas, abarca crianças entre os sete aos onze, doze anos; e o último denominado Operações
Formais acontece onze, doze anos em diante.
Geralmente, todos os indivíduos passam pelas quatro fases conforme a sequência
acima, no entanto, o começo e o fim de cada uma delas podem sofrer variações por causa da
função da estrutura biológica de cada indivíduo e da variedade dos estímulos produzidos pelo
meio ambiente ao qual pertence. Dessa forma, devemos entender que essa divisão em fases
etárias é apenas uma referência, e não uma regra. Vejamos a seguir, algumas das principais
características de cada um desses períodos.
Conforme Piaget, a criança nasce em um ambiente que lhe é hostil. Esse universo é
conquistado através da percepção e dos movimentos como a sucção e os movimentos dos olhos.
Assim, no recém-nascido, as funções mentais se restringem ao exercício dos reflexos inatos.
Com o passar do tempo, gradativamente, a criança vai aperfeiçoando os movimentos reflexos,
adquirindo dessa forma, habilidades e alcança o término do período sensório-motor, já se

20
percebendo em um determinado contexto. Essa trajetória é denominada como Período
Sensório-motor.
O que marca a transição do período sensório-motor para o pré-operatório é o
surgimento da função simbólica ou semiótica, ou seja, é a emergência da linguagem. A partir
dessa concepção, entendemos que a inteligência vem antes dessa emergência da linguagem,
dessa forma, não é possível atribuir à linguagem a origem da lógica, que constitui o núcleo do
pensamento racional. A linguagem neste contexto é importante, mas não suficiente para o
desenvolvimento do indivíduo, pois é fundamental que haja um trabalho de reorganização da
ação cognitiva que não é dado pela linguagem. Noutras palavras, o desenvolvimento da
linguagem depende do desenvolvimento da inteligência.
A emergência da linguagem exige modificações importantes em aspectos cognitivos,
afetivos e sociais da criança, pois ela possibilita as interações interindividuais e viabiliza o
potencial para trabalhar com representações para assim, conceder significados à realidade.
Entretanto, mesmo que o alcance do pensamento apresente transformações importantes, ele tem
como característica o egocentrismo, pois a criança não concebe uma realidade da qual não faça
parte, graças à ausência de esquemas conceituais e da lógica.
Neste estágio denominado Pré-operatório, embora a criança apresente a capacidade
de atuar de forma lógica e coerente ela apresentará, contraditoriamente, um entendimento
desequilibrado da realidade.
No Período das Operações Concretas,neste período o egocentrismo intelectual e social
presentes na fase anterior é substituído pela emergência que a criança tem de ser capaz de
estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes e de integrá-los de modo lógico e
coerente. Outro ponto relevante neste estágio é o surgimento da capacidade da de interiorização
das ações, ou seja, a criança passa a realizar operações mentalmente e não mais apenas através
de ações físicas típicas da inteligência sensório-motora.
Mas, apesar da criança conseguir raciocinar de forma coerente, os conceitos e as ações
executadas mentalmente se refere somente a objetos ou situações que podem ser manipuladas
ou imaginadas de forma concreta. Se no período pré-operatório a criança ainda não havia
adquirido a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma
transformação efetuada sobre os objetos, tal reversibilidade será construída ao longo dos
estágios operatório concreto e formal.

21
No período das operações formais, a criança amplia suas capacidades conquistadas
na fase anterior, e consegue raciocinar sobre hipóteses na medida em que ela é capaz de formar
esquemas conceituais abstratos e através deles executar operações mentais dentro de princípios
da lógica formal. Dessa forma, a criança consegue criticar os sistemas sociais e propor novos
códigos de conduta, adquirindo, assim, autonomia.
Quando atinge esta fase, o indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ou seja,
ele alcança o padrão intelectual que continuará na idade adulta. Isso não quer dizer que ocorra
uma estagnação das funções cognitivas, a partir do ápice adquirido na adolescência, como
enfatiza Rappaport, esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo adulto. Seu
desenvolvimento posterior consistirá numa ampliação de conhecimentos tanto em extensão
como em profundidade, mas não na aquisição de novos modos de funcionamento mental.
Cabe-nos problematizar as considerações anteriores de Rappaport, a partir da seguinte
reflexão: resultados de pesquisas têm indicado que adultos "pouco-letrados/escolarizados"
apresentam modo de funcionamento cognitivo "balizado pelas informações provenientes de
dados perceptuais, do contexto concreto e da experiência pessoal" (OLIVEIRA, 2001a:148).
De acordo com os pressupostos da teoria de Piaget, tais adultos estariam, portanto, no estágio
operatório-concreto, ou seja, não teriam alcançado, ainda, o estágio final do desenvolvimento
que caracteriza o funcionamento do adulto (lógico-formal). Como é que tais adultos
(operatório-concreto) poderiam, ainda, adquirir condições de ampliar e aprofundar
conhecimentos (lógico-formal) se não lhes é reservada, de acordo com a respectiva teoria, a
capacidade de desenvolver "novos modos de funcionamento mental"? - aliás, de acordo com a
teoria, não dependeria do desenvolvimento da estrutura cognitiva a capacidade de desenvolver
o pensamento descontextualizado?
Bem, retomando a nossa discussão, vale ressaltar, ainda, que, para Piaget, existe um
desenvolvimento da moral que ocorre por etapas, de acordo com os estágios do
desenvolvimento humano. Para Piaget (1977 apud LA TAILLE 1992:21), "toda moral consiste
num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o
indivíduo adquire por estas regras". Isso porque Piaget entende que nos jogos coletivos as
relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente, podem
ser modificadas consensualmente entre os jogadores, sendo que o dever de 'respeitá-las' implica
a moral por envolver questões de justiça e honestidade.

22
Assim sendo, Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral abrange 3 fases: (a)
anomia (crianças até 5 anos), em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são seguidas,
porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de
hábito, de dever; (b) heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade),em que a moral é = a
autoridade, ou seja, as regras não correpondem a um acordo mútuo firmado entre os jogadores,
mas sim como algo imposto pela tradição e, portanto, imutável; (c) autonomia, corresponde ao
último estágio do desenvolvimento da moral, em que há a legitimação das regras e a criança
pensa a moral pela reciprocidade, quer seja o respeito a regras é entendido como decorrente de
acordos mútuos entre os jogadores, sendo que cada um deles consegue conceber a si próprio
como possível 'legislador' em regime de cooperação entre todos os membros do grupo.
Para Piaget, a própria moral pressupõe inteligência, haja vista que as relações entre
moral x inteligência têm a mesma lógica atribuídas às relações inteligência x linguagem. Quer
dizer, a inteligência é uma condição necessária, porém não suficiente ao desenvolvimento da
moral. Nesse sentido, a moralidade implica pensar o racional, em 3 dimensões: a) regras: que
são formulações verbais concretas, explícitas (como os 10 Mandamentos, por exemplo); b)
princípios: que representam o espírito das regras (amai-vos uns aos outros, por exemplo); c)
valores: que dão respostas aos deveres e aos sentidos da vida, permitindo entender de onde são
derivados os princípios das regras a serem seguidas.
Assim sendo, as relações interindividuais que são regidas por regras envolvem, por
sua vez, relações de coação - que corresponde à noção de dever; e de cooperação - que
pressupõe a noção de articulação de operações de dois ou mais sujeitos, envolvendo não apenas
a noção de 'dever' mas a de 'querer' fazer. Vemos, portanto, que uma das peculiaridades do
modelo piagetiano consiste em que o papel das relações interindividuais no processo evolutivo
do homem é focalizado sob a perspectiva da ética (LA TAILLE, 1992). Isso implica entender
que "o desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício da cooperação, mas
não condição suficiente, pois uma postura ética deverá completar o quadro." (idem p. 21).

23
CAPÍTULO 6 - AS CONSEQUÊNCIAS DO MODELO PIAGETIANO
PARAA AÇÃO PEDAGÓGICA

Como já foi mencionada na apresentação deste trabalho, a teoria psicogenética de


Piaget não tinha como objetivo principal propor uma teoria de aprendizagem. A esse respeito,
Coll (1992:172) faz a seguinte observação: "ao que se sabe, ele [Piaget] nunca participou
diretamente nem coordenou uma pesquisa com objetivos pedagógicos". Não obstante esse fato,
de forma contraditória aos interesses previstos, portanto, o modelo piagetiano, curiosamente,
veio a se tornar uma das mais importantes diretrizes no campo da aprendizagem escolar, por
exemplo, nos USA, na Europa e no Brasil, inclusive.
De acordo com Coll as tentativas de aplicação da teoria genética no campo da
aprendizagem são numerosas e variadas, no entanto os resultados práticos obtidos com tais
aplicações não podem ser considerados tão frutíferos. Uma das razões da difícil penetração da
teoria genética no âmbito da escola deve-se, principalmente, segundo o autor, ao difícil
entendimento do seu conteúdo conceitual como pelos métodos de análise formalizante que
utiliza e pelo estilo às vezes 'hermético' que caracteriza as publicações de Piaget. Coll ressalta,
também, que a aplicação educacional da teoria genética tem como fatores complicadores, entre
outros: a) as dificuldades de ordem técnica, metodológicas e teóricas no uso de provas
operatórias como instrumento de diagnóstico psicopedagógico, exigindo um alto grau de

24
especialização e de prudência profissional, a fim de se evitar os riscos de sérios erros; b) a
predominância no "como" ensinar coloca o objetivo do "o quê" ensinar em segundo
plano, contrapondo-se, dessa forma, ao caráter fundamental de transmissão do saber
acumulado culturalmente que é uma função da instituição escolar, por ser esta de caráter
preeminentemente político-metodológico e não técnico como tradicionalmente se procurou
incutir nas ideias da sociedade; c) a parte social da escola fica prejudicada uma vez que o
raciocínio por trás da argumentação de que a criança vai atingir o estágio operatório secundariza
a noção do desenvolvimento do pensamento crítico; d) a ideia básica do construtivismo
postulando que a atividade de organização e planificação da aquisição de conhecimentos está a
cargo do aluno acaba por não dar conta de explicar o caráter da intervenção por parte do
professor; e) a ideia de que o indivíduo apropria os conteúdos em conformidade com o
desenvolvimento das suas estruturas cognitivas estabelece o desafio da descoberta do "grau
ótimo de desequilíbrio", ou seja, o objeto a conhecer não deve estar nem além nem aquém da
capacidade do aprendiz conhecedor.
Por outro lado, como contribuições contundentes da teoria psicogenética podem ser
citadas, por exemplo: a) a possibilidade de estabelecer objetivos educacionais uma vez que a
teoria fornece parâmetros importantes sobre o 'processo de pensamento da criança’ relacionado
aos estádios do desenvolvimento; b) em oposição às visões de teorias behavioristas que
consideravam o erro como interferências negativas no processo de aprendizagem, dentro da
concepção cognitivista da teoria psicogenética, os erros passam a ser entendidos como
estratégias usadas pelo aluno na sua tentativa de aprendizagem de novos conhecimentos (PCN,
1998); c) outra contribuição importante do enfoque psicogenético foi lançar luz à questão dos
diferentes estilos individuais de aprendizagem; (PCN, 1998); entre outros.
Em resumo, conforme aponta Coll (1992), as relações entre teoria psicogenética x
educação, apesar dos complicadores decorrentes da "dicotomia entre os aspectos estruturais e
os aspectos funcionais da explicação genética" e da tendência dos projetos privilegiarem, em
grande parte, um reducionismo psicologizante em detrimento ao social (aliás, motivo de
caloroso debate entre acadêmicos), pode-se considerar que a teoria psicogenética trouxe
contribuições importantes ao campo da aprendizagem escolar.
A referência deste nosso estudo foi a teoria de Piaget cujas proposições nucleares dão
conta de que a compreensão do desenvolvimento humano equivale à compreensão de como se
dá o processo de constituição do pensamento lógico-formal, matemático. Tal processo, que é
25
explicado segundo o pressuposto de que existe uma conjuntura de relações interdependentes
entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer, envolve mecanismos complexos e intrincados
que englobam aspectos que se entrelaçam e se complementam, tais como: o processo de
maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e, sobretudo, a
equilibração do organismo ao meio.
Em face às discussões apresentadas no decorrer do trabalho, cremos ser lícito concluir
que as idéias de Piaget representam um salto qualitativo na compreensão do desenvolvimento
humano, na medida em que é evidenciada uma tentativa de integração entre o sujeito e o mundo
que o circunda. Paradoxalmente, contudo - no que pese a rejeição de Piaget pelo antagonismo
das tendências objetivista e subjetivista - o papel do meio no funcionamento do indivíduo é
relegado a um plano secundário, uma vez que permanece, ainda, a predominância do indivíduo
em detrimento das influências que o meio exerce na construção do seu conhecimento.
O processo de aquisição da linguagem tem sido estudado por inúmeras perspectivas,
tamanho interesse que desperta. Zorzi (2002) destaca que a linguagem verbal é somente uma
das muitas formas de comunicação, a mais complexa. Por isso é o último modo de comunicação
a desenvolver-se, e o seu pleno desenvolvimento depende da boa evolução das comunicações
mais primárias. Nestes primeiros tempos da linguagem, faz-se necessário considerar a
influência dos aspectos cognitivos neste processo.
A comunicação, de um modo geral, é um processo evolutivo. O papel da linguagem
no desenvolvimento cognitivo tem sido discutido por diferentes teóricos. As propostas
cognitivistas contemplam, em geral, uma abordagem racionalista, isto é, pressupõe alguma
capacidade inata. A linguagem aqui, segundo Santos (2008) é entendida como parte da
cognição.
Dentro das linhas cognitivistas, o interacionismo ou construtivismo entende a
linguagem como uma forma de representação, porque permite ao sujeito evocar verbalmente
objetos e acontecimentos ausentes. Santos (2008) referem que, desta forma, as crianças
constroem a linguagem, sendo esta considerada um instrumento. Um dos fatores indispensáveis
para o surgimento da representação é a constância objetal, pela qual a criança consegue
representar objetos ausentes. Esta proposta valoriza o aspecto motor, uma vez que pressupõe o
surgimento do simbolismo após a passagem pelos estágios do período Sensório-Motor.
A linguagem nasce da interiorização dos esquemas sensório-motores produzidos pela
experimentação ativa da criança. Zorzi (2002) complementa que existe uma elaboração
26
contínua de novas estruturas, que servem para interação e compreensão do meio. A linguagem
será construída mediante a interação entre criança e meio, mostrando-se como um reflexo das
capacidades cognitivas.
Nesta proposta teórica, o surgimento da linguagem ocorre apenas no período
representativo, em torno dos dois anos. Nesta idade, a criança desenvolve a função simbólica,
que lhe permite representar mentalmente seus esquemas de ação. Pode-se entender então que
são considerados pré-requisitos para adquirir linguagem a capacidade de permanência do objeto
e, portanto, de representação. O surgimento da função simbólica permite à criança desenvolver
a imitação diferida, o jogo, o desenho, as imagens mentais e finalmente, a linguagem.
A aquisição da linguagem não pode ser entendida de forma isolada no
desenvolvimento infantil. Segundo Zorzi (2002) ela marca uma série de mudanças na pequena
criança, no que se refere ao surgimento do simbolismo e a maneira de relacionar-se com o
mundo. A capacidade de simbolizar indica uma nova maneira de apropriar-se da realidade. A
incontável quantidade de estudos na área sugere a participação dos processos cognitivos no
desenvolvimento da linguagem. Para melhor compreender como se dá esta influência, serão
realizadas considerações sobre a teoria piagetiana, os níveis de desenvolvimento cognitivo e
como eles relacionam-se com a linguagem nos primeiros anos de vida. Ao final, será realizada
uma reflexão crítica acerca da Epistemologia Genética e sua relação com o desenvolvimento
linguístico.

1. A TEORIA PIAGETIANA

De modo a relacionar o desenvolvimento linguístico e pensamento, faz-se necessário


abordar o processo evolutivo que este último percorre, bem como suas especificidades. De
acordo com Lewis e Wolkmar (1993), Piaget investigou estas habilidades mentais. O teórico
considera que as crianças não herdam capacidades mentais prontas, apenas o modo de
interação com o ambiente. Desta forma, as Dias, Fernanda Letrônica, Porto Alegre v.3, n.2,
p.109, dez./2010.
Segundo Montoya (2006), discute-se que na atualidade a principal discussão é
entender como as novas formas de ação humana se organizam a partir de formas anteriores,
bem como a maneira como participam os fatores endógenos e exógenos nesse processo. O autor
27
entende que as aquisições da primeira fase serão incorporadas num sistema maior, sendo o
resultado de reconstruções geradas por novas descobertas.
Os estudos de Jean Piaget foram fundamentais para a compreensão do
desenvolvimento cognitivo. Filgueiras (2001) coloca que o trabalho de Piaget constituiu uma
base científica para as pesquisas sobre a aquisição do conhecimento. A teoria do
desenvolvimento cognitivo foi elaborada a partir da Epistemologia Genética, estudada por
Piaget. A Epistemologia Genética procura investigar as origens do conhecimento desde suas
formas mais elementares, de modo a compreender os diversos níveis das estruturas e processos
cognitivos através do Método Clínico proposto por Piaget.
Qualquer ato de pensamento exige uma série de operações que só se produzem se vão
sendo preparadas por atos que são interiorizados. Isto significa que Piaget buscou compreender
o pensamento enquanto uma ação internalizada. Este processo deve utilizar dois mecanismos:
a assimilação e a acomodação. O indivíduo incorpora o objeto enquanto meio de conhecimento,
fenômeno este chamado de assimilação. Assim, o sujeito assimila o objeto. Em um segundo
momento, o sujeito transforma sua estrutura anterior para incorporar o objeto já assimilado, o
que é chamado de acomodação.
Uma questão importante destacada por Filgueiras (2001) é que a fim de acomodar é
necessário que o sujeito antes se desequilibre estruturalmente, enquanto conjunto de esquemas
(o que se generaliza em uma ação, o que permite seu reconhecimento e diferenciação de outras
ações), para se equilibrar novamente. Esse equilíbrio somente se dá a partir do processo de
assimilação-acomodação por meio da interação.
Um aspecto a ser destacado quanto à questão anterior é a contribuição de Tafner (2008)
ao afirmar que se o indivíduo apenas assimilasse os estímulos, ficaria com escassos esquemas
cognitivos, demasiadamente generalizados. Caso isto ocorresse, o sujeito não seria capaz de
identificar diferenças nos objetos de conhecimento.
A situação oposta, se o indivíduo simplesmente se limitasse a acomodar os estímulos,
terminaria com numerosos esquemas cognitivos, contudo pequenos. Tal situação levaria a tão
poucas generalizações que os objetos de conhecimento seriam percebidos, em geral, como
diferentes, ainda que fossem elementos da mesma classe. Desta forma, a equilibração é um
mecanismo necessário à aprendizagem e, portanto, à linguagem.
A partir das colocações anteriores, pode-se considerar que Macedo (1994)
complementa ao referir que interagir pressupõe, da perspectiva do sujeito, poder assimilar o
28
objeto às suas estruturas, demanda que o sujeito tenha um esquema pelo qual o elemento
exterior possa ser incorporado no mesmo. Não é uma interação qualquer que proporcionará o
desequilíbrio e a acomodação, mas uma interação sujeito-objeto, a qual possui sentido para um
aquele sujeito. Consequentemente, pode-se considerar este um processo individual.
A teoria piagetiana percebe o desenvolvimento cognitivo construído a partir do
biológico. Segundo Piaget (1975), a inteligência começa a se organizar por meio de uma lógica
da ação calcada sobre o biológico (reflexos inatos do bebê), ou seja, para Piaget, os atos
biológicos são atos de adaptação ao meio físico. Desta forma, pode-se concluir que Piaget
entendia o cognitivo como uma adaptação, que organiza a função de estruturar o universo do
indivíduo. Este conceito refere-se à relação entre o pensamento e os objetos, uma vez que a
capacidade cognitiva irá construir mentalmente as estruturas capazes de serem aplicadas às do
meio. O sujeito cognoscente constrói o real por meio da ação. Assim, ele os conceitos
relacionados ao objeto, espaço, tempo e causalidade.
A criança constitui sua inteligência através de sua interação com o mundo, com
esquemas mentais que possibilitam apreender a realidade. Tafner (2008) refere que estes
esquemas possibilitam a identificação da entrada de estímulos. Desta forma, o organismo
consegue diferenciar estímulos e generalizá-los. O autor compara os esquemas a fichas de um
arquivo, no qual o infante procura "encaixar" o estímulo recebido em um esquema que possua.
Pode-se dizer que tais estruturas “administram” os eventos da forma como são percebidos pelo
organismo, agrupando-os conforme suas características semelhantes.

Não é possível pular nenhum dos níveis de construção da inteligência, embora possa
ocorrer uma diferença de ritmo em cada criança. Para melhor entender a evolução de tais
períodos, optou-se por aprofundá-los no capítulo a seguir.

2. OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Em seu estudo, Piaget identifica quatro estágios de evolução mental de uma criança.
Cada nível é um período onde o pensamento e comportamento infantil é caracterizado por uma
forma específica de conhecimento e raciocínio. Os quatro estágios são: sensório-motor, pré-
operatório, operatório concreto e operatório formal. O presente artigo contemplará somente a
29
discussão dos dois primeiros, uma vez que apresentam marcos fundamental neste período
inicial de aquisição da linguagem.
De acordo com Lewis e Wolkmar (1993), a compreensão de mundo da pessoa irá
variar de acordo com o período de construção da inteligência no qual se encontra, a partir dos
esquemas que dispõe para definir os objetos e diferentes situações. Assim, cada período em que
a criança passa apresenta um funcionamento inteligente diferente. Somente por meio da
experienciação com o meio que a criança irá avançar nestes níveis cognitivos. A aprendizagem
apenas poderá ocorrer se exigirmos da criança uma aquisição dentro das possibilidades de seu
período de pensamento. Caso contrário, ela não irá dispor de esquemas para uma aprendizagem
real e ocorrerá apenas uma repetição sem significado cognitivo para o sujeito.
O desenvolvimento da inteligência é inicialmente construído a partir de ações práticas.
A teoria piagetiana, segundo Dolle (2000), propõe a evolução da inteligência em estágios, cujo
primeiro é chamado de Sensório Motor. Este período abrange do zero aos dois anos de idade.
Dolle a considera uma inteligência prática, que ainda não possui representação.
Consequentemente, o conhecimento relaciona-se com as ações que, por sua vez, são
coordenadas pelas percepções. Nesta etapa, a criança soluciona seus problemas de ação a partir
de esquemas e da organização do real conforme um grupo de estruturas espaço-temporais e
causais (DOLLE, 2000). Estas noções serão elaboradas ao longo dos estágios, sendo essencial
a experiência da criança com o meio, como antes já discutida.
No decorrer do período Sensório Motor, a criança desenvolve aquisições que levarão
à construção da inteligência. Ao longo dos subestágios deste período, o bebê (depois a pequena
criança) constrói uma série de conceitos imprescindíveis à evolução das capacidades
intelectuais. Biaggio (1976) entende que neste momento a criança desenvolve um conjunto de
esquemas de ação sobre o objeto, que lhe proporcionarão um conhecimento físico da realidade.
Neste período, o bebê irá desenvolver o conceito de permanência do objeto, bem como elaborar
esquemas sensório-motores e capacidade de imitação, construindo representações mentais cada
vez mais complexas, ao final deste período. Neste período a atividade cognitiva do sujeito é de
natureza sensorial e motora, tendo como característica a ausência da função semiótica
(inicialmente não representa mentalmente os objetos). A ação ocorre diretamente sobre os
objetos, o que irá possibilitar a atividade cognitiva futura. O período que finaliza este momento
inicial já inicia a capacidade de representação.

30
O segundo estágio do desenvolvimento intelectual é denominado pré-operatório e
ocorre dos dois aos sete anos de idade. Caracteriza-se pela elaboração da relação de causalidade
e das simbolizações. Biaggio (1976) destaca que a criança adquire a capacidade simbólica,
reduzindo a dependência exclusiva das suas diversas sensações, bem como de suas ações
motoras. Outra característica é o egocentrismo, quando o pequeno ainda não tem condições de
colocar-se na perspectiva do outro. O pensamento nesta etapa é estático e rígido, onde são
captados estados momentâneos, sem integrá-los num conjunto. Há uma predominância de
acomodações e, pela irreversibilidade, a criança demonstra não entender os fenômenos
reversíveis. O conceito de reversibilidade refere-se a quando são realizadas transformações, há
a possibilidade de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio original. A capacidade de
reversibilidade será adquirida somente no final deste período. Lewis e Wolkmar (1993)
colocam que o estágio pré-operacional é separado em dois momentos: o pré-conceitual, onde
ainda há incapacidade de pensar de forma lógica e o intuitivo, onde se inicia a descentração.
É importante destacar que no período pré-operatório acontece a passagem do plano da
ação para o plano da representação, o que é caracterizado pelas primeiras condutas simbólicas.
Neste estágio ocorre o aparecimento da linguagem, da brincadeira simbólica e da imitação que
se dá na ausência do modelo, conforme mencionado anteriormente.
Na medida em que esses esquemas evoluem para a interiorização por combinação
mental, é construída uma forma de reprodução interna. A característica central deste segundo
estágio é, portanto, a transformação dos esquemas de ação em esquemas mentais. Esse processo
de transformação é gradual, contudo, define a passagem do nível das ações para o nível da
constituição das operações mentais. O período representativo corresponde a uma etapa pré-
operacional que é a base para a construção das operações lógicas elementares. Ele marca,
segundo a hipótese de Piaget, o início da linguagem.

3. A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM NA TEORIA DE PIAGET

O surgimento da linguagem parece apresentar estreitas relações com os aspectos


cognitivos. A teoria piagetiana sugere que o desenvolvimento linguístico depende do
desenvolvimento da inteligência, sendo considerada uma forma de representação desta última.
Para o teórico, o desenvolvimento cognitivo que irá possibilitar o nascimento do simbolismo.

31
É necessário salientar, no entanto, que o brincar simbólico não se estrutura de maneira
tão imediata. Zorzi (2002) refere que sua origem está relacionada ao desenvolvimento sensório-
motor. A função simbólica irá aparecer num conjunto de atividades essencialmente sensório-
motoras. O autor considera estas como condutas de transição ou pré-simbólicas e correspondem
ao uso convencional dos objetos, aos esquemas simbólicos e ao esboço de aplicação de ações
em outros objetos. Ainda que esteja relacionada aos comportamentos que vão além do domínio
sensório-motor, estão voltadas de forma significativa na atividade do infante e não chegam
ainda a representar por meio de símbolos propriamente ditos, ou seja, os objetos ou
acontecimentos ausentes. Neste período ainda pode-se dizer, de acordo com a concepção
piagetiana, que existe uma pré-linguagem.
Em uma determinada etapa do desenvolvimento infantil, observam-se alguns
comportamentos que poderiam ser identificados como uma simples brincadeira. No entanto,
trata-se do jogo de faz de conta, um brincar ou jogar simbólicos.O aparecimento dos primeiros
enunciados verbais, relacionados ao desenvolvimento linguístico. A brincadeira simbólica e a
linguagem aparecem na evolução infantil relacionada à capacidade de representar, de evocar
fatos e objetos ausentes, como constatados anteriormente.
O brincar simbólico, para Zorzi (2002), desenvolve-se quando outros personagens em
suas ações se tornam mais variados e sistematizados. Na medida em que a criança atribui aos
outros a mesma capacidade que ela possui, ocasiona uma descentralização do simbolismo em
relação à ação própria. Contudo, deve-se considerar que o faz de conta desenvolve-se não só na
afirmação do simbolismo, mas também em determinadas coordenações entre as ações. A rotina,
antes representada de modo isolado, passa a combinar em sequências mais complexas e mais
próximas das ações reais. Podem-se observar ações com certo planejamento, embora com a
exploração dos objetos de maneira rápida e a capacidade de manipular simbolicamente os
brinquedos, inclusive de organizar pequenas sequências de ações coordenadas, pode ficar mais
tempo atenta ao que está brincando.
O último nível de simbolismo, para Zorzi, seria quando este atinge o nível de
representação independente. Isto significa que a brincadeira simbólica se torna verdadeiramente
representativa, momento em que a criança começa a usar substitutos simbólicos que podem
corresponder a objetos, gestos e palavras. A imitação diferida é outro marco da aquisição
simbólica. Esta possibilidade se efetiva quando a criança consegue transformar um objeto em
outro, ou mesmo quando um gesto ou palavras sustentam um fato ausente. Na consolidação da
32
formação do símbolo, o brincar simbólico desliga-se do contexto imediato e origina situações
que não dependem da presença de objetos a ela relacionados. A criança não se prende no que
vê fato que ratifica o papel da linguagem na evolução do brinquedo. Pode-se dizer que a
linguagem e o brinquedo se desenvolvem ao mesmo tempo e influenciam-se reciprocamente.
O uso de símbolos é uma nova etapa no desenvolvimento infantil, pois permite que a
inteligência prática ou sensório-motora predominante até então, torne-se conceptual. Tal
fenômeno pode ser considerado o início de um novo período de desenvolvimento. O Período
representativo manifesta-se em geral no final do segundo ano de idade, quando a criança mostra
ao adulto que abre o cenário da representação.
O simbolismo, bem como todo o processo evolutivo do intelecto, apenas consolida-se
na criança de maneira gradual e hierárquica, ou seja, deve ter a capacidade de generalizar suas
ações a outros esquemas, bem como de reproduzir as ações que são típicas desses outros. Para
que a representação se estabeleça, como tal é necessário que a criança consiga recorrer aos
símbolos e/ou a linguagem para evocar situações. A capacidade de simbolizar surge então
através de gestos, palavras ou objetos não presente que a criança. À medida que a capacidade
representativa se insere na vida da criança, provoca mudanças em seu comportamento. A
brincadeira simbólica tem, portanto, participação relevante para o desenvolvimento da
linguagem.
Uma questão considerada por Filgueiras (2001) sugere que a cognição do sujeito não
poderia desenvolver-se em decorrência da representação simbólica, uma vez que o
desenvolvimento da inteligência está vinculado às experiências sensoriais e concretas dos
estágios pré-operatório e operatório concreto. Desta maneira, as experiências ocorridas nesses
períodos irão definir a inteligência operativa por meio dos contatos simbólicos. Assim, o
pensamento não é fortalecido de símbolos, mas sim de representações que tenham sentido para
cada sujeito.
O cognitivo pode ser concebido como um instrumento indispensável para se usar a
linguagem de forma adequada, pois quando o sujeito se aproxima dos estágios das operações
formais, consegue abastecer-se de material verbal e não mais tão concreto como nos período
anteriores.
É possível perceber que desde as primeiras considerações teóricas piagetianas uma
relação entre os aspectos linguísticos e de linguagem. Montoya (2006) refere que os estudos
iniciais do teórico já refletem diálogos entre o desenvolvimento intelectual e linguístico da
33
criança. A transição do egocentrismo infantil para o pensamento objetivo e lógico, descrita
anteriormente, está vinculada à linguagem socializada. Tal linguagem refere-se ao momento
em que os diversos conceitos são compartilhados pelos integrantes do grupo, a qual apresenta
uma mesma estrutura lógica.
A teoria desenvolvida por Piaget contribuiu de forma significativa aos estudos sobre o
desenvolvimento cognitivo e sua relação com a linguagem. Contudo, é necessário considerar
que seu objeto incide sobre universalidades, desconsiderando uma série de fatores que
certamente exercem importante influência no desenvolvimento linguístico, como o meio social,
as condições culturais e a subjetividade. Este artigo não tem a pretensão de desenvolver cada
um dos aspectos anteriormente citados, porém considera-se necessário mencioná-los a fim de
desenvolver algumas considerações críticas à teoria em questão.
Os estudos piagetianos, para Yañez (2006), entendem que a criança é um construtor
ativo do conhecimento ao passo que constrói hipóteses em relação ao seu meio. Neste processo,
a cognição evolui em níveis de gradativa complexidade, de acordo com as etapas estabelecidas
(e já discutidas) por Piaget. A teoria propõe-se a investigar os mecanismos que compõem a
inteligência. Estes mecanismos são analisados mediante a observação de regularidades lógicas
universais. De acordo com Yañez, a consideração de tais regularidades é necessária para que o
sujeito desenvolva na sua relação com o mundo ao seu redor.
Nesta consideração teórica, o excesso de regularidades permite generalizar o sujeito,
porém apaga qualquer vestígio de sua singularidade. No desenvolvimento cognitivo, Yañez
lembra que a relação entre o sujeito e o objeto está mediada por um terceiro. O contato com o
objeto, portanto, nunca será direto. Desta forma, a capacidade lógica não é o bastante para
desenvolver a inteligência e, consequentemente, a linguagem. É necessário também o desejo de
se apropriar do objeto de conhecimento, que deve ser situado em uma rede simbólica.
Ao descrever o processo de desenvolvimento cognitivo e seu reflexo na linguagem,
Piaget descreve uma criança ideal. Assim, esquece-se das particularidades que permeiam o
processo de cada indivíduo. Molina (2001) refere que apenas num infante assintomático poderia
se observar a estruturação de inteligência descrita pela teoria piagetiana. Contudo, a autora não
desconsidera a validade da Epistemologia Genética, apenas ressalta a necessidade de um olhar
interdisciplinar às questões do desenvolvimento infantil. Desta maneira, destaca a importância
de considerar a evolução intelectual sempre articulada ao processo de estruturação subjetiva da
criança.
34
A criança não pode ser reduzida a um grupo de regularidades lógicas, de acordo com
Jerusalinsky (2007). O autor alerta que tal concepção pode levar o adulto a apresentar
problemas pré-definidos ao infante, esperando sempre a mesma resposta dele. Uma postura
nesta perspectiva não abre espaço para a manifestação da singularidade na apropriação do
objeto de conhecimento e da linguagem. O erro, que poderia ser fonte do despertar da
curiosidade, do interesse pelo novo, será então considerado apenas um inconveniente.
Jerusalinsky reconhece a importância que os estudos de Piaget tiveram no sentido de mostrar o
lugar fundamental da produção da própria criança no seu desenvolvimento, entretanto chama
atenção ao risco de retornar-se aos tecnicismos tão criticados da abordagem
comportamentalista.

CAPÍTULO 7 - ORALIDADE, ESCRITA E HIPERTEXTUALIDADE

A linguagem, como uma construção social, ao mesmo tempo em que determinada pelo
ambiente e pelos processos socioculturais, é um fator determinante da forma de interação, de
construção da realidade, em cada cultura.
Durante o desenvolvimento da humanidade, observamos o surgimento e
desenvolvimento de diversas tecnologias informacionais. Este desenvolvimento, ao contrário
do que poderia supor a concepção histórica da modernidade, não se trata de uma seqüência
linear, com o abandono progressivo das tecnologias anteriores. O que se observa, no entanto, é

35
que as tecnologias se sobrepõem, convivem no tempo e influenciam umas às outras,
miscigenam-se.
A primeira fase do desenvolvimento das tecnologias informacionais é considerada,
segundo P. Lévy (1996), a da oralidade primária. Este tipo de agenciamento remete ao papel da
palavra, antes que uma sociedade tenha adotado a escrita. Numa sociedade oral primária, quase
todo o edifício cultural está fundado sobre as lembranças, muitas vezes identificadas com a
memória, sobretudo, a auditiva.
Na mitologia, por exemplo, Mnemosina (a memória) tinha um lugar bastante
privilegiado na genealogia dos deuses. Era filha de Urano e Gaia (Céu e Terra) e mãe das nove
musas. Este tipo de agenciamento gera uma relação circular e simbólica com o tempo.
Um exemplo da persistência da oralidade primária na sociedade moderna está na forma
como as representações e as maneiras de ser continuam a transmitir-se, independentemente, dos
circuitos da escrita e meios eletrônicos.
A oralidade secundária está relacionada ao estatuto da palavra verbal, como
complementar à palavra escrita. Com a escrita, o "eterno retorno" da oralidade foi substituído
pelas longas perspectivas da história.
A escrita reproduz, no domínio da comunicação, uma mudança na relação com o
tempo e o espaço, similar às transformações introduzidas na ordem da subsistência alimentar,
pela revolução neolítica com a introdução da agricultura. Com a escrita, pela primeira vez os
discursos podem ser separados das circunstâncias particulares em que foram produzidos e há a
separação do emissor e do receptor. Ao separar as mensagens das situações, onde são usados e
produzidos os discursos, tem-se o início das reflexões teóricas e das pretensões à
universalização do conhecimento.
Contrariamente ao sinal mnésico, o vestígio escrito é literal, não sofre as deformações
provocadas pelas elaborações. Seu sistema de armazenamento se aproxima daquele da memória
humana de curto prazo.
Diversos estudos antropológicos demonstram que os indivíduos de culturas escritas
têm tendência a pensar por categorias, enquanto os de culturas orais captam primeiro, as
situações. (LÉVY, 1996: 93).
O 'pensamento lógico' corresponde a um estrato cultural recente ligado ao alfabeto e
ao tipo de aprendizagem (escolar) que corresponde a ele. Segundo autores como Goody,
Havelock e Svenko, certo tipo de pensamento racional ou crítico só pode desenvolver-se ao se
relacionar com a escrita.

36
Foi apenas a partir do desenvolvimento da escrita que a história ocidental determinou
o início do que se entende por civilização. A partir de então, a atitude diante da linguagem, do
conhecimento armazenado em forma escrita, foi uma das principais características que
determinou as várias fases do desenvolvimento da humanidade. O domínio da linguagem escrita
conferiu atributos de poder e superioridade às pessoas, às classes sociais, às nações etc. Permitiu
que se construísse a ciência e a técnica, a modernidade e a pós-modernidade que conhecemos
hoje.
Pode-se considerar que os atributos da linguagem escrita, tais como: a linearidade, o
encadeamento lógico-sequencial, autoria, os pressupostos de veracidade, entre outros,
constituem pilares semânticos e lógicos que sustentam amplamente a civilização ocidental.
Com o desenvolvimento das técnicas de impressão, a linguagem escrita pôde ser
amplamente disseminada, influenciando várias áreas do saber e do fazer humanos.
As religiões, a filosofia, a literatura, a ciência, enfim, toda a concepção de mundo
ocidental está intimamente ligada à língua escrita, ao livro considerado como sua expressão
essencial. Além de um apanhado físico, um "todo" feito de folhas de papel impressas e
organizadas linearmente, o livro pode ser considerado um modelo mais abstrato e mais
profundo de anseios, ritmos e pensamentos humanos, durante os últimos quatro séculos.
Perceber o livro como um produto de uma tecnologia específica, cultural, social e
historicamente determinada e determinante é um fator fundamental para a compreensão do seu
papel e da técnica de transmissão de informação dentro da construção da sociedade.
De fato, é fácil de observar a existência desta tecnologia, quando olhamos para o
passado em busca de outras relações com os textos escritos.
Na Grécia antiga, por exemplo, não havia espaço em branco entre as palavras, o que
tornava a leitura um ato público, que conferia grande valor ao leitor, pela mestria que era
necessário desenvolver. Sócrates, por exemplo, temia os efeitos da disseminação da escrita, por
considerar que ela poderia tornar o ato da leitura algo impessoal, descaracterizando a natureza
do discurso.
De forma análoga, hoje, são travados grandes debates em torno da impessoalidade da
informação mediada pelos computadores, que é gerada e disseminada sem uma "supervisão
editorial".

37
Compreendendo a evolução da tecnologia de escrita e leitura fica claro que o
movimento do livro impresso em direção à informação digital, não é aquele de "algo natural"
ou "humano" em direção ao "tecnológico", ao "maquínico".
Essas transições, no entanto, se processam em longos períodos de tempo. Autores
como Alvin Kernan e Elizabeth Eisenstein (SCHNITMAN, 1996) sugerem que a transição dos
manuscritos para a cultura impressa levou cerca de dois séculos para se processar. De acordo
com Kernan, apenas no século XVIII a tecnologia de impressão possibilitou que a Europa se
transformasse de uma sociedade "oral" para uma sociedade "impressa".
Segundo ele, a tecnologia de impressão transformou o público leitor, antes reduzido a
um pequeno grupo de leitores (ou mesmo ouvintes) dos manuscritos, estendendo os benefícios
da leitura a um público cada vez mais amplo. Também proporcionou que o autor se libertasse
da necessidade de um subsídio muito alto da nobreza para a publicação de seus escritos, gerando
e expandindo uma forma de relacionamento com a realidade.
Apesar da palavra escrita sempre comportar sentidos figurados e duplos, ironias e
ambigüidades o sentido da leitura obedece a uma ordem linear: do início para o fim, da primeira
à última linha, da esquerda para a direita. Essa estrutura é característica da "cultura da página
impressa" e fez, com o seu surgimento, que as digressões e a participação das imagens e dos
gestos na linguagem perdessem importância (uma característica da oralidade primária).
A organização linear do texto em um livro, por exemplo, convida a uma interpretação
semelhante da realidade. Do começo para o fim. Da esquerda para a direita. Página a página.
Capítulo a capítulo. Encerrando em si mesmo desejos humanos (forjados ou não) de sentido,
completude, ordem, autoria. Esta civilização foi considerada por alguns autores, como Jacques
Derrida, "a civilização do livro".
A Bíblia, o primeiro livro impresso e o mais vendido em toda a história da humanidade,
é um símbolo vivo e extremo desta concepção. Há a presunção de um autor verídico, anterior à
existência do livro, vivendo à margem do próprio texto, que confere veracidade à descrição de
uma sequência ordenada de fatos que perfazem a história do homem, desde a sua criação até o
fim dos tempos.
Analogamente, a ciência partiu da consideração da existência de um "livro da
natureza" passível de ser revelado, lido, bastando-se para tanto, a compreensão da linguagem
matemática, linear e ordenada em que estaria escrito. Querem procurando nas estrelas, nas
plantas ou nos animais, os cientistas buscaram a compreensão da realidade como os filósofos,
38
os religiosos, prevalecendo os pressupostos de autoria, sentido, início, fim, sequência, ordem,
completude, unidade em cada campo da atividade humana.
A ideia do livro, como uma totalidade que unifica e sintetiza que determina o sentido
e orienta a compreensão, faz com que a complexidade, o caos da realidade e a própria
polivalência da língua possam ser resumidos em uma certeza. Daí, talvez, o conforto quase
transparente desta forma de construção da realidade, desta perspectiva.
Em Gramatologia, Jacques Derrida equaciona a cultura "do livro" como sendo baseada
no logocentrismo, na existência de um autor e um significado pré-existentes à estrutura do texto,
que estaria além de escrutínios e desafios, e em cujo ponto central de significado se encontraria
Deus, o Homem, a Imaginação, ou qualquer outro nome que reflita (com letra maiúscula) a
necessidade transcendental de sentido.
No entanto, "tudo não é mais como era antigamente". O novo envelheceu. Os
paradigmas entraram em crise e a Internet entrou em cena. A "civilização do livro" parece
alcançar um período de exaustão. Surgem nas manchetes (aonde mais poderiam surgir?!) idéias
como: a morte da literatura, a morte do autor, o fim do livro, o fim do livro impresso. Mas onde
estaremos, ou estamos, sem a proteção enciclopédica, teológicas, logocêntrica do livro? O que
há além dele?
Há indícios de uma profunda e avassaladora transformação na tecnologia
informacional da escrita tradicional com o rápido desenvolvimento das comunicações mediadas
por computador
Há o surgimento de uma nova ideografia. Uma escrita dinâmica à base de ícones, de
esquemas de redes semânticas e vastos bancos de dados que interagem a partir de computadores
interconectados, formando redes de interfaces abertas a novas conexões.
Há a digitalização da imagem, do som, dos procedimentos de propagação das
mensagens que permite uma metamorfose entre dados qualitativamente diferentes.
E há muito mais. No entanto, à primeira vista pode parecer que a informática dá
continuidade ao trabalho de acumulação da escrita apenas ampliando as suas possibilidades.
Porém, a finalidade dos bancos de dados difere largamente da proposta da escrita tradicional.
Eles têm um caráter operacional, perecível, transitório, on-line. Já a escritura tradicional busca
a univocidade, a certeza, a linearidade, a perenidade.

39
A informação mediada por computador é dividida em pequenos módulos
padronizados, com acesso seletivo e descontínuo. Essa característica faz com que seu conteúdo
não se preste à "leitura", no sentido tradicional do termo.
George P. Landow, um os principais teóricos sobre o hipertexto, utilizou o termo Lexia
(cunhado por Roland Barthes) para definir essas pequenas unidades de texto que possuem certa
estabilidade no fluxo geral de um hipertexto. Nessas unidades, o leitor deve encontrar coerência
e consistência internas, semelhantes à experiência tradicional do livro. Assim, apesar da
informação hipertextual ser multisequencial, possibilitar uma leitura dinâmica e randômica,
ainda persistem, em sua estrutura um mínimo de linearidade, de sequência para que se processe
a inteligibilidade do material a ser lido.
Uma característica fundamental do hipertexto diz respeito ao tipo de bancos de dados
que são construídos e a sua forma de utilização. A maior parte dos bancos de dados são antes
espelhos do estado atual de uma especialidade ou de um mercado do que propriamente
memórias, no sentido de guardarem a memória de um determinado evento. A não ser em casos
especiais, não há o armazenamento de estados anteriores do conhecimento operacional
demandado, apenas informação necessária para a otimização da produção.
Também os processos de composição ou de criação trabalham a partir de estoques:
bancos de dados, bancos de conhecimentos, de imagens e sons, de programas.
Na escrita tradicional o tempo é delimitado. Na escrita hipertextual ou informática, o
espaço-tempo se organiza em proveito de um tempo real dos agenciamentos que visam fins
produtivos, sociotécnicos. Instaura-se o tempo pontual, real, prazo zero.
"O tempo pontual não anunciaria o fim da aventura humana, mas sim sua entrada em
um ritmo novo que não seria mais o da história. Seria um retorno ao devir sem vestígios,
inassinalável, das sociedades sem escrita? Mas enquanto o primeiro devir fluía de uma fonte
imemorial, o segundo parece engendrar a si mesmo instantaneamente, brotando das simulações,
dos programas e do fluxo inesgotável dos dados digitais. O devir da oralidade parecia ser
imóvel, o da informática deixa crer que vai muito depressa, ainda que não queira saber de onde
vem e para onde vai. Ele é a velocidade".
Assim, a escrita hipertextual ou multimediática está mais próxima de uma montagem,
de um espetáculo do que da redação clássica, linear e estática. Há um aumento da quantidade
disponível de informações modulares, desconectadas, fora de contextos que são agrupadas,
visando a simulação, a construção de modelos, de horizontes, de cenários
40
Exacerba-se a tendência à simulação, à velocidade, ao espetáculo, à aceleração do ciclo
da mercadoria e à subsequente ascensão das características estratégicas e operacionais das
relações sociais.
As teorias cedem lugar para os modelos, os quais não são nem "verdadeiros" nem
"falsos", nem mesmo "testáveis", em um sentido estrito (LÉVY, 1996). Eles são apenas mais
ou menos úteis mais ou menos, eficazes em relação a objetivos específicos. Não são lidos ou
interpretados como uns textos clássicos são antes explorados de forma interativa. Navegados.
Virtualmente vivenciados.
O conhecimento passa a ser adquirido por intuição, por simulação, um tipo de
"imaginação auxiliada por computador". Uma forma qualitativamente diferente do
conhecimento teórico, da experiência prática e do acúmulo oral. A imaginação criativa passa a
ser mais valorizada. Gera-se um tipo de saber que não visa manter a sociedade em um mesmo
estado como na oralidade primária, nem tão pouco visa à verdade, como a teoria ou a
hermenêutica, gêneros canônicos nascidos da escrita. O saber informático procura a velocidade
e a pertinência.

41
CAPÍTULO 8 - LINGUAGEM E COGNIÇÃO HUMANA

A cognição começa com a captação dos sentidos e logo em seguida ocorre à percepção
ela é um processo pelo qual o ser humano interage com os seus semelhantes e com o meio em
que vivem, sem perder a sua identidade existencial. Trata-se, assim, de um processo de
conhecimento, que tem como material a informação do meio em que vivemos e o que já está
registrado na memória. A psicologia cognitiva afirma que é um processo de grande influência
no comportamento, além de ser esse fenômeno que favorece a aprendizagem e o
desenvolvimento da linguagem. Toda a informação vinda do meio, através da captação dos
sentidos, é adequada e convertida, tendo o seu efeito adaptado, para que possa fazer parte dos
parâmetros perceptuais de ambiente. O ser humano sem a cognição não resistiria, por exemplo,
às grandes perdas. A dor da perda é uma reação cognitiva intensa para preservar e controlar os
impulsos, a fim de que haja uma recuperação mais rápida. A relação existencial é vinculada
com a realidade interna, permite desta forma, tomar decisões com base em dados convertidos
pela nossa própria interpretação interna ou modelos da mente.
Este é um fenômeno que ocorre no processamento simbólico e tem relação ampla com
a linguagem. A dinâmica mental é o processo chamado de cognição, cujo resultado é a produção
de informação. A cognição é uma função superior que é observada em qualquer sistema que
processa informações. O ser humano captura e processa as informações que lhes são
transmitidas em uma palestra e deste modo adquire uma visão ligeiramente modificada do
mundo, isto é descrito como cognição. A cognição é descrita na literatura como complexa e de
ligação direta com a linguagem. Todos os símbolos são construídos através de sistemas neurais.
O processo de desenvolvimento cognitivo não pode ser considerado de forma restrita. Ele se dá

42
durante toda a vida e é resultante de experiências acumuladas e organizadas através da ação do
indivíduo sobre o meio e vice-versa.
As relações entre o discurso e a cognição tornaram-se a partir das últimas décadas,
objetivo de estudo de várias disciplinas da linguística. Os mais variados relatos teóricos levam
a epistemologia, a psicologia e a coerência cognitiva na tentativa de descrever a linguagem,
investigando assim, os processos linguísticos cognitivos da atividade discursiva do ser humano.
A psicolinguística tem apreciado de forma teórica e metodologicamente o debate que envolve
as relações entre a verbalização e a cognição em meio a um incessante confronto crítico e de
interpretações. Sabe-se que o fenômeno mental (cognitivo) tem sido primeiramente vinculado
ao biológico, e interligado a linguagem.
Tende-se a considerar que os termos cognição e inteligência se voltem para o mesmo
significado e identificá-los como funcionamento mental. Cognição é a capacidade de processar
informações. É a capacidade de adaptação a situações absolutamente diferentes em curto espaço
de tempo. No entanto, a adaptação humana, em seus aspectos cognitivos, difere da adaptação
biológica. Dizer que determinada espécie está adaptada a uma determinada comunidade
significa que sobrevive bem nesse ambiente. Afastada dele, entretanto, enfrentará sérias
dificuldades de sobrevivência. É importante ressaltar que os homens não só desenvolveram ao
longo da evolução, a capacidade de adaptar-se a determinadas condições. Toda essa etapa foi
garantida enfrentando limites e buscando esforços. A cognição engloba linguagem, memória e,
sobretudo, raciocínio lógico. Do ponto de vista psicológico, o conceito de cognição abrange
toda a capacidade de processar informações, de reagir ao que se percebe no mundo e do próprio
interior de cada pessoa.
A percepção depende de práticas humanas estabelecidas por sistemas de codificação
usados como processamento da informação, mas, também influenciar a decisão de situar os
objetos percebidos em categorias apropriadas. A atenção é considerada um tipo de percepção
sistemática e refere-se usualmente a seleção de recursos informacionais que focalizam a
percepção de determinados objetos em detrimento de outros. Nessa perspectiva o processo de
atenção se dá em duas fases: inicialmente ocorre a focalização nos estímulos e caracterizam os
elementos de informação do meio ambiente, surgindo posteriormente à descrição de elementos
na forma de um padrão de reconhecimento do objeto. Quanto mais uma tarefa é praticada pelo
individuo menos atenção é requerida para ser executada.

43
Já a memória é estudada a partir de dois modos complementares: considerando-se a
forma como a informação entra e é codificada, e o modo como a informação é retida e
recuperada no sistema cognitivo. No primeiro caso a informação proveniente do meio tende a
permanecer transitoriamente na memória de curta duração, delimitada capacidade de retenção,
a qual deve ser trabalhada através do mecanismo de associação e repetição envolvidos no
processo de aprendizagem, para posteriormente ser depositada na memória de longa duração.
As operações básicas que a memória apresenta são codificação, armazenamento e recuperação.
A codificação é a transformação dos dados de entrada sensoriais em uma forma de
representação mental, que pode ser estocada. O armazenamento é a conservação da informação
codificada. A recuperação refere-se ao acesso e ao uso da informação armazenada. Todos esses
processos interagem entre si e são interdependentes durante toda a vida.
A linguagem verbal é a matéria do pensamento e o veículo da comunicação social,
não existindo sociedade sem linguagem, nem sociedade sem comunicação. A linguagem é
relativamente autônoma, e é orientada pela visão de mundo, pelas injunções da realidade social,
histórica e cultural de seu falante.
Dessa forma, a comunicação realizada por meio da linguagem promove a interação
entre os indivíduos; para que essa integração se efetive entre os participantes da sociedade,
torna-se necessário à comunicação descrita pela autora como um pré-requisito funcional da
sociedade.
Pode-se compreender a linguagem não só como meio de comunicação, mas também
como um dos principais instrumentos de desenvolvimento dos processos cognitivos do ser
humano.
A aquisição da linguagem é apresentada como uma questão fundamental no contexto
das teorias linguísticas e no estudo da cognição humana. O estudo da aquisição da linguagem
visa a explicar de que modo o ser humano parte de um estado no qual não possui qualquer
forma de expressão verbal e, naturalmente, ou seja, sem a necessidade de aprendizagem formal,
incorpora a língua de sua comunidade nos primeiros anos de vida, adquirindo um modo de
expressão e de interação social dela dependente.
Os avanços que aconteceram durante o processoda aquisição da linguagem nos últimos
30 anos, no mundo e no Brasil, foram considerados por muitos, como insatisfatórios. Alguns
teóricos possuem relevância nos estudos de aquisição de linguagem, dentre eles, serão
destacados neste estudo Chomsky; Piaget; Vygotsky e lemos, a partir de uma releitura de seus
44
estudos. Chomsky é considerado o inventor da gramática gerativa e transformacional. Ele se
esforçou por elaborar um modelo, uma gramática que dê conta dos mecanismos subjacentes à
criatividade de um sujeito falante. A unidade de linguagem analisada é a frase. A gramática
gerativa é a que gera regras, pode-se compreender nesta perspectiva que a análise de enunciados
da língua poderia ser representada por um conjunto de regrasessenciais nas teorias de Chomsky:
competência/desempenho; inatismo; criatividade.
A competência diz respeito ao sistema de regras que cada um de nós possui,
organizadas e utilizadas de uma forma particular, um “saber linguístico” que subentende os
comportamentos verbais - o desempenho. A competência pode ser compreendida também como
a possibilidade ilimitada que todos possuem de construir e compreender um infinito número de
frases.
Assim, todos teriam um conhecimento próprio da língua na qual se somam estruturas
elementares e regras combinatórias. As estruturas observáveis, Chomsky opõe as estruturas
profundas que teriam pontos em comum em todas as línguas, a essas regras ela denomina
universais linguísticos.
A aptidão para adquirir as estruturas da língua foi descrita por Chomsky como
dispositivo inato da linguagem, e estaria inscrita no potencial genético humano. Para Chomsky
o mundo que nos rodeia só iniciaria e alimentaria programas pré-estabelecidos. No que diz
respeito à criatividade cada um constrói e reconstrói sua língua a partir de modelos que recebe,
porém o faz à sua maneira.
Noam Chomsky desenvolveu seus estudos em reação ao behaviorismo, quadro
científico dominante da época nas teorias de aprendizagem, na década de 1950. Skinner,
psicólogo de trabalho mais influente no behaviorismo, propõe enquadrar a linguagem nos
mecanismos de estímulo – resposta - reforço, que explicam o condicionamento e são base para
a estrutura do comportamento.
Chomsky rejeita a projeção das evidências Skinnerianas, resultantes de experimentos
laboratoriais com animais, para a linguagem humana. Ele argumenta que esses mecanismos não
explicam a complexidade e a sofisticação do conhecimento linguístico. Para Chomsky umas
das questões que derruba a teoria de aprendizagem behaviorista, é o fato de que num período
relativamente curto de tempo (18 a 24 meses) uma criança, diante de uma linguagem truncada
e pobre de estímulos, domina um conjunto complexo de regras que constituem a gramática
internalizada do falante.
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A partir dos anos 1960, as colocações inatistas de Chomsky deflagraram muitos
estudos, que se concentraram na aquisição da gramática da criança em torno dos dois anos de
vida. Tais trabalhos foram criticados e contraevidenciados por duas vertentes teóricas, o
cognitivismo construtivista e o interacionismo social.
A abordagem, com base nos estudos de Jean Piaget, é chamada de cognitivismo
construtivista ou epigenético, que são denominações que evocam a proposta de explicação da
origem e do desenvolvimento das estruturas do conhecimento (cognitivistas) pela interação
entre ambiente e organismo.
Para Piaget o aparecimento da linguagem se dá na superação do estágio sensório-
motor, em torno dos 18 meses. Neste estágio para o autor acontece o desenvolvimento da função
simbólica. Para ele a linguagem é uma manifestação da função simbólica, a capacidade
cognitiva mais especificamente humana. O conceito principal é o de representação, a
capacidade de representar uma imagem, um gesto, um objeto etc. Assim, a criança vem
desenvolvendo a capacidade de imitação e interiorizando esses modelos e passa a representá-
los. A aptidão para representar mentalmente, essencial para Piaget, é contemporânea da
aquisição das palavras.
Segundo Piaget a função simbólica permite que a criança adquira a linguagem e é na
evolução das condutas sensório-motoras que se deve verificar as fontes da linguagem. Piaget
buscou uma explicação para a fala egocêntrica no sistema cognitivo em desenvolvimento da
criança. Para ele a inteligência da criança é fruto do ambiente tanto quanto de certas estruturas
mentais que interagem entre si. Piaget conclui que no desenvolvimento destas estruturas a
criança passa por estágios numa seqüência fixa (a velocidade varia de acordo com cada criança).
Nos seus estudos elenão buscou uma teoria da linguagem, mas por meio de suas investigações
ele se contrapõe as idéias de Vygotsky ao abordar que a linguagem acompanha o pensamento
e não o direciona.
Ele afirmou que para a criança possuir uma compreensão sobre o mundo, não basta
obter informações, ela deve agir sobre ele. Poucos acreditam que as crianças esperem
passivamente para que o desenvolvimento de qualquer espécie lhes seja transmitido. No
entanto, acredita-se que o papel da interação social foi subestimado por Piaget. A inteligência
da criança pré-verbal não é posta em dúvida, mas a conclusão de que a inteligência não pode
ter origem social, simplesmente porque a criança não sabe falar, vem sendo questionada.

46
Além disso,Piaget afirma que o desenvolvimento da linguagem é limitado pelo
desenvolvimento cognitivo, no entanto, ele nega que a linguagem seja uma fonte suficiente para
a cognição, nega também que o desenvolvimento cognitivo seja suficiente para o
desenvolvimento da linguagem. Para Piaget a criança aprende as palavras por imitação, quando
se torna capaz de pensamento representativo.
Tendo como base a abordagem genética do desenvolvimento da linguagem, Vygotsky
considera que o pensamento na criança pequena inicialmente evolui sem a linguagem;
igualmente, os primeiros balbucios da criança se constituem numa forma de comunicação sem
pensamento. Como desde muito cedo a criança tenta atrair a atenção do adulto, por meio dos
sons que produz, o autor ressalta que a função social da fala existe. Desta forma ele conclui a
criança nos primeiros meses de vida, possui um pensamento pré-linguístico e uma linguagem
pré-intelectual.
A concepção de Piaget e Vygotsky sobre a fala egocêntrica é um ponto de
diferenciação na teoria de ambos. Para Piaget a fala egocêntrica observadas em crianças pré-
escolares evidencia um indicativo de a criança estaria imperfeitamente adaptada socialmente.
Para Piaget além do fato de que a linguagem reflete o pensamento sem modelá-lo, a criança
deveria atingir certo estágio de desenvolvimento até tornar-se um ser social. Vygotsky concorda
que a fala egocêntrica é transitória, porém ele percebe esta fala como sendo precursora do
pensamento verbal, para ele ela éuma manifestação de um processo prestes a internalizar-se.
Conforme Vygotsky, pensamento e linguagem são independentes nos dois primeiros
anos de vida e a partir desse momento passa a estabelecer uma relação de interdependência, a
linguagem passa a contribuir para a estruturação do pensamento.

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CAPÍTULO 9 – INTERFERÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTODA
LINGUAGEM ORAL

Apesar de ser possível destacar alguns estágios de desenvolvimento linguístico, a partir


das teorias de aquisição percebe-se que os estágios são dinâmicos e as diferenças de
desenvolvimento entre crianças, apresentam uma enorme gama de possibilidades de
interpretação.
Teoricamente, por volta de três anos, uma criança já deveria ser capaz de utilizar um
vocabulário que possibilitasse sua comunicação efetiva socialmente, fazendo-se compreender
por todas as pessoas, inclusive por aquelas que não fazem parte de seu universo familiar Vale
ressaltar, qualquer pessoa que trabalhe com crianças pequenas sabe que, o desempenho
linguístico depende das circunstâncias nas quais a linguagem foi evocada.
Em algumas circunstâncias torna-se evidente que existem distúrbios de linguagem que
interferem no processo comunicativo da criança, impedindo muitas vezes seu pleno
desenvolvimento. Muitos são os aspectos que influenciam no desenvolvimento da linguagem,
sabemos que podemos ter no máximo a possibilidade de determinar fatores predominantes e
fatores desencadeantes.
A partir dessas breves considerações pôde-se verificar que os estudos em aquisição e
desenvolvimento da linguagem têm apresentado enorme avanço nas últimas décadas. Sabe-se
que muitos são os fatores que interferem no processo de desenvolvimento da linguagem e que
ainda não foi possível precisar o valor de cada interferência neste processo

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A linguagem pode ser considerada como uma das primeiras formas de socialização da
criança, por meio dela a criança adquire valores, regras e conhecimentos advindos de sua
cultura. A linguagem possui, além de uma função comunicativa, a função de contribuir e
permitir o crescimento e desenvolvimento do ser humano, por isso a importância da aquisição
e desenvolvimento de qualquer forma de linguagem.
Por meio da linguagem oral, escrita ou não verbal, expressamos nossos desejos e
estabelecemos a comunicação com nossos semelhantes; fundamentamos nossa racionalidade,
criatividade e consciência; tornamo-nos parte da sociedade.

1. DESENVOLVIMENTO DE LINGUAGEM
O sistema comunicativo envolve os aspectos, biológico, social, motor, cognitivo,
emocional e linguístico.As características que propiciam uma interação eficaz (fixação do olhar,
atenção, complementaridade, especularidade, reciprocidade, aspectos verbais, motores,
gestuais e mímicos e aspectos social e biológico íntegros, variam em frequência de
aparecimento, em função do nível de desenvolvimento linguístico e em função de um ou outro
aspecto.
O ponto de vista socioconstrutivista para a aquisição da linguagem, afirmando que o
processo de constituição da criança enquanto sujeito, é mediado pelo outro, ou seja, por um
membro experiente de sua espécie, representante da ordem simbólica, que mediará, por sua vez,
a relação da criança com estados de coisas no mundo.
O ritmo do desenvolvimento da fala varia muito de criança para criança, mas nas
crianças de audição normal, é esperado que o sistema fonêmico-fonológico esteja completo e
bem estabelecido por volta dos quatro anos.
Toda aprendizagem obedece a uma hierarquia, assim sua atuação é elaborada a partir
da ontogênese da linguagem, específica de um indivíduo, a partir do estágio em que ele se
encontra, a partir da verificação, a mais analítica possível das suas estruturas e funções.
O passo básico para a evolução da linguagem é a experiência vivida e o contato
corporal que o bebê tem consigo, com as pessoas e objetos. É através desta experiência vivida
que a criança vai formando sua linguagem interna.
A linguagem interna permite que a criança associe os objetos de seu uso, e as pessoas
às suas necessidades individuais. Esta fase pode ser verificada, quando a criança associa a
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colher ou a mamadeira ao ato de alimentação levando-os a boca. Este é o momento em que ela
dá aos objetos e às pessoas um significado, estabelece relações e a partir daí é capaz de acoplar
do ponto de vista de sua própria compreensão um significante, um nome para "isto" ou "aquilo",
que ela utiliza.
Esta é a fase em que sua linguagem receptiva, seu vocabulário receptivo começa e
pode evoluir. Ela compreende agora não apenas a entonação, a melodia de agrado ou desagrado
que lhe é passada pelo outro, mas também passa a compreender os vocábulos que lhe são ditos.
Compreendendo e associando os vocábulos aos objetos, ações e pessoas, ela passa
gradativamente aos ensaios e a aguardar as respostas de seus desejos expressos oralmente. A
criança está agora na etapa da linguagem expressiva.
Como já foi dito, toda aprendizagem obedece a uma hierarquia, logo o adulto, que é
em geral o modelo de aprendizagem para a língua, deve possibilitar e favorecer a ascensão da
criança neste edifício que é a linguagem, colocando-se ora no mesmo degrau que ela, ora no
degrau acima.
É preciso estar atento ao desenvolvimento da linguagem não é tudo, é preciso também
averiguar como anda a evolução das reações oro-neuro-motoras, diretamente associadas à
expressão oral da linguagem.
A ordem em que as unidades fonêmicas são adquiridas varia em casos individuais, mas
há dois fatores que devem ser levados em consideração: sons importantes do contexto da criança
e dificuldades de produção de alguns sons que necessitam de outros músculos etc.
Portanto, há uma dificuldade na expressão verbal, o que poderá acarretar distúrbios na
articulação e produção dos sons da fala. Em certa altura do desenvolvimento da criança, pode-
se observar determinados comportamentos identificados como brincadeiras. Esta é uma
brincadeira diferente, pois envolve um “fazer de conta", um brincar ou jogar simbolicamente.
O aparecimento da brincadeira simbólica e da linguagem evidencia a formação de algo
novo na evolução infantil que se refere à capacidade de representar, de evocar fatos e objetos
ausentes. Através de palavras, gestos ou objetos, a criança é capaz de representar ou significar
algo ausente. O simbolismo rapidamente começa a povoar a vida da criança, transformando seu
comportamento.
Tal forma de simbolismo, de natureza lúdica, revela interesses individuais da criança,
necessidades emocionais e até mesmo o nível que ela pode ter alcançado em termos de
desenvolvimento cognitivo.
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A gênese do simbolismo foi estudada por Piaget e a partir do seu ponto de vista, o
aparecimento da linguagem e da brincadeira simbólica está ligado à formação da capacidade de
representar. Tal função envolve linguagem, brincadeira simbólica, imagens mentais, imitação
diferida e resolução de problemas por combinação mental de ações. O simbolismo se estende a
todas as condutas que revelam a capacidade de evocar situações ausentes, além do que pode ser
percebido.
Quando analisamos uma criança e ela atua sistematicamente por meio das condutas
pré-simbólicas, supomos que ela atingiu, em termos de nível de desenvolvimento cognitivo, até
a sexta fase sensório-motora, que é também um momento de transição entre inteligência prática
e inteligência representativa. Quando a criança faz uso de símbolos, pode-se observar que ela
já adquiriu a capacidade de representar, o que é visível não só no brinquedo, mas também na
própria evolução da linguagem.
A linguagem está carregada de significados que correspondem a um conhecimento
social, geral, mas que não é compreendido pela criança somente por meio das informações
linguísticas. Apesar de dominar a gramática precocemente e usar os mesmos termos da
linguagem dos adultos, isto não significa que a criança atribua aos termos os mesmos
significados que aqueles. Os significados da linguagem da criança se restringem à compreensão
ainda limitada de um mundo que ela tem. Portanto, é fundamental a interação adulto/criança,
pois a linguagem depende desta interação para constituir-se.
A linguagem deve ser concebida no contexto da interação social, não apenas, como
meio de transmissão de informação, mas sim como projeção das próprias pessoas, veículo de
trocas, de relações, como meio de representação e comunicação. Neste sentido, a linguagem
possui uma dinâmica, que implica a participação do outro, contribuindo para o desenvolvimento
cognitivo infantil. A linguagem é por um lado, um meio de interação, de relação e de construção
do conhecimento; e, por outro lado, algo que a criança precisa conhecer e dominar: linguagem
como meio e objetivo do conhecimento ao mesmo tempo.
Se pensarmos em linguagem como meio de relação, podemos encontrar alterações que
dizem respeito à relação ou interação adulto/criança e que impeçam ou dificultem
principalmente a aquisição da linguagem.
O comportamento verbal disfluente, que é normal no desenvolvimento da linguagem,
pode gerar situações de não aceitação quando não é compreendido pelos pais. O meio propõe
ou cria desequilíbrios tão grandes que a criança não consegue superar.
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O desenvolvimento normal é crucial para o desenvolvimento das habilidades normais
da linguagem. Quando o desenvolvimento normal é retardado devido às alterações congênitas
ou doenças de infância, podem ocorrer distúrbios de linguagem. Limitações cognitivas,
sensoriais, sócio-emocionais e físicas colocam uma criança sob risco de ter prejudicadas suas
habilidades de linguagem. Tais crianças, são referidas como com distúrbio específico de
linguagem, e muitas delas também apresentam um distúrbio fonológico acompanhante que
interfere adicionalmente na capacidade dos outros de entender o que elas estão tentando dizer.
A linguagem pode ser lenta para desenvolver-se nestas crianças pela falta de estímulo
ambiental.
A ligação afetiva básica com os pais e amigos é um aspecto importante no
desenvolvimento da criança, porém nem tudo é doçura e suavidade, as crianças também
mostram agressividade. É importante analisar este aspecto do relacionamento interpessoal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que possa compreender e atuar no mundo, torna-se imprescindível que a criança
desenvolva uma capacidade cognitiva favorável, pois a linguagem está relacionada aos
progressos da inteligência sensório-motora. Embora a linguagem seja concebida como um
reflexo do pensamento, ela também tem o papel de possibilitar a abstração. A quantidade de
generalizações é proporcional à mobilidade no sistema de esquemas, dessa forma, a capacidade
cognitiva também proporciona a apropriação das regras linguísticas.
Não há dúvida de que a linguagem acompanha o desenvolvimento cognitivo em toda
a sua trajetória. No entanto, vale a pena salientar a existência um novo acontecimento que é a
possibilidade que a linguagem possui de representar a ação.
Dessa maneira, perceber a contribuição do outro e da subjetividade no processo de
desenvolvimento cognitivo infantil é de extrema relevância. A linguagem é um meio de
interação entre relação e construção do conhecimento, portanto, é algo que a criança deve
conhecer e dominar.
Quando analisamos o desenvolvimento cognitivo e sua relação com a linguagem,
torna-se fundamental compreender a importância dos fatores socioculturais, além das
particularidades do indivíduo em desenvolvimento. Assim sendo, podemos dizer que a
construção das capacidades intelectuais e da linguagem resulta de um processo de interação que
envolve o sujeito e o meio social, uma vez que é através da troca entre ambos que a inteligência
se estrutura. A linguagem é, então, produto da influência destes diversos fatores.

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REFERÊNCIAS

BIAGGIO, Ângela M. Brasil. Psicologia do Desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1976.

DOLLE, Jean-Marie. Para compreender Jean Piaget: uma iniciação à psicologia genética
piagetiana. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987.

FILGUEIRAS, Karina Fideles. Psicopedagogia On-line, 2002. Um estudo sobre a


lateralidade como fator influente na alfabetização. Disponível em:
<http://www.psicopedagogia.com.br/download/lateralidade.doc>. Acesso em: 13 jun. 2010.

JERUSALINSKY, A. Psicanálise e Deficiência mental. In:Psicanálise e desenvolvimento


infantil:um enfoque transdisciplinar. 4. ed. Porto Alegre: Artes e ofícios, 2007.

LEWIS, Melvin; WOLKMAR, Fred R. Aspectos Clínicos do Desenvolvimento na Infância e


Adolescência. 3. ed. São Paulo: Editora Artes Médicas, 1993.

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