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LIBRAS

Vila Velha – ES
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 3
O TRATUDOR/INTERPRETE DE LIBRAS .......................................................................... 3
O QUE FAZ UM TRADUTOR/INTÉRPRETE DE LIBRAS ................................................... 7
QUALIFICAÇÕES NECESSARIAS PARA SER TRADUTOR/INTÉRPRETE DE LIBRAS ... 7
A ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS NA INCLUSÃO DO SURDO ......................... 8
A INCLUSÃO DA PESSOA SURDA ................................................................................... 9
REFERÊNCIAS..................................................................................................................16

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INTRODUÇÃO O TRATUDOR/INTERPRETE DE
LIBRAS

A comunicação é um fator fundamental


para o ser humano e LIBRAS é uma ferramenta
que possibilita a interação dos surdos.

Os intérpretes de língua de sinais


surgiram devido à necessidade da comunidade
surda de possuir um profissional que auxiliasse
no processo de comunicação com as pessoas
ouvintes.

Inicialmente, a atuação era informal, ou


seja, pais ou membros da família das pessoas O tradutor/intérprete de Libras é um
surdas faziam essa função. Entretanto, para profissional que atua em diferentes contextos. O
que isso ocorresse de modo formal foi seu campo de trabalho é bastante amplo, pois
necessário que a Língua Brasileira de Sinais
corresponde a necessidade comunicativa dos
fosse oficializada.
surdos. Apesar dessa diversidade no exercício
da profissão, as instituições de ensino
Atualmente há leis em vigor que
destacam-se como áreas de maiores atuações
regulamentam a profissão e determinam a
do tradutor/intérprete, em menores proporções
formação desse profissional. Uma dessas leis é estão à presença em conferências, seminários,
a LEI Nº 12.319 DE 01.09.2010 que na realização de traduções escritas e
regulamenta a profissão de Tradutor e acompanhamento aos surdos.
Interprete de Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS. De acordo com Quadros (2007, p.7) o
tradutor/intérprete de Libras é conceituado
Nessa apostila, iremos retratar sobre a
como “a pessoa que interpreta de uma dada
importância desse profissional, sua formação e língua de sinais para outra língua, ou desta
atuação no mercado de trabalho. outra língua para uma determinada língua de
sinais”.
Dentro desse processo interpretativo,
língua de sinais para língua oral e vice-versa
destacam-se modalidades, competências e
habilidades que o profissional deve envolver na
sua prática.
A atividade de traduzir/interpretar não
deve ser entendida somente como um processo

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linguístico, é imprescindível que o profissional linguístico das estruturas e regras de pronúncia


domine as línguas envolvidas e compreenda as onde o objetivo é o da acuidade na expressão e
ideias presentes nos discursos para além das compreensão. A competência sociolinguística
palavras, lembrando que em uma atividade de considera o papel dos falantes no contexto da
tradução/interpretação, além da gramática das situação e a sua escolha de registro e estilo. A
línguas está a cultura, os aspectos sociais e competência discursiva considera a questão da
emocionais presentes no contexto a ser coesão e da coerência relevantes no
interpretado. determinado contexto. E a competência
estratégica considera que não há falantes e
(…) o trabalho de interpretação não ouvintes ideais, sendo necessário, portanto que
pode ser visto, apenas, como um trabalho se faça uso de estratégias de comunicações
linguístico. É necessário que se considere a verbais ou não verbais para se compensar as
esfera cultural e social na qual o discurso está quebras de comunicação.
sendo enunciado, sendo, portanto,
fundamental, mais do que conhecer a gramática
da língua, conhecer o funcionamento da
mesma, dos diferentes usos da linguagem nas
diferentes esferas de atividade humana.
Interpretar envolve conhecimento de mundo,
que mobilizado pela cadeia enunciativa,
contribui para a compreensão do que foi dito e
em como dizer na língua alvo; saber perceber
os sentidos (múltiplos) expressos nos discursos.
(LACERDA, 2009, p. 21).

Outros atributos colocados ao


profissional são a competência comunicativa e Já a tradutória é conceituada e
tradutória. Ambas são relevantes para o diferenciada da comunicativa, como afirma Albir
intérprete, porém a segunda define e diferencia (2005, p.19): Embora qualquer falante bilíngue
este profissional de outros falantes bilíngues, possua competência comunicativa nas línguas
uma vez que envolve técnicas, procedimentos e que domina, nem todo bilíngue possui
conhecimentos específicos. competência tradutória. A competência
tradutória é um conhecimento especializado,
Sistematizado por Canale e Swain e integrado pó rum conjunto de conhecimentos e
modificado posteriormente por Canale, o habilidades, que singulariza o tradutor e o
conceito de competência comunicativa é diferencia de outros falantes bilíngues não
composto por competências subjacentes, como tradutores.
afirma Neves (1998, p.73): A competência
gramatical ou linguística se atém ao código

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Atrelados ao trabalho do intérprete bilíngue/bi cultural, condensados da seguinte


estão presentes também as modalidades de maneira:
interpretação, classificadas em simultânea e
consecutiva. Leite (2005, p.53) apresenta essa
1- Ênfase no significa e não nas
distinção através das ideias organizadas por
palavras;
Metzger (1999) como mostra a tabela abaixo:
2- Cultura e contexto apresentam um
papel importante em qualquer
INTERPRETAÇÃO INTERPRETAÇÃO mensagem;
SIMULTÂNEA CONSECUTIVA 3- Tempo e considerado o problema
 O intérprete leva em crítico (a atividade e exercida em
 É realizada com a
conta a quantidade de informação
mensagem da fonte em tempo real envolvendo processos
que entra, aproveitando a
andamento e o intérprete vai mentais de curto e longo prazo);
oportunidade de um fechamento
produzindo seu texto até que a 4- Interpretação adequada é definida
na sentença na sentença em curso
mensagem fonte sofra uma
em termos de como a mensagem
para iniciar a interpretação ou
pausa;
aproveitar para tomar nota; original é retida e passada para a
 Exige que intérprete língua alvo considerando-se
 É considerada mais
receba primeiro a mensagem da também a reação da audiência.
eficiente em relação ao fator
fonte e depois a interprete;
tempo;
 É considerada mais
Nota-se que muitas são as atribuições
acurada em relação à simultânea.
colocadas ao profissional tradutor/intérprete e
 É relativamente nova
que através da sua presença em sala de aula
em relação ás línguas orais,
será assegurado ao surdo o direito de acesso
sendo mais ou menos
tradicional em interpretações aos conteúdos curriculares em língua de sinais,
das línguas de sinais. uma vez que este profissional é o mediador dos
discursos produzidos pelo professor acerca dos
Fonte: Leite (2005, p.52)
conteúdos das disciplinas, entre outras

Nas características elencadas sobre discussões.

cada modalidade, a interpretação simultânea é Apesar da literatura e a prática

citada como clássica nas interpretações das apresentarem a relevância das habilidades e
competências que o tradutor/intérprete deve
línguas de sinais. Quadros (2007, p.78)
acrescenta que o processo que o intérprete se possuir e a ausência das mesmas ser

submete complexo e que o mesmo está diante considerada um fator de interferência para um

de processamento de informação simultânea. bom andamento da atividade interpretativa,

Assim, a autora sugere e apresenta propostas sabe-se que este não é o único entrave.

de modelos de processamento no ato da Os textos traduzidos/interpretados em

tradução e interpretação, sendo eles: cognitivo, sala de aula versam sobre temas diversos e

interativo, interpretativo, comunicativo, variam em grau de complexidade de acordo

sociolinguístico, o processo de interpretação e o com o vocabulário.

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Conteúdos de algumas disciplinas, por Outra consideração acerca do uso de


exemplo, as que pertencem as Ciências da sinais dentro de uma perspectiva terminológica
Natureza-Biologia, Física e Química, por é considerar que termo difere de palavra e que
possuírem termos específicos, são comuns à o uso de um sinal envolve contexto e definição.
inexistência de termos equivalentes em Libras. Finatto & Krieger (2004) exemplificam essa
distinção termo-palavra através do item lexical
Com o intuito de preencher essa lacuna folha. O mesmo pode ser a folha de uma árvore
terminológica de maneira imediata, o ou página de um caderno, entre outras
tradutor/intérprete de Libras convenciona possibilidades, porém no contexto das
alguns sinais com os surdos em sala de aula, especializações, na área da Botânica,
podendo cada grupo criar sinais diferentes para apresenta a seguinte definição: “órgão,
o mesmo referente. Outro recurso utilizado pelo geralmente, laminar e verde, das plantas
profissional é a datilologia, que é um floríferas ou fanerógamas e principal estrutura
empréstimo da língua portuguesa, além de uso assimiladora do vegetal”. (Houaiss & Villar,
de imagens para representar os termos sem 2001, p.1363 apud Finatto & Krieger).
sinais.
Devido ainda a inexistência de
glossários específicos, os recursos utilizados
pelos tradutores/intérpretes para suprir essa
ausência de sinais equivalentes em Libras são
aceitáveis, mas deve-se ressaltar que embora
exista essa carência de sinais, a proficiência
nas línguas de trabalho e a competência
tradutória são parâmetros necessários para
uma atuação coerente e eficiente, o que
possibilita ao próprio profissional o uso da
Um recurso relevante que pode
melhor forma para compensar essas lacunas
contribuir para um melhor desempenho do
linguísticas.
profissional tradutor/intérprete e para a
autonomia do surdo nos momentos de pesquisa
Quanto à criação de novos sinais é
e estudos é o glossário bilíngue Libras-
importante que em consonância estejam os
Português. Os profissionais elegem o glossário
surdos, tradutores/intérpretes de Libras e
como uma ferramenta necessária, mas é
profissionais das áreas específicas, para que
importante lembrar que para a produção e uso
desenvolvam os mecanismos para a ampliação
do mesmo deve ser levado em consideração o
do léxico na língua e decidam de forma coletiva
aspecto linguístico regionalismo, ou seja, um
a validação dessas criações lexicais.
glossário produzido em um determinado estado
pode não ser utilizável em outro.

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O QUE FAZ UM previamente estabelecido, no momento em que


TRADUTOR/INTÉRPRETE DE está sendo executada. No entanto, atualmente,
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é comum encontrar muitos intérpretes
sacrificados, sobrecarregados no exercício de
sua profissão. Como exemplo, cito a incidência
da LER (Lesões por Esforço Repetitivo), que
pode ser motivo de interrupção da carreira.

QUALIFICAÇÕES NECESSARIAS
PARA SER TRADUTOR/INTÉRPRETE
DE LIBRAS

O intérprete de LIBRAS é o profissional


que tem competência e proficiência para
interpretar da LIBRAS para a Língua
Portuguesa, ou vice-versa (de forma simultânea
ou consecutiva). Os intérpretes que lutaram para a
oficialização dessa profissão desejaram que
A Lei nº 12.319, de 1º/09/2010, esta fosse mais qualificada, no entanto, o art. 4º
regulamentou a profissão do Tradutor e da Lei nº 12.319/2010 diz que o tradutor e
Intérprete da LIBRAS. Na prática, o intérprete intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve
serve de ponte entre os surdos usuários da ter nível médio e sua formação deve ser
LIBRAS e os ouvintes, com objetivo de realizada por meio de:
estabelecer a comunicação entre ambos.
Assim, se o Decreto nº 5.626/2005 fosse
I- Cursos de formação
cumprido, veríamos em todos os órgãos
profissional reconhecido pelo
públicos, hospitais e escolas a atuação desse
sistema que os credenciou;
profissional.
II- Curso de extensão
universitária;
Interpretar exige esforço físico e mental,
envolve ética profissional, desempenho e
competência. Por tudo isso, é uma profissão
que exige um revezamento, de preferência

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III- Cursos de formação continuada I- Efetuar comunicação entre


promovidos por instituições de surdos e ouvintes, surdos e
ensino superior e instituições surdos, surdos e surdo cegos,
credenciadas por secretarias surdo-cegos e ouvintes, por
de educação meio da Libras para a língua
oral e vice-versa;
II- Interpretar, em Língua
A formação de tradutor e intérprete de
Brasileira de Sinais - Língua
Libras pode ser realizada por organizações da
sociedade civil representativas da comunidade Portuguesa, as atividades

surda, desde que o certificado seja convalidado didático-pedagógicas e


culturais desenvolvidas nas
por uma das instituições referidas no inciso III.
instituições de ensino nos

Finalmente, há também o exame níveis fundamental, médio e


superior, de forma a viabilizar
nacional de proficiência em Tradução e
o acesso aos conteúdos
Interpretação de Libras - Língua Portuguesa,
curriculares;
que contará com “banca examinadora de amplo
conhecimento dessa função, constituída por III- Atuar nos processos seletivos

docentes surdos, linguistas e tradutores e para cursos na instituição de


ensino e nos concursos
intérpretes de Libras de instituições de
públicos;
educação superior”. (art. 5º, parágrafo único, da
Lei nº 12.319/2010). IV- Atuar no apoio à
acessibilidade aos serviços e
às atividades-fim das
A ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE
instituições de ensino e
LIBRAS NA INCLUSÃO DO SURDO
repartições públicas;
V- Prestar seus serviços em
depoimentos em juízo, em
órgãos administrativos ou
policiais.

Como se pode observar, a contribuição


do intérprete na inclusão dos surdos na
sociedade se dá pelo fato dele ser mediador na
comunicação destes com outras pessoas,
inclusive entre os próprios surdos, pois nem
De acordo com o artigo 6º da Lei nº todo surdo é usuário da língua de sinais
12.319/2010, estas são as atribuições do brasileira.
tradutor e do intérprete de LIBRAS, no exercício
de suas competências:

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Pode ser que o surdo não seja social e, atualmente, pela filosofia da inclusão
brasileiro, consequentemente, ele terá outra social (SASSAKI, 2003).
língua de sinais. Há também o caso de alguns
surdos palrador, que preferem usar a voz, em Durante grande parte do século XX
parceria com a leitura labial, para se comunicar. fomos espectadores de uma prática
educacional sedimentada nos paradigmas da
A INCLUSÃO DA PESSOA SURDA categoria clínica. Nesse modelo clínico-
terapêutico, que conduzia o processo
educacional, a preocupação estava centrada na
falha, na limitação, na deficiência, na falta e não
naquilo que o sujeito era capaz de fazer, ou
melhor, de aprender e de como aprender de
modo significativo. Quase sempre o fracasso na
educação de surdos era atribuído às limitações
deles, desconsiderando-se a falta de
conhecimento dos profissionais sobre quem é
A inclusão educacional da pessoa surda esse sujeito, e de que forma ele percebe e
tem sido tratada nos últimos anos a partir de compreende o mundo. Não se concebia o
diversos ângulos, e em meio a opiniões nem indivíduo como pessoa integral, com sua
sempre aceitas por grande parte da diferença específica, nem se investia em
comunidade surda. Referimo-nos neste texto, discussões voltadas para as questões
exclusivamente, aos surdos usuários da língua pedagógicas.
de sinais, visto que o nosso objetivo é discutir
as especificidades na inclusão educacional da
pessoa surda, que não tem possibilidade de
adquirir naturalmente a língua da comunidade
linguística majoritária (a língua oral).

Antes, porém, faremos algumas


considerações sobre o contexto sócio histórico
que marcou o processo educacional das
pessoas com deficiência e, em especial, dos Segundo Skliar (1998, p.11), “a surdez
surdos. A sociedade tem registrado ao longo da constitui uma diferença a ser politicamente
história da educação uma prática de exclusão reconhecida; a surdez é uma experiência visual;
que atinge todo e qualquer ser desviante do a surdez é uma identidade múltipla ou
padrão social estabelecido. Essa exclusão multifacetada e, finalmente, a surdez está
social avançou posteriormente para o localizada dentro do discurso sobre a
atendimento dentro das instituições de forma deficiência”. Corroborando essa ideia, conforme
segregado, passando pela prática da integração

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Wilcox e Wilcox (2005), o professor surdo norte- aprendizagem, servindo de transição do


americano Ben Bahan propôs que os surdos oralismo para o Bilinguismo.
fossem chamados de “pessoas visuais”, em De acordo com Dorziat (2002), com o
razão de a percepção que eles têm do mundo Bilinguismo, a urgência em prover o surdo da
ocorrer prioritariamente pelo canal visual. É expressão oral e/ou gestos artificiais, como
interessante lembrar que “experiência visual” critério básico para seu desenvolvimento
significa usar a visão em substituição da cognitivo, não tinha mais razão de ser. A
audição como meio de comunicação. Essa linguagem não mais foi vista como mera
característica, no entanto, tem sido comumente articulação oral ou como gestos comunicativos
ignorada por quem pensa a educação pelo viés usados em uma estrutura de língua oral. O
do ouvinte, cujo canal primário de informação é respeito à língua de sinais e o seu
a audição. reconhecimento possibilitaram que o surdo
tivesse acesso à linguagem em tempo real,
Nesse sentido, a escola priorizava os mediante a apreensão e expressão de uma
exames audiológicos para saber qual a língua que se lhe apresenta de forma natural,
possibilidade de aquisição e desenvolvimento devido a sua estrutura viso espacial.
de linguagem oral, visto que, estranhamente, a
educação de surdos era pensada em termos de Historicamente, a exclusão escolar foi
língua e não em termos educacionais. A legitimada nas políticas e práticas educacionais.
preocupação do professor era a de estimular a Essa realidade começou a mudar a partir da
fala do surdo, deixando em segundo plano os visão dos direitos humanos e do conceito de
conteúdos curriculares para alunos ouvintes da cidadania fundamentados no reconhecimento
mesma série. Entretanto, a maior parte dos das diferenças e na participação dos sujeitos,
surdos profundos, educados na perspectiva independentemente de suas diferenças, com
oralismo, não desenvolveu uma fala base em uma visão norteada pelo viés da
socialmente satisfatória, resultando em um inclusão.
atraso de desenvolvimento global significativo.
Segundo Mazzotta (2003), a defesa da
Diante dessa realidade, o fracasso do cidadania e do direito à educação das pessoas
oralismo e os avanços das pesquisas sobre com deficiência é atitude recente em nossa
línguas de sinais deram origem a novas sociedade, manifestando-se através de
propostas pedagógico educacionais em relação medidas isoladas de indivíduos ou grupos. A
à educação da pessoa surda, surgindo, nos conquista e o reconhecimento de alguns direitos
anos 70, a filosofia da Comunicação Total. Essa dessas pessoas, e nessa etiqueta estão os
filosofia também não favoreceu o surdos, são registrados como elementos
desenvolvimento linguístico do surdo, mas integrantes de políticas sociais, a partir de
possibilitou, de maneira efetiva, o contato da meados do século passado. No Brasil, a
comunidade surda com os sinais e a sua comunidade surda registrou em sua trajetória
lutas, realizações, frustrações, sucessos e

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fracassos. Algumas dessas batalhas também, a importância da língua de sinais e a


aconteceram na tentativa de que fossem necessidade de garantir que todas as pessoas
cumpridas as determinações postas na surdas tenham acesso ao ensino na língua de
legislação vigente. sinais de seu país. Chamamos a atenção para
o fato de que, ao considerar a língua de sinais
A nossa Constituição Federal de 1988 como uma peculiaridade na educação de
define, no artigo 205, a educação como um surdos, a Declaração de Salamanca aponta
direito de todos e, no artigo 206, inciso I, princípios norteadores para um ensino de
estabelece a igualdade de condições de acesso qualidade para o surdo, tendo como eixo
e permanência na escola como um dos principal uma língua acessível, condição sine
princípios para o ensino. Encontramos aqui um qua non para uma aprendizagem significativa.
direito instituído, mas como viabilizá-lo para o
surdo? Como garantir a esse sujeito acesso ao Elaborada com base nesses
ensino, permanência no âmbito educacional e documentos internacionais, a atual Lei de
educação de qualidade, se a língua majoritária Diretrizes e Bases da Educação Nacional-
de circulação no espaço escolar é a língua oral? LDBEN, Lei nº 9394/96, estabelece no capítulo
V, art. 58, que a educação dos “alunos com
Além da Declaração Universal dos necessidades especiais” deve acontecer
Direitos Humanos (1948), a partir dos anos preferencialmente na rede regular de ensino.
noventa novas formas de interpretação da Destacamos o termo “preferencialmente”, ou
questão da desigualdade e do acesso das seja, prioritariamente e não obrigatoriamente,
camadas populares a bens e serviços exclusivamente. Esse mesmo artigo diz também
começaram a ficar mais definidas. Outros que, nos casos em que as necessidades
documentos internacionais como a Declaração específicas do aluno impeçam que ele se
Mundial sobre desenvolva satisfatoriamente nas classes
Educação para Todos (1990), a existentes, este teria o direito de ser educado
Declaração de Salamanca (1994) e a em classe ou serviço especializado. Para Souza
Convenção de Guatemala (1999), passaram, e Góes (1999), o surdo faz parte desses casos.
então, a influenciar no Brasil a elaboração de
leis e ações relacionadas às políticas públicas Compreendemos que a inclusão da
de educação inclusiva. forma como está posta tem possibilitado a um
A Declaração de Salamanca constitui- número significativo de surdos o acesso à
se em importante documento elaborado durante escola, no que corresponde ao espaço físico,
a Conferência Mundial de Educação Especial, mas eles continuam sem acesso à educação.
realizada na Espanha de 07 a 10 de junho de Os surdos permanecem amargando o
1994. Esse documento defende que o princípio constrangimento de estarem em uma sala de
norteador da escola deve ser o de propiciar a aula – palco por excelência da aprendizagem,
mesma educação a todas as crianças, alheios ao saber que circula nesse espaço. Por
adaptando-as às demandas delas. Reconhece, isso, constantemente, deparamo-nos com

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relatos de surdos que militam em prol da Conforme já mencionamos, essa


inclusão social, mas rejeitam a inclusão discussão sobre as especificidades em relação
educacional no modelo desenhado. Ou seja, ao aluno surdo não tem sido entendida
marcado por configurações ideológicas que pacificamente, ao contrário, tem gerado
desconsideram as peculiaridades inscritas no polêmicas e opiniões divergentes entre os
“jeito surdo de ser”, no dizer de Strobel (2008), estudiosos na área de educação. Encontramos
presente na forma como batem palmas, no uso por um lado um grupo que defende a inclusão
da língua de sinais ou como são nomeados, do surdo no ensino regular, respaldando-se no
através de sinais. direito de igualdade e nos prováveis benefícios
surgidos no contato com os demais alunos. Por
outro lado, existe um grupo que discorda dessa
ideia, baseando-se no reconhecimento político
da surdez como característica cultural
específica de um grupo social, linguisticamente
diferente.

Na opinião de pesquisadores como


Lopes (2005) e Strobel (2008), a escola regular
Uma das maiores barreiras constatadas acaba privando o surdo do importante contato
na inserção de alunos surdos em sala de aula com seus pares. Esses autores defendem que
regular diz respeito ao tipo de comunicação é nesse contato que o surdo aprende a ser
predominantemente usada nesses ambientes – surdo, ou seja, a se identificar com seus iguais,
a comunicação oral –, no nosso caso através da a se apropriar de sua língua e a ingressar na
língua portuguesa. Entendemos que o surdo sua cultura, construindo a sua identidade e se
tem uma especificidade linguística, e que esta organizando enquanto grupo social.
faz de sua inserção no âmbito educacional uma
situação peculiar, diferente daquela geralmente A esse respeito, é interessante refletir
vivenciada por alunos com outras necessidades no que Sá (2005, p. 188) defende ao afirmar que
educacionais específicas, a exemplo da pessoa “escola inclusiva não é sinônimo de escola
com deficiência intelectual, visual, motora, regular”. Na opinião dessa autora, e nós
dentre outras. Nestes casos, a língua oral lhes comungamos desse pensamento, a escola
é devidamente acessível, logo, o processo de passa a ser inclusiva quando ela se constitui
ensino aprendizagem não sofre interferência significativa, possibilitando que a aprendizagem
devido à modalidade da língua em uso, não é efetivamente aconteça. Vale ressaltar que as
atravessado por uma comunicação truncada e políticas públicas de educação inclusiva
fragmentada como geralmente ocorre com a garantem o direito a todo cidadão brasileiro a
pessoa surda. uma educação plena e significativa. Entretanto,
inquieta-nos saber se a escola regular, no atual

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contexto em que vivem os surdos no Brasil, está Nas últimas décadas, relevantes
sendo significativa? avanços nas políticas públicas brasileira vêm
difundindo a ideia da pessoa surda como
A LDBEN/96, no artigo 59, preconiza alguém diferente linguisticamente.
que os sistemas de ensino devem assegurar A partir das mobilizações dos movimentos
aos alunos currículo, métodos, recursos e
surdos e da promulgação de leis de
organização específicos para atender às suas
acessibilidade, muitas posturas foram
necessidades. Contudo, a realidade do aluno
modificadas. Após a LDBEN/96, houve um
surdo é outra, a escola continua oferecendo marco significativo nas ações relacionadas à
programas educacionais voltados para ouvintes educação de surdos. Destacamos a grande
e elaborados, na maioria, por ouvintes. São
conquista que foi o reconhecimento da Libras
exíguos os programas que têm a participação como meio legal de comunicação e expressão
de surdos e, portanto, consideram o seu modo de pessoas surdas brasileiras, através da
de viver: sua cultura, sua língua, suas
assinatura da Lei nº 10.436, de 24 de abril de
necessidades e seus interesses. Enfim,
2002. Posteriormente, essa lei foi
compreendem e respeitam as suas
regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de
especificidades no processo de inclusão dezembro de 2005, definindo as formas
escolar, dando-lhes o direito de serem pessoas institucionais para o uso e a difusão da Libras e
diferentes e não deficientes.
da Língua Portuguesa, objetivando o acesso
das pessoas surdas à educação.

Quadros (1997) chama a atenção para


o currículo escolar, que deverá incluir os Sem dúvida, temos vivido um momento
conteúdos desenvolvidos nas escolas ímpar na história de educação de surdos no
regulares, alterando apenas a forma de serem Brasil depois da promulgação desse decreto,
trabalhados, que deve ser na Libras. A pois ele aponta para a necessidade de a Libras
adequação no currículo que venha a favorecer estar presente no cotidiano escolar das pessoas
uma aprendizagem verdadeira para o surdo é surdas. Para que isso se concretize, necessário
por vezes confundida com a retirada de se faz que as instituições de ensino superior
conteúdos, ou mesmo com a mutilação no formem profissionais capacitados, adotando
ensino da Língua Portuguesa, como forma de uma política linguístico educacional de
“facilitá-lo”. A escola age como se os surdos formação do futuro professor, através de
precisassem de um ensino mais fácil, mudanças no currículo nos cursos de
entendendo que eles não têm competência para Pedagogia e de licenciaturas em geral. Essas
aprender igual aos ouvintes, como se a medidas viabilizam um contexto bilíngue para
capacidade cognitiva desses sujeitos fosse os surdos, à medida que considera a Libras
deficitária. como primeira língua (L1) e a Língua
Portuguesa como segunda língua (L2),
conforme determina o Decreto nº 5.626. Essa

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política linguística para comunidades surdas no Outra barreira importante diz respeito ao fato de
âmbito educacional necessita implantar a a maioria dos surdos serem filhos de pais
educação bilíngue como direito, incluindo ouvintes, motivo pelo qual costumam chegar à
adultos fluentes em Libras e intérpretes de escola sem o conhecimento da língua de sinais.
Libras no quadro de profissionais surdos, além Como resultado disso, eles levam um tempo
de outras medidas que garantam não apenas a longo para usufruírem do trabalho do intérprete.
implantação dessa política, mas, sobretudo, a
sua efetivação. Esse decreto garante o direito Parece haver uma contradição entre os
de o aluno surdo ter acesso à educação princípios inspiradores da inclusão e a sua
mediante o ensino bilíngue desde a educação prática, pois sob a égide da inclusão os surdos
infantil, seja em escolas públicas ou privadas. sentem-se excluídos do processo de ensino-
aprendizagem. Por tudo isso, urge um olhar
Vale salientar que a inserção do acerca das especificidades na inclusão escolar
profissional intérprete em sala de aula pode da pessoa surda, para que ela usufrua de uma
minimizar as dificuldades comunicativas do educação de qualidade na atual política pública
surdo, devido aos problemas linguísticos educacional que proclama o direito igualitário à
geralmente enfrentados pela comunidade surda educação. Na nossa compreensão, trata-se de
no espaço escolar. Contudo, a inclusão um direito ao acesso à educação, não devendo
almejada e descrita na legislação não é atingida ser confundido com o direito a uma educação
plenamente, ainda que com a presença do igualitária, no sentido de a escola oferecer um
intérprete. Lacerda (2000) mostra isso através ensino pautado em metodologias padronizadas,
de um estudo realizado com o objetivo de desconsiderando, muitas vezes, as
investigar a dinâmica e as peculiaridades das singularidades existentes na educação do
relações pedagógicas em uma sala de aula indivíduo surdo.
inclusiva.

Dentre as muitas questões que têm


surgido como barreiras na educação do surdo,
para que se efetive uma aprendizagem
significativa, destacamos a falta de qualificação
profissional do intérprete. A presença desse
profissional, como já colocado, tem viabilizado o
acesso do surdo no cotidiano escolar, mas não
tem garantido a permanência e a qualidade do
ensino. A falta de domínio do assunto a ser
interpretado, resulta em acréscimo, supressão
ou, ainda pior, em equívocos de informações
que comprometem a compreensão dos
conteúdos ensinados pelo professor ouvinte.

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É necessário que a escola crie espaços


para que a pessoa surda possa manifestar-se
culturalmente, nas suas formas particulares de
expressão. Escola para surdos, regular ou
inclusiva? Não importa, a luta consiste, tão
somente, em uma escola que reflita a situação
sociolinguística e histórica desses sujeitos,
propiciando-lhes uma aprendizagem
significativa, com reais condições para tal.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição; República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico,1988.
. Declaração de Salamanca e de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: UNESCO,
1994.

Declaração universal dos direitos humanos (1948). Disponível em:


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