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GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
Disciplina: Ética II
Prof.: Dr. Pe. Edvaldo Antônio de Melo
Mariana, nov. de 2022
Lévinas ao ser entrevistado pelo filósofo Nemo se posiciona sem ressalvas e acaba
falando sobre alguns termos que compõem o corpo da sua filosofia: “rosto” e
“responsabilidade”. Assim, quando nos debruçamos no termo rosto, pode-se constatar
que o “rosto” do outro em Lévinas apresenta vestígio de Deus. Na leitura levinasiana o
rosto apresenta traços do infinito, ou seja, “o rosto significa vida, alteridade absoluta,
manifestação enigmática do Infinito.” (CHACON, 2015, p. 16).
O Infinito em Lévinas dá-se pela forma como ele articula o conceito cartesiano de
infinito, dando-o uma nova compreensão e estabelecendo-o como uma das questões
centrais de sua filosofia (CHACON, 2015, p. 17). O que se compreende, a partir de
Lévinas, é que o Ser ontológico é inteiramente conflitante com a ideia de que “o desejo
metafísico tende para uma coisa inteiramente diversa, para o absolutamente outro”
(LÉVINAS, 1988a, p. 21). Ou seja, o que é o ser para Heidegger é o rosto para Lévinas.
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Bacharelando em Filosofia pela Faculdade Dom Luciano Mendes
Por certo, o rosto aponta-nos para o transcendente. Esse é um conceito que Lévinas o
relaciona com várias categorias bíblicas, pois, a filosofia levinasiana possui raízes no
judaísmo e segundo Chacon (2015, p.17):
Nesse sentido, podemos fazer esta ligação da parábola com a filosofia ética de Lévinas.
Pois, Lévinas ressalta a importância do eu “sair de si mesmo” para se colocar como
presença qualitativa diante dos outros, da mesma maneira como descreve o Papa,
apontando para toda a humanidade um compromisso autêntico com o outro.
É justamente nesse “sair de si mesmo”, para uma relação de face a face com o outro, que
temos o momento ético por excelência (CHACON, 2015, p.18). Philippe Nemo discute
com Lévinas se o outro também deve assumir uma responsabilidade para com aquele
que o olha face a face. “Mas o outro não é também responsável a meu respeito?”
(LEVINAS, 1988, p.81). De forma sucinta, Lévinas responde que isso é um problema
dele (do outro). Ou seja, na visão levinasiana ainda que perecemos, a nossa
responsabilidade para com outro, deve ser assumida sem esperar uma reciprocidade
(LEVINAS, 1988, p.81).
O samaritano não ficou em si, mas se lançou ao encontro do outro e fez muito além do
que imaginava devido ao vestígio de Deus experimentado através do rosto ferido de
outrem. É como afirma Lévinas (1982, p.81), “o eu sempre tem uma responsabilidade a
mais do que os outros”. Assim, a partir do momento em que reconhecemos as misérias
das pessoas, “instaura a própria proximidade do Outro” (LÉVINAS, 1988a, p. 178).
O rosto é a identidade do outro que se manifesta diante de nós. Para Lévinas (2010, p.
30): “A visão do rosto não é mais uma visão, mas uma audição e palavra [...].” Ou seja,
o nosso rosto fala quem somos, é na relação dos rostos que é revelada a nudez. Portanto,
o rosto não se resume apenas nas partes físicas, como afirma Melo (2003, p. 89):
O rosto não é uma agregação de um nariz, de uma fronte, de olhos etc, ele é
tudo isso, mas toma significado de um rosto pela dimensão nova que ele abre
na percepção de um ser. Pelo rosto, o ser não é somente fechado na sua forma
e à disposição - ele é aberto, instala-se em profundidade, em todo caso, nessa
abertura, apresenta-se pessoalmente. O rosto é um modo irredutível segundo o
qual o ser pode apresentar na sua identidade.
Nesse sentido, o rosto é algo que nos permite ir mais além daquilo que os nossos olhos
podem ver. Deste modo, a nudez do rosto torna-se resistente ao domínio e à posse do
sujeito. Ou seja, o encontro na relação de face com face impede que um domine ou tome
posse do outro. Pois, trata-se de uma descoberta de si mesmo. Assim, para Melo (2003,
p. 97):
Ser para o outro é a descoberta do para-si, dentro dos seus modos ou vivência
que não encontram seu fundamento em si, mas na aparição do outro. Assim, a
presença do outro é possibilidade de descoberta daquilo que sou, descubro-me
o que sou porque o próximo me olha, esse ser diferente de mim que
transcende a mim, revela-me um testemunho da minha realidade humana.
(MELO, 2003. p. 97)
Nessa perspectiva, estar diante do outro coloca-nos diante da nossa própria história,
identidade, misérias e grandezas. Porém, a descoberta de si mesmo através do outro pode
gerar um problema muito atual na sociedade hodierna. Trata-se de não querer confrontar
com o próprio eu, ou seja, o ser humano está cada dia mais distante de aproximar da sua
história. Segundo Melo (2003, p. 98), “o olhar do outro me expõe, coloca-me em perigo,
temporalmente”. Logo, na fuga de confrontar consigo mesmo, o homem se isola dos
outros, isto é, evita ter contato com o rosto de outrem.
Assim, a ética do rosto não significa um simples aperto de mão, mas num modo de vida,
numa atitude ética de respeito pelo outro, reconhecendo a dignidade do outro que está
além da crença, raça, idade, religião, sexo, saúde, riqueza ou pobreza. Portanto,
concluíamos que a responsabilidade a partir do rosto de outrem em Lévinas é um tema
que encanta e desafia. A responsabilidade pelo outro deve ser vista não apenas como
uma leitura filosófica que ficou no tempo com o autor, mas como uma regra de vida,
independentemente da cultura, da religião, da política ou da raça. Ademais, esse é um
tema que perpassa toda história da humanidade, pois se trata de uma postura que todos
os indivíduos deveriam ter perante o outro. Por fim, acreditamos que tudo que
apresentamos até aqui, expôs sumariamente algumas chaves de leitura para se adentrar
no pensamento levinasiano.
REFERÊNCIAS
CHACON, Daniel Ribeiro de Almeida. Rosto e Responsabilidade na filosofia da
Alteridade em Emmanuel Levinas. Intuitio, Porto Alegre, V.8, n.2, p.15-24, dez. 2015.
LEVINAS, Emmanuel. Ética e infinito. Tradução João Gama. Lisboa: Edições 70,
1988.
MELO, Nélio de Viera de. A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas. Porto Alegre:
Edipucrs, 2003. 311p.