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In tro d u ç ã o
Para procederm os à análise de um a língua devemos delim itar a variante a ser
investigada. Idealmente devemos definir parâmetros linguísticos e não-lingüísticos,
buscando constituir um a com unidade de fala hom ogênea. U m a comunidade de
fala consiste de um grupo de falantes que com partilham de um conjunto específi
co de princípios subjacentes ao com portam ento lingüístico. Após definir-se a co
1. A linguagem m unidade de fala a ser analisada passa-se, então, à coleta de dados que irão form ar
o corpus. O corpus fornece o material lingüístico a ser analisado. Figueiredo (1994)
Falantes de qualquer língua fazem reflexões sobre o uso e a form a da lingua discute aspectos interessantes relacionados à coleta de dados e à seleção de infor
gem que utilizam. Estes falantes são capazes de fazer observações quanto ao “so mantes.
taque” e às “palavras diferentes” utilizadas por um outro falante. Qual o falante Falantes de qualquer língua prestigiam ou m arginalizam certas variantes regi
que não se lem bra de ter um dia discutido o “jeito diferente de falar” de um a onais (ou pelo menos não as discriminam), a partir da maneira pela qual as seqüências
pessoa que seja de uma outra região geográfica? Pode-se tam bém determ inar se o sonoras são pronunciadas. Assim, determinamos variantes de prestígio e varian
falante é estrangeiro e m uitas vezes precisar o país de origem daquele falante. tes estigmatizadas. Algumas variantes podem ser consideradas neutras do ponto
Q ualquer indivíduo pode “falar sobre” a linguagem e discutir aspectos relaciona de vista de prestígio. Temos em qualquer língua as chamadas variantes padrão e
dos às propriedades das línguas que conhece. Isto faz parte do “conhecim ento variantes não-padrüo. Os princípios que regulam as propriedades das variantes
com um ” das pessoas. Contudo, há um ramo da ciência cujo objeto de estudo é a padrão e não-padrão geralmente extrapolam critérios puramente lingüísticos. Na
linguagem. maioria das vezes o que se determ ina como sendo uma variante padrão relaciona-se
A lingüística é a ciência que investiga os fenôm enos relacionados à lingua à classe social de prestígio e a um grau relativamente alto de educação formal dos
gem e que busca determ inar os princípios e as características que regulam as es falantes. Variantes não-padrão geralmente desviam-se destes parâmetros.
truturas das línguas'. Nas próxim as páginas apresentam os ao leitor os principais Vale dizer que as características das variantes padrão e não-padrão nem sem
term os técnicos da lingüística que são adotados neste livro. Pretendem os tam bém pre relacionam -se ao que é previsto pela gram ática tradicional com o correto. No
indicar o objeto de estudo da lingüística e apontar áreas de trabalho que necessi português de Belo Horizonte, por exemplo, a term inação “-ndo” das formas de
tam de profissionais com conhecim entos lingüísticos, especialm ente nas áreas d e gerúndio é pronunciada como “-no” : “comeno, fazeno, quereno, dançano, vendeno,
fonética e fonologia. etc”. Note que a redução de “-ndo” para “-no” ocorre som ente nas formas de
Sabem os que falar um a determ inada língua im plica um conhecim ento que gerúndio. A form a verbal “(eu) vendo” não perm ite a redução de “-ndo” para
certam ente transcende o, escopo puram ente lingüístico. Quando duas pessoas fa “-no”, e um a sentença com o “*Eu veno banana” não ocorre. Fazem os uso do
lantes de uma m esm a língua se encontram e passam a interagir lingüisticamente, asterisco antes de um determ inado exem plo - com o no caso de “*Eu veno bana
certam ente se dá um a interação am pla em que cada um a das p esso as envolvidas na” - com o objetivo de explicitar que tal exem plo é excluído ou não ocorre. Este
passa a criar um a imagem da outra pessoa. Podemos identificar se a pessoa é falan recurso é adotado ao longo deste livro.
te nativo daquela língua.*Um falante nativo é um indivíduo que aprendeu aquela Vale ressaltar que a redução de “-ndo” para “-no” nas formas de gerúndio em
língua desde criança e a tem como língua materna ou primeira língua. Caso classi Belo H o rizo n teje em outras regiões do país) desvra-se do esperado com o padrão.
fiquemos o falante como sendo nativo, podemos afirmar se tal pessoa partilha da Contudo, sendo o fenôm eno am plam ente difundido entre os falantes, tem os que a
m esma variante regional daquela língua. Não precisamos nem mesmo ver um falan redução de gerúndio faz parte da variante padrão em Belo Horizonte.
te para determinar a sua idade ou sexo, e talvez seu grau de educação. Isto pode ser Um exem plo de variante não-padrão pode ser ilustrado com as formas ver
facilmente atestado quando atendemos a um telefonema. Podemos também precisar bais de prim eira pessoa do plural. Em vários dialetos do português brasileiro tem-
se o falante é um estrangeiro que tem a língua em questão como segunda língua^Na se duas formas pronom inais para a prim eira pessoa do plural: “nós” e “a gente” .
grande maioria dos casos, falantes de uma segunda língua têm características de sua Cada um a destas formas requer um a form a verbal distinta: “nós gostam os” e “a
língua materna transpostas para a língua aprendida posteriormentéT Tem-se portanto gente gosta”.'A m bas as formas são aceitas com o parte da variante padrão em
o “sotaque de estrangeiro” com características particulares de línguas específicas vários dialetos. O que caracteriza a variante não-padrão é a troca de formas de
(como “sotaque” de americano, japonês, alemão, italiano, etc.). pessoa com a form a verbal: “nós gosta” e “a gente gostam os’*.
Há ainda casos de lexicalização. Sim plificando podem os dizer que o léxico
consiste de um conjunto de itens lexicais e de suas respectivas propriedades rele
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vantes para a organização da gramática. Falantes do português têm, por exemplo, dizendo o m esm o enunciado. Geralm ente, na fala m asculina observa-se com m e
um a entrada lexical com o “planeta”, cujas propriedades listadas podem ser: subs nos frequência o uso do dim inutivo. No caso do português, quando ocorre a vari
tantivo, m asculino. Cada palavra é associada a um a entrada lexical. No caso da ante de sexo, esta é expressa em term os de freqüência de uso. Não há em portugu
palavra “planeta” todos os falantes têm a m esm a entrada lexical e as m esm as ês m arcas gramaticais, palavras específicas ou padrões de entoação que sejam
propriedades específicas: substantivo, m asculino. Há contudo exem plos com o som ente utilizados por falantes de um único sexo. Contudo, isto ocorre em algu
“guaraná” ou “telefonem a” que não apresentam a m esm a entrada lexical para mas línguas. O japonês pode ser tom ado com o exemplo. A língua japonesa apre
todos os falantes. Para alguns falantes há a especificação de que estas palavras são senta as variantes m asculina, fem inina e neutra. Um exem plo que m arca a dife
masculinas - “o guaraná, o telefonem a” - e para outros falantes há a especificação rença gramatical entre estas três variantes de sexo é o uso da partícula que segue
de que estas palavras são fem ininas - “a guaraná, a telefonem a” . D izem os neste um substantivo: na fala m asculina é “da”; na fala fem inina é “yo” e na fala neutra
caso que para as p alav ras “guaraná, telefo n em a” o gênero é esp ecificad o é “desu yo” . Várias outras m arcas de sexo podem ser observadas em japonês.
lexicalm ente podendo ter duas alternativas possíveis: m asculino ou fem inino. Contam os tam bém com variantes etárias. Note que pessoas mais idosas,
N ão há um a opção m elhor-pior ou certa-errada. D izem os que a lexicalização por exemplo, são mais propensas a pronunciar o r final das formas de infinitivo
deste item para os falantes determ ina a form a a ser adotada. No caso de “guaraná, dos verbos (cf. “can tar”), ou os s plurais de substantivos (“os m eninos”). Jovens
telefonem a” tem os que a m esm a entrada lexical tem propriedades específicas tendem a om itir estes sons nestes contextos (cf. “cantá” e “os m enino”).
diferentes. Qualquer pessoa está ciente de variantes formais e variantes informais dc
Há um outro caso de lexicalização que envolve palavras que têm a entrada sua língua. Estas variantes são estilísticas. Claro que nam orar ou brincar com os
lexical diferente e as m esm as propriedades específicas. Para alguns falantes as filhos envolve o uso de uma variante diferente daquela utilizada em um encontro
formas “vassoura, assovio” são substantivos sendo “vassoura” feminino e “assovio” formal em um a entrevista de em prego ou num a Corte de Justiça.
masculino. Para outros falantes as formas “vassoura, assovio” não existem. As Fazer uso da linguagem certam ente leva-nos a com partilhar de princípios
formas correspondentes com o m esm o significado e as mesm as propriedades es sociais e linguísticos. Estes princípios são determ inados sem nenhum encontro
pecíficas são: “bassoura, assobio” . Estas formas são substantivos sendo “bassoura” específico dos falantes para tal finalidade ou de uma lei ou decreto criados especi
feminino e “assobio” masculino. Pode ser que um falante tenha as entradas lexicais ficam ente para este fim. Entretanto, tais princípios são com partilhados pela co
“vassoura” e “assobio” . O falante faz uso da form a registrada em seu léxico. F i m unidade em questão e são parte do universo dinâm ico e passíveis de m udanças a
nalmente, há casos de uma palavra apresentar duas formas lexicalizadas diferen cada instante. Certam ente, a intuição de falante nativo contribui para a seleção da
tes para o m esm o falante. Um exemplo é a palavra “ruim ” que para inúmeros variante a ser usada em cada contexto. Em outras palavras sabemos o que falar,
falantes do português pode ser pronunciada com o “ruim ” ~ “ruim ” (o sím bolo ~ para quem, como, quando e onde.
indica a alternância entre formas). * Portanto, ao em preenderm os um a análise linguística devem os considerar
Podem os concluir que não há variante m elhor ou pior de um a língua. Há parâm etros linguísticos e não-lingüísticos. Dentre os fatores não-lingüísticos res
variantes de prestígio, estigm atizadas ou neutras. Para definir as propriedades saltamos: região geográfica, faixa etária, gênero (m asculino, feminino, neutro),
a serem adotadas em sua variedade pessoal um falante conta com várias fontes estilo (formal, não-form al), grau de instrução, classe social.
de inform ação lingüística e não-lingüística de outros falantes. M esm o que a F a re m o s uso do term o variante p a ra c a ra c te riz a r as p ro p rie d a d e s
seleção não se dê conscientem ente, definem -se opções e caracterizam -se assim linguísticas com partilhadas por um grupo específico de falantes. Tem os, assim,
as particularidades da fala de um indivíduo: ou seja um idioleto. O que é inte variantes etárias, variantes de sexo, variantes geográficas (com o por exem plo a
ressante é que em bora todo e qualquer indivíduo tenha características específi variante de Belo Horiz.onte), etc. O term o dialeto é tam bém utilizado com o
cas em sua fala, há um a enorm e porção com partilhada com os outros ind iví sinônim o de variante. Ao referirm os à fala específica de um indivíduo adotam os
duos e definem -se assim os dialetos ou variantes de um a língua. C onsiderem os o term o idioleto. As propriedades particulares da fala de um indivíduo caracte
a seguir algum as variantes não-lingüísticas que deixam m arcas na organização rizam seu idioleto.
lingüística. Gostaríamos de ressaltar que toda e qualquer variante de um a língua é ade
A fala do hom em e da m ulher por exemplo se faz m arcar na organização quada lingüisticam ente e é inapropriado dizer que há variantes piores ou m elho
lingüística. Temos variantes de sexo (m asculino ou fem inino). No português res. Sugerim os que o leitor faça o exercício abaixo com o objetivo de refletir
m ineiro observam os que o uso do dim inutivo é recorrente na fala feminina: “Olha sobre a sua variedade lingüística pessoal.
que gracinha aquele vestidinho am arelinho!” Parece difícil im aginar um hom em
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da descrição. Podem os dizer que no caso do futuro simples um a gram ática descri
Exercício 1
tiva deve docum entar a sua ausência no português falado de vários dialetos e
1.1. Procure um colega de turma (ou um amigo) que seja de uma região dife ren te
registrar suas características nas variantes em que ele ocorre. Tais gramáticas são
da sua e liste cinco palavras que vocês pronunciam de maneira diferente. In d i
form uladas com o apoio teórico da lingüística. (ver Perini (1995)).
que as regiões consideradas. Id en tifiqu e a letra (ou letras) correspondentes ao
som (ou sons) que marcam esta diferença.
1.2. Como você categoriza a sua variedade lingüística individual em term os
comparativos com outras variedades do português? Tente comparar a sua va
Exercício 2
riante com outras que você considera de prestígio, estigmatizadas e neutras. Discuta com um exemplo do português a diferença entre a gramática prescritivG
Compare a sua seleção com a de um colega e discuta os fa to re s que levaram a (ou normativa) e a gramática descritiva.
diferenças.
1.3. Aponte um aspecto do português que marque a variação lingüística entre
faixas etárias diferentes. Ilu stre com exemplos. Uma descrição lingüística pode ter um caráter diacrônico ou sincrônico. A
lingüística diacrônica, que é também chamada lingüística histórica, analisa a lingua
gem e suas mutações durante um determinado período. Neste caso explicita-se o perí
Ao lingüista com pete a tarefa de form ular explicações sobre o m ecanism o odo a ser considerado e o material lingüístico a ser adotado na análise. Para análises
subjacente à linguagem. Tal tarefa, em últim a instância, consiste da form alização diacrônicas do sistem a sonoro do português ver W illiam s (1975), M attos e Silva
da gram ática de uma determ inada língua. Entendem os que um a gramática deve (1991) e T essyer (1997). A lingüística sincrônica investiga as propriedades
explicitar os princípios e as características da língua analisada. Tal proposta deve lingüísticas de uma determ inada língua em seu estágio evolutivo atual. Deve-se
explicar todos os enunciados possíveis de ocorrer naquela língua e tam bém ex explicitar a comunidade de fala observada e as condições da coleta do corpus a ser
cluir enunciados que não sejam atestados. Note que excluím os neste livro referên adotado na análise.
cia à gram ática enquanto um volum e que lista técnicas para a análise de sentenças No início desta introdução definim os a lingüística com o sendo a ciência que
em termos de suas partes (como sujeito, predicado, etc.). O term o gramática é investiga os fenôm enos relacionados à linguagem e que busca determ inar os prin
tradicionalm ente utilizado em referência às gramáticas prescritivas ou norm ativas. cípios e as características que regulam as estruturas das línguas. A ceitando-se que
A gramática prescritiva ou gramática normativa explicita as regras de a lingüística investiga a linguagem hum ana, tentem os, então, delim itar mais espe
term inadas para uma língua qualquer. Contudo, é basicam ente im possível encon cificam ente o seu objeto de estudo. Discutim os brevem ente a seguir as propostas
trar um falante que faça uso de todas as regras gramaticais prescritas, sem viola de Sausurre e Chomsky.
ções. Há méritos nas gram áticas norm ativas, sobretudo quanto ao estabelecim en A proposta de Sausurre (1916) é de cunho estruturalista e tém como mérito
to dos padrões que são com partilhados pelos falantes. Entretanto, a consulta a explicitar o objeto de estudo da lingüística de m aneira clara e objetiva. A leitura
um a gram ática norm ativa deve ser feita criticamente, avaliando-se as particulari deste trabalho - denom inado “Curso de Lingüística G eral” - é essencial para os
dades da linguagem utilizada pelos falantes. Um exem plo no português brasileiro iniciantes em lingüística, Sausurre propõe a dicotom ia entre língua tfa la . A lín
é o uso do futuro simples: “Eu buscarei o livro am anhã”. Para um a grande m aioria gua constitui um sistema lingüístico compartilhado por todos os falantes da língua
de falantes do português brasileiro o futuro simples não ocorre na língua falada. em questão. A fala expressa as idiossincrasias particulares da língua utilizada por
Em seu lugar ocorre o futuro composto: “Eu vou buscar o livro am anhã”. Note, cada falante. O lingüista busca seu material para análise na fala. Coleta-se um corpus
contudo, que o futuro simples é utilizado na linguagem escrita e em algumas vari e busca-se definir e descrever um sistema lingüístico - ou seja, a língua - a partir da
antes do português brasileiro (e certam ente no português europeu). Faz-se, por análise das particularidades individuais e das semelhanças compartilhadas pelos
tanto, pertinente registrar a norm a que prescreve o uso do futuro simples. De indivíduos. Portanto, o sistema a ser definido e descrito pelo lingüista constitui a
posse desta inform ação falantes podem fazer uso apropriado do futuro simples se língua. A dicotomia entre língua-fala estabelece o objeto de estudo da lingüística: a
lhes for necessário. língua. Tal objeto é investigado a partir de material proveniente da fala.
Temos tam bém a gramática descritiva que tem por objetivo descrever as Chomsky (1965 e publicações subseqüentes) inova a ciência da linguagem por
observações lingüísticas atestadas entre os falantes de uma determ inada língua. associar o evento lingüístico à mente em termos psicológicos ao propor a Gramáti
Sem prescrever norm as ou definir padrões em termos de julgam ento de correto- ca Gerativa. A Gramática Gerativa - ou Gramática Transformacional - contribuiu
incorreto, busca-se docum entar uma língua tal com o ela se m anifesta no m om ento para a mudança de foco teórico e metodológico da lingüística do século XX. Perini
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(1976) discute a proposta inicial de Chomsky a partir de exemplos do português. A ângulos, fom ecendo-se assim diversas formas de interpretação. Geralmente a m a
proposta teórica gerativa assume que à lingüística interessa o estudo da competência. neira de observação assumida é decorrente dos pressupostos teóricos e metodológicos
A competência consiste do conhecimento subjacente e internalizado que o falante tem adotados na descrição. A descrição de qualquer fenômeno deve ser pautada em uma
de sua língua (semelhante a língua para Sausurre). O uso que o falante faz de sua teoria que regule os princípios de tal descrição. A explicação dos fenômenos obser
língua é denominado desempenho. O desempenho relaciona-se ao que Sausurre de vados e descritos se dá a partir da fundamentação teórica adotada. É essencial que
nominou fala. A grande diferença teórica entre língua-competência e fala-desempe- qualquer análise adote um modelo teórico e que tal proposta seja adotada integral
nho pauta-se no argumento de Chomsky de que o conhecimento linguístico do falante mente (embora com criticidade!). Teorias diferentes possuem premissas diferentes
(em termos de competência) transcende qualquer corpus. Os falantes têm um conhe e a combinação de teorias deve ser feita cuidadosamente. Sem o devido cuidado, a
cimento ilimitado de sua língua ao criarem e reconhecerem enunciados com pleta mescla de modelos teóricos pode incorrer na criação de uma teoria nova sem pres
mente novos e ao serem capazes de identificar erros de desempenho. A intuição do supostos teóricos e metodológicos que sejam coerentes. Ao analisar qualquer mate
falante nativo de um a língua é a referência para definir-se os parâmetros gramaticais rial, o cientista depara-se com fatos que porventura podem não ter sido considera
(em termos de estruturas aceitáveis naquela língua). A análise lingüística, segundo dos anteriormente e pode ter, então, que complem entar um modelo teórico. Contri
Chomsky, deve descrever as regras que governam a estrutura da competência. bui-se, assim, para com o progresso da ciência. Pode-se também sugerir que um
Chomsky argumenta que a lingüística pode contribuir para a compreensão da natu determinado aspecto de um modelo teórico deva ser alterado a partir de evidências
reza da organização da mente hum ana [(cf. por exemplo Chomsky (1986,1992)]. da análise. Teorias devem ser vistas como recursos a serem utilizados e alterados se
Um outro aspecto im portante da proposta teórica de Chom sky é a postulação for necessário.
de diferentes níveis da gram ática e a inter-relação entre eles. O esquem a abaixo Além de não haver língua m elhor ou pior, não há línguas prim itivas ou mais
expressa tal proposta. evoluídas. Toda língua perm ite a expressão de qualquer conceito. Caso seja ne
cessário incorpora-se vocabulário novo am pliando-se o léxico da língua em ques
Gramática tão. Isto faz parte do caráter evolutivo das línguas. Todas as línguas m udam con
/ I \
tinuam ente.
Fonologia Sintaxe Semântica Precisar exatam ente as fronteiras geográficas de um a determ inada língua
pode m uitas vezes scr difícil. Ao viajarmos de Portugal à Espanha passando pela
Os níveis básicos de representação assum idos são fonologia, sintaxe e se Galícia não perceberem os nenhum a mudança abrupta do ponto de vista linguístico.
mântica. A fonologia estabelece os princípios que regulam a estrutura sonora das Contudo, se sairmos de Portugal e viajarmos diretamente à Espanha identificare
línguas, caracterizando as seqüências de sons perm itidas e excluídas na língua em mos as características do português falado em Portugal como bastante distintas do
questão. A sintaxe analisa o m ecanism o subjacente à estrutura gramatical, defi es-panhol falado na Espanha. O mesmo fenômeno pode ser observado em regiões
nindo a organização dos constituintes internos das sentenças e estabelecendo a de fronteira do Brasil com outros países da América do Sul. O português e o espa
relação entre tais constituintes. A sem ântica estuda a relação entre conteúdo e nhol da fronteira tem várias características comuns. Portanto, definir uma língua ou
significado. Sugiro que o leitor escolha e consulte um livro de introdução à um dialeto transcende o caráter puramente lingüístico. Muitas vezes fatores políti
lingüística e faça o exercício abaixo. cos e sociais têm forte influência nas delimitações geográficas das línguas.
Línguas que se desenvolvem sem interferência formal externa são chamadas
línguas naturais. O português é um a língua natural por evoluir de acordo com
Exercício 3 parâm etros gerados pela própria língua a partir do uso feito pelos falantes. Há
3.1. Qual é o objeto de estudo da lingüística? J u s t if ique a sua resposta. tam bém línguas artificiais (tam bém cham adas línguas auxiliares). Uma língua
3.2. Explique os objetivos dos seguintes níveis da gramática: fonologia, sintaxe artificial é um a língua inventada com o propósito específico de com unicação ou
e Semantica. Indique um tópico abordado na análise do português para cada um para fins de linguagem com putacional. O esperanto é geralm ente a língua artifici
destes níveis. Dê exemplos. al mais difundida (criada em 1887 pelo polonês Ludwig Lazarus Zam enhof). O
léxico de tal língua foi construído com influência de línguas da Europa ocidental
e há influência de línguas eslavas na sintaxe e na ortografia.
A análise lingüística requer que se observe, descreva e, idealmente, explique O português é classificado com o pertencendo a fam ília de línguas rom ânicas
os fenômenos atestados. A observação de um fenômeno pode ser feita de vários do tronco indo-europeu. Estim a-se que há aproxim adam ente 160 milhões de fa-
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postas a vários exercícios da parte de Fonética podem diferir de um a pessoa para
outra. A segunda parte, intitulada Fonêm ica, apresenta os princípios teóricos e
lantes [(cf. Crystal (1995)]. O português é língua oficial e m ajoritária no Brasil,
em Portugal e nas ilhas atlânticas da M adeira, dos Açores e de São M iguel. A l m etodológicos da análise fonêmica. O leitor deve fazer os exercícios e postular
um sistem a fonêm ico para o português. Tal sistem a é idêntico para todos os falan
guns países da África, cuja colonização foi feita por Portugal, têm o português
tes do português (sendo correlato ao sistem a da língua proposto por Sausurre). As
como língua oficial em bora, em conjunto, as línguas nativas sejam majoritárias.
particularidades da fala de cada indivíduo são expressas na análise de cada idioleto.
Dentre estes destacam os Angola, M oçam bique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São
Finalmente, a terceira parte que é intitulada M odelos Fonológicos, apresenta um a
Tomé e Príncipe. Na Ásia o português é falado em Macau, Damão, Diu Goa e na
visão da trajetória pós-estruturalista da análise do com ponente sonoro: a fonologia.
Oceânia o português é falado em Tim or Leste.
Há ainda as chamadas línguas crioulas que são derivadas do português. Tais Apontam os os princípios gerais de cada modelo e indicam os referências biblio
gráficas primárias. Quando possível fornecem os bibliografia em português e refe
línguas surgiram como línguas francas com o propósito de perm itir o comércio
rências de análises que dem onstrem a aplicabilidade de um determ inado modelo a
entre falantes do português e de outras línguas. Criou-se então um a língua distinta
baseada no português e na(s) língua(s) nativa(s). Em seu estágio inicial tal língua é dados da língua portuguesa. Sugerim os ainda uma série de tópicos teóricos e apli
denom inada pidgin. Ao ter falantes nativos e adquirir um status dinâm ico de lín cados que podem potencialm ente gerar trabalhos de m onografia, dissertações de
gua natural, tal língua passa a ser denom inada crioulo [cf. Holm (1988) e Couto m estrado ou teses de doutorado.
(1995)]. Há crioulos baseados em outras línguas além do português (como, por Pretendem os, portanto, introduzir o leitor ao estudo do com ponente sonoro
exemplo, francês, inglês, etc). Dentre os crioulos derivados do português que se da linguagem com ênfase no português brasileiro. Não se espera qualquer conhe
encontram na África temos o da ilha de Cabo Verde, os das ilhas do golfo da Guiné cim ento prévio e assum e-se que ao concluir a leitura e exercícios propostos o
(São Tomé, Príncipe e Ano Bom), o da Guiné-Bissau e o de Casamance (no Senegal). leitor deve ser capaz de avaliar as características de sua fala e de outros falantes.
Espera-se tam bém que o leitor possa discutir os pressupostos teóricos da análise
Na Ásia temos os crioulos de M alaca (na Malásia), de Macau (em Hong Kong), do
Srilanca (em Vaipim e Baticaloa) e na índia temos crioulos em Chaul, Korlai, fonêm ica e avaliar criticam ente aspectos controvertidos do sistem a sonoro do
português. Com a discussão apresentada na parte final deste livro espera-se con
Tellicherry, Cananor e Cochim. Na Oceânia há o crioulo de Tugu (perto de Jacarta).
tribuir para que o leitor amplie seus conhecim entos teóricos dos vários m odelos
fonológicos.
Exercício 4 Para finalizar, apontam os áreas de trabalho que requerem profissionais com
form ação em lingüística e mais especificam ente nas áreas de fonética e fonologia.
Consulte um atlas e identifique as áreas em que se falam o português e os criou
los baseados na língua portuguesa.
Neste livro tratam os da organização do sistem a sonoro com ênfase na descri 2. Areas de trabalho
ção do português brasileiro. R eferência a outras variedades do português e a ou
Lingüística: O teórico da linguagem busca explicar os mecanismos subjacentes aos
tras línguas se dá quando não podem os exem plificar um determ inado fenômeno
sistemas lingüísticos. A compreensão dos sistemas sonoros das línguas, bem como a
ou um certo aspecto teórico com exem plos do português brasileiro.
relação destes sistemas com os demais componentes da gramática (como morfologia,
Tratam os do sistem a sonoro do português do ponto de vista prático e teórico.
sintaxe, semântica) consistem no trabalho do pesquisador. Teóricos da linguagem
O objetivo básico deste livro é fornecer ao leitor o instrum ental necessário para a podem investigar um determinado aspecto da linguagem do ponto de vista sincrônico
caracterização de sua fala. Pretende-se tam bém fom entar o interesse pelos estu ou podem empreender uma pesquisa de um aspecto diacrônico da língua escolhida.
dos fonológicos. Este livro se divide em três partes: Fonética, Fonêm ica e M ode Formação: Graduação em Letras e Lingüística e pós-graduação em áreas afins.
los Fonológicos. A prim eira parte, intitulada Fonética, é dedicada ao estudo da
fonética articulatória aplicada ao português. Tratam os dos parâm etros envolvidos Ensino de língua materna: Ao conhecer em detalhes a estrutura sonora da língua
na articulação dos segm entos vocálicos e consonantais e da organização de tais portuguesa, o profissional pode avaliar problemas enfrentados por estudantes e for
segm entos na estrutura silábica. Espera-se que ao fazer os exercícios que acom pa mular propostas para solucioná-los. Tal conhecimento é sobretudo valioso aos
nham o texto o leitor identifique as características articulatórias específicas dos alfabetizadores e professores de português. Formação: Curso Normal (segundo grau)
segm entos consonantais e vocálicos que ocorrem em seu idioleto, descrevendo e Graduação em Letras - português.
assim, a sua variedade lingüística individual. Com o conclusão temos que as res-
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Ensino de língua estrangeira: O professor de língua estrangeira deve conhecer bem a linguagem oral se adequadamente orientados por profissionais. Formação: Gra
a língua que ensina e ser capaz de compará-la ao português. A comparação permite duação em Letras e áreas afins. Também o desenvolvimento de pesquisas em cursos
avaliar problemas de interferência lingüística de uma língua na outra e formular pro de pós-graduação em áreas afins (como a Lingüística, por exemplo).
postas para bloquear tal interferência. Formação: Graduação em Letras - português
e outra língua. Lingüística computacional: Um dos grandes desafios da ciência computacional é
encontrar correlatos acústicos da fala que sejam conversíveis em sinais digitais. Muito
Planejamento lingüístico-social: A variedade lingüística em um país com a dimen tem sido desenvolvido nesta área nos últimos anos. Um exemplo da relação lingüística-
são territorial do Brasil impõe desafios. Em áreas com grande migração nacional computação é a possibilidade de se obter e passar informações por telefone entre um
depara-se com as diferenças lingüísticas entre o educador e os educandos. Muitas ser humano e um computador (via telefonia, por exemplo). Ao definir-se os aspectos
vezes alunos com excelente potencial são excluídos do sistema educacional devido acústicos e articulatórios da língua e seu sistema fonológico, pode-se aperfeiçoar
ao fato de sua fala desviar da norma prescrita. A exclusão ocorre às vezes na mesma mecanismos já existentes. Desafios são impostos sobretudo na área da sintaxe e se
região geográfica sendo que educador e educando compartilham de variedades mântica. Formação: Graduação em Computação, Física e Lingüística e pós-gradua
lingüísticas diferentes e problemas até mesmo de inteligibilidade podem surgir. Cabe ção em áreas afins.
ao planejador educacional avaliar situações de conflito e propor alternativas para os
problemas existentes. Formação: Graduação em Letras, Pedagogia, Sociologia e Ciência da telecomunicação: A transmissão da fala em termos físicos impõe desa
Assistência Social. Pós-graduação em áreas afins com pesquisa específica em fios para a ciência. O som deve ser transmitido nitidamente para que não se perca
planejamento. conteúdo de informação. A transmissão dos meios de comunicação - como rádio e
televisão - depende de pesquisa nesta área. Obter-se um meio eficaz, rápido e
Tradução e interpretação: A tradução e interpretação tornam-se áreas de trabalho econômico de transmitir a fala são ambições desta área de pesquisa. Formação:
muito relevantes no mundo globalizante em que vivemos. Tradutores necessitam Graduação em Computação, Física e Lingüística e pós-graduação em áreas afins.
conhecer os sistemas sonoros das línguas com que trabalham para explicar aspectos
que muitas vezes são opacos em textos escritos (a tradução de poesias e canções é Zoo-Biologia: Definir os parâmetros envolvidos na comunicação animal e caracteri
um caso explícito). Para o intérprete, o conhecimento dos sistemas sonoros das lín zar a organização dos sistemas lingüísticos animais são tópicos de pesquisa na área
guas com que trabalha é fundamental para que o mínimo de incompreensão incorra de zoo-biologia. Linguagens de chimpanzés, golfinhos, baleias e abelhas são relativa
durante uma sessão de trabalho. Formação: Graduação em Letras, Tradução e pós- mente bem estudadas. Faz-se relevante caracterizar as relações de comunicação en
graduação em áreas afins. tre diversos membros de uma mesma espécie em diferentes regiões do planeta. For
mação: Graduação em Lingüística, Biologia, Zootecnia e pós-graduação em áreas
Dramaturgia: A expressão oral tem um papel fundamental na dramaturgia. Pense afins.
por exemplo que um ator/atriz às vezes desempenha um papel cujo personagem tem
um sotaque diferente do seu. Colaboração profissional entre atoreí e profissionais Lingüística forense: A fala de um indivíduo apresenta características específicas e
que trabalham com a linguagem se faz necessária. O lingüista pode também ensinar únicas. Estudos têm sido realizados para caracterizar as particularidades da fala indi
aos atores o melhor meio de utilizar os mecanismos que permitam o uso pleno das vidual e definir os parâmetros do que corresponde à “impressão digital” da fala.
partes do corpo envolvidas na linguagem. Formação: Graduação em Letras, Teatro Espera-se que o progresso nesta área de pesquisa permita a utilização de evidências
e Escolas de Dramaturgia. da fala em tribunais. Formação: Graduação em Lingüística com complementação
das áreas de Física e Direito. Pós-graduação em áreas afins.
Fonoaudiologia: O profissional que trabalha com aspectos relacionados à patologia
da fala é o fonoaudiólogo. Este profissional deve conhecer bem os aspectos Lingüística indígena: Temos hoje aproximadamente 120 línguas indígenas faladas
articulatórios e acústicos envolvidos na produção da fala e também ser capaz de em todo o território brasileiro. Destas, apenas umas poucas foram amplamcnte estu
avaliar a organização fonológica do sistema da língua em questão. Aspectos como a dadas. Do ponto de vista teórico o estudo destas línguas permite a ampliação do
gagueira ou a “troca de sons” na fala são tratados por fonoaudiólogos ou terapeutas conhecimento dos mecanismos que regulam as línguas naturais. Do ponto de vista
da fala. Formação: Graduação em Fonoaudiologia e pós-graduação em áreas afins prático registra-se tecnicamente a língua nativa que pode ser eventualmente utilizada
(como Lingüística, por exemplo). em projetos educacionais se for dc interesse da comunidade. Formação: Graduação
em Lingüística, Letras, Antropologia e pós-graduação em áreas afins.
Linguagem de surdo-mudo: Os sistemas de comunicação de pessoas que não escu
tam ou que não falam têm uma complexidade gramatical específica e em princípio
estão sujeitos a mudanças lingüísticas semelhantes às que ocorrem nas línguas natu
rais. Há vários sistemas de sinais utilizados por mudos. Alguns surdos podem utilizar
F o n é tica 24 F o n é tic a - O a p a r e lh o f o n a d o r
2. O aparelho fonador
Os órgãos que utilizamos na produção da fala não têm como função primária a
articulação de sons. Na verdade, não existe nenhuma parte do corpo humano cuja única
função esteja apenas relacionada com a fala. As partes do corpo humano que utilizamos
1. Introdução
na produção da fala têm como função primária outras atividades diferentes como, por
exemplo, mastigar, engolir, respirar ou cheirar. Entretanto, para produzirmos qualquer
Esta parte é dedicada ao estudo da produção da fala do ponto de vista fisiológico
som de qualquer língua fazemos uso de uma parte específica do corpo humano que
e articulatório. Inicialmente, descrevemos o aparelho fonador e discutimos o mecanis
denominaremos de aparelho fonador.
mo fisiológico envolvido na produção da fala. Em seguida, consideramos as proprieda
Com o objetivo de compreendermos o mecanismo de produção da fala e da arti
des articulatórias envolvidas na produção dos segmentos consonantais e vocálicos. De
culação dos sons é que passamos, então, à descrição do aparelho fonador. Podemos
posse deste instrumental podemos descrever, classificar e transcrever os sons da nossa
dividir em três grupos os órgãos do corpo humano que desempenham um papel na
fala. O instrumental a ser apresentado nas próximas páginas permite-nos descrever
produção da fala: o sistema respiratório, o sistema fonatório e o sistema articulatório.
qualquer som de qualquer língua natural. Neste livro enfatizamos a descrição dos sons
do português brasileiro.
A fonética é a ciência que apresenta os métodos para a descrição, classificação e
transcrição dos sons da fala, principalmente aqueles sons utilizados na linguagem hu Sistema articulatório
mana. As principais áreas de interesse da fonética são: (faringe língua, nariz, palato,
dentes, lábios)
Fonética articulatória - Compreende o estudo da produção da fala do ponto de
vista fisiológico e articulatório.
Sistema fonatório
Fonética auditiva - Compreende o estudo da percepção da fala. (laringe onde está a glote)
a entrada de comida nos pulmões por meio do abaixamento da epiglote. A epiglote é a 3. A descrição dos segmentos consonantais
parte com mobilidade que se localiza entre a parte final da língua (ao fundo da gargan
ta) e acima da laringe (cf. figura 1). O ato de engasgar envolve o fato de que a epliglote Todas as línguas naturais possuem consoantes e vogais. Entenderemos por seg
não obstruiu a entrada de alimento no sistema respiratório. O ar dos pulmões sai então mento consonantal um som que seja produzido com algum tipo de obstrução nas
visando a impedir a entrada do corpo estranho (o alimento) no sistema respiratório. cavidades supraglotais de maneira que haja obstrução total ou parcial da passagem da
O sistema articulatório consiste da faringe, da língua, do nariz, dos dentes e dos corrente de ar podendo ou não haver fricção. Por outro lado, na produção de um seg
lábios. Ou seja, das estruturas que se encontram na parte superior à glote (cf. figura 1). mento vocálico a passagem da corrente de ar não é interrompida na linha central e
São várias as funções primárias desempenhadas pelos órgãos do sistema articulatório. portanto não há obstrução ou fricção. Certos segmentos têm características fonéticas
Estas funções relacionam-se principalmente com o ato de comer e podemos salientar: não tão precisas, seja de consoante ou de vogal. Estes segmentos são denominados na
morder, mastigar, sentir o paladar, cheirar, sugar, engolir. literatura de semivogais, semicontóides ou glides. Adotamos o termo glide (pronuncia-
Os três sistemas descritos acima caracterizam o aparelho fonador e são fisiolo- se “gl[ai]de”) para referir a tais segmentos. Segmentos vocálicos e glides são tratados
gicamente responsáveis pela produção dos sons da fala. Levando-se em consideração após a descrição dos segmentos consonantais.
as características fisiológicas do aparelho fonador, podemos afirmar que há um número A descrição apresentada abaixo segue parâmetros articulatórios. Há ainda a pos
limitado de sons possíveis de ocorrer nas línguas naturais. Isto deve-se ao fato de ser sibilidade de caracterizar segmentos adotando-se parâmetros acústicos. Tais parâmetros
fisiologicamente impossível articular um som em que a língua toca a ponta do nariz. descrevem as propriedades físicas dos sons da fala. Recomendamos a leitura de Fry
Por outro lado, sons cuja articulação envolve a língua tocar os dentes incisivos supe (1979) aos interessados em investigar aspectos teóricos da descrição acústica. Um texto
riores são atestados em inúmeras línguas. Em outras palavras, enquanto certas articula em português que aborda aspectos acústicos da fala é Motta Maia (1985).
ções são fisiologicamente impossíveis, outras são recorrentes. C lassificam os as consoantes de acordo com a proposta apresentada em
Considerando-se, portanto, as limitações fisiológicas impostas ao aparelho fonador, Abercrom bie (1967). Em bora tenha sido publicado há tres décadas o texto de
podemos dizer que o conjunto de sons possíveis de ocorrer nas línguas naturais é limi Abercrombie oferece recursos teóricos ainda atuais, sendo a obra mais adequada para a
tado. Na verdade, um conjunto de aproximadamente 120 símbolos é suficiente para caracterização dos parâmetros articulatórios dos sons da fala. Na produção de segmen
categorizar as consoantes e vogais que ocorrem nas línguas naturais. tos consonantais os seguintes parâmetros são relevantes: o mecanismo e direção da
Considerando que seres humanos sem patologia apresentam um aparelho fonador corrente de ar; se há ou não vibração das cordas vocais; se o som é nasal ou oral; quais
semelhante (variando quanto às dimensões dos órgãos), podemos deduzir que toda e são os articuladores envolvidos na produção dos sons e qual é a maneira utilizada na
qualquer pessoa sem deficiências fisiológicas seja capaz de pronunciar todo e qual obstrução da corrente de ar. A descrição articulatória de qualquer segmento consonantal
quer som em qualquer língua. Tal afirmação é verdadeira. Porém, parece que na ado é possível a partir das respostas a estes parâmetros. Faremos uso das questões abaixo
lescência a capacidade das pessoas de articularem sons novos (de líftguas estrangei para a melhor compreensão desta descrição.
ras) passa a ser reduzida. Precisar exatamente esta idade e as razões que levam a essa
perda da capacidade de produção de sons novos, certamente nos levaria muito além Q l. Qual o mecanismo da corrente de ar?
do objetivo deste livro. O que podemos explicar aqui é o fato de que a maioria das
crianças que venham a estar expostas a uma segunda língua falarão esta língua sem Q 2 .A corrente de ar é ingressiva ou egressiva?
qualquer sotaque. Adultos que sejam expostos a uma segunda língua, quase que em
Q3. Qual o estado da glote?
sua totalidade apresentam sotaque com características de sua língua materna.
Descrevemos acima o aparelho fonador. Nas próximas páginas discutimos a pro Q4. Qual a posição do véu palatino?
dução de segmentos consonantais e vocálicos que são possíveis de ser articulados pelo
aparelho fonador. Nosso objetivo é fornecer um instrumental que permita a descrição e Q5. Qual o articulador ativo?
classificação dos sons do português brasileiro. Portanto, damos ênfase à caracterização
dos segmentos consonantais e vocálicos que ocorrem nesta língua. Outras línguas po Q6. Qual o articulador passivo?
dem ser utilizadas para ilustrar aspectos que não ocorrem no português. Descrevemos
Q7. Qual o grau e natureza da estritura?
inicialmente os segmentos consonantais e, posteriormente, consideramos a descrição
dos segmentos vocálicos.
Passemos então a consideração de cada uma destas perguntas em detalhes.
F o n é tic a — A d e s c riç ã o d o s s e g m e n to s c o n s o n a n ta is 27 28 F o n é tic a — A d e s c riç ã o d o s s e g m e n to s c o n s o n a n ta is
nismo de corrente de ar em sua produção o mais conhecido é o ranger dos dentes. A homens temos o “Pomo de Adão"). Pronuncie então o som inicial da palavra “vá" de
maneira contínua (verifique que apenas a consoante esteja sendo pronunciada).
corrente de ar pode ser pulmonar, glotálica ou velar. Os segmentos consonantais do
Agora pronuncie da mesma maneira continuada o som inicial da palavra “fé". Faça a
português são produzidos com o mecanismo de corrente de ar pulmonar. Este é o meca
alternância entre v e f algumas vezes (Pronuncie apenas a consoante!). Você deve
nismo utilizado normalmente no ato de respirar. O mecanismo de corrente de ar glotálico
observar que durante a produção de v haverá vibração transferida para a sua mão
não ocorre em português e o mecanismo de corrente de ar velárico ocorre em algumas e que durante a produção de f a vibração não ocorre. O som v é vozeado e o som f
exclamações de deboche e negação. é desvozeado.
possível (somente as vogais devem ser pronunciadas!). O que você deverá observar é são: o lábio inferior (que modifica a cavidade oral), a língua (que modifica a cavidade
que durante a produção da vogal a a úvula deverá estar levantada portanto o ar não terá oral), o véu palatino (que modifica a cavidade nasal) e as cordas vocais (que modifi
acesso à cavidade nasal e não haverá ressonância nesta cavidade. Temos então um som cam a cavidade faringal). Eles são denominados articuladores ativos devido ao seu
oral. Na produção da vogal ã a úvula deverá estar abaixada e o ar deve então penetrar na papel ativo (no sentido de movimento) na articulação consonantal (em oposição aos
cavidade nasal havendo ali ressonância. Temos então um som nasal. Concentre-se agora articuladores passivos que são discutidos abaixo). Identifique cada um dos articuladores
na posição assumida por sua própria úvula na produção de um segmento oral e nasal. na figura abaixo.
Tarefa
Alterne a pronúncia de a e 2 sentindo a mudança de posição da úvula.
a dois sons diferentes - como por exemplo c em “cá” e em “cela”. Temos também
casos em que o mesmo som é representado por duas letras diferentes - como por exem
plo c em “cela” e s em “sela”. O leitor deve estar atento para o fato de que nos exem
plos apresentados aqui estamos interessados nos sons produzidos e não nas letras cor
respondentes a estes sons. Para uma discussão detalhada da relação letra/som veja Lemle
(1987), Cagliari (1989) e Faraco (1994). Listamos a seguir as categorias de lugar de
articulação que são relevantes para a descrição do português.
Lugar de articulação
Bilabial: O articulador ativo é o lábio inferior (11) e como articulador passivo temos o
lábio superior (5). Exemplos: pá, boa, má.
Labiodental: O articulador ativo é o lábio inferior (11) e como articulador passivo te
mos os dentes incisivos superiores (6). Exemplos: faca, vá.
Dental: O articulador ativo é ou o ápice ou a lâmina da língua (13 ou 14) e como
articulador passivo temos os dentes incisivos superiores (6). Exemplos: data, sapa, Zapata,
nada, lata.
Alveolar: O articulador ativo é o ápice ou a lâmina da língua (13 ou 14) e como articulador
passivo temos os alvéolos (7). Consoantes alveolares diferem de consoantes dentais
Figura 5: Esquema ressaltando os alvéolos, o ápice e lâmina da língua e a úvula
apenas quanto ao articulador passivo. Em consoantes dentais temos como articulador
passivo os dentes superiores. Já nas consoantes alveolares temos os alvéolos como
Note que tanto o ápice quanto a lâmina da língua localizam-se na parte mais
articulador passivo. Exemplos: data, sapa, Zapata, nada, lata.
frontal da língua. Enquanto o ápice localiza-se na borda lateral frontal da língua, a
lâmina localiza-se na borda superior frontal da língua. Nos segmentos consonantais do Alveopalatal (ou pós-alveolares): O articulador ativo é a parte anterior da língua (15) e
o articulador passivo é a parte mediai do palato duro (8). Exemplos: tia, dia (no dialeto
português não é relevante se o articulador ativo é o ápice ou a lâmina da língua. Contu
carioca), chá, já.
do, tal parâmetro articulatório é relevante em outras línguas.
Palatal: O articulador ativo é a parte média da língua (16) e o articulador passivo é a
Q6. Qual o articulador passivo? parte final do palato duro (8). Exemplos: banha, palha.
Os articuladores passivos localizam-se na mandíbula superior, exceto o véu palatino Velar: O articulador ativo é a parte posterior da língua (17) e o articulador passivo é o
que está localizado na parte posterior do palato. Os articuladores passivos são o lábio véu palatino ou palato mole (9). Exemplos: casa, gata, rata (o som r de “rata” varia
superior, os dentes superiores e o céu da boca que divide-se em: alvéolos, palato duro, consideravelmente dependendo do dialeto em questão. Indicamos aqui a pronúncia ve
véu palatino (ou palato mole) e úvula conforme ilustrado na figura 4. Note que o véu lar que ocorre tipicamente no dialeto carioca. Uma discussão detalhada dos sons de r em
palatino pode atuar como articulador ativo (na produção de segmentos nasais) ou como português será apresentada posteriormente).
articulador passivo (na articulação de segmentos velares). Glotal: Os músculos ligamentais da glote (21) comportam-se como articuladores. Exem
plo: rata (na pronúncia típica do dialeto de Belo Horizonte).
Vejamos a relação entre articuladores ativos e passivos. A partir da posição do
articulador ativo em relação ao articulador passivo (podendo ou não haver o contato As categorias listadas acima caracterizam os lugares de articulação dos segmen
entre eles) podemos definir o lugar de articulação dos segmentos consonantais de tos consonantais relevantes para a descrição do português. Uma vez definido o lugar
acordo com as categorias listadas abaixo. Os números que se encontram entre parênte de articulação de um segmento sabemos qual é o articulador passivo e qual é o
ses indicam o número correspondente ao articulador - ativo ou passivo - na figura 4. articulador ativo envolvido na articulação. Além de identificarmos o lugar de articula
Observe que as letras em negrito referem-se a pronúncia associada a tal letra. A relação ção de um segmento, devemos caracterizar a sua maneira ou modo de articulação.
letra/som não é uma relação direta um-a-um. Temos casos em que uma letra corresponde A maneira ou modo de articulação de um segmento está relacionada ao tipo de obstru
F o n é tic a — A d e s c riç ã o d o s s e g m e n to s c o n s o n a n ta is 33 34 F o n é tic a - A r tic u la ç õ e s s e c u n d á ria s
ção da corrente de ar causada pelos articuladores durante a produção de um segmento. Para alguns falantes de Cuiabá, consoantes africadas ocorrem em palavras como “chá”
Identificando o “grau e natureza*da estritura” (ou seja, a maneira como se dá a obstru e “já” (que são pronunciadas como “tchá” e “djá” respectivamente). Na maioria dos
ção da corrente de ar) estamos caracterizando a sua maneira ou modo de articulação. dialetos do português brasileiro temos uma consoante fricativa nas palavras “chá” e “já”.
As categorias referentes ao grau e a natureza da estritura são listadas abaixo responden Tepe (ou vibrante simples): O articulador ativo toca rapidamente o articulador passivo
do a sétima e última pergunta proposta por Abercrombie (1967). ocorrendo uma rápida obstrução da passagem da corrente de ar através da boca. O tepe
ocorre em português nos seguintes exemplos: cara. brava.
Q7. Qual o grau e natureza da estritura? Vibrante (múltipla): O articulador ativo toca algumas vezes o articulador passivo cau
Estritura é o termo técnico para a posição assumida pelo articulador ativo em sando vibração. Em alguns dialetos do português ocorre esta variante em expressões
relação ao articulador passivo, indicando como e em qual grau a passagem da corrente como “orra meu!” ou em palavras como “marra”. Certas variantes do estado de São
de ar através do aparelho fonador (ou trato vocal) é limitada neste ponto [Abercrombie Paulo e do português europeu apresentam uma consoante vibrante nestes exemplos.
(1967:44)]. A partir da natureza da estritura classificamos os segmentos consonantais Retroflexa: O palato duro é o articulador passivo e a ponta da língua é o articulador
quanto à maneira ou modo de articulação. Definimos abaixo as categorias de estritura ativo. A produção de uma retroflexa geralmente se dá com o levantamento e encurvamento
relevantes para a descrição do português. da ponta da língua em direção do palato duro. Ocorrem no dialeto “caipira” e no sotaque
de norte-americanos falando português como nas palavras: mar, carta.
Modo ou maneira de articulação Laterais: O articulador ativo toca o articulador passivo e a corrente de ar é obstruída na
linha central do trato vocal. O ar será então expelido por ambos os lados desta obstrução
Oclusiva: Os articuladores produzem uma obstrução completa da passagem da corrente tendo portanto saída lateral. Laterais ocorrem em português nos seguintes exemplos: lá,
de ar através da boca. O véu palatino está levantado e o ar que vem dos pulmões encami palha, sal (da maneira que “sal” é pronunciada no sul do Brasil ou em Portugal).
nha-se para a cavidade oral. Oclusivas são portanto consoantes orais. As consoantes
oclusivas que ocorrem em português são (brevemente identificaremos os símbolos fonéti Classificamos os segmentos consonantais quanto ao mecanismo da corrente de ar
cos que serão utilizados em transcrições): pá, tá, cá, bar, dá, gol. (egressiva); ao vozeamento ou desvozeamento; a oralidade/nasalidade; ao lugar e modo
de articulação. A notação dos segmentos consonantais segue a seguinte ordem:
Nasal: Os articuladores produzem uma obstrução completa da passagem da corrente de
ar através da boca. O véu palatino encontra-se abaixado e o ar que vem dos pulmões
dirige-se às cavidades nasal e oral. Nasais são consoantes idênticas às oclusivas diferen- Notação dos segmentos consonantais
ciando-se apenas quanto ao abaixamento do véu palatino para as nasais. As consoantes
nasais que ocorrem em português são: má, nua, banho. (Modo de articulação + Lugar de articulação + Grau de Vozeamento)
Exemplos:
Fricativa: Os articuladores se aproximam produzindo fricção quando ocorre a passa
[pl Oclusiva bilabial desvozeada
gem central da corrente de ar. A aproximação dos articuladores entretanto não chega a
[b] Oclusiva bilabial vozeada
causar obstrução completa e sim parcial que causa a fricção. As consoantes fricativas
que ocorrem em português são: fé, vá, sapa, Zapata, chá, já, rata (em alguns dialetos o
som r de “rata” pode ocorrer como uma consoante vibrante, descrita a seguir, e não A seguir tratamos de aspectos de articulações secundárias que podem ser produzi
como uma consoante fricativa indicada aqui. O r fricativo ocorre tipicamente no portu dos concomitantemente com uma determinada articulação consonantal.
guês do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo).
Africada: Na fase inicial da produção de uma africada os articuladores produzem uma
obstrução completa na passagem da corrente de ar através da boca e o véu palatino
encontra-se levantado (como nas oclusivas). Na fase final dessa obstrução (quando se
4. Articulações secundárias
dá a soltura da oclusão) ocorre então uma fricção decorrente da passagem central da
corrente de ar (como nas fricativas). A Oclusiva e a fricativa que formam a consoante Segmentos consonantais podem ser produzidos com uma propriedade ar-
africada devem ter o mesmo lugar de articulação, ou seja, são homorgânicas. O véu ticulatória secundária em relação às propriedades articulatórias fundamentais deste
palatino continua levantado durante a produção de uma africada. Africadas são portanto segmento. Por exemplo, quando pronunciamos uma seqüência como su certamente
consoantes orais. As consoantes africadas que ocorrem em algumas variedades do portu arredondamos os lábios durante a articulação da consoante s. Uma vez que a articula
guês brasileiro são tia, dia. Imagine as pronúncias “tchia” e “djia” para estes exemplos. ção de segmentos consonantais normalmente não envolve o arredondamento dos lábios
'BIBLIOTECA REGIONAL f t & l s e c u n d á r ia s 35
36 F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l
dizemos que a labialização é uma propriedade articulatória secundária da consoante em Você deve avaliar o comportamento de sua fala em relação as articulações secun
questão. Propriedades articulatórias secundárias geralmente ocorrem de acordo com o dárias discutidas acima. Ao fazer o registro fonético de palavras do português omitiremos
contexto ou ambiente, ou seja, a partir de efeitos de segmentos adjacentes. Para marcar as propriedades articulatórias secundárias (exceto a velarização da lateral [i]). Nossa
mos uma propriedade articulatória secundária utilizamos um diacrítico ou símbolo adi escolha pauta-se em dois tipos básicos de transcrições que podem ser assumidas. Podemos
cional junto à consoante em questão. A propriedade adicional de labialização descrita ter uma transcrição fonética ampla ou uma transcrição fonética restrita [(cf.
acima é condicionada ao fato de uma consoante ser seguida de uma vogal produzida Ladefoged (1982)]. Ao transcrevermos foneticamente uma palavra como “quilo” pode
com arredondamento dos lábios. Abaixo listamos as articulações secundárias dos seg mos por exemplo registrá-la como ['kjilwu] ou como ['kilu]. A transcrição ['kjilwu]
mentos consonantais relevantes para o português. explicita todos os detalhes observados articulatoriamente. Este tipo de transcrição é
denom inado transcrição fonética restrita. Note que na transcrição ['kjilwu]
Labialização: Consiste no arredondameto dos lábios durante a produção de um seg
explicitamos a palatalização de [k] seguido de [i] e também a labialização de [1] segui
mento consonantal. A consoante que apresenta a propriedade secundária de labialização
do de [ü]. Tanto a palatalização quanto a labialização são previsíveis pela ocorrência
é seguida de uma vogal que é produzida com o arredondamento dos lábios. A labialização
geralmente ocorre quando a consoante é seguida de vogais arredondadas (orais ou na do segmento seguinte: consoantes tendem a ser palatalizadas quando seguidas de [i] e
sais) como em “tutu, só, bolo, rum, som”. Utilizamos o símbolo w colocado acima à consoantes tendem a ser labializadas quando seguidas de [u].
direita do segmento para marcar a labialização: p", b", tw, d", k", g", f v, v", sw, zw, J", 3 ", Consideremos agora uma transcrição como ['kilu]. Este tipo de transcrição explicita
X". h \ m \ n \ l \ r '\ f " ; j \ apenas as propriedades segmentais e omite os aspectos condicionados por contexto ou
Palatalização: Consiste no levantamento da língua em direção a parte posterior do pa características específicas da língua ou dialeto. Queremos dizer com isto que a
lato duro. ou seja, a língua direciona-se para uma posição anterior (mais para a frente da palatalização e labialização não foram registradas em ['kilu] (pois tanto a palatalização
cavidade bucal) do que normalmente ocorre quando se articula um determinado seg quanto a labialização são previsíveis pela vogal seguinte). No registro do [1] pode-se
mento consonantal. A consoante que apresenta a propriedade secundária de palatalização interpretá-lo como um segmento alveolar ou dental sem haver a necessidade de utili
apresenta um efeito auditivo de sequência de consoante seguida da vogal i. A palatalização zar-se o símbolo [ 1 ]. Isto porque a generalização quanto aos segmentos serem
geralmente ocorre quando uma consoante é seguida de vogais anteriores i, e, é (orais ou dentalizados deve ser expressa para a língua como um todo. No caso da língua fazer
nasais). Ocorre mais freqüentemente com consoantes seguidas da vogal i como em “aliado, distinção entre segmentos alveolares e dentais faz-se então relevante acrescentar o
kilo, guia”. Pode ocorrer também em consoantes seguidas da vogal e como em “letra,
diacrítico [ J à transcrição fonética. Denomina-se transcrição fonética ampla aque
leva, tento”. Utilizamos 0 símbolo j colocado acima à direita do segmento para marcar
a palatalização: k1, gj, tJ. dj, 1'. la transcrição que explicita apenas os aspectos que não sejam condicionados por con
texto ou características específicas da língua ou dialeto: como ['kilu] (em oposição a
Velarização: Consiste no levantamento da parte posterior da língua em direção ao véu
['kjiPvu] que é uma transcrição fonética restrita).
palatino concomitantemente com a articulação de um determinado segmento consonantal.
A consoante lateral 1apresenta a propriedade articulatória secundária de velarização em Neste trabalho adotamos a transcrição fonética ampla. Ao registrar os segmentos
certos dialetos do sul do Brasil e do português europeu. O contexto em que a velarização consonantais omitimos o registro das propriedades articulatórias secundárias previstas por
ocorre é quando a lateral encontra-se em final de sílaba: sal, salta. Utilizamos 0 símbolo contexto da vogal seguinte (palatalização, labialização) ou a dentalização (que pode ser
[\] para transcrever a lateral velarizada que acabamos de descrever. interpretada como uma característica dialetal). Marcamos, contudo, a velarização da late
Dentalização: Algumas consoantes em português podem ser articuladas como dentais ral [i] cujo contexto de ocorrência depende da estrutura silábica: posição final de sílaba.
ou alveolares. Por exemplo a pronúncia de t em “tapa” pode se dar com a ponta da
língua tocando os dentes (sendo portanto uma consoante dental) ou pode se dar com a
ponta da língua tocando os alvéolos (sendo portanto uma consoante alveolar). Consoantes
dentais têm como articulador passivo os dentes incisivos superiores e consoantes alveo 5. Tabela fonética consonantal
lares tem como articulador passivo os alvéolos. Pode-se articular um segmento dental ou
alveolar com 0 ápice ou com a lâmina da língua como articulador ativo. Note que 0 fato Apresentamos abaixo uma tabela consonantal que lista os segmentos consonantais
da consoante ser dental ou alveolar expressa uma variação linguística dialetal (ou de
que ocorrem no português brasileiro. A coluna da esquerda lista o modo ou maneira de
idioleto) c não uma variação que seja condicionada pelo contexto (como é 0 caso de
articulações secundárias apresentadas acima). Geralmente as consoantes listadas abaixo articulação a partir da natureza da estritura conforme definido anteriormente. Quando
apresentam a propriedade de dentalização no dialeto paulista enquanto no dialeto mi relevante, foi indicado o estado da glote separando, portanto, segmentos vozeados e
neiro ocorre uma articulação alveolar para as mesmas consoantes. Marcamos a dentalização desvozeados. Na parte superior indicamos o lugar de articulação definido conforme a
com 0 símbolo [ n ] colocado abaixo da consoante em questão: t, d, s, z, n, r, 1. relação entre o articulador ativo e o articulador passivo.
F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l 37 38 F o n é tic a — T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l
D en tai C la s s if ic a ç ã o d o E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
A r tic u la ç ã o
B ila b ia l L a b io d e n ta l ou A lv e o p a la ta l P a la ta l V e la r G lo ta l S ím b o lo O b se rvação
s e g m e n to c o n s o n a n t a l o r to g rá fic o fo n é tic a
M a n e ira Lugar
A lv e o la r
* Aluno: Faça suas transcrições uniformizando o tamanho dc todos os símbolos. Todos os símbolos devem scr registrados na mesma dimensão.
. Oclusiva P
desvozeada ponde ao primeiro som da palavra “tcheco-cslo-
voz b d g váquia” em todos os dialetos. Ocorre também
Africada desv
em outras regiões menos delimitadas (como
tf Norte c Nordeste).
voz d3
d3 Africada alveopalatal dia fd 3 ia] Pronúncia típica do Sudeste brasileiro. Ocorre
Fricativa desv f s í X h também em outras regiões menos delimitadas
li vozeada
voz V z 3 Y (como Norte e Nordeste).
Nasal voz m n Ji y f Fricativa labiodental faca ['faka] Uniforme em todos os dialetos do português
desvozeada brasileiro.
Tepe voz r
Vibrante voz r
V Fricativa labiodental vaca ['vaka] Uniforme em todos os dialetos do português
vozeada brasileiro.
Retroflexa voz J
s Fricativa alveolar sala ['sala] Uniforme em início de sílaba cm todos os dia
Lateral voz 1 i Á V desvozeada caça ['kasa] letos do português brasileiro podendo ocorrer
paz [>pas] com articulação alveolar ou dental. Marca
Tabela: Símbolos fonéticos consonantais relevantes para transcrição do português variação dialetal em final de sílaba: paz: vasta.
z Fricativa alveolar Zapata [za'pata] Uniforme em início de sílaba em todos os dia
O quadro abaixo lista exemplos de palavras que ilustram cada um dos segmentos vozeada casa [>kaza] letos do português brasileiro podendo ocorrer
da tabela fonética apresentada acima. No exemplo ortográfico a letra (ou letras) em paz ['paz] com articulação alveolar ou dental. Marca
variação dialetal em final de sílaba: rasga.
negrito corresponde(m) ao segmento consonantal cujo símbolo fonético é apresentado
na primeira coluna. A segunda coluna lista a nomenclatura do segmento consonantal. A í
Fricativa alveopalatal chá vh] Uniforme em início de sílaba em todos os dia
desvozeada acha ['aja] letos do português brasileiro. Marca variação
forma ortográfica do exemplo é apresentada na terceira coluna e a representação foné paz [■paj] dialetal em final de sílaba: paz. vasta.
tica correspondente é fornecida na quarta coluna. Finalmente, a última coluna apresen
3 Fricativa alveopalatal já ['3aJ Uniforme em início de sílaba em todos os dia
ta observações quanto a região dialetal predominante de ocorrência do segmento em vozeada haja ['a3a| letos do português brasileiro. Marca variação
questão. Note que as transcrições fonéticas encontram-se entre colchetes. Adotamos o dia-letal cm final de sílaba: rasga.
símbolo La] para as vogais transcritas abaixo (exceto para [i] em “tia, dia”). O símbolo X Fricativa velar rata ['Xata] Pronúncia típica do dialeto carioca. Ocorre
['] precede a sílaba acentuada. desvozeada marra ['maXa] fricção audível na região velar. Ocorre em iní
mar ['maXJ cio de sílaba que seja precedida por silêncio
S ím b o lo
C la s s if ic a ç ã o d o E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
O b se rvaç ão *
carta fkaXta] c portanto encontra-se em início de palavra:
s e g m e n to c o n s o n a n t a l o r to g r á fic o fo n é tic a “rata”: em início de sílaba que seja precedida
por vogal: “marra” e em início de sílaba que
p Oclusiva bilabial pata [•pata] Uniforme em todos os dialetos do português seja precedida por consoante: “Israel”. Em al
desvozeada brasileiro. guns dialetos ocorre cm final de sílaba quan
do seguido por consoante desvozeada: “car
b Oclusiva bilabial bala ['bala] Uniforme em todos os dialetos do português
ta” c em final de sílaba que coincide com fi
vozeada brasileiro.
nal de palavra: “mar”.
t Oclusiva alveolar tapa [■tapa] Uniforme em todos os dialetos do português
desvozeada brasileiro podendo ocorrer com articulação Fricativa velar carga ['kayga] Pronúncia típica do dialeto carioca. Ocorre
Y fricção audível na região velar. Ocorre cm fi
alveolar ou dental. vozeada
nal de sílaba seguida de consoante vozeada.
d Oclusiva alveolar data ['data] Uniforme em todos os dialetos do português
vozeada brasileiro podendo ocorrer com articulação Ji Fricativa glotal rata ['hata] Pronúncia típica do dialeto de Belo Horizon
alveolar ou dental. desvozeada marra ['mahal te. Não ocorre fricção audível no trato vocal.
mar ['mah] Ocorre em início de sílaba que seja precedida
k Oclusiva velar capa ['kapa] Uniforme em todos os dialetos do português carta ['kahta”] por silêncio e portanto encontra-se em início
desvozeada brasileiro. de palavra: “rata”; em início de sílaba que seja
precedida por vogal: “marra” c em início de
oo Oclusiva velar gata ['gata] Uniforme em todos os dialetos do português sílaba que seja precedida por consoante: “Is
vozeada brasileiro. rael”. Em alguns dialetos ocorre cm final de
F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l 39 40 F o n é tic a - T a b e la fo n é tic a c o n s o n a n ta l
C la s s if ic a ç ã o d o E x e m p lo T r a n s c riç ã o E x e m p lo T r a n s c r iç ã o
S ím b o lo O b se rva ç ã o S ím b o lo C la s s if ic a ç ã o d o s e g m e n to c o n s o n a n t a l O b se rvação
s e g m e n to c o n s o n a n t a l o rto g rá fic o fo n é tic a o rto g rá fic o fo n é tic a
h Fricativa glotal sílaba quando seguido por consoante desvozeada: A Lateral palatal vozeada malha ['maÁa] A consoante lateral pala
desvozeada “carta” c cm final de sílaba que coincide com ou tal [X] ocorre na fala de pou
final de palavra: “mar”. \> ou cos falantes do português bra
sileiro. Geralmente uma lateral
fi Fricativa glotal carga 1'kafiga] Pronúncia típica do dialeto de Belo Horizon ['maPa] alveolar (ou dental) palatalizada
vozeada te. I^ão ocorre fricção audível no trato vocal. que é transcrita por flJ] ocorre
Ocorre em final de sílaba seguida de consoan para a maioria dos falantes do
te vozeada. português brasileiro. Esta varia
ção será discutida em breve.
m Nasal bilabial mala ['mala] Uniforme em todos os dialetos do português
Pode ocorrer a vocalização da
vozeada brasileiro.
lateral palatal e neste caso te
n Nasal alveolar nada 1'nada] Uniforme em todos os dialetos do português mos um segmento com as ca
vozeada brasileiro, podendo ocorrer com articulação racterísticas arliculatórias de
alveolar ou dental. uma vogal do tipo [i] que c
transcrito como [y]: ['maya].”
J1 Nasal palatal banha ['bãjla] A consoante nasal palatal [p] ocorre na fala de
ou vozeada poucos falantes do português brasileiro. Ge- O leitor deverá encontrar um subconjunto dos segmentos consonantais apresentados
OU
y ralmenle um glide palatal nasalizado que é
transcrito como fy] ocorre no lugar da conso
acima para caracterizar as consoantes que ocorrem em seu idioleto. Os símbolos listados
1'bãya] acima devem ser suficientes para caracterizar a fala sem distúrbios de qualquer falante do
ante nasal palatal para a maioria dos falantes
do português brasileiro. Esta variação será dis português brasileiro. Tais símbolos são propostos pela Associação Internacional de Foné
cutida em breve. tica. Observa-se contudo na literatura a utilização de alguns símbolos concorrentes aque
r Tepe alveolar cara 1'kafa] Uniforme em posição intervocálica e seguindo les listados na tabela acima. Por exemplo, para representar um segmento “africado
vozeado prata ['prata] consoante em todos os dialetos do português alveopalatal desvozeado” a Associação Internacional de Fonética propõe o símbolo [tj]
mar L'maf] brasileiro, podendo ocorrer com articulação (este é o segmento inicial da palavra “tcheco”). Na literatura, encontra-se o símbolo [c]
carta ['kafta] alveolar ou dental. Em alguns dialetos ocorre para representar o mesmo segmento africado alveopalatal desvozeado (cf. “tcheco”). O
em final de sílaba cm meio de palavra: “carta”
ou em final de sílaba que coincide com final de símbolo [c] é geralmente utilizado na literatura norte-americana. Listamos abaixo símbo
palavra: “mar”. los fonéticos concorrentes aos do alfabeto da Associação Internacional de Fonética.
r Vibrante alveolar rata [rata] Ocorre em alguns dialetos (ou mesmo idioletos) S ím b o lo s p r o p o s t o s pela A s s o c ia ç ã o
vozeada do português brasileiro. Pronúncia típica do In te rn a cio n a l d e F o n é tic a
S ím b o lo s c o n c o r re n te s
marra ['mafa] português europeu e ocorre em certas varian
tes do português brasileiro (por exemplo em í s ;
b ila b ia l lá b io - d e n t a l d e n ta l a lv e o la r p ó s -a lv c o la r r c t r o f lc x a p a la ta l v e la r u v u la r f a r in g a l g lo t a l
1. Complete o diagrama denominando cada uma das partes do aparelho fonador
O c lu s iv a P b t d t 4 C t k 9 q G ?
apontadas para identificação. Siga o exemplo dado.
N asal m rç n a J1 9 N
V ib r a n te B r R
T e p e (o u fle p e ) r i
F r ic a tiv a <t> p f V 0 õ s Z í 3 ? A V i X Y X B b ç h fi
F r ic a t iv a la te r a l
t b
A p r o x im a n t e u i i j LM
A p r o x . la t e r a l 1 { L
Em pares de simbolos tem-se que o símbolo da direita representa uma consoante vozeada. Acrcdita-sc ser impossível as articulações
nas áreas sombreadas.