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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE ARTES E ARQUITETURA

DEBORA NATALIA SCALCO

LEVANTAMENTO DE PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO


DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS-RS

BENTO GONÇALVES
2017
DEBORA NATALIA SCALCO

LEVANTAMENTO DE PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO


DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS-RS

Relatório técnico apresentado como


requisito parcial para obtenção de
aprovação na disciplina de Estágio
Curricular, necessário ao Curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de Caxias do Sul.

Campo de estágio:
Prefeitura Municipal de Veranópolis-RS

Supervisor:
Arq. Joanna Peruffo

Orientador:
Prof.ª Arq. M.ª Margit Arnold Fensterseifer

BENTO GONÇALVES
2017
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Municípios integrantes do COREDE Serra ............................................... 27


Figura 2 - Delimitação do perímetro atual de Veranópolis ........................................ 28
Figura 3 - Mapa das colônias italianas ...................................................................... 30
Figura 4 - Colônia de Alfredo Chaves, final do séc. XIX ............................................ 31
Figura 5 - Município de Alfredo Chaves e seus distritos (1898) ................................ 32
Figura 6 - Café Zanchetta, em meados dos anos 1920 ............................................ 35
Figura 7 - Café Zanchetta, ampliado anos depois .................................................... 35
Figura 8 - Prédio da Sociedade Alfredochavense ..................................................... 35
Figura 9 - Vista da ponte Ernesto Dornelles (1952) sobre o Rio das Antas .............. 36
Figura 10 - Vista aérea do vale e da Estação São Luiz............................................. 36
Figura 11 - Capelas religiosas do município de Veranópolis ..................................... 43
Figura 12 - Localização da área de estudo ............................................................... 44
Figura 13 - Roteiros principais e adjacentes ............................................................. 45
Figura 14 - Mapeamento das edificações dos grupos G1, G2, G3 e G4 ................... 47
Figura 15 - Mapeamento das edificações dos grupos G5, G6, G7 e G8 ................... 48
Figura 16 - Mapeamento das edificações dos grupos G9, G10 e G11 ...................... 48
Figura 17 - Localização das edificações apresentadas nos quadros de valoração ... 49
Figura 18 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 1) ........ 55
Figura 19 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 2) ........ 56
Figura 20 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 3) ........ 57
Figura 21 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 4) ........ 58
Figura 22 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 1) ............. 59
Figura 23 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 2) ............. 60
Figura 24 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 3) ............. 61
Figura 25 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 4) ............. 62
Figura 26 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 5) ............. 63
Figura 27 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 1) ............. 64
Figura 28 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 2) ............. 65
Figura 29 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 3) ............. 66
Figura 30 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 4) ............. 67
Figura 31 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 1) ...... 68
Figura 32 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 2) ...... 69
Figura 33 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 3) ...... 70
Figura 34 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 4) ...... 71
Figura 35 - Mapa síntese da área de estudo ............................................................. 73
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Grupo de edificações .............................................................................. 46


Quadro 2 - Atribuição de valores das edificações do grupo G4 ................................ 50
Quadro 3 - Atribuição de valores das edificações do grupo G5 ................................ 51
Quadro 4 - Atribuição de valores das edificações do grupo G6 ................................ 52
Quadro 5 - Atribuição de valores das edificações do grupo G7 e G8 ........................ 53
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMESNE Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste do


Rio Grande do Sul
ASSOTUR Associação de Turismo Estrada do Imigrante
ATUASERRA Associação de Turismo da Serra Nordeste
CIAM Congresso Internacional da Arquitetura Moderna
COMPAHC Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural
COREDE Conselho Regional de Desenvolvimento
DPHAN Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ECIRS Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio
Grande do Sul
EPAHC Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural
FUMPAHC Fundo do Patrimônio Histórico e Cultural
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPAC/BA Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
IPHAE Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
PDDAI Plano Diretor de Desenvolvimento Ambiental Integrado
PMT Plano Municipal de Turismo
RF3 Região Funcional de Planejamento 3
SIH Setores Especiais de Interesse Patrimonial, Histórico e
Paisagístico
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UCS Universidade de Caxias do Sul
VICTUR Valorização do Turismo integrado à Identidade Cultural dos
Territórios
ZIT Zonas de Interesse Turístico
RESUMO

A seguinte pesquisa objetiva a realização do levantamento de patrimônio cultural


edificado na cidade de Veranópolis (RS), em área que compreende a localidade de
Vila Azul e entorno. O estudo parte de uma síntese teórica, onde, além da
conceituação do tema a ser abordado, patrimônio cultural, destaca-se a importância
de sua conservação como memória e identidade de um lugar. Com vistas a incentivar
o desenvolvimento da atividade turística no município, o setor é apontado como um
dos meios que contribuem para a preservação dos bens edificados. De maneira breve,
são abordados, também, aspectos relacionados à caracterização de Veranópolis e à
área de estudo em questão. O levantamento de campo tem início a partir da
identificação dos percursos de maior relevância para o local, bem como os adjacentes,
ao longo dos quais foram elencadas as edificações vinculadas à história e à cultura
do município. De modo complementar, foram elaboradas fichas individuais de
exemplares selecionados, nas quais constam, além de material gráfico, maiores
informações referentes aos aspectos construtivos e históricos do edifício, ressaltando
sua influência no contexto cultural e social da cidade de Veranópolis como um todo.

Palavras-chave: Memória. Identidade. Patrimônio Cultural. Sítio Histórico. Turismo.


Vila Azul. Veranópolis.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................... 11


2.1 CONCEITUAÇÃO DE MEMÓRIA E IDENTIDADE ......................................... 11
2.2 CONCEITUAÇÃO DE PATRIMÔMIO CULTURAL ......................................... 12
2.3 IMPORTÂNCIA DA CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO ............................. 14
2.4 ATRIBUIÇÃO DE VALORES .......................................................................... 16
2.5 AÇÕES DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL ....................................................... 18
2.6 SÍTIOS HISTÓRICOS ..................................................................................... 21
2.7 CONCEITO DE TURISMO ............................................................................. 24

3 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS ........................... 27


3.1 CONTEXTO GEOGRÁFICO ........................................................................... 27
3.2 PROCESSO EVOLUTIVO .............................................................................. 29
3.3 TURISMO EM VERANÓPOLIS ...................................................................... 34

4 LEVANTAMENTO DE PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO ................... 37


4.1 PROJETO VICTUR/URBAL ............................................................................ 37
4.2 ÁREA DE ESTUDO: VILA AZUL .................................................................... 39
4.3 REGISTRO DO ACERVO............................................................................... 42

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 75

ANEXOS ................................................................................................................... 78
ANEXO A – CAPELAS RELIGIOSAS DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS ........... 79
ANEXO B – GRUPOS DE EDIFICAÇÕES ............................................................... 80
ANEXO C – MAPA SÍNTESE DA ÁREA DE ESTUDO ............................................ 84
9

1 INTRODUÇÃO

O conjunto de bens, materiais ou imateriais, carregado de inúmeras


lembranças de uma determinada cultura e transmitidos ao longo dos anos, constituem
seu patrimônio cultural. Neste sentido, objetos, lugares, documentos escritos,
edificações e monumentos representam um meio de fortalecer a identidade cultural
de Veranópolis, junto à preservação de elementos físicos e de memória, associados
à usos e costumes que são característicos do município. É neste cenário que se insere
o presente relatório, o qual, entre outros aspectos, busca contribuir com a preservação
de bens edificados capazes de manterem vivas as memórias coletivas da população.
Como produto da disciplina de Estágio Obrigatório, do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS), este trabalho tem como tema o
Levantamento de Patrimônio Cultural Edificado, realizado em parte da área do
município de Veranópolis, mais precisamente ao longo da localidade de Vila Azul e
seu entorno imediato. A demanda proposta pelo campo de estágio, Prefeitura
Municipal de Veranópolis, propõe a identificação das potencialidades culturais
edificadas existentes no local, na intenção de incentivar o crescimento da atividade
turística no município por intermédio da preservação e exploração destes bens
materiais.
Considerando o diversificado patrimônio edificado que a cidade contempla,
explorado de forma insuficiente especialmente em meio rural, o objetivo principal
desta pesquisa consiste na formulação e registro de dados e informações favoráveis
ao planejamento de futuras políticas de preservação do conjunto patrimonial do
município. Além destas, previstas pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Ambiental
Integrado de Veranópolis (PDDAI)1, o estudo poderá contribuir, da mesma forma, com
o Plano Municipal de Turismo (PMT), instituído em junho de 2016.
Alinhados às necessidades do campo de estágio, os demais objetivos da
pesquisa compreendem o reconhecimento da importância de valorizar o patrimônio
cultural edificado de uma cidade, além da identificação e mapeamento das edificações
existentes na área de estudo que possuem valor cultural para o município, no intuito
de reforçar sua identidade e confirmar seu potencial turístico. Do mesmo modo, são

1 Lei Municipal Nº 5.056, de 25 de Maio de 2007.


10

selecionados os exemplares mais significativos dentro do contexto local, nos quais


são realizados o levantamento geral e a elaboração de fichas técnicas individuais.
Inicialmente, a fim de sustentar e qualificar este estudo, fez-se necessária a
fundamentação teórica de noções relevantes ao tema, como a conceituação de
memória e identidade associadas ao patrimônio cultural, bem como a importância de
sua conservação e preservação para as gerações futuras. Foram abordadas, também,
a necessidade de ampliação dos critérios de valoração quanto à identificação dos
edifícios e as ações de salvaguarda que garantem a proteção dos bens patrimoniais.
Além destes conceitos, outra questão essencial diz respeito ao sítio histórico como
objeto de preservação, ressaltando a contribuição do turismo na conservação e
resgate do patrimônio cultural de um lugar.
Em um segundo momento, com o intuito de contextualizar o município em que
o estudo foi realizado, são abordados aspectos referentes à caracterização de
Veranópolis, relacionados ao contexto geográfico e ao processo evolutivo que resultou
em sua configuração territorial atual. Neste capítulo, são igualmente apontadas breves
informações históricas acerca do desenvolvimento da atividade turística na cidade.
O último capítulo diz respeito ao levantamento de patrimônio cultural
edificado. Apresenta, inicialmente, a experiência de reconhecimento patrimonial
realizada no município de Caxias de Sul, por meio do Projeto de Valorização do
Turismo integrado à Identidade Cultural dos Territórios (VICTUR/URBAL), o qual,
devidamente adaptado às condições necessárias, auxiliou na orientação desta
pesquisa. Em sequência, na intenção de justificar a relevância da comunidade de Vila
Azul para Veranópolis, são mencionadas informações fundamentais à compreensão
da área da estudo, diretamente relacionadas às edificações levantadas. Por fim, é
descrita a metodologia utilizada para a realização dos levantamentos, a apresentação
dos mesmos e o registro do acervo, compreendendo a elaboração de fichas
individuais de exemplares selecionados.
O procedimento metodológico adotado para a efetivação desta pesquisa,
além de revisões bibliográficas, consiste na realização de levantamentos de campo,
apoiados por registros fotográficos e testemunhos orais. A utilização de mapas e
fotografias é imprescindível para demonstrar e qualificar as potencialidades culturais
e turísticas da área, conforme será possível verificar ao longo deste relatório,
reforçando que a preservação do sítio se faz relevante no sentido de conservar,
igualmente, a memória, a cultura e a identidade da cidade.
11

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 CONCEITUAÇÃO DE MEMÓRIA E IDENTIDADE

Segundo Le Goff (1996), memória é definida como a propriedade que os


indivíduos têm de conservar certas informações e experiências vividas, relacionada à
um conjunto de funções psíquicas que possibilita atualizar impressões passadas. A
memória é o instrumento que permite a atuação do passado no presente, através das
nossas lembranças. De acordo com Candau (2012, p. 59) “Sem memória o sujeito se
esvazia, vive unicamente o presente, perde suas capacidades conceituais e
cognitivas. Sua identidade desaparece”.
A memória, no entanto, não é um fenômeno que ocorre apenas de forma
individual. A memória dita intersubjetiva, ou seja, compartilhada, consiste nas
lembranças vividas pelo indivíduo, ou que lhe foram transmitidas, porém, não
pertencem somente a ele. As memórias coletivas são compartilhadas por uma
comunidade, sendo comuns a todos os membros que compõem um determinado
grupo. (MICHELON et al., 2012).
À respeito do tema, Candau (2012, p. 48) ressalta que “[...] não pode haver
construção de uma memória coletiva se as memórias individuais não se abrem umas
às outras, visando objetivos comuns, tendo o mesmo horizonte de ação”. Divergências
entre as representações individuais de um grupo resultam em um enfraquecimento de
sua memória coletiva. O autor denomina como uma memória profunda e coerente
aquela

[...] que se impõe a uma grande maioria dos membros de um grupo. [...] uma
memória forte é uma memória organizadora no sentido de que é uma
dimensão importante da estruturação de um grupo e, por exemplo, da
representação que ele vai ter da sua própria identidade. (CANDAU, 2012, p.
44).

Candau afirma, ainda, que a “memória é a identidade em ação” (2012, p. 18).


Neste sentido, os esforços memoriais são, na verdade, esforços identitários, com o
objetivo de aproximar o homem ao seu passado. Segundo o autor, “[...] é a memória
que vem fortalecer a identidade, tanto no nível individual quanto no coletivo: assim,
restituir a memória desaparecida de uma pessoa é restituir sua identidade.”
(CANDAU, 2012, p. 16). A partir de semelhanças e similaridades, os indivíduos vão
12

constituindo sua identidade coletiva. Memória e identidade são, portanto, conceitos


que

[...] se entrecruzam indissociáveis, se reforçam mutuamente desde o


momento de sua emergência até o momento de sua dissolução. Não há
busca identitária sem memória e, inversamente, a busca memorial é sempre
acompanhada de um sentimento de identidade. (CANDAU, 2012, p. 19).

Neste contexto, a memória permite a criação de laços de pertencimento, e


estes são decisivos para a construção identitária. A forma como determinadas
lembranças de um grupo são rememoradas, bem como os significados atribuídos ao
seu passado, no presente, definem de que modo a identidade será reconstruída e
reafirmada. (SOUZA, 2014).
Objetos, lugares, documentos escritos e monumentos, assim como “[...] todos
os traços que têm por vocação ‘fixar’ o passado contribuem para a manutenção e
transmissão da lembrança de dados factuais, [...] constitutivos de uma memória
‘educada’, ou mesmo ‘institucional’, e, portanto, compartilhada” (CANDAU, 2012, p.
118). Visto que não é possível evocar todas as lembranças do indivíduo, é inevitável
o processo de seleção da memória. É a memória coletiva de uma sociedade,
construída segundo as necessidades e interesses do presente, que determina quais
elementos do passado devem ser lembrados ou esquecidos por todos. Desse modo,
grande parte das políticas de preservação de patrimônio são realizadas a partir de um
discurso de preservação de memória coletiva, entendida, portanto, como um conjunto
de lembranças homogêneas e suficientemente representativas de uma comunidade.
(MICHELON et al., 2012).

2.2 CONCEITUAÇÃO DE PATRIMÔMIO CULTURAL

A definição de patrimônio pode abranger uma série de conceitos. Na raiz


latina, patrimonium, refere-se à pátria e a paterno, “pressupõe herança, legado, posse”
(MEIRA, 2004, p. 23). Etimologicamente, o termo mantém uma ligação sentimental
com o passado, associado às estruturas familiares, a chefe de família ou a fundador,
remetendo à valorização pelos antepassados. Portanto, entende-se que grande parte
do que somos e realizamos se deve aqueles que vieram antes de nós. (SCHWERZ,
2009).
13

No que diz respeito à abrangência do conceito de patrimônio, os séculos XIX


e XX evidenciavam apenas as edificações e os monumentos em sua materialidade.
Meira (2004) salienta, no entanto, que o significado do mesmo não se constitui fora
de uma rede simbólica: a preservação ocorre no conjunto de bens, materiais e
imateriais, que caracterizam uma cultura. Assim, a noção de patrimônio vem sendo
substituída por um conceito mais amplo, o de patrimônio cultural, onde, além dos bens
de natureza material, valoriza-se o conjunto de bens culturais, as identidades
coletivas, as paisagens naturais, as tradições e particularidades de cada cultura.
(MEIRA, 2004). De acordo com Tonus,

O conceito de cultura é extremamente complexo, mas todas as teorias que


se ocupam do tema convergem no sentido de que o fenômeno cultural é
essencialmente humano, e contrasta com o comportamento natural. Só o
homem produz e pode transmitir cultura, e só o homem pode, portanto,
preservá-la. (TONUS, 2007, p. 14).

O conjunto de bens materiais, como as edificações e os monumentos, são


elementos essenciais na constituição das cidades. Segundo Meira (2004), nas
cidades, o patrimônio cultural atua como intermediário entre o passado e o futuro. A
cidade está em constante transformação, sendo reconhecida e vivenciada por seus
habitantes. É através dela que se manifestam as permanências, as rupturas, as
continuidades e as relações do antigo com o novo. Nas cidades, os bens patrimoniais
“[...] estruturam uma rede de relações sociais que lhes atribuem sentidos e ajudam a
criar laços de pertencimento” (MEIRA, 2004, p. 13).
Portanto, é fundamental que se compreenda a relevância do patrimônio de
uma cidade como um lugar de memória, conforme mencionado anteriormente. Tomaz
(2010) aponta para a importância que certos espaços assumem na memória coletiva
de um determinado grupo, onde lembranças, sentimentos e sensações são
percebidos e revividos por seus usuários. Os lugares, as edificações e os
monumentos são capazes de despertar essa memória, a partir da compreensão do
modo de vida daqueles que se utilizaram desse espaço anteriormente. Cada edifício,
portanto, “[...] carrega em si não apenas o material de que é composto, mas toda uma
gama de significados e vivências ali experimentados” (TOMAZ, 2010, p. 2). Posenato
(1983) complementa:
14

Não podemos medir o valor de um edifício ou um conjunto somente pela sua


qualidade estética ou pela sua idade. Também são elementos significativos a
mensagem cultural, o seu valor como transmissão do passado, fundamento
da nossa cultura e do nosso presente. As sociedades preservam somente
aquilo que lhes diz respeito: como afirma o filósofo francês Henri Lefèbvre:
“Tal como o homem sem memória se degrada, também a sociedade que
despreza sua herança cultural não evolui”. (POSENATO, 1983, p. 559).

Compreendendo a importância dos bens patrimoniais como memória coletiva


e identidade de uma cultura, é fundamental que se entenda a necessidade de
preservá-los e protegê-los. O patrimônio cultural alimenta a memória e a história das
cidades e de seus habitantes, tornando sua conservação e preservação uma tarefa
primordial para a realidade presente e futura.

2.3 IMPORTÂNCIA DA CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO

O patrimônio cultural está relacionado àquilo que é valorizado e consagrado


por um grupo social, uma vez que as memórias estão ligadas aos acontecimentos de
um passado comum à todos. Como resposta à importância desse contexto e das
relações sociais do mesmo, preservam-se os bens patrimoniais, pois “não é possível
preservar a memória de um povo sem, ao mesmo tempo, preservar os espaços por
ele utilizados e as manifestações quotidianas de seu viver” (TOMAZ, 2010, p. 4).
Conforme destaca Poulot,

A preservação do patrimônio cultural [...] representa o patamar de referência,


o conjunto de permanências por meio das quais as sociedades se
reconhecem, se identificam, constroem e reconstroem os seus valores e sua
trajetória. (1998 apud MEIRA, 2008, p. 15).

De acordo com Michelon et al. (2012), é fundamental que uma política de


preservação ou de reconhecimento de um patrimônio vá além de ações protetivas.
Sua preservação consiste em um trabalho de reapropriação e restituição, na intenção
de promover relações sociais mais equilibradas e justas no futuro. Do mesmo modo,
a salvaguarda desse patrimônio deve superar a conservação de resquícios do
passado, questionando-se “[...] o processo de produção deste universo que constitui
um patrimônio, os critérios que regem a seleção de bens e justificam sua proteção”
(MICHELON et al., 2012, p. 13).
As mudanças que vem ocorrendo no modo de gerenciamento do patrimônio,
enquanto objeto de políticas públicas, indicam que a própria sociedade tem,
15

progressivamente, se apropriado do tema. Segundo Meira (2008), nunca o assunto foi


tão abordado quanto vem sendo nos últimos tempos, onde a população vem se
manifestando a favor da conservação do seu legado histórico. No início do século XX,
eram poucas as notícias à respeito da preservação de patrimônio, tanto em relação
aos bens arquitetônicos a nível nacional, quanto aqueles pertencentes ao Rio Grande
do Sul. (MEIRA, 2008).
Meira (2008) afirma ainda que, apesar dos bens culturais atuarem como
referência para a história da sociedade no qual estão inseridos, “[...] não é possível
preservar tudo, pois a construção da sociedade ficaria paralisada” (MEIRA, 2008, p.
21). Segundo Posenato (1983):

Conservar na verdadeira acepção da palavra, é ou deve ser um ato de lucidez


e equilíbrio, procurando escolher bem o que irá se manter, assim como o que
se destruirá, levando em consideração que a proteção do passado não é
incompatível com o progresso do presente. É necessário lucidez que permita
perceber que é tão perigoso intervir mal como não intervir. (POSENATO,
1983, p. 558).

A conservação consiste em uma série de medidas sistemáticas que permitem


que os bens patrimoniais sejam mantidos em bom estado. Contudo, a conservação
não será garantida se não for possível atribuir uma utilidade ao patrimônio. Conservar,
portanto, também significa destinar um uso adequado ao que será preservado,
possibilitando que os proprietários se interessem pelo patrimônio em função do
retorno que o mesmo pode lhe proporcionar. (POSENATO, 1983).
Os interesses para a proteção dos edifícios não se restringem apenas à
valores históricos ou artísticos. Um dos aspectos essenciais a serem considerados,
como já citado, diz respeito à importância dos valores afetivos, ao mencionar que “[...]
a memória histórica e afetiva, selecionada pela visão de seus habitantes, desempenha
um papel fundamental para o resguardo de sua unidade e continuidade” (MEIRA,
2004, p. 28).
No Rio Grande do Sul, a arquitetura herdada da imigração italiana é capaz de
revelar conceitos, técnicas, usos e costumes de uma sociedade, atuando como um
documento vivo da história através de gerações. Em função de suas particularidades,
a mesma possui um imenso valor cultural ao representar um período único, inclusive
no contexto brasileiro. Desse modo, é fundamental o reconhecimento dos valores que
16

a caracterizam como expressão arquitetônica com o objetivo de garantir sua


permanência. (POSENATO, 1983).

2.4 ATRIBUIÇÃO DE VALORES

A identificação do patrimônio surge da atribuição de valores que os diferentes


grupos sociais fazem de seus bens, sejam eles materiais ou imateriais. São esses
valores, extraídos dos diversos momentos de sua trajetória, que definem quais bens
culturais representam uma determinada cultura. (MICHELON et al., 2012). Sendo
assim, “a atribuição de valores está ligada ao universo da escolha e o reconhecimento
de seus significados inscreve-se na dimensão simbólica” (MEIRA, 2004, p. 13).
A preservação do patrimônio cultural depende dos valores da sociedade em
que está inserido, diz respeito à uma cultura que se encontra em um contexto
específico, passível de alteração com o decorrer do tempo. O que definimos hoje como
patrimônio é, na verdade, uma questão de juízo de valor de um determinado grupo.
Com a discussão crescente acerca da seleção de bens culturais como apropriação
social, tem-se buscado um processo de valoração e legitimação deste patrimônio a
partir do seu valor simbólico. (SCHWERZ, 2009).

Desde a década de 1970, diversos segmentos da sociedade, particularmente


os que atuam na área da cultura, vêm questionando os critérios de valoração
tradicionalmente empregados [...] na definição do patrimônio cultural
brasileiro. Esse questionamento resultou na adoção de um conceito
antropológico de cultura, tornando a necessária a redefinição de critérios de
seleção dos bens culturais a serem protegidos pelo Estado, e mais complexas
as possibilidades para sua identificação. (SCHWERSZ, 2009, p. 2).

Ao questionar a insuficiência de limites existentes quanto à preservação,


Curtis (2003) propõe novas referências para salvaguarda de um patrimônio,
direcionados inicialmente ao Patrimônio Ambiental de Porto Alegre. O arquiteto elenca
onze valores, definidos a partir de uma grau de prioridade, a serem considerados pelo
poder público no sentido de estabelecer critérios de intervenção às edificações dignas
de preservação. A seguir, serão conceituados esses valores.
O primeiro critério diz respeito ao (1) Valor Arquitetônico, atribuído às
edificações predominantes na composição da paisagem, pois “[...] oferecem particular
interesse pelas qualidades que apresentam suas frontarias” (CURTIS, 2003, p. 334).
17

O segundo, (2) Valor Tradicional e/ou Evocativo, se refere às edificações que


possuem interesse de permanência na memória coletiva.
Em sequência, o (3) Valor Ambiental está relacionado à paisagem, sendo
atribuído “[...] à edificação cuja ‘ausência’ subtraia a atenção para com a paisagem
onde estiver inserida, ou cujo entorno particularmente a valorize” (CURTIS, 2003, p.
334).
Às edificações que dispensam reciclagem e são corretamente utilizadas são
conferidas o (4) Valor de Uso Atual.
O quinto valor, (5) Valor de Acessibilidade com Vistas à Reciclagem, é
designado à edificação de fácil conexão com o sistema viário principal, bem como com
os demais equipamentos de cultura e lazer da cidade. Nesta classificação, de acordo
com Curtis (2003), podem ser atribuídas, também, os edifícios capazes de acolher de
forma eficiente órgãos da administração pública.
O (6) Valor de Conservação cabe às edificações que dispensam qualquer tipo
de obra ou reparo de caráter urgente.
Estão incluídas na categoria (7) Valor de Recorrência Regional e/ou Raridade
Formal os edifícios produzidos por manifestação de cultura regional, ou qualificada
por formas plásticas de interesse visual, com ocorrência rara.
O valor subsequente, (8) Valor de Raridade Funcional, é atribuído à edificação
cuja função arquitetônica vem se tornando inusitada ou sofrendo transformações com
o objetivo de tornar seu programa original compatível com as necessidades de vida
atual.
A edificação depredada ou carente de conservação, localizada em “[...] zona
onde se permita substituí-la por área construída apreciavelmente maior do que a sua”,
se enquadra no (9) Valor de Risco de Desaparecimento (CURTIS, 2003, p. 335).
De acordo com Curtis (2003), entende-se que as edificações construídas até
a Revolução de 1930, marco referencial da modernidade brasileira, recebam o (10)
Valor de Antiguidade.
Por último, o décimo primeiro, (11) Valor de Compatibilidade com a Estrutura
Urbana, é conferido às edificações que não colidem com as diretrizes da estrutura
urbana. Serão, portanto, mais valorizadas com vistas à preservação, os edifícios que
não impedem a “[...] passagem ou alargamento de vias, instalação de equipamento
urbano complementar, etc.” (CURTIS, 2003, p. 335).
18

Em uma sociedade, por vezes, o que é relevante para alguns não é


necessariamente para os demais. Por isso, “a declaração oficial de valor, [...] faz-se
através do poder público federal, estadual ou municipal, cuja atuação reflete os
interesses dominantes na sociedade” (MEIRA, 2004, p. 15).

2.5 AÇÕES DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL

O início das políticas públicas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro,


anteriores ao surgimento de uma entidade no âmbito federal, ocorreu por meio de
ações e leis pontuais, sendo posteriormente influenciadas por experiências
internacionais (MICHELON et al., 2012). De acordo com Tomaz (2010), à nível
mundial, as primeiras leis de preservação foram instituídas na França, por volta de
1830, durante o período da Revolução Francesa, na qual o Estado Francês se propôs
a conservar seus bens com o objetivo de firmar sua identidade.
No Brasil, como resultado da Revolução Industrial e da instituição da
República, em 1889, as remodelações e reformas sanitárias nas cidades
impulsionaram o surgimento de leis e decretos estaduais, principalmente na cidade
de Ouro Preto e nos estados da Bahia e Pernambuco2, visando a preservação do
patrimônio monumental do país. Contudo, esses primeiros projetos não foram
suficientes para garantir sua preservação. Somente com a Constituição de 1934, após
a cidade de Ouro Preto ser declarada monumento nacional como reconhecimento à
sua história, começam a surgir as políticas oficiais de proteção ao patrimônio cultural
no Brasil. O Artigo 10 da Constituição de 1934 ressalta que compete à União e aos
estados a proteção das belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou
artístico, podendo impedir a evasão de obras de artes. (MICHELON et al., 2012).
As iniciativas mais consistentes de preservação têm início, de fato, com a
criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) 3, em 1937.
A entidade, vinculada ao Ministério da Cultura, dedicou grande parte de sua pesquisa
científica ao reconhecimento dos valores de arte e história do país, servindo como

2 Bahia e Pernambuco adotaram as primeiras medidas legislativas estaduais, criando órgãos para
proteção de seus patrimônios históricos em virtude de serem os detentores das heranças monumentais
mais ricas do país. (MICHELON et al., 2012).
3 Em 1946, o SPHAN tem o seu nome alterado para Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (DPHAN). A partir de 1970, o DPHAN é transformado em Instituto do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional (IPHAN). (MICHELON et al., 2012).
19

referência para as práticas preservacionistas até os dias atuais. Instituída em um


período de intensas mudanças políticas, econômicas e culturais, a primeira lei de
proteção é um reflexo do pensamento de patrimônio cultural brasileiro que começou
a ser idealizado na Semana de Arte Moderna, de 1922. (MICHELON et al., 2012). O
Decreto-lei Federal nº 25, de 30 de novembro de 1937, determina:

Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens


móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico. (IPHAN, 2006, p. 99).

Num primeiro momento, no entanto, observa-se um esquecimento dos bens


culturais que não pertenciam às elites ou a história oficial, associando a definição de
patrimônio nacional sobretudo aos remanescentes do período colonial de formação
do país. Somente mais tarde, a partir da década de 1970, é que ocorre a ampliação
conceitual em relação à preservação do patrimônio, estendendo-se à todas as
referências culturais brasileiras que contribuíram para a construção da identidade
nacional. Com a Constituição Federal de 1988, a definição do Patrimônio Cultural
Brasileiro, até então constituído apenas por bens de natureza material, expandiu-se
aos bens imateriais, incluindo expressões de cultura popular e tradições repassadas
por gerações. (SCHWERZ, 2009). Esta ampliação pode ser verificada no Artigo 216:

Art. 216: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza


material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I) as formas de expressão; II)
os modos de criar, fazer e viver; III) as criações cientificas, artísticas e
tecnológicas; IV) as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações culturais; V) os conjuntos urbanos e
sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e cientifico. (BRASIL, 1988).

Além disso, a Constituição de 1988 dispõe sobre os mecanismos de


preservação a serem utilizados, onde “[...] o Poder Público, com a colaboração da
comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas
de acautelamento e preservação”. (MICHELON et al., 2012, p. 25).
Apesar da valorização de outras esferas da sociedade com a nova
Constituição, de acordo com Michelon et al. (2012), o Brasil sempre esteve
20

consideravelmente atrasado em relação à outros países da América Latina do ponto


de vista da legislação patrimonial.
A nível estadual, em 1954, foi criada a Divisão de Cultura do Estado do Rio
Grande do Sul, associada à Secretaria de Educação, estabelecendo a política de
preservação dos bens patrimoniais e culturais do Estado. A Lei de Tombamento,
promulgada em 18 de dezembro de 1978, definiu a proteção legal de diversos bens,
considerando seus valores históricos e arquitetônicos. O Decreto-lei nº 31.049, de 12
de janeiro de 1983 instituiu o Sistema Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural,
estabelecendo suas atribuições e atividades, entre as quais estão o estudo, pesquisa,
seleção, divulgação e preservação do patrimônio cultural do Estado do Rio Grande do
Sul. (IPHAE, 2017).
Com a criação da Secretaria de Estado da Cultura, em 1990, as divisões e
coordenadorias de preservação são transformadas em institutos, surgindo, então, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE). Além de ações de
tombamentos, o Instituto estabelece diretrizes e orientações às intervenções que são
realizadas no entorno desses bens, atuando através de convênios e parcerias junto
aos municípios. (IPHAE, 2017).
Segundo Meira (2008), de modo geral, as políticas municipais de preservação
se consolidaram por meio de leis específicas de tombamento e instrumentos de
planejamento urbano, como planos diretores, leis de uso do solo e outros. Meira
(2008) aponta para a participação cada vez mais efetiva da população em relação às
ações que visam à preservação de seu patrimônio, como é o caso de Porto Alegre.
Desde a década de 1970, a cidade vem instituindo uma série de instrumentos de
proteção, além da criação de movimentos em alguns bairros isolados, que atuam
juntamente ao Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (COMPAHC), ao
Fundo do Patrimônio Histórico e Cultural (FUMPAHC) e à Equipe do Patrimônio
Histórico e Cultural (EPAHC).
O município de Veranópolis, por sua vez, carece de leis que se dedicam à
preservação efetiva de seu patrimônio, tanto material quanto imaterial. O projeto
Pulando Janelas, em parceria com a Associação de Turismo da Serra Nordeste
(ATUASERRA)4 e as Secretarias de Turismo, Educação e Cultura, é uma tentativa de

4A Associação de Turismo da Serra Nordeste foi criada em 1985, pela Secretaria de Turismo de Caxias
do Sul, sendo constituída, inicialmente, por onze municípios: Antônio Prado, Bento Gonçalves, Caxias
21

sensibilizar a comunidade em relação à preservação e valorização do patrimônio do


município. Atualmente, Veranópolis apresenta um único bem tombado pelo IPHAE, a
Casa Saretta5, adquirida pela prefeitura municipal após seu tombamento, em 1983.
Neste contexto, o Plano Diretor do município, instituído pela Lei Municipal nº
5.056/2007, de 25 de maio de 2007, apresenta algumas referências acerca do assunto
no Capítulo VIII, conforme descritas a seguir:

Art. 28. A política municipal de patrimônio cultural visa preservar e valorizar o


legado cultural transmitido pela sociedade, protegendo suas expressões
materiais e imateriais.
§ 1º. Entende-se como patrimônio material as expressões e transformações
de cunho histórico, artístico, arquitetônico, paisagístico e urbanístico.
§ 2º. Entende-se como patrimônio imaterial os conhecimentos e modos de
fazer identificados como elementos pertencentes à cultura comunitária, os
rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, a religiosidade, o
entretenimento e outras práticas da vida social, bem como as manifestações
literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas. (VERANÓPOLIS, 2007).

Além disto, o Plano Diretor do município estabelece, como um dos objetivos


definidos pela política municipal de preservação do patrimônio, o desenvolvimento do
potencial turístico aliado ao patrimônio cultural e natural existente na cidade, bem
como a elaboração do Plano de Preservação do Patrimônio Cultural de Veranópolis,
contendo diretrizes que orientam a conservação do mesmo. Contudo, tanto a
elaboração do plano quanto a definição de zonas de interesse de proteção e sítios
históricos, estes caracterizados por áreas que abrigam um conjunto de espaços e
edificações representativas da diversidade e identidade cultural da cidade, são
entendidos como perspectivas futuras.

2.6 SÍTIOS HISTÓRICOS

De acordo com Nardi (2010), dentre as especificidades que constituem os


sítios históricos está a delimitação de um perímetro a ser protegido, em uma área
específica da cidade. Nestes espaços, além de elementos arquitetônicos, urbanísticos

do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Guaporé, Nova Prata, São Marcos, Serafina Corrêa e
Veranópolis. Atualmente, mais de trinta membros compõem a associação. (ATUASERRA, 2017).
5 A casa foi construída em 1907 por Erasmo e Domênico Saretta, imigrantes italianos, e abrigava a

residência da família, a coletoria federal e os correios e telégrafos da localidade. Após adquirida pela
Prefeitura de Veranópolis, em 1983, foi transferida de seu terreno original para as margens da atual
BR-470, quando passou a abrigar a Secretaria de Turismo, a Central de Informações Turísticas e a
comercialização de produtos artesanais. A casa de dois pavimentos, totalmente em madeira, foi erguida
em forma de chalé, com lambrequins e telhas de madeira conhecidas como "scandole". (IPHAE, 2017).
22

e paisagísticos importantes que representam um certo período de tempo, são


valorizados aspectos que ficaram guardados na memória coletiva de um determinado
grupo, sendo relevantes para a construção de sua identidade. (NARDI, 2010).
Segundo Souza (2015), o surgimento da abordagem urbana como objeto de
preservação patrimonial está relacionado, de modo genérico, às regiões mais antigas
das cidades, que, frequentemente, estão associadas à formação dos núcleos iniciais
das aglomerações. Por volta da década de 1930, o reconhecimento oficial de valor
das áreas urbanas se manifesta, ainda que superficialmente, com a legislação
francesa de proteção aos sítios e às paisagens, e com a Carta de Atenas, produzida
pelo IV Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM), em 1933. No
entanto, é somente com a redação da Carta de Veneza6, em 1964, que é consolidada
a visão de que o monumento é inseparável do meio em que se situa. (SOUZA, 2015).
Com a Declaração de Amsterdã7, em 1975, a dimensão cultural do ambiente
urbano é ampliada ainda mais, para além dos monumentos e edificações de valor
excepcional com suas áreas circunvizinhas, estendendo-se aos núcleos urbanos e às
cidades de interesse histórico e cultural como um todo. A partir de então, reconhece-
se que o valor de uma cidade não deve se limitar ao monumento e seu entorno, mas
sim, expandir-se a todo tecido urbano e demais edificações que caracterizam esses
valores. Em meio a este contexto, a conservação dessas áreas se torna um dos
aspectos fundamentais a serem considerados no planejamento urbano e territorial de
uma cidade. (SOUZA, 2015).

Deste modo, pensar a preservação do patrimônio urbano significa agora


incluí-lo nos processos de produção da cidade, relativos ao seu
planejamento; assim como, pensar a cidade e nela intervir também passará
necessariamente pela questão da preservação, uma vez que a salvaguarda
dos sítios históricos e sua integração na vida contemporânea são elementos
fundamentais no planejamento das áreas urbanas e no ordenamento do
espaço. (SOUZA, 2015, p. 20).

No contexto nacional, a disseminação dos documentos internacionais que


estavam sendo publicados resulta na elaboração das primeiras cartas patrimoniais

6 Carta internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios. Aprovada no II


Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, pelo Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), de 1964.
7 Carta resultante do Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, aprovada pelo Conselho da

Europa, em 1975.
23

brasileiras, dentre as quais, a Carta de Petrópolis8, de 1987. Souza (2015) aponta


para as mudanças significativas no pensamento acerca do sítio histórico que a carta
apresenta, atribuindo às áreas urbanas um sentido mais abrangente daquele discutido
até então no país.

Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos


do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. [...] O sítio
histórico urbano – SHU – é parte integrante de um contexto amplo que
comporta as paisagens natural e construída, assim como a vivência de seus
habitantes num espaço de valores produzidos no passado e no presente, em
processo dinâmico de transformação, devendo os novos espaços urbanos
ser entendidos na sua dimensão de testemunhos ambientais em formação.
[...] A cidade enquanto expressão cultural, socialmente fabricada, não é
eliminatória, mas somatória. Nesse sentido, todo espaço edificado é resultado
de um processo de produção social, só se justificando sua substituição após
demonstrado o esgotamento de seu potencial sociocultural. (IPHAN, 1987).

Dessa forma, as cidades, enquanto resultado de um desenvolvimento quer


seja ele espontâneo ou planejado, são expressões da diversidade das sociedades
através da história. Além disso, a introdução da noção de imaterialidade ao conceito
de patrimônio cultural possibilitou uma ampliação conceitual também ao centro
histórico: este deixa de ser conformado apenas pela configuração dos elementos
materiais que o compõe, como edifícios, ruas ou praças, e passa a ser constituído
igualmente pelos usos e sentidos atribuídos por seus usuários. Nos espaços urbanos
são estabelecidas relações sociais que imprimem outros valores, tão relevantes
quanto os valores históricos, arquitetônicos ou artísticos. (FIGUEIREDO, 2001).
Portanto, de acordo com Figueiredo (2001), os sítios históricos são definidos
como um conjunto de edificações e espaços que abrigam valores insubstituíveis de
diversidade e identidade urbana, reconhecidos do ponto de vista arqueológico,
arquitetônico, histórico, estético e sociocultural. Esta abordagem do ambiente urbano
como patrimônio implica em uma nova visão sobre a gestão das cidades, que devem
ser entendidas através de uma perspectiva mais ampla, onde os aspectos materiais e
imateriais, bem como a integração entre as áreas patrimoniais e o desenvolvimento
contemporâneo devem ser considerados. (FIGUEIREDO, 2001).
Com a finalidade de recuperar estas áreas e aumentar sua utilização
econômica, as políticas urbanas e regionais de planejamento são elaboradas visando

8Elaborada no 1º Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros Históricos, em


1987.
24

a valorização e exploração dos bens patrimoniais e naturais através do turismo.


(FIGUEIREDO, 2001). Desse modo, atividades que se desenvolvem em lugares com
potencial paisagístico, cultural e histórico, como em cidades do interior ou em meio
rural, têm se apresentado como positivas neste cenário. (BRAMBATTI, 2002).

2.7 CONCEITO DE TURISMO

O turismo, de acordo com Moesch (2000), consiste em um sistema complexo


entre produtos e serviços, relacionados à “[...] uma prática social com base cultural,
com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações
sociais de hospitalidade e trocas de informações interculturais.” (2000, p. 9). A
atratividade de um lugar não se resume apenas ao patrimônio material, mas
igualmente ao patrimônio imaterial. De acordo com Spindler (2013), questões
históricas, sociais, culturais e ambientais contribuem para a contextualização e
importância do lugar como atrativo, esteja ele localizado em meio urbano ou rural.
Segundo Brambatti (2002), o homem contemporâneo anseia por locais
singulares. Atualmente, as pessoas buscam alternativas de entretenimento que
possibilitam aliviar o stress gerado pela modernidade, pelos processos produtivos,
pela incorporação de novas tecnologias e pelo ritmo acelerado dos grandes centros
urbanos. Considerando essa demanda, o turismo rural é uma das modalidades que
vem crescendo, uma vez que os visitantes “[...] buscam anualmente aventura com
segurança, contato com a natureza e a redescoberta dos valores antigos, presentes
na arquitetura, nos costumes e na interatividade com comunidades rurais”
(BRAMBATTI, 2002, p. 7).
Diversas são as interpretações conceituais sobre Turismo Rural. Brambatti
(2002) ressalta a visão de Zimmerman, que o caracteriza “a partir de uma demanda
criada pela necessidade de se contrapor ao turismo de massas, aproveitando os
recursos naturais, respeitando a cultura local, resgatando hábitos e costumes locais,
respeitando o meio ambiente” (ZIMMERMAN apud BRAMBATTI, 2002, p. 9). A
definição adotada pelo Ministério do Turismo é fundamentada em aspectos
relacionados ao turismo, ao território, à base econômica, aos recursos naturais e
culturais e à sociedade. Turismo no Espaço Rural (TER) ou em Áreas Rurais (TAR),
portanto, é entendido como
25

[...] um conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural,


agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o
patrimônio cultural e natural da comunidade. [...] consiste de atividades de
lazer em várias modalidades, definidas com base na oferta: Turismo Rural,
Turismo Ecológico ou Ecoturismo, Turismo de Aventura, Turismo de
Negócios e Eventos, Turismo de Saúde, Turismo Cultural, Turismo Esportivo,
atividades estas que se complementam ou não. (MINISTÉRIO DO TURISMO,
2010, p. 17).

Brambatti (2002), por sua vez, ao fazer uma relação entre roteiros turísticos,
patrimônio histórico e turismo rural, o define como “[...] um turismo de encontro, um
turismo local, desejado e gerido pelos próprios residentes; um turismo de partilha...
um turismo de gestão local, de impacto local, marcado pelas paisagens locais e
valorizador da cultura local” (2002, p. 11).
Neste contexto, Spindler (2013) aponta para a importância do patrimônio
arquitetônico como um dos principais atrativos, no qual a materialidade das
edificações representa o suporte do tempo in loco. Através da valorização e
preservação do patrimônio histórico e cultural, seja material ou imaterial, aumenta o
sentimento de pertencimento das pessoas nesses locais. De acordo com Spindler
(2013), características como estas podem ser observadas nos roteiros turísticos
desenvolvidos na região da Serra Gaúcha, onde os saberes e fazeres transmitidos ao
longo de gerações são transformados em produtos oferecidos aos visitantes.
Brambatti (2002) ressalta:

Os roteiros, enquanto ações concretas de re-invenção das tradições, são o


espaço privilegiado para o desenvolvimento das ações comunitárias, de
pertencimento, de organização associativa, de atividades criadoras, onde a
ação coletiva adquire uma dimensão social que transcende o meramente
econômico. (BRAMBATTI, 2002, p. 9).

Brambatti afirma, ainda, que os roteiros são “percursos, caminhos, rotas


percorridas por turistas, com o objetivo de usufruir de um contexto, visto no seu
conjunto, de forma organizada e atrativa” (2002, p. 15). O autor também alerta para a
necessidade e a importância do planejamento, no sentido de transformar a paisagem
natural e os edifícios de interesse em atrativos turísticos, complementares aos demais
equipamentos de infraestrutura, como hotéis, restaurantes, lojas comerciais,
artesanato, prestadores de serviços de transportes e guias. Segundo Brambatti
(2002):
26

A paisagem que se funde com a arquitetura. Esta por sua vez abriga as
atividades produtivas, dando lugar ao movimento e à dinâmica econômica.
Tudo adquire cor e vida pela cultura, pelas marcas características das
identidades locais, expressas na língua, na gastronomia, nos costumes, na
forma de viver, de interagir, de estar no mundo e de se comunicar com os
outros. O roteiro surge então como algo próprio do lugar. (BRAMBATTI, 2002,
p. 16).

Além desses aspectos, o turismo rural é uma atividade que une a valorização
do ambiente rural à exploração econômica, a qual resulta em melhorias significativas
nas condições de vida das famílias que vivem no campo. Ao estimular a permanência
dos moradores nas áreas rurais, a diversificação das formas de trabalho com a
atividade turística gera um significativo retorno econômico aos proprietários rurais,
agricultores familiares e camponeses, uma vez que as atividades não-agrícolas
constituem, cada vez mais, formas complementares de geração de renda no meio
rural. Ainda que recentes, o setor já conta com uma série de investimentos, com
projetos que visam à conservação do patrimônio histórico e cultural, a preservação do
meio ambiente, a qualificação e capacitação das pessoas envolvidas e o
aproveitamento de seu potencial de utilização para o turismo. (SPINDLER, 2013).
O turismo desempenha um papel essencial na preservação e no resgate do
patrimônio cultural edificado de um local, a partir do interesse que o turista demonstra
pela história e cultura do mesmo. Por isso, é fundamental associá-lo ao mercado
turístico, de modo a preservar sua integridade. (SPINDLER, 2013).
27

3 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS

3.1 CONTEXTO GEOGRÁFICO

O município de Veranópolis está situado no nordeste do estado do Rio Grande


do Sul, na chamada região turística da Serra Gaúcha. Atualmente, faz divisa com os
municípios de Vila Flores (ao norte), Bento Gonçalves (ao sul), Antônio Prado e Nova
Roma do Sul (a leste), e Cotiporã e Fagundes Varela (a oeste), distando 170 km da
capital estadual Porto Alegre. Veranópolis é parte integrante da Associação dos
Municípios da Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul (AMESNE), criada
em 1966, bem como do Conselho Regional de Desenvolvimento da Serra Gaúcha
(COREDE Serra), criado em 1991, pertencendo à Região Funcional de Planejamento
3 (RF3). (Perfil Socioeconômico – COREDE Serra, 2017).

Figura 1 - Municípios integrantes do COREDE Serra

Fonte: Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul (2017), adaptado pela autora.
28

Veranópolis apresenta uma população aproximada de 25.000 habitantes,


segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para
2017 (22.810 habitantes registrados no Censo Demográfico de 2010), distribuídos em
uma área territorial de 289,342 km². Com densidade demográfica de 78,84 hab/km²,
80% da população é residente da área urbana, a qual compreende 9 km² do território.
(IBGE, Censo Demográfico de 2010).
Como características geográficas, destaca-se a grande variação do relevo ao
longo do território. A área relativamente plana, sem grandes variações, é percebida
no perímetro urbano do município, sendo o fator determinante para a ocupação do
território na área central. A área situada ao longo dos limites leste e sul é caracterizada
por vales sinuosos, com inclinações acentuadas que variam de 80 à 600 metros de
altitude em relação ao nível do mar. As condições geográficas foram fundamentais na
ocupação do território, inclusive em relação à definição das principais conexões da
cidade com seus municípios vizinhos. (LAGO, 2014).

Figura 2 - Delimitação do perímetro atual de Veranópolis

Fonte: a autora, com base em LAGO (2014).


29

3.2 PROCESSO EVOLUTIVO

O ano de 1824 foi marcado pela chegada dos primeiros imigrantes, alemães,
em terras do estado do Rio Grande do Sul, instalando-se inicialmente em São
Leopoldo, e aos poucos, apropriando-se da região da planície. De acordo com
Baldissera (2011), as condições físicas e geográficas inviabilizaram a ocupação
espontânea em parte do território, sendo necessário um projeto de colonização, por
iniciativa dos governos imperial e provincial, para o povoamento das terras da Região
Nordeste do estado. Quase ao final do século XIX, inicia-se o processo de ocupação,
principalmente por imigrantes italianos, da encosta superior nordeste da então
Província, hoje Estado do Rio Grande do Sul.
O processo de colonização no sul diferenciava-se do restante do país, onde o
objetivo primordial era a substituição da mão-de-obra escrava. O modelo era proposto
“[...] com base no regime da pequena propriedade, com mão-de-obra composta por
brancos livres, através do trabalho familiar” (BALDISSERA, 2011, p. 52). Além disso,
segundo Baldissera (2011), o território era dividido em léguas ou travessões, com
locais previamente estabelecidos como sedes, encarregados da administração-geral
e controle da ocupação.
Os primeiros núcleos da região, estabelecidos em 1870, Conde D’Eu9 e Dona
Isabel10, não obtiveram sucesso nos primeiros anos quanto à ocupação, recebendo
levas significativas de imigrantes apenas a partir de 1875. Com o aumento do fluxo de
imigração, implantou-se um terceiro núcleo neste mesmo ano, a Colônia Fundos de
Nova Palmira, a qual em 1877 passou a se chamar Colônia Caxias11. (FROSI e
MIORANZA, 2009).
De acordo com Farina (1992), embora algumas das colônias de imigrantes
terem sido formadas a partir da ocupação de áreas devolutas, as terras que originaram
o atual município de Veranópolis pertenciam à fazendeiros de Lagoa Vermelha, não
se encontrando totalmente desocupadas. Em 1878, a Estrada Buarque de Macedo
permitiu o surgimento de um importante caminho para os tropeiros, ligando o
município de Lagoa Vermelha à São João de Montenegro e possibilitando o

9 Da Colônia Conde D’Eu foram desmembrados os atuais municípios de Garibaldi e Carlos Barbosa
(FROSI e MIORANZA, 2009).
10 A Colônia Dona Isabel representa hoje o município de Bento Gonçalves (FROSI e MIORANZA, 2009).
11 A Colônia Caxias compreende os municípios de Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha e São

Marcos (FROSI e MIORANZA, 2009).


30

escoamento de produtos para o sul. Ao longo da estrada que atravessava toda a


colônia, acabou se formando um local de encontro e repouso, em área de relevo
favorável e fácil exploração, conhecido como “Roça Reúna”.
Com a ocupação das terras pertencentes a Colônia Dona Isabel, os diversos
imigrantes que ainda chegavam no país, em 1884, começaram a atravessar o Rio das
Antas, o qual formava um vale profundo, margeado por terras acidentadas e
irregulares. Com recursos do Governo Imperial, fundou-se a Colônia Alfredo Chaves12
em 1884, como distrito do município de Lagoa Vermelha. A colônia, então detentora
de 93.500 hectares, era menor somente que a Colônia Caxias, com 100.000 hectares.
Além desta, foram fundadas, também, a Colônia Antônio Prado13 (1885) e a Colônia
Guaporé14 (1890). (FROSI e MIORANZA, 2009).

Figura 3 - Mapa das colônias italianas

Fonte: Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul, Porto


Alegre (FROSI e MIORANZA, 2009, p. 57).

12 A Colônia de Alfredo Chaves constitui os atuais municípios de Veranópolis, Nova Prata, Vista Alegre
do Prata, Nova Bassano, Vila Flores, Fagundes Varela e Cotiporã (FROSI e MIORANZA, 2009). O
nome foi escolhido em homenagem ao político Alfredo Rodrigues Fernando Chaves, Diretor Geral da
Colonização em 1875 (FARINA, 1992).
13 A Colônia Antônio Prado é representada pelo atual município de mesmo nome (FROSI e MIORANZA,

2009).
14 A Colônia Guaporé compreende, hoje, os municípios de Muçum, Guaporé, Serafina Correa, Casca

e o distrito de Vila Maria, em Marau (FROSI e MIORANZA, 2009).


31

Na Colônia Alfredo Chaves, segundo Farina (1992, p. 23), tendo como “[...]
espinha dorsal a Estrada Buarque de Macedo, foram traçadas linhas ou secções de
dois em dois quilômetros em cada lado da futura Estrada Geral”. Em seguida, eram
demarcados os lotes coloniais, com uma área de aproximadamente 250 mil metros
quadrados, onde cada colono possuía o prazo de dois anos para a liquidação da dívida
referente à aquisição da colônia de terras. A ocupação inicial da vila ocorreu na porção
mais baixa do território, atual Palugana, devido à presença de inúmeras vertentes no
local. Conforme as demais linhas foram sendo ocupadas, surgiram as primeiras
aglomerações fora da zona central da localidade, que vieram a se tornar distritos de
Alfredo Chaves. No mapa abaixo, observa-se a distribuição dos lotes coloniais e as
áreas inicialmente de posse dos fazendeiros, loteadas somente em um segundo
momento (LAGO, 2014):

Figura 4 - Colônia de Alfredo Chaves, final do séc. XIX

Fonte: Prefeitura Municipal de Veranópolis, adaptado pela autora


com base em LAGO (2014).

Inicialmente, a administração da colônia ficou a cargo do engenheiro Dr. Júlio


da Silva de Oliveira, responsável pela coordenação do traçado das ruas e avenidas
da sede, inclusive da Praça da Matriz. Em 1888, é inaugurada a primeira igreja,
32

substituída pela atual Igreja Matriz, em 1910. Assim como em outras cidades, o
conjunto praça e igreja foi de fundamental importância para a formação da vila,
atuando como uma forte centralidade, em torno do qual o traçado e os principais
equipamentos urbanos se consolidaram. (FARINA, 1992).
Farina (1992) ressalta que, em 1892, o rápido desenvolvimento da localidade
resultou no desmembramento de Lagoa Vermelha, elevando a colônia à categoria de
Vila, com o nome de Benjamin Constant. Entretanto, devido à enorme carga tributária
que começou a ser cobrada, a mesma retornou a condição de distrito, de modo que o
desmembramento oficial ocorreu somente em 1898, quando foi definitivamente
emancipada à condição de Vila de Alfredo Chaves. Nessa época, a mesma era
constituída por quatro distritos, Capoeiras15, Monte Vêneto16, Bela Vista17, e Sede, os
quais são demonstrados no mapa a seguir:

Figura 5 - Município de Alfredo Chaves e seus distritos (1898)

Fonte: Prefeitura Municipal de Veranópolis, adaptado pela autora


com base em LAGO (2014).

15 O decreto nº 3.352, de 11 de agosto de 1924, desmembrou o distrito de Capoeiras e criou o município


de Prata (IBGE).
16 O distrito de Monte Vêneto é emancipado pela Lei Estadual de 12 de maio de 1982, recebendo o

nome de Cotiporã (IBGE).


17 Em plebiscito realizado em 20 de setembro de 1987, o distrito de Bella Vista é emancipado, passando

a se chamar Fagundes Varela (IBGE).


33

De acordo com um relatório apresentado pelo intendente Coronel Achilles


Taurino de Resende (apud COMARÚ, 2011) ao Conselho Municipal da época, em
1915, Alfredo Chaves apresentava características que iam além de uma localidade
economicamente agrícola:

[...] contava com mais de duas dezenas de alfaiatarias, alambiques, ateliers


fotográficos, cafés, mais de trinta carijos (local próprio para o processamento
da erva-mate), mais de uma dezena de casas de pasto, mais de uma
quinzena de curtumes, mais de trinta carpintarias, consultórios médicos,
fábricas de louça, escritórios de advogados, fábricas de açúcar, cerveja,
queijo, refrigerantes, foguetes, pólvora. Havia também empresas
beneficiadoras de café, ferrarias e quase uma dezena de hotéis; existiam
livrarias, cerca de quarenta moinhos, ourivesarias, serrarias à vapor e
hidráulicas, entre outras variadas atividades industriais e comerciais que,
além da prática agrícola e da criação de animais, compunham a estrutura
econômica do município então detentor da primeira Usina de Geração de
Energia Elétrica do interior do RS, que fornecia energia para a então Vila de
Alfredo Chaves. (COMARÚ, 2011, p. 63).

Durante as décadas de 1920 até 1960, o escoamento de produtos e


mercadorias era realizado por meio de balsas, tropas, carroças e, ao final deste
período, por caminhões. Lago (2014) destaca a importância das balsas, muito
utilizadas quando se fazia necessário a travessia dos rios Carreiro (conexão com a
Colônia Guaporé), Prata (ligação com a Colônia Antônio Prado) e das Antas
(conectando à Colônia Dona Isabel). O Rio das Antas, por ser o mais navegável na
época, era responsável pelo escoamento de mercadorias, principalmente madeira, até
Montenegro e outros centros consumidores do período. (LAGO, 2014).
Em 1952, inaugurou-se a Ponte Ernesto Dornelles entre os municípios de
Veranópolis18 e Bento Gonçalves, que juntamente com a realização da Rodovia RSC-
470 (atual BR-470), facilitou o transporte da produção e favoreceu o fluxo de toda a
região. A construção da ponte também permitiu que novas indústrias, que já não
surgiam no núcleo urbano consolidado, pudessem se instalar ao longo da RSC-470.
Em função disso, o centro urbano gradativamente fortaleceu suas características de
comércio, serviço e o uso residencial, enquanto a rodovia se caracterizou por constituir
um eixo de indústrias e comércio de bens duráveis. (LAGO, 2014).

18 Em 1941, o Conselho Nacional de Geografia (IBGE) oficializa um decreto, a nível nacional, que
elimina o nome de vilas e cidades duplicados. Devido à existência de um município mais antigo no
Espírito Santo com o mesmo nome, Alfredo Chaves passa a se chamar Veranópolis, cujo nome significa
“cidade de veraneio”. A escolha do nome ocorreu em função da vocação que o local possuía para o
turismo, sendo este o cenário de veraneio de muitas famílias, inclusive da capital, em períodos
anteriores à 1944. (FARINA, 1992).
34

Ao longo dos anos, o município sofreu uma série de mudanças, as quais


resultaram na emancipação de diversos distritos e, consequentemente, em uma
diminuição significativa de sua área territorial. Tais desmembramentos representam,
hoje, os municípios de Nova Prata, Vista Alegre do Prata, Nova Bassano, Vila Flores,
Fagundes Varela e Cotiporã. (FARINA, 1992).
A partir da emancipação de Vila Flores, em 1988, Veranópolis passou a ter o
perímetro municipal que está em vigor até os dias atuais, compreendendo os distritos
de Lageadinho, Monte Bérico e Sapopema. Desde então, a evolução da cidade é
caracterizada, entre outros aspectos, por investimentos no setor turístico e à
implantação de usinas hidrelétricas de geração de energia, causando impactos
significativos tanto na paisagem natural do município, quanto no crescimento
populacional. (LAGO, 2014).

3.3 TURISMO EM VERANÓPOLIS

Os primeiros registros encontrados sobre a atividade turística em Veranópolis


datam de 1920, quando a cidade já apresentava, dentro de suas proporções, um
grande desenvolvimento urbano, associado à belas edificações e atividades culturais,
semelhantes às encontradas apenas na capital, Porto Alegre. Nessa época, de acordo
com Comarú (2011), os visitantes chegavam à cidade em busca das muitas diversões
culturais que o local oferecia, como teatros, festas, comemorações e carnavais. Os
anos de 1920 à 1950 representaram um período de novas ideias e forças comerciais,
aliado as novas facilidades nos transportes e sistemas de comunicação. Além disso,
a existência de energia elétrica na colônia de Alfredo Chaves, desde 1912, permitia:

[...] seções de cinema com seus filmes mudos, animados por músicos ou,
posteriormente, sonorizados. Possibilitava aos teatros, clubes e sociedades
recreativas, como a Principe di Piemonte, a Cavalheiros do Luar ou a
Sociedade Carnavalesca dos Tiriricas, maior animação nas várias
festividades realizadas. A urbanidade se refletia na Orquestra Carlos Gomes,
nas bandas de música, nos passeios realizados pela cidade e pelo interior.
(COMARÚ, 2011, p. 90).
35

Figura 6 (à esquerda) - Café Zanchetta, em meados dos anos 1920


Figura 7 (à direita) - Ampliado anos depois, o Café Zanchetta19 se tornou um importante hotel

Fonte das imagens: Acervo Elígio Parise.

Figura 8 - Foto da década de 1940, com o antigo prédio da Sociedade Alfredochavense (Principe di
Piemonte), com o Banco do Comércio, à esquerda e a antiga Prefeitura, à direita (todos demolidos)

Fonte: Acervo Elígio Parise.

No entanto, os fenômenos comportamentais que surgiam das festividades não


eram bem avaliados segundo os padrões estabelecidos pelas classes conservadoras
da época, as quais buscavam controlar e orientar as posturas sociais da localidade.
Comarú (2011, p. 91) ressalta que “[...] os religiosos de Alfredo Chaves creditavam às
diversões e/ou relações dadas entre veranistas e neo-vindos, a possível fonte de todo
mal social, além das prováveis influências nefastas desencadeadas sobre a
localidade”.

19Segundo Dalla Coletta (1998, apud COMARÚ, 2011), era tão grande a procura por vagas no Hotel
Zanchetta, um dos principais da cidade, que as reservas para os visitantes que vinham veranear em
Veranópolis eram realizadas ainda na capital, através de familiares do então diretor do hotel, residentes
em Porto Alegre.
36

Contrário à valorização das atividades urbanas e do atrativo baseado no


conceito de urbanidade, se inicia no município, por volta da década de 1950, a
construção de um novo modelo turístico, até então inexistente, onde a natureza local
passa a ser o principal elemento norteador. De modo discreto, religiosos e
governantes começam a ressaltar as belezas naturais da cidade, destacando-a como
“[...] um lugar alto, montanhoso, cortado por rios por todos os lados, águas boas, clima
esplêndido no verão, rigoroso porém no inverno” (COMARÚ, 2011, p. 91).

Figura 9 (à esquerda) - Vista da ponte Ernesto Dornelles (1952) sobre o Rio das Antas (Foto: 1962)
Figura 10 (à direita) - Vista aérea do vale e da Estação São Luiz (Foto: 1962)

Fonte: Acervo Elígio Parise.

Desse modo, enquanto na década de 1920, a cidade e suas atrações eram


oferecidas aos visitantes, o novo modelo apresentou um turismo desvinculado do
cotidiano da mesma. “A cidade, enquanto produto e/ou representação da arte e
cultura, passa a ser subordinada a essa nova proposta, onde o exercício da cultura é
substituído pela contemplação da paisagem” (COMARÚ, 2011, p. 93). Como
resultado, obteve-se o fortalecimento dos aspectos naturais no cenário turístico da
cidade, tornando-se uma característica importante para os visitantes que perdura até
os dias atuais. Contudo, atualmente, alguns dos atrativos culturais edificados no
município refletem as consequências do período em que a prioridade dos
investimentos do setor estava relacionada à natureza local. (COMARÚ, 2011).
Atualmente, novos canais de turismo são criados no município por meio de
incentivos e parcerias com a ATUASERRA, associação que tem como objetivo unificar
e fomentar projetos e ações voltadas à promoção de atividades turísticas da região
nordeste do Rio Grande do Sul.
37

4 LEVANTAMENTO DE PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO

4.1 PROJETO VICTUR/URBAL

O Projeto VICTUR/URBAL - Valorização do Turismo integrado à Identidade


Cultural dos Territórios, foi uma parceria, realizada em 2007, que envolveu
colaboradores de cinco países (Brasil, Uruguai, Chile, Itália e Espanha). Criado por
três municípios brasileiros, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Flores da Cunha,
juntamente com a Associação de Turismo Estrada do Imigrante (ASSOTUR), o
objetivo do projeto, financiado pela Comissão Europeia, é o de estimular o
desenvolvimento do turismo integrado à cultura de cada comunidade. (TONUS, 2007).
Para a realização do VICTUR foram necessárias diversas ações, entre as
quais: a Planificação e Tutela Territorial; o Inventário do Patrimônio Histórico Rural de
Caxias do Sul; a Determinação do Potencial para Denominação de Origem
Controlada; a Digitalização de Arquivos Fotográficos e Museu Virtual; e a implantação
de centros formativos como o Centro de Empreendedorismo de Artes e Ofícios 20, o
Núcleo de Produção Audiovisual21 e a Escola de Agriturismo Sul22. (TONUS, 2007).
A partir do reconhecimento da diversidade cultural existente em Caxias do
Sul, cidade coordenadora do projeto, o trabalho realizado buscou compreender a
identidade cultural do município, transformando-a em vantagens e potencialidades.
Mediante a execução de levantamentos e identificação de eventos, sítios, locais,
ruínas, elementos materiais e imateriais de expressão histórica, cultural, paisagística
e arquitetônica, em zona urbana e rural, identificou-se as áreas com potencial para o
desenvolvimento da atividade turística. Como resultado, ficaram então definidas
Zonas de Interesse Turístico (ZIT)23 e Setores Especiais de Interesse Patrimonial,
Histórico e Paisagístico (SIH)24 na cidade. (TONUS, 2007).

20 Implantado em Bento Gonçalves (TONUS, 2007).


21 Implantado em Flores da Cunha (TONUS, 2007).
22 Implantado em Caxias do Sul (TONUS, 2007).
23 “ZIT - São áreas com potencial turístico, cuja delimitação visa incentivar este uso, constituídas por

ocupação mista com predominância das atividades residencial, comercial, de prestação de serviços e
pequenas indústrias voltadas à vocação peculiar de cada região, incentivando a geração de emprego
e renda.” (TONUS, 2007, p. 20).
24 “SIH - São áreas formadas por sítios, locais, ruínas e conjuntos antigos de relevante expressão

arquitetônica, histórica, cultural, paisagística e arqueológica, cuja manutenção seja necessária à


preservação de patrimônio histórico-cultural do município.” (TONUS, 2007, p. 20).
38

Dentro do subprojeto de Inventário do Patrimônio Histórico Rural, Tonus


(2007) afirma que a proposta inicial consistia em realizar os levantamentos apenas
em Roteiros Turísticos, visando a geração de um produto capaz de subsidiar ações
públicas e privadas em diversas áreas, como planejamento, educação, cultura e,
principalmente, turismo. Entretanto, percebeu-se que muitas regiões de interesse
seriam excluídas dos levantamentos, redefinindo-se a área de abrangência para o
município como um todo.
O objetivo principal do subprojeto consistiu em “preservar o Patrimônio
Histórico Cultural do Município de Caxias do Sul, conhecendo o que resta deste
patrimônio edificado, para estabelecer políticas de incentivo ao turismo cultural e de
preservação destes bens culturais” (TONUS, 2007, p. 62). Ainda, “o cadastramento e
o inventariamento dos bens arquitetônicos e/ou artísticos forma o suporte necessário
para o conhecimento de todas as variáveis do contexto passado que interferiram ou
interferem sobre a forma de percepção dos objetos de hoje.” (BENÉVOLO, 1994 apud
TONUS, 2007, p. 62).
O estudo buscou, em um primeiro momento, entender de que maneira ocorreu
ocupação do local e os desmembramentos posteriores, na intenção de adquirir a
melhor compreensão do território. Além disso, levou-se em conta o papel fundamental
que os eixos e as estradas desempenharam na ligação das colônias com os demais
centros consumidores do período. Quanto aos bens arquitetônicos, foram utilizados
referenciais tipológicos que tivessem relação com a produção arquitetônica dos
colonizadores. (TONUS, 2007).
O foco do trabalho foi a “[...] seleção de bens edificados e, em particular, na
análise e identificação das tipologias e morfologias arquitetônicas; na produção
artística e nos ornamentos neles presentes e em atribuição de valores aos bens
classificados.” (TONUS, 2007, p. 49). Levando em conta a formação cultural
preponderante, iniciou-se o levantamento pelo reconhecimento das edificações
religiosas e seu entorno, normalmente constituído por campanário, cemitério, salão e
residências, uma vez que “[...] no legado da imigração europeia e especialmente a
matriz cultural de origem italiana, a coesão do grupo se deu pela religiosidade católica
praticada nos pequenos templos – capelas” (TONUS, 2007, p. 49).
A partir de percursos pré-definidos, além da arquitetura religiosa, o trabalho
compreendeu o mapeamento e registro fotográfico da arquitetura civil, bem como a
documentação de alguns ofícios e artesanatos, escolhidos em função da antiguidade
39

e permanência, como representantes das formas de viver e fazer. A fim de dar conta
destas atividades, o projeto contou com serviços prestados pela Universidade de
Caxias do Sul, por intermédio do estudo dos Elementos Culturais da Imigração Italiana
no Nordeste do Rio Grande do Sul (ECIRS)25, além de profissionais e alunos do curso
de graduação em Arquitetura e Urbanismo. (TONUS, 2007).
Para o cadastramento dos bens, adotou-se a Ficha de Inventário de
Identificação produzida pelo ECIRS, baseada no modelo do Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia (IPAC/BA), que necessariamente foi adaptada às
condições do levantamento em um segundo momento.
Inicialmente, a Prefeitura Municipal de Caxias do Sul propôs o levantamento
geral das sessenta capelas elencadas no mapeamento do Plano Diretor Municipal,
apontadas como objetos de interesse de preservação. A partir da localização das
mesmas, estabeleceram-se então as regiões principais e os percursos pelos quais
seriam cadastrados os bens considerados excepcionais, em número máximo de cinco
elementos por localidade. No entanto, com o andamento do projeto, além das capelas
listadas previamente, o levantamento contemplou outras capelas, bem como um
número maior de edifícios de caráter civil.
O mapeamento e levantamento de dados resultantes do projeto são de
fundamental importância no sentido de alimentar diretrizes, ações e programas que
possam garantir a permanência e preservação do patrimônio cultural regional.
(TONUS, 2007).

4.2 ÁREA DE ESTUDO: VILA AZUL

A área estabelecida para a realização do levantamento de patrimônio cultural


edificado, juntamente com a Secretaria de Turismo e Cultura de Veranópolis,
compreende a Comunidade de Santo Antão Abade, popularmente conhecida como
“Vila Azul”. Localizada ao sul do perímetro urbano da cidade, além de guardar traços
e características que influenciaram a constituição de Veranópolis, a localidade se
apresenta articulada à importantes atrativos turísticos da cidade, como a Cascata da

25Desde 1978, o Programa ECIRS, vinculado ao Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC), da
Universidade de Caxias do Sul, se dedica ao levantamento sistemático dos bens e resgate dos valores
culturais das comunidades da região, com o objetivo de preservação e valorização desses elementos.
40

Usina Velha26, o Parque dos Três Monges e a Rota Turística Segredos da Maçã27. Na
intenção de compreender sua relevância no processo de formação do município,
serão abordados, a seguir, aspectos históricos fundamentais que envolvem o
desenvolvimento do local.
Anterior ao surgimento da Colônia de Alfredo Chaves, em 1878, a Estrada
Geral Buarque de Macedo28 já configurava um importante eixo de deslocamento entre
os municípios de Lagoa Vermelha e São João de Montenegro, conforme citado
anteriormente, possibilitando o escoamento de mercadorias para o sul do estado.
Conhecida como a antiga Rota dos Tropeiros, a estrada percorria em um dos trechos
a atual comunidade de Vila Azul, onde, inicialmente, viviam algumas poucas famílias
proprietárias de terras. Mais tarde, novas vias começaram a ser configuradas a partir
desta, desenvolvendo progressivamente o fluxo local. (COSTA, 1998).
De acordo com Farina (1992), por volta de 1887, os imigrantes italianos que
residiam na localidade, estabelecidos ao longo de ambas as margens da Estrada
Geral, construíram a primeira capela em madeira29. Com o tempo, em função das
inúmeras famílias que se apropriaram dos lotes da região, houve a necessidade de
erguer um novo edifício em alvenaria. Desse modo, construiu-se o Capitel de San
Marco, o mais antigo do município e que resiste até os dias atuais, cujo campanário é
datado de 1901. (FARINA, 1998).
Vila Azul teve grande importância para o desenvolvimento econômico de
Veranópolis. Além de receber a instalação do primeiro moinho da região, construído
por Alessandro Pagnoncelli, contava com diversos estabelecimentos do setor
alimentício, como abatedouros, indústria de queijos, fábrica de geleias e mandolates.
Ao longo da Estrada Geral, algumas residências ofereciam pouso aos tropeiros.
Havia, ainda, um hotel, de propriedade da família Missaglia, e a ferraria de Fioravante
Pessin, conhecida por todos os viajantes da região, onde os carreteiros que
transportavam madeira até o Rio da Antas costumavam ferrar os animais e consertar
suas carretas, quando necessário. (COSTA, 1998).

26 A Cascata da Usina Velha, como é popularmente conhecida nos dias de hoje, localiza-se próximo à
comunidade de Vila Azul e consiste em um dos principais atrativos turísticos do município.
(PREFEITURA MUNICIPAL, 2016).
27 A Rota Turística Segredos da Maçã compreende as comunidades de Lageadinho e Monte Bérico.
28 Um importante trecho da antiga Buarque de Macedo conecta, atualmente, Vila Azul às comunidades

de Lageadinho e Monte Bérico. (COSTA, 1998).


29 Posteriormente, a capela de madeira seria substituída por outra mais ampla, em estilo gótico e

alvenaria de tijolos artesanais. Este edifício foi utilizado pela comunidade até 1981, quando construiu-
se a atual Capela de Santo Antão Abade, inaugurada em 1985. (PREFEITURA MUNICIPAL, 2016).
41

A Usina Velha, como é popularmente conhecida nos dias atuais, foi a primeira
usina de geração de energia elétrica do interior do estado do Rio Grande do Sul. A
construção da represa e casa de máquinas exigiu grandes esforços, principalmente
quanto ao transporte de materiais, em função de sua localização de difícil acesso. Os
geradores da hidroelétrica foram transportados ao longo de caminhos precários, por
meio de “slitas” (trenós) puxadas por juntas de bois. Em julho de 1912, inaugurou-se
a luz elétrica na Vila de Alfredo Chaves, considerada uma das melhores do estado.
(FARINA, 1998).
Por volta da década de 1920, Fioravante Pessin deu início, em Vila Azul, à
indústria de palhas para a fabricação de cigarros e canudos para refrigerantes, com a
marca de nome Satélite. A atividade assumiu tamanha relevância que a Estação
Experimental de Alfredo Chaves, atual unidade da Fundação Estadual de Pesquisa
Agropecuária de Veranópolis (FEPAGRO), começou a realizar pesquisas de
hibridação de milho, no intuito de melhorar a qualidade dos produtos que eram
comercializados para todo o Brasil. A Fábrica de Palhas Satélite era responsável por
empregar diversos funcionários, oferecendo-lhes remuneração considerável e
moradias. Todas as residências de sua propriedade eram pintadas de azul, enquanto
outras, por sua influência, acabaram sendo pintadas da mesma cor, originando, assim,
o nome da comunidade. (COSTA, 1998).
Segundo Costa (1998), a Fábrica de Armas Boito, uma das mais importantes
indústrias de Veranópolis até os dias de hoje, também teve seu começo em Vila Azul.
Em 1921, João Boito, imigrante italiano, ao se estabelecer no local, começou a
produzir, artesanalmente, algumas armas sob encomenda. Na década de 1940,
fundou-se na comunidade uma pequena empresa. Em 1955, Elias Ruas Amantino,
um dos empreiteiros que havia concluído várias obras na ferrovia do Rio das Antas,
associou-se à família Boito, dando início à produção de espingardas em série. Em
épocas de maior produção, a fábrica chegou a ter mais de mil funcionários. (FARINA,
1998).
Atualmente, em virtude desses aspectos, verifica-se que o sítio em questão
apresenta uma série de elementos, tanto edificados quanto naturais, carregados de
valores culturais que permanecem guardados na memória dos moradores e são
fundamentais para a construção da identidade de Veranópolis. Desse modo, a
identificação dos edifícios que contribuem para a preservação desta memória é
42

indispensável para o seu resguardo e para o desenvolvimento da atividade turística


do município.

4.3 REGISTRO DO ACERVO

A demanda proposta pelo campo de estágio – Prefeitura Municipal de


Veranópolis – consiste na realização do levantamento de patrimônio cultural edificado,
localizado, em sua maioria, na área rural do município, com vistas a incentivar o
turismo. Fundamentado na experiência implementada em Caxias do Sul, através do
Projeto VICTUR/URBAL, este levantamento tem por objetivo sustentar dados e
informações que contribuirão com o Plano Municipal de Turismo 30 e com futuras
políticas de planejamento e preservação do conjunto patrimonial cultural edificado do
município de Veranópolis.
A abordagem para a realização dos levantamentos se utilizou da experiência
do Projeto VICTUR, a qual orientou a elaboração das diretrizes para a identificação
do patrimônio cultural edificado. Desse modo, a fim de determinar a área a ser
estudada, iniciou-se com o levantamento das capelas religiosas existentes no território
como um todo, as quais, de acordo com Tonus (2007), foram responsáveis pela
ocupação e organização social da colônia. Nos primórdios da imigração italiana,
desde o assentamento até a adaptação no território, a religião representou um elo
fundamental entre os imigrantes e a comunidade. Sua religiosidade levou a
construção de núcleos funcionais de concentração religiosa, através dos quais os
colonos encontraram um modo de reconstruir seu mundo cultural, em torno da capela
e das atividades comunitárias por ela congregadas (TONUS, 2007).
Neste primeiro levantamento, foram identificadas trinta comunidades com
capelas religiosas, conforme é possível observar na figura a seguir (ampliação do
mapa no Anexo A).

30O Plano Municipal de Turismo (PMT) apresenta as orientações estratégicas para o desenvolvimento
da atividade turística, de 2016 a 2025, estabelecendo as prioridades e as ações necessárias para
alcançá-las de maneira ordenada, integrada e eficiente. (PMT, 2016).
43

Figura 11 - Capelas religiosas do município de Veranópolis

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).

Após identificadas as capelas religiosas, juntamente com a Secretaria de


Turismo e Cultura do município, determinou-se o local em que o levantamento seria
realizado. A área que compreende a comunidade de Vila Azul foi definida em função
de sua importância para o desenvolvimento de Veranópolis, sendo possível verificar,
até hoje, a presença de edificações que marcam a época da imigração e da passagem
dos tropeiros pela região. Além disso, conforme mencionado anteriormente, a área
apresenta características relevantes quanto à sua localização geográfica, atuando
como um local estratégico de conexão com outros atrativos turísticos do município
(Figura 12).
44

Figura 12 - Localização da área de estudo

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).

Em um segundo momento, elencou-se os percursos mais significativos que


constituem a área de estudo, sendo que cada um destes apresenta particularidades
que o identificam. O primeiro é representado pela Estrada Buarque de Macedo, antigo
caminho de passagem dos tropeiros. Com aproximadamente 3,5 km, a Rota dos
Tropeiros tem início no Restaurante Giratório Mascaron, bairro Medianeira, segue em
direção à capela comunitária de Santo Antão Abade e finaliza na BR-470, em Vila
Azul. O percurso apresenta maior concentração de pessoas e atividades, com
edificações características do período de fundação e início do desenvolvimento do
município, que funcionavam como pousadas, ferrarias e armazéns.
O segundo trajeto compreende a Estrada para a Capela de San Marco e a
Rua Casemiro Eco, com início em uma das conexões que dão acesso à Vila Azul, na
BR-470. Com cerca de 5,5 km, este percurso é qualificado pelo seu potencial turístico
45

devido à presença da Cascata da Usina Velha e o Parque dos Três Monges. A área,
portanto, caracteriza-se como uma região de contínuas paisagens naturais, além de
áreas de cultivo agrícola.
De modo a ampliar a pesquisa, percorreu-se, também, as proximidades dos
caminhos inicialmente estabelecidos. A Figura 13 demonstra o roteiro principal,
Percurso dos Tropeiros e Percurso das Cascatas, juntamente com os caminhos
adjacentes selecionados para o desenvolvimento do trabalho.

Figura 13 - Roteiros principais e adjacentes

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).

Simultaneamente à caracterização da área na qual o estudo foi realizado,


buscou-se compreender conceitos relevantes quanto à delimitação de patrimônio
cultural, diretamente relacionado à conceituação de memória e identidade de um
grupo, bem como a importância de sua conservação e o surgimento da abordagem
do urbano como patrimônio. Com isto, iniciou-se o levantamento de campo nos
trajetos definidos, mapeando e registrando através de fotografias as edificações que
apresentassem elementos singulares em sua arquitetura, características da imigração
italiana na região, além do reconhecimento de aspectos vinculados à memória dos
indivíduos locais, quando possível.
46

Ao longo dos percursos, verificou-se uma grande variedade de tipologias


arquitetônicas e materiais construtivos, totalizando vinte edificações, dentre as quais
se encontram uma capela31, dois capitéis, um edifício de caráter industrial e
edificações residenciais, que compõem a maior parte dos exemplares. Na intenção de
facilitar e leitura dos registros, os edifícios foram agrupados em categorias distintas,
em função de suas similaridades. Um levantamento preliminar na área de estudo
permitiu o reconhecimento prévio destas categorias, apresentadas no Quadro 1, com
suas respectivas identificações que constam nos mapas de levantamento. Todas as
edificações estão ilustradas no Anexo B.

Quadro 1 - Grupo de edificações

Tipologia Características Grupo Código

Arquitetura religiosa Capela G1 C

Arquitetura religiosa Cemitério G2 CEM

Arquitetura religiosa Edifício Público (Salão comunitário) G3 EP

Arquitetura religiosa Capitéis G4 CAP

Edifícios Residenciais - Casarões em


Arquitetura civil G5 R
alvenaria com porão aparente
Edifício Residencial – Casarão em alvenaria
Arquitetura civil G6 R
com porão aparente e cozinha separada
Edifícios Residenciais - Casarões em
Arquitetura civil G7 R
alvenaria com porão enterrado

Arquitetura civil Edifício Industrial/Residencial G8 IND/R

Arquitetura civil Edifícios Residenciais - Casas em alvenaria G9 R

Edifício Residencial - Casa em madeira com


Arquitetura civil G10 R
porão em pedra
Edifícios Residenciais - Casas em madeira
Arquitetura civil G11 R
com porão em alvenaria
Fonte: a autora, com base em SALLES (2017).

31 Além da capela, identificou-se o conjunto de atividades comunitárias, neste caso constituído pela
igreja, salão, campo de futebol e cemitério (TONUS, 2007).
47

Em seguida, iniciou-se o mapeamento das edificações propriamente ditas. Os


mapas a seguir demonstram a localização das mesmas em grupos distintos, onde os
edifícios de caráter religioso, que compõem os grupos G1, G2, G3 e G4, podem ser
verificados na Figura 14; os grupos G5, G6, G7 e G8, referentes às edificações de
maior porte, são apresentados na Figura 15; enquanto as casas em madeira e
alvenaria, correspondentes aos grupos G9, G10 e G11, encontram-se na Figura 16.

Figura 14 - Mapeamento das edificações dos grupos G1, G2, G3 e G4

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).


48

Figura 15 - Mapeamento das edificações dos grupos G5, G6, G7 e G8

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).

Figura 16 - Mapeamento das edificações dos grupos G9, G10 e G11

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).

A identificação de um patrimônio cultural, conforme mencionado


anteriormente, surge da atribuição de valores que as sociedades fazem de seus bens,
49

mediante o reconhecimento destes valores. Tão relevante quanto a qualidade


arquitetônica que os mesmos possuem é o contexto em que estão inseridos, a
mensagem cultural e os significados que os mesmos transmitem ao longo do tempo.
Neste trabalho, a metodologia elaborada por Curtis (2003), que propõe onze valores
a serem considerados visando a preservação do patrimônio, será aplicada aos
edifícios em que foi possível reconhecer, previamente, dois dos critérios apontados
pelo arquiteto: um diz respeito ao seu Valor Arquitetônico, enquanto o outro aborda o
Valor Tradicional e/ou Evocativo, relacionado à permanência destas edificações na
memória coletiva da comunidade de Vila Azul.
O conjunto dos onze critérios de salvaguarda propostos pelo arquiteto, além
dos dois já citados, consistem em: Valor de Uso Atual, Valor de Acessibilidade com
Vistas à Reciclagem, Valor de Conservação, Valor de Recorrência Regional e/ou
Raridade Formal, Valor de Raridade Funcional, Valor de Risco de Desaparecimento,
Valor de Antiguidade e Valor de Compatibilidade com a Estrutura Urbana. Na Figura
17, verifica-se o mapa geral com a localização das edificações em que estes valores
foram aplicados. Em seguida, são apresentados os quadros de valoração (Quadros 2,
3, 4 e 5).

Figura 17 - Localização das edificações apresentadas nos quadros de valoração

Fonte: a autora, adaptado do Mapa de Zoneamento do Plano Diretor Municipal (2017).


50

Quadro 2 - Atribuição de valores das edificações do grupo G4

Fonte: a autora.
51

Quadro 3 - Atribuição de valores das edificações do grupo G5


(continua)
52

(conclusão)

Fonte: a autora.
Quadro 4 - Atribuição de valores das edificações do grupo G6

Fonte: a autora.
53

Quadro 5 - Atribuição de valores das edificações do grupo G7 e G8

Fonte: a autora.
54

Conforme citado anteriormente, a metodologia utilizada neste trabalho se


apropria da experiência do Projeto VICTUR/URBAL. Desse modo, após o
levantamento à campo e a atribuição de valores aos exemplares predominantes na
paisagem e na história local, foram elaboradas Fichas de Inventário individuais, com
base no modelo proposto pelo VICTUR. Entretanto, em virtude da quantidade de
edifícios identificados, serão aprofundadas, no presente relatório, o Capitel de San
Marco (CAP-01, Figuras 14, 15, 16 e 17), dois exemplares da arquitetura residencial,
Casa Pagnoncelli (R-02, Figuras 18, 19, 20, 21 e 22) e Casa Boito (R-08, Figuras 23,
24, 25 e 26), e a antiga Fábrica de Palhas Satélite (IND/R-01, Figuras 27, 28, 29 e 30).
As Fichas de Inventário, apresentadas a seguir, contemplam maiores
informações acerca do edifício em questão, como croquis esquemáticos, registros
históricos, caracterização dos objetos e fotografias em anexo.
55

Figura 18 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 1)

Fonte: a autora.
56

Figura 19 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 2)

Fonte: a autora.
57

Figura 20 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 3)

Fonte: a autora.
58

Figura 21 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto CAP-01 (Página 4)

Fonte: a autora.
59

Figura 22 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 1)

Fonte: a autora.
60

Figura 23 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 2)

Fonte: a autora.
61

Figura 24 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 3)

Fonte: a autora.
62

Figura 25 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 4)

Fonte: a autora.
63

Figura 26 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-02 (Página 5)

Fonte: a autora.
64

Figura 27 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 1)

Fonte: a autora.
65

Figura 28 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 2)

Fonte: a autora.
66

Figura 29 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 3)

Fonte: a autora.
67

Figura 30 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto R-08 (Página 4)

Fonte: a autora.
68

Figura 31 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 1)

Fonte: a autora.
69

Figura 32 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 2)

Fonte: a autora.
70

Figura 33 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 3)

Fonte: a autora.
71

Figura 34 - Ficha de Inventário de Identificação do Objeto IND/R-01 (Página 4)

Fonte: a autora.
72

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao realizar uma abordagem acerca da preservação do patrimônio histórico e


cultural, torna-se necessário compreender conceitos relacionados à importância dos
espaços como lugares de memória. De acordo com Tomaz, “[...] ao se contemplar um
espaço de relevância histórica, esse espaço evoca lembranças de um passado que,
mesmo remoto, é capaz de produzir sentimentos e sensações que fazem reviver
momentos ali vividos, que fundamentam a realidade presente.” (TOMAZ, 2010, p. 2).
Certos lugares, portanto, assumem maior significância ao constituírem a memória
coletiva de um determinado grupo, onde as recordações de um passado comum à
todos fazem com que estes se sintam parte daquele lugar. Desse modo, a memória
possibilita a criação de laços de pertencimento, e estes são decisivos para a
construção identitária de uma sociedade.
Em sua materialidade, as edificações e os monumentos são meios que
permitem despertar a memória dos indivíduos que compõem um grupo social, através
dos quais é possível rememorar o modo de vida daqueles que no passado deles se
utilizaram. A conservação dos bens patrimoniais, portanto, compreende os edifícios
que detém um significado para determinado grupo, à medida em que sua memória e
identidade é perpetuada com a preservação destes espaços. É neste cenário que se
insere a presente pesquisa, a qual busca contribuir com a conservação dos bens
edificados capazes de manterem vivas as memórias coletivas da cidade de
Veranópolis (RS) e, em especial, da comunidade de Vila Azul, onde o estudo foi
realizado.
A área estabelecida para a realização do levantamento de patrimônio cultural
edificado, Vila Azul, é de fundamental importância no processo de desenvolvimento
do município. O sítio apresenta uma série de elementos singulares, tanto edificados
quanto naturais, que possuem histórias e particularidades relevantes para a
caracterização do mesmo. Estes elementos configuram uma paisagem pontuada pela
presença de edificações que marcam a época da imigração, a religiosidade dos
primeiros imigrantes e a passagem dos tropeiros pela região. Entretanto, outro
aspecto chama ainda mais a atenção: a percepção da paisagem como resultado das
relações sociais estabelecidas nesse ambiente ao longo do tempo, onde indivíduos e
intervenções, antigas ou atuais, contribuem no seu processo de construção e
transformação.
73

Além de guardar traços e características que influenciaram a constituição de


Veranópolis, a localidade se apresenta articulada à importantes atrativos turísticos
naturais da cidade. O turismo, por sua vez, desempenha um papel essencial quanto
ao resguardo e resgate do patrimônio cultural edificado de um lugar. Neste contexto,
Vila Azul demonstra potencialidades a serem exploradas com o propósito de ampliar
a atividade turística no município como um todo. Para tal, juntamente com a
preservação dos bens edificados, torna-se fundamental a valorização e integração
com os moradores, o que contribuirá para a transmissão de valores, conhecimentos e
características próprias do local aos visitantes.
Uma vez que o intuito da pesquisa é, portanto, a preservação de elementos
físicos e de memória, associados ao desenvolvimento do turismo, apresenta-se um
mapa síntese da área de estudo (Figura 35) como resultado final dos levantamentos
realizados. Nele são identificadas as edificações que, além de valores arquitetônicos,
vinculam-se às histórias e à evolução do lugar, bem como visuais de interesse
paisagístico relevantes.

Figura 35 - Mapa síntese da área de estudo (ampliação do mapa com fotos no Anexo C)

Fonte: a autora.
74

Esta pesquisa se encerra esperando ter contribuído, de alguma forma, para o


entendimento da importância do patrimônio cultural edificado existente na localidade
de Vila Azul como parte integrante da memória e da identidade de Veranópolis,
trazendo à tona considerações relevantes à respeito do tema. Além do mais, espera-
se incentivar a elaboração de futuras políticas de planejamento e preservação do
conjunto patrimonial edificado do município, onde uma proposta adequada de
zoneamento das áreas de interesse poderia abranger, como um dos principais
objetivos, o equilíbrio entre as paisagens existentes e o crescimento natural da cidade,
de maneira a não descaracterizá-las. Dentre estas áreas, Vila Azul merece uma
discussão especial a fim de preservar e qualificar o local, demonstrando sua
relevância para a cidade de Veranópolis. Do mesmo modo, esta pesquisa não tem a
intenção de esgotar o assunto referente ao patrimônio cultural edificado do município,
mas sim, incentivar a realização de novos trabalhos que podem dar continuidade à
este, através de uma abordagem aprofundada dos meios legais que poderão orientar
futuras intervenções.
75

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VERANÓPOLIS. Plano Municipal de Turismo. Veranópolis: Secretaria de Turismo,


2016.
78

ANEXOS

ANEXO A – CAPELAS RELIGIOSAS DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS


ANEXO B – GRUPOS DE EDIFICAÇÕES
ANEXO C – MAPA SÍNTESE DA ÁREA DE ESTUDO
79

ANEXO A – CAPELAS RELIGIOSAS DO MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS


80

ANEXO B – GRUPOS DE EDIFICAÇÕES

GRUPO 1 – CAPELA | GRUPO 2 – CEMITÉRIO

GRUPO 3 – EDIFÍCIO PÚBLICO

GRUPO 4 – CAPITÉIS
81

GRUPO 5 – CASARÕES EM ALVENARIA COM PORÃO APARENTE

GRUPO 6 – CASARÃO COM PORÃO APARENTE E COZINHA SEPARADA

GRUPO 7 – CASARÕES EM ALVENARIA COM PORÃO ENTERRADO


82

GRUPO 8 – EDIFÍCIO INDUSTRIAL/RESIDENCIAL

GRUPO 9 – CASAS EM ALVENARIA

GRUPO 10 – CASAS EM MADEIRA COM PORÃO EM PEDRA


83

GRUPO 11 – CASAS EM MADEIRA COM PORÃO EM ALVENARIA


84

ANEXO C – MAPA SÍNTESE DA ÁREA DE ESTUDO

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