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Sem T tulo 4 22/03/2023 13:37

Sertão do Nordeste
1. Com o estudo da Amazônia e do Nordeste açucareiro foram apresentadas duas áreas de fome endêmica no
Brasil. Áreas geográficas com populações locais submetidas permanentemente a um regime de subalimentação e
de carência, exibindo em várias de suas características a marca desta dura contingência biológica.
2. O característico fundamental desta extensa área geográfica é o seu clima semi-árido. Clima tropical, seco,
com chuvas escassas e principalmente irregulares.
3. No solo do sertão, em geral pouco espesso, erodido periodicamente pelas torrentes esporádicas e
condicionado por este clima com suas eventuais descontinuidade de chuvas, desenvolvem-se tipos de vegetação
que permitem aos geógrafos a caracterização de três subáreas climato-botânicas: o agreste, a caatinga e o alto
sertão.
4. Também a fauna do sertão fornece poucos recursos alimentares. Os rios e os próprios açudes, hoje bastante
disseminados na região, têm as suas águas bem mais pobres em peixes do que as da zona da mata.
5. Diante destas parcas reservas e das condições pouco atrativas da paisagem, que possibilidades viram nesta
região os seus primeiros desbravadores? Foi o espírito de aventura, o instinto de liberdade, de que nos fala
Capistrano de Abreu, e a ambição do ouro e das pedras preciosas que levaram os primeiros aventureiros a terras
tão distantes do litoral.
6. À base da criação de gado e da agricultura de sustentação e de certos recursos um tanto escassos do meio
ambiente — da caça e da pesca —, o sertanejo, usando métodos de preparo e de cozinha apreendidos de outro
continente, adaptando, até certo ponto, muitos deles aos novos ingredientes da terra, criou um tipo de
alimentação característico.
7. Caracterizada em seus principais componentes a alimentação do sertanejo e conhecida a sua relativa
abundância em certos alimentos protetores, como o leite e a carne, bem assim a sua pobreza evidente em outros,
como as frutas e as verduras, passaremos agora a analisar este regime como um todo unitário, que abastece o
homem do sertão nos princípios nutritivos de que ele necessita para sobreviver
8. Qualitativamente, é este um regime sem falhas muito graves. Já vimos que o teor de proteínas é relativamente
alto e subscrito em boa parte por várias espécies de proteínas completas: da carne, do leite e do queijo.
9. Com as secas desorganiza-se completamente a economia regional e instala- se a fome no sertão. Os seus
efeitos sempre desastrosos são de amplitude variada, conforme se trate de seca parcial, limitada a pequena área,
ou uma grande seca, abrangendo considerável extensão, ou, finalmente, de uma seca excepcional, das que
atingem de vez em quando todo o sertão em bloco.
10. Fazem parte desta dieta forçada dos flagelados pela seca inúmeras substâncias bem pouco propícias à
alimentação, das quais os habitantes de outras zonas do país nunca ouviram falar que fossem alimentos.
Substâncias de sabor estranho, algumas tóxicas, outras irritantes, poucas possuindo qualidades outras além da de
enganar por mais algumas horas a fome devoradora, enchendo o saco do estômago com um pouco de celulose.
11. Assim, esgotadas as suas esperanças e reservas alimentares de toda ordem, iniciam os sertanejos a retirada,
despejados do sertão pelo flagelo implacável. Sem água e sem alimentos, começa o terrível êxodo.
12. Neste estado de penúria orgânica, os retirantes perdem toda a sua resistência e capacidade de defesa contra
os agentes mórbidos de toda categoria, principalmente os de natureza infectuosa, e tornam-se presas fáceis de
inúmeras doenças.

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13. Não é somente agindo sobre o corpo dos flagelados, roendo-lhes as vísceras e abrindo chagas e buracos na
sua pele, que a fome aniquila a vida dos sertanejos, mas também atuando sobre o seu espírito, sobre sua
estrutura mental, sobre sua conduta social.
14. Tivemos diante dos nossos olhos, expostos em seus traços mais marcantes, os retratos dos dois nordestes e
através desses quadros uma tentativa de interpretação do fenômeno da fome nestas regiões. Interpretação que
merece uma análise mais circunstancial dentro do critério geográfico do regional. O estudo do regionalismo
veio trazer uma nova e fecunda vitalidade à velha ciência geográfica que permaneceu até o começo do nosso
século numa atitude de estéril academicismo.
Ultrapassamos a fase de nos lamentar alcançando a fase das reivindicações formuladas em termos de economia
e de interesses realmente nacionais. Pouco a pouco este novo organismo tomará corpo enveredará pelo caminho
das realizações práticas que atendam objetivamente às necessidades regionais e aos interesses nacionais.

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