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SANTA INÊS

UMA BOA ALTERNATIVA PARA A PRODUÇÃO INTENSIVA DE CARNE DE CORDEIROS NA


REGIÃO SUDESTE 1

Mauro Sartori Bueno 2


Eduardo Antonio da Cunha2
Luiz Eduardo dos Santos2
Cecília José Veríssimo2

INTRODUÇÃO
A ovinocultura de corte apresenta-se como uma boa opção aos pecuaristas em
função dos altos preços alcançados, como também pelo crescente aumento na demanda da carne
ovina, mais especificamente pela carne de cordeiro.
Em São Paulo, nos últimos anos, tem-se verificado não só um aumento no efetivo
dos rebanhos, mas também no número de propriedades envolvidas nessa atividade. O mercado de
carne ovina, apesar de ainda não estar definitivamente estabelecido, nem adequadamente
dimensionado, vem apresentando crescimento inconteste, o que se reflete nos preços relativamente
altos observados, tanto para o produtor, com o kg de peso vivo variando entre R$ 3,00 a R$ 3,50,
como no varejo, onde a carne de cordeiro tem alcançado valores entre R$ 8,00 e 35,00, conforme o
corte. Essa maior demanda, todavia, é específica para carcaças de boa qualidade, ou seja, com peso
médio de 12 a 13 kg, provenientes de animais novos, com no máximo 120 dias de idade. Até essa
idade os animais mostram alta velocidade de crescimento e maior eficiência no aproveitamento de
alimentos menos fibrosos que animais mais velhos, apresentando uma proporção significativamente
maior de corte traseiro em relação ao dianteiro e costilhar e ainda um nível adequado de gordura,
suficiente para propiciar uma leve cobertura da carcaça, protegendo-a contra a perda excessiva de
umidade durante o processo de resfriamento e um mínimo de gordura intramuscular, a qual garante o
paladar característico da carne ovina e, aliado a pouca maturidade dos feixes musculares do animal
jovem, garante maciez ao produto.

Na região sudeste do Brasil tem-se tornado usual a utilização de matrizes comuns,


sem raça definida, ou ainda de animais deslanados, notadamente da raça Santa Inês, mantidas em
pastagens. São animais menos exigentes em alimentação e mais prolíferas. Podem ser cruzadas
com reprodutores de raças de corte, Suffolk, Ile de France e Poll Dorset, que conferem ganho de
peso elevado às crias mestiças, além de melhorar as características de carcaça, para produção de
cordeiros para abate precoce. As crias são amamentadas em pastagens exclusivas para matrizes
com crias ao pé e posteriormente confinadas do desmame ao abate.

Em algumas criações adota-se o confinamento das mães e crias já a partir do

1
Texto baseado em dados e informações obtidas com o plantel de ovinos do Instituto de Zootecnia, Nova
Odessa (SP)
2
Pesquisadores do Instituto de Zootecnia, Nova Odessa (SP), da Agência de Pesquisa Tecnológica dos
Agronegócios - APTA, Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo -SAA. E-mail:
msbueno@iz.sp.gov.br
nascimento, o que possibilita a adoção do desmame precoce aos 45 dias, resultando em níveis de
ganho de peso bastante elevados, além de menor mortalidade de crias. Através desse sistema de
criação, são obtidos animais com peso vivo entre 28 e 30 kg, considerado ideal para abate, com
idade inferior a 110 dias. Para tanto, o peso ao nascer deve estar em torno dos 4,0 kg e o desmame
ocorrer entre 45 - 50 dias, com os animais pesando entre 15 e 17 kg. A expectativa de ganho diário
de peso vivo irá aproximar-se de 280 e 240 g, respectivamente nos períodos de pré e pós desmame.
Para se obter resultado positivo na ovinocultura é preciso, além do bom desempenho e
qualidade individual dos cordeiros, ter-se ainda uma elevada disponibilidade de animais para abate, o
que quer dizer, elevado número de cordeiros nascidos (eficiência reprodutiva) e desmamados (baixa
mortalidade e alta habilidade materna) e, principalmente, um baixo custo de produção.
O sistema de manejo reprodutivo tradicionalmente utilizado pelos ovinocultores em
nosso meio adota o acasalamento das matrizes a cada 12 meses. Isso determina a obtenção de um
único ciclo reprodutivo, por fêmea, no ano, limitando o número de crias obtidas e resultando na
manutenção de um grande percentual de fêmeas vazias no plantel durante uma parte significativa do
ano. Além disso, a concentração da atividade reprodutiva em uma época do ano dificulta o
atendimento da demanda de mercado, por cordeiros para abate, no restante do período,
representando um entrave à consolidação e ampliação do mercado consumidor.
Dentro da tecnologia proposta pelo Instituto de Zootecnia, de intensificação do manejo
reprodutivo, com base em experimentos já conduzidos, é preconizada a realização da monta a cada
oito meses (3 parto a cada 2 anos), que resulta no aumento do número de cordeiros produzidos
durante o ano, sem prejuízo para o desempenho ponderal, tanto da ovelha como das crias. Essa
tecnologia pode ser adotada mesmo com raças lanadas, tais como a Suffolk e Ile de France,
consideradas estacionais, todavia sua aplicação fica extremamente facilitada quando aplicada a
fêmeas deslanadas, tais como a Morada Nova e notadamente a Santa Inês.

CARACTERÍSTICAS RACIAIS
O ovino Santa Inês é um animal desprovido de lã, de elevada estatura, pernas compridas,
orelhas longas. As ovelhas pesam entre 50 e 60 kg e os machos ao redor de 100 kg. Existem muitos
animais descarnados, com traseiro pouco desenvolvido, todavia, já podemos encontrar animais com
boa conformação de carcaça. A sua coloração não é uniforme, encontrando-se animais com pelagens
bastante variadas, tais como vermelha, castanha e malhada de branco e de preto. Atualmente, devido
a uma preferência puramente estética de parte dos criadores, tem havido maior disseminação da
pelagem preta, contudo essa pelagem apresenta o inconveniente de resultar em maior absorção da
radiação solar incidente, o que prejudica o equilíbrio térmico dos animais, além de resultar em maior
ocorrência de problemas com bernes e bicheiras.

DESEMPENHO
Animais Santa Inês têm desempenho um pouco inferior ao de raças melhoradas européias,
sendo, contudo, satisfatório para o sistema preconizado. Peso ao nascer entre 3,5-4,0 kg, peso ao
desmame (45 a 60 dias) entre 13-16 kg e ganhos de peso diários de 220 e 200 g nos períodos de pré
e pós desmame, respectivamente, podem ser conseguidos com animais bem alimentados.
Em sistema intensivo de criação os cordeiros Santa Inês apresentam menor ganho de peso
e características de carcaça inferiores em relação às raças melhoradas, mostrando menor proporção
de traseiro, menor compacidade de carcaça e menor perímetro de perna. Contudo tais aspectos
podem ser muito melhorados através do uso de cruzamento industrial com carneiros de raças
melhoradoras para tais características. Por outro lado, as ovelhas Santa Inês possuem características
extremamente interessantes como ventres, tais como maior rusticidade, menores exigências
nutricionais, acentuada habilidade materna, além de não apresentar estacionalidade reprodutiva.

ASPECTOS REPRODUTIVOS
Um dos principais entraves à ovinocultura de corte é a estacionalidade reprodutiva da
maioria das raças lanadas de origem européias, que são poliéstricas estacionais, possibilitando o
acasalamento somente no verão-outono e parindo no inverno-primavera. Desta maneira a produção
de carne de cordeiro, com essas raças, concentra-se em algumas épocas do ano, não permitindo sua
produção durante todo o ano. O pequeno número de cordeiros produzido anualmente por ovelha,
devido ao grande intervalo entre-partos, também é um aspecto negativo para a atividade, pois
aumenta o custo de manutenção das matrizes, encarecendo o preço da carne de cordeiro em
sistemas de produção mais intensivos.
A produção contínua de cordeiros durante o ano todo é condição necessária para o sucesso
da criação e esta é uma das características mais importantes da raça Santa Inês, que por ser
poliéstrica anual, pode ser acasalada em qualquer época do ano, desde que em estado nutricional
adequado. As fêmeas Santa Inês mostram ainda possibilidades de, em condições especiais de
manejo, apresentarem cios ainda com a cria ao pé, o que diminui acentuadamente o intervalo entre
partos, sendo possível intervalos inferiores a oito meses.
Outra característica de extremo interesse é a acentuada habilidade materna das ovelhas,
que favorece a sobrevivência peri-natal dos cordeiros, aumentando assim a disponibilidade de
animais para abate, bem como para a reposição de matrizes.

COMPORTAMENTO A PASTO
Os ovinos Santa Inês apresentam comportamento muito ativo em pastejo, caminhando com
desenvoltura e explorando melhor os locais de alimentação, o que lhes confere maior capacidade de
adaptação a ambientes distintos.
Apresentam particularidades comportamentais que os diferem dos lanados europeus,
mostrando hábitos de pastejo mais elevado, o que lhes possibilita maior exploração dos recursos
alimentares disponíveis. Ovinos deslanados mostram uma maior aceitação de plantas de folha larga
que ovinos lanados, desta maneira consomem maior diversidade de plantas, sendo este fato muito
importante em pastagens com grande diversidade de espécies.

ASPECTOS SANITÁRIOS E DE MANEJO


A produção ovina em clima tropical úmido utilizando como base animais lanados, de raças
de origem européia pode apresentar problemas, devido à sua alta susceptibilidade às parasitoses. A
escolha de matrizes de raças lanadas não adaptadas ao clima tropical, com excessiva
susceptibilidade à verminose e outros parasitos, leva ao uso extremamente freqüente de vermífugos e
outros defensivos. Alguns criadores chegam a vermifugar os animais mensalmente, o que, além de
aumentar os custos de produção, leva ao rápido aumento de resistência dos parasitos aos princípios
ativos utilizados, podendo tornar a ovinocultura uma atividade não sustentável.
Nas raças lanadas européias há a necessidade de descola (corte da cauda) dos cordeiros
recém nascidos. Este prática leva ao aparecimento de problemas de cicatrização, com aparecimento
de miíases secundárias e muitas vezes a ocorrência de tétano. A vacinação das matrizes no final da
gestação é necessária para prevenir este mal. Em ovinos deslanados não é necessário a descola,
eliminando os problemas oriundos desta prática.
Ovinos são susceptíveis a infecção nos cascos denominada pododermite necrótica, sendo
os lanados particularmente sensíveis, já os animais Santa Inês tem mostrado menor susceptibilidade
a esse tipo de problema. Também, as miíases secundárias são menos incidentes nesta raça.
Animais criados em clima tropical úmidos, particularmente em sistemas intensivos de
exploração, são sujeitos às endoparasitoses gastrintestinais. O parasito do gênero Haemonchus é o
principal agentes causador deste tipo de enfermidade, espoliando o organismo animal através de sua
ação hematófaga. Trabalhos em andamento têm mostrando que animais da raça Santa Inês são
menos susceptíveis a tal enfermidade, diminuindo muito a necessidade de everminações.

PONTOS NEGATIVOS DA RAÇA


Por ter tido em sua formação a influência de diversas raças, entre as quais a Bergamácia,
que possui acentuada capacidade leiteira, as ovelhas Santa Inês apresentam período de lactação
mais longo que as raças especializadas para corte e grande número de animais apresentam úberes
com implantação não satisfatória. Estas características dificultam o desmame precoce preconizado
para o sistema intensivo de exploração, tornando mais freqüente o aparecimento de mastites, o que
pode levar a perda de tetos.

CONCLUSÕES
A raça Santa Inês pode ser utilizada para produção de cordeiros para abate precoce, em
sistemas intensivos de produção, como linhagem materna devido às características já mencionadas
de elevada habilidade materna, prolificidade, não-estacionalidade reprodutiva, menor susceptibilidade
a endo e ectoparasitoses, adaptação às pastagens tropicais, etc. O menor porte em relação às raças
especializadas resulta em menor exigência nutricional, possibilitando maior lotação das pastagens.
Isto, aliado à menor ocorrência de problemas sanitários, possibilita a obtenção de menores custos de
produção.
O número de cordeiros produzidos anualmente pode ser aumentado com o uso de ovelhas
desta raça, pois a intensificação da atividade reprodutiva é plenamente viável. Desta maneira é
possível a produção de 2 cordeiros/ovelha/ano (1,5 cordeiro por parição X 1,5 parição por ano X 88%
de taxa prenhes).
O desempenho inferior das crias pode ser melhorado com o uso de machos de raças de
corte, produzindo cordeiros com maior ganho de peso e melhores características de carcaça.
Esses aspectos tornam a raça Santa Inês uma boa alternativa para a produção intensiva de
carne de cordeiros na região Sudeste em um sistema sustentável de produção animal.

Ovelhas Santa Inês com crias em pastagem de capim Aruana

Borregas SI com aproximadamente 6 a 7 meses de idade

Reprodutores Santa Inês

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