Você está na página 1de 5

ANÁLISE DO FILME “ CISNE NEGRO”.

Profa. Dra. Denise Hernandes Tinoco.


Doutora em Psicologia Clínica PUC/SP.

Para analisar este filme baseei-me nos conceitos de Winnicott, Freud, Jung e
Joyce McDougall.
O filme mostra um recorte da vida de uma bailarina, perfeccionista, que
pretendia dançar o cisne negro no balé de Tchaikovsky “ O lago dos cisnes”. Ela era
perfeita ao dançar o cisne branco, mas faltava sensualidade e agressividade para dançar
o cisne negro. Estes dois cisnes representavam irmãs gêmeas, os arquétipos Persona e
Sombra que são complementares.
Para entendermos o dilema de Nina, a bailarina, temos que nos remeter à
relação que estabelecia com sua mãe, que havia sido também bailarina e que, devido à
sua gravidez quando esperava Nina, tinha deixado de dançar. Não era uma bailarina de
destaque, mas projetava em sua filha Nina todo o seu desejo de ser uma grande bailarina
e sua frustração por não ter sido, culpabilizando a gravidez que interrompeu sua
carreira, dando à Nina o lugar de realizadora de seus sonhos.
Sua relação com Nina era extremamente ambivalente. Carregada de ódio e
frustração, se utilizando do mecanismo de defesa de Formação Reativa, superprotegia
Nina, mutilando seu psiquismo, não permitindo que esta crescesse, tornando-se
independente.
Formava com ela uma díade doentia, onde sua filha não podia pensar, nem ter
um corpo próprio. Sendo assim, Nina não pôde se constituir enquanto sujeito separado
da mãe, construindo um falso self.
Segundo Joyce McDougall, as díades “ uma mente para dois” e “ um corpo
para dois”, produzem psicose e transtornos psicossomáticos respectivamente. Nina vivia
com a mãe estas duas díades.
Nina tinha que ser pura, só usava branco, realizando o desejo da mãe que
engravidou sendo solteira e se punia por isto. Tinha que ser infantil, seu quarto era cheio
de bichinhos de pelúcia, dependia da mãe até para cortar as unhas. A mãe precisava
sentir-se necessária na vida da filha. Não permitia que esta pensasse seus próprios
pensamentos nem que sentisse os pedidos de seu corpo. Pensava e sentia por ela e esta,
para responder ao desejo da mãe e ter assim seu amor que era condicional, reprimia seus
desejos, a mulher sensual e agressiva que havia nela.
Projetava em outras mulheres sua sombra, invejando-as, querendo ter o que
depositava nelas. Seu inconsciente trabalhava querendo equilibrá-la, buscando torná-la
um verdadeiro self, mas a cisão estava presente, constituindo um quadro paranóico,
incrementado por sintomas de transtorno alimentar. Não podia ter um corpo de mulher
adulta, sendo assim provocava o vômito, não engordando, não deixando aparecer suas
curvas femininas.
Roubou o baton e os brincos de Bete, a bailarina que até então dançava o cisne
negro. Queria sua sensualidade e feminilidade como uma menina que usa a maquiagem
da mãe, seus sapatos, suas bijuterias, querendo ser igual a ela, rivalizando com ela em
sua vivência edípica. Projetava sua mãe nela querendo superá-la.
Quando a antiga bailarina perdeu seu lugar no balé, Nina deslocou sua inveja a
outra bailarina que se mostrava mais solta, livre, sem muita técnica, mas encantando
com sua sensualidade. A projeção de sua sombra em Lily ( nome da primeira mulher
expulsa do paraíso por Deus por não ser submissa ao Adão) vai se tornando cada vez
mais perigosa, pois começa a delirar e alucinar misturando-se com ela na sua fantasia.
Lily usava preto, uma cor que até o surgimento de Coco Chanel só era usada
por prostitutas, como baton também. Era perfeita para assumir o papel de cisne negro no
balé segundo o diretor da peça.
Nina começa a mesclar suas roupas, ora branco, ora preto, buscando
inconscientemente a interação de opostos, atuando, não refletindo sobre o que ocorria
com ela, mostrando seu desequilíbrio cada vez mais evidente.
Mutilava-se nas costas, coçando até ferir. Desejo de ser acariciada? É sempre
do lado esquerdo, lado do coração, da emoção.
As costas representavam seu inconsciente, algo que não podia ver, mas que
gostaria de ter acesso. Mais à frente no filme, em suas alucinações, vê asas do cisne
negro nascendo em suas costas. Seu desejo realizando-se em seu delírio.
Nina, garota virginal, pura, presa num corpo de cisne branco, como nos contos
de fada precisa de um príncipe para libertá-la. Só um amor pode quebrar o feitiço feito
pela bruxa mãe.
O príncipe, animus, representado pelo diretor da peça de balé, faz a ponte para
a integração entre persona (pura, virginal, cisne branco) e sombra ( sensual, agressiva,
cisne negro).
Em seu processo de integração da sombra, seus núcleos homossexuais vem à
tona, pela não incorporação da sensualidade nela, seu desejo de liberdade, de viver sua
sexualidade ainda não constituída devido à relação simbiótica com a mãe e delira
concretizando em alucinação, uma relação homossexual com Lily, seu objeto de inveja
e depositária de suas projeções.
Reivindica o lugar de cisne negro ao diretor que escarna dela. Ela, usando o
baton vermelho roubado da antiga bailarina o beija e morde-o mostrando em um lapso a
sensualidade e agressividade reprimidas e perdidas em seu inconsciente que precisavam
vir à tona. O diretor dá a ela o lugar pedido.
Agora, na busca de perfeição, quer trazer à tona a mulher sensual represada
nela.
Machuca o pé, representante de falo, pois é ambivalente, tem medo de realizar
o desejo de independência, se tornando uma mulher adulta.
Após sua aproximação do diretor da peça através da sedução, surgem espinhas
em seu rosto. Quer ficar feia, indesejável para se defender de seu desejo sexual que está
à flor da pele. Resiste à mudanças, ao novo.
Ela dança solta, sensualidade e agressividade emergem compondo sua
sexualidade. Começa a causar inveja também, sendo chamada de vadia por outra
bailarina do corpo de baile.
Mutila também sua mão, esta também representa poder, nos diferencia dos
outros animais pela capacidade de manusearmos e construirmos através dela. Vive
intensamente a ambivalência entre o desejo de ser mulher e o medo que a mantém
infantil, dependente, pura.
Com a mão pode se acariciar, buscar prazer no próprio corpo masturbando-se
como foi recomendado pelo diretor da peça para trazer a sexualidade à tona. Mas
quando isto acontece, alucina com sua mãe na cadeira do seu quarto, mostrando a culpa
como se a tivesse traindo e a dependência com relação a ela.
Sabe que o mundo dos adultos é fascinante, mas também perigoso. Entregar-se
a um homem, apaixonar-se envolve ganhos e perdas. Segue ambivalente com relação ao
diretor da peça e esta ambivalência aumenta quando fica sabendo do atropelamento de
Bete, a antiga bailarina que dançava o cisne negro. Esta foi mutilada por um
atropelamento que sofreu e pela vida quando perdeu seu lugar na peça e no coração do
diretor desta. Nina vai visitá-la assustando-se ao vê-la. Devolve os objetos roubados
pois não há mais o que invejar. Tem medo e desejo frente ao lugar que pretende ocupar.
Entra em conflito com a mãe que não está suportando seu crescimento e tenta
bloqueá-lo. Nina está lutando, buscando seu espaço tentando romper a simbiose com a
mãe, procurando sua identidade, mas sua fragilidade egóica é grande.
Mistura-se cada vez mais com Lily, sentindo-se perseguida por esta,
acreditando que perderá seu lugar para ela.
No dia da estréia da peça, dança o cisne branco, caindo, quebrando com isto o
encanto da perfeição. A moça pura cai das mãos de seu companheiro de dança,
representando sua dificuldade em confiar nos homens. Confia só em si mesma. Vai para
o camarim e alucina que Lily tomará seu lugar dançando o cisne negro. Entra em luta
corporal com esta, matando-a em sua alucinação para assumir o lugar. Não consegue
integrar a sombra tornando-se mulher, para isto precisa exterminar com uma parte sua.
Volta ao palco dançando maravilhosamente o cisne negro alucinando ser o próprio.
Após a volta ao camarim descobre que não matou Lily e sim que se feriu gravemente
com o espelho que quebrou. Tirando de sua barriga o vidro com que se feriu, começou a
sangrar. Voltando ao palco realizando a dança de sua vida, com a perfeição que exigia,
não resiste ao ferimento, terminando o espetáculo com sua morte, sendo ovacionada
num primeiro momento pela sua representação, deixando todos consternados depois
quando viram o que havia ocorrido.
Sua mãe estava no palco assistindo.
Em sua fragilidade emocional, não conseguiu tornar-se uma mulher integrando
seus aspectos sombrios à persona, permitindo-se amar um homem, representante de seu
animus, completando-se, deixando seu vínculo simbiótico com a mãe para trás.
Tentou com todas as suas forças, mas rompeu com a realidade. Seu
inconsciente se mobilizou produzindo sintomas. Segundo Jung, quando algo não vai
bem o arquétipo self fica ativado produzindo sintomas, levando a pessoa a um novo
ponto de equilíbrio. Desta experiência poderia surgir renovada, mais completa ou
estilhaçar-se totalmente. Infelizmente o fim foi trágico, como na maioria das grandes
estórias de amor.

Você também pode gostar