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Julia Rodrigues Silva RA: 11202230751

A formação do sistema internacional, o surgimento do capitalismo e a ascensão europeia são


eventos que estão interconectados e tiveram um impacto significativo no mundo como o
conhecemos hoje. No entanto, há diversas opiniões sobre como esses eventos ocorreram e quais
foram suas consequências. Dentre elas, vale destacar a de Paul Kennedy, James Morris Blaut e
Enrique Dussel.

Em sua obra intitulada "Ascensão e queda das grandes potências", Paul Kennedy realiza uma
análise histórica sobre as potências mundiais e seus processos de crescimento e declínio ao longo do
tempo. Ele situa esses processos dentro do contexto da formação do sistema internacional e do
capitalismo, principalmente nos séculos XVI e XVIII, que o autor denomina como "Era dos Impérios".
Nesse período, o poder e a riqueza das nações foram determinados pela sua capacidade de expandir
e manter impérios coloniais, impulsionados pelas grandes navegações e pelo surgimento de um
capitalismo mercantilista emergente.

Segundo Kennedy, essa fase histórica marca o momento de ascensão econômica, científica e
cultural de potências europeias, (que antes desse ponto de virada tinham um papel coadjuvante na
história mundial) colocando em evidência nações como Portugal, Espanha, França, Holanda, e com
especial ênfase na Inglaterra. A competição entre essas nações emergentes pelo controle do
comércio global e das rotas marítimas foi intensa e moldou as estruturas do poder mundial até os
dias atuais.

O historiador apresenta uma abordagem eurocêntrica e liberal no livro, ao fazer uso de uma
linguagem teleológica, ao expressar que a Europa tinha uma espécie de predestinação à ascender no
espectro internacional e que a combinação do laissez-faire econômico, do pluralismo político e
militar e da liberdade intelectual, interagiram para produzir o “milagre europeu”, e faz um
questionamento: “Por que a Europa teve um processo incessante de desenvolvimento econômico e
revolução tecnológica, que levaria o continente a ser o líder comercial e militar do mundo?”.

Os fatores determinantes para esse processo constituem a geografia e clima do continente


europeu; existe grande variação climática que estimulava a diversa produção de riquezas, além de
ser uma área pequena, dificultando a centralização política. Essa dificuldade levou a fragmentações
políticas, gerando competição entre as nações europeias e o início de uma corrida armamentista em
decorrência disso. Essa competição bélica e econômica levou ao desenvolvimento de navios de vela
de longo alcance e armados com canhões, pólvoras e infantarias especializadas para a exploração de
novas rotas de comércio. Outras nações, como a China Ming e os impérios mulçumanos “(...)
pareciam imobilizar-se enquanto a Europa avançava para o centro do cenário mundial.” (Kennedy
1989: 38)

Já James Morris Blaut em sua obra “The Colonizer’s Model of The World”, é crítico da visão
eurocêntrica sobre a ascensão europeia, do sistema internacional e do capitalismo. Em sua
interpretação, o período de surgimento do capitalismo na Europa e consequentemente o sistema
internacional acontece nos séculos XV-XVII com a conquista e colonização da América pelos
Europeus.

Sendo assim, Blaut inverte os fatores de Kennedy; enquanto o historiador dizia que a
colonização é uma consequência do desenvolvimento econômico, científico e bélico que já existia na
Europa, Blaut rebate esse argumento dizendo que a colonização foi o fator fundamental a ascensão
do capitalismo histórico e a formação do sistema internacional. Enquanto Kennedy coloca
protagonismo na Europa, Blaut coloca protagonismo nas colónias, explicitando sua visão anti
eurocêntrica.

Segundo o geógrafo, a Europa, juntamente com Ásia e África tinham características de um


“proto-capitalismo” no século XIV (existência de burguesia mercantil, especialização agrícola,
cidades mercantis, comércio exterior, bancos, utilização da matemática e Estados fortes) onde ao
contrário do que diz a visão eurocêntrica, não existia nenhuma peculiaridade europeia no seu
sistema econômico que justificaria sua suposta superioridade.

Blaut apresenta três indagações: caso a Europa não se destacasse perante outras regiões,
qual razão a levou a conquistar a América em primeiro lugar? Qual a chave para o sucesso de sua
empreitada? E, quais foram os benefícios obtidos pelos europeus com a colonização das Américas?

A resposta da primeira pergunta é geográfica/espacial. Os ibéricos estavam mais próximos


do continente Europeu e a vida econômica dos outros povos tinha foco em outros espaços; foi uma
questão de vantagem geográfica e acessibilidade. a África do Norte não tinha interesse no comércio
marítimo, por exemplo. “(...) if the Western Hemisphere had been more accessible, to South Indian
centers than to European, then India would be the home of capitalism.” (Blaut 1993: 181)

A conquista europeia sobre a América foi bem-sucedida com a proliferação de doenças


devido o contato inicial dos nativos com os Europeus. Calcula-se que, durante o primeiro século após
o contato com os europeus, cerca de 75% da população americana veio a falecer em decorrência de
enfermidades provenientes do continente europeu. “The americans were not conquered; they were
infected”. (Blaut 1993:186)

Essa conquista trouxe ouro e prata para o poder europeu e plantations; esse acúmulo de
metais e o comércio decorrente das plantações americanas abriram as portas para um acúmulo
gigantesco de capital para a Europa. Esse momento marca a transição do proto-capitalismo para o
capitalismo histórico, solidificando sua ascensão no sistema internacional no século XVIII.

Enrique Dussel compartilha da mesma visão anti eurocêntrica de Blaut em sua obra “Europa,
modernidade e eurocentrismo”. O filósofo expõe que as ideias que sugeriam que a Europa Ocidental
durante o Renascimento fosse uma continuidade da Grécia Antiga ou do Império Romano eram
falsas e que é necessário opor a visão hegemônica (Mito da modernidade) no que se refere a história
da Europa, apresentando a teoria do Sistema-Mundo.

Ele situa os processos de formação do sistema internacional na "era moderna" entre os


séculos XV e XVIII, marcados por transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que
levaram à emergência do sistema internacional moderno. Com a expansão portuguesa, o
estabelecimento de relações comerciais globais e o descobrimento da América do Sul, todo o
planeta se torna “uma história só”. Dussel também destaca a importância da colonização nas
mudanças globais, dialogando com as ideias de Blaut. “Para nós, a “centralidade” da Europa Latina
na História Mundial é o determinante fundamental da Modernidade.” (Dussel 2005: 28-29)

O capitalismo também emergiu durante a era moderna em decorrência da formação desse


sistema internacional emergente pela colonização e o comércio global ampliado. O Filósofo diz que o
capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas também um sistema de dominação política e
cultural que explora o trabalho e os recursos naturais dos países periféricos em favor do centro do
sistema internacional. Ele argumenta que a compreensão do capitalismo e do sistema internacional
moderno deve considerar suas raízes históricas e as implicações para as desigualdades sociais e
econômicas atuais.
O autor aponta que a ascensão europeia se deve a todos esses fatores inter-relacionados
(inovação tecnológica decorrente da colonização, início do capitalismo histórico e o fortalecimento
de Estados nacionais). Dussel enfatiza a necessidade de olhar para a história seguindo a teoria
sistema-mundo; todos os continentes contribuíram para a ascensão europeia como uma potência
mundial no século XVIII.

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