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SUMÁRIO

Capítulo 1...........................................................................................................................................08
As funções da câmara de vereadores e a avaliação das políticas públicas municipais
Tasso Jardel Vilande
Guilherme Luizão Marques
doi: 10.51324/80277964.1

Capítulo 2...........................................................................................................................................17
Captação de recursos para o Terceiro Setor: instrumentos para o aporte de transparência e
credibilidade para as Instituições
Alexandre Lisbôa da Silva
Alissane Lia Tasca da Silveira
Marcelo Roberto da Silva
doi: 10.51324/80277964.2

Capítulo 3...........................................................................................................................................33
As escolas do legislativo na Região Oeste da Grande São Paulo: situação atual e perspectivas
Josias Patriolino de Lima
Verônica Calixto da Silva
doi: 10.51324/80277964.3

Capítulo 4...........................................................................................................................................47
A reforma do ensino médio e o entendimento dos estudantes das escolas públicas de uma
cidade do interior da Bahia
Rute Almeida Barbosa Reis
Antonio Francisco Reis Júnior
Claúdia Santos Pereira
doi: 10.51324/80277964.4

Capítulo 5...........................................................................................................................................58
Programas de segurança alimentar e nutricional e proteção territorial indígena no Brasil:
relatórios de gestão da FUNAI (2013-2018)
Cristina Andrezza Fernandes Cabral Ferreira
Juliana Gobi Schmitz
Rafael Ademir Oliveira De Andrade
Miriã Ortiz Passos de Andrade
Welington Junior Jorge
doi: 10.51324/80277964.5

Capítulo 6...........................................................................................................................................80
Políticas energéticas para Rondônia e os povos indígenas: uma análise da produção acerca
das Uhe Jirau e Santo Antônio
Rafael Ademir Oliveira de Andrade
Artur de Souza Moret
Miriã Ortiz Passos de Andrade
Rodrigo César Silva Moreira
Welington Junior Jorge
doi: 10.51324/80277964.6
Capítulo

01

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 8


AS FUNÇÕES DA CÂMARA DE VEREADORES E A AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS MUNICIPAIS

TASSO JARDEL VILANDE


Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

GUILHERME LUIZÃO MARQUES


Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

RESUMO: A presente pesquisa refere-se à Câmara de Vereadores e a avaliação das políticas


públicas. O objetivo é demonstrar a importância da Câmara de Vereadores para a avaliação das
Políticas Públicas Municipais. Percebe-se que a promoção de ações e programas, os quais são
objetos de avaliações e coletas de informações, apresentam a tomada de decisões mais acertadas.
Observa-se que a Câmara de Vereadores tem um importante papel nas políticas públicas por meio
de funções e a compromisso de fiscalizar as políticas públicas municipais. A relevância da pesquisa
está consubstanciada na importância de ressaltar o papel da Câmara de Vereadores nas políticas
públicas municipais. Na pesquisa foi utilizado o método indutivo para esclarecimento dos pontos
abordados.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Legislativo. Controle externo. Avaliação governamental.

INTRODUÇÃO

A Câmara de Vereadores é composta conforme regras constitucionais (NOVELINO,


2018), por vereadores com imunidade material.
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a inviolabilidade civil das opniões,
palavras e votos de vereadores (STF, 2015).
A Câmara Municipal tem o dever de fiscalizar os atos do Chefe do Poder Executivo
(CF, 2019), e o faz isso por meio do julgamento das contas do Prefeito (STF, 2016).
Não obstante, a Câmara Municipal tem a prerrogativa de julgamento do Prefeito nos
crimes de responsabilidade, conforme artigo 4° do Decreto Lei n° 201/67.
O Poder Legislativo efetua importante avaliação de políticas públicas à medida que
apecia a elaboração do orçamento público. É fundamental que essa atividade seja
desenvolvida de forma plena, pois somente dessa forma é possível um destaque no
Governo do Município (IBAM, 2014).
A avaliação das políticas públicas pelos vereadores não é apenas um direito, mas
também uma obrigação (FILHO, 2013). As políticas públicas não devem apenas serem
avaliadas pela Câmara Municipal, mas também elaboradas através de proposições
legislativas (TRINDADE, 2017).
A presente pesquisa busca ressaltar a importância do papel fiscalizatório da Câmara
Municipal nas políticas públicas, para que se torne ainda mais evidente a importância da
Câmara Municipal na avaliação de políticas públicas por meio dos Vereadores.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 9


O tema não é amplamente discutido quando se trata de Câmaras Municipais e
Vereadores. A atividade fiscalizatória dos Vereadores é ineficaz na prática e não há uma
compreensão exata da importância de suas atividades fiscalizatórias. Dessa forma, a
presente pesquisa torna-se relevante e cujo objetivo é verificar a importância da Câmara
de Vereadores na avaliação das Políticas Públicas Municipais. Assim, o trabalho justifica-
se pela necessidade de compreensão dos poderes e limitações das atuações da Câmara
de Vereadores na avaliação de políticas públicas.
Acerca da metodologia, a pesquisa foi realizada por intermédio do método indutivo,
ou seja, para chegar às conclusões do presente trabalho científico, partiu-se do
conhecimento específico para o conhecimento geral. A coleta de dados foi bibliográfica, por
meio de da consulta da doutrina pertinente, da legislação, e da jurisprudência.
O presente artigo é dividido em três partes: a primeira versa sobre às funções da
Câmara de Vereadores, além das funções legislativas, fiscalizadoras, administrativas,
judiciárias e de assessoramento. A segunda parte refere-se ao que são as políticas públicas
e a importância da avaliação das políticas públicas municipais. A terceira parte demonstra
o papel da Câmara Municipal em avaliar as políticas públicas por meio da função
fiscalizadora exercida pelos vereadores.
Assim, a Câmara de Vereadores possui um importante papel na avaliação das
políticas públicas, cujo dever é o exercício da função fiscalizadora e legislar sobre políticas
públicas.

AS FUNÇÕES DA CÂMARA DE VEREADORES

A Câmara de Vereadores possui um importante papel na sociedade uma vez que


representa a própria comunidade por meio dos representates do povo, possibilitando-so
externar sua voz, como: moções, projetos de lei, fiscalização do Poder Executivo Municipal,
além de outras funções pertinentes ao cargo.
Nas palavras de Novelino1

As Câmaras Municipais são compostas por vereadores eleitos diretamente pelos


munícipes para o exercício de um mandato de quatro anos. As regras referente à
composição das Câmaras Municipais foram alteradas pela Emenda Constitucional
n° 58/2009, que estabeleceu novos limites máximos proporcionais à população dos
Municípios (CF, art. 29, IV), bem como novos percentuais a serem observados para
o total da despesa do Poder Legislativo (CF, art. 29-A).

O execício dos vereadores ocorre na Câmara Municipal, como designa a Constituição


Federal, ou Câmara de Vereadores. O órgão público possui funções legislativas,

1
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 634

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 10


fiscalizadoras, administrativas, judiciárias, e de assessoramento. No exercício de suas
funções legislativa, participa da elaboração de leis. Cabe aos Vereadores o direito da
iniciativa de projetos de lei, apresentação de emendas aos projetos e aprovar ou rejeitar o
veto do prefeito.
Embora não gozem das mesmas garantias conferidas aos parlamentares federais e
estaduais, no exercício de suas funções, os vereadores gozam de imunidade material,
assegurando-lhes a inviolabilidade por palavras, votos e opiniões no exercício do mandato
e na circuscrição do Município, conforme artigo 29, VIII da Constituição Federal 2.
Nesse sentido, vejam a interpretação do Supremo Tribunal Federal 3:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


INVIOLABILIDADE CIVIL DAS OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS DE
VEREADORES. PROTEÇÃO ADICIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
AFASTAMENTO DA REPRIMENDA JUDICIAL POR OFENSAS MANIFESTADAS
NO EXERCÍCIO DO MANDATO E NA CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO.
PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Vereador que, em sessão da Câmara, teria se
manifestado de forma a ofender ex-vereador, afirmando que este “apoiou a
corrupção [...], a ladroeira, [...] a sem-vergonhice”, sendo pessoa sem dignidade e
sem moral. 2. Observância, no caso, dos limites previstos no art. 29, VIII, da
Constituição: manifestação proferida no exercício do mandato e na circunscrição do
Município. 3. A interpretação da locução “no exercício do mandato” deve prestigiar
as diferentes vertentes da atuação parlamentar, dentre as quais se destaca a
fiscalização dos outros Poderes e o debate político. 4. Embora indesejáveis, as
ofensas pessoais proferidas no âmbito da discussão política, respeitados os limites
trazidos pela própria Constituição, não são passíveis de reprimenda judicial.
Imunidade que se caracteriza como proteção adicional à liberdade de expressão,
visando a assegurar a fluência do debate público e, em última análise, a própria
democracia. 5. A ausência de controle judicial não imuniza completamente as
manifestações dos parlamentares, que podem ser repreendidas pelo Legislativo. 6.
Provimento do recurso, com fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: nos
limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do
mandato, os vereadores são imunes judicialmente por suas palavras, opiniões e
votos.

Nos termos do artigo 31 da Constituição Federal 4, compete à Câmara Municipal


fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, Prefeito e Secretários Municipais,
incluídos os atos da administração pública indireta. Nesse sentido, a Câmara Municipal
ainda exerce a função fiscalizadora, mediantes: a apresentação de requerimento de
informações sobre a administração, a criação de Comissões de Inquérito para apuração de
fato determinado e a convocação de autoridade para depor.
A Câmara Municipal exerce também a função administrativa na organização de seus
serviços, tais como: composição de Mesa, constituição das comissões, e estrutura
organizacional de suas diretorias. Além dessas atribuições, esse órgão público exerce a

2
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 634
3
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RE 600063. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. DJ: 25/02/2015.
4
Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 28 de Setembro de 2019.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 11


função do Poder Judiciário quando processa e julga o Prefeito e os Vereadores. A pena
imposta ao Prefeito é a decretação do impechment e perda do mandato. Nesse sentido, ao
vereadores, também ocorre a perda do mandato.
A seguir, observa-se um importante julgado do Supremo Tribunal Federal5:

Repercussão Geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia.


Competência da Câmara Municipal para julgamento das contas anuais de prefeito.
2. Parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas. Natureza jurídica opinativa. 3.
Cabe exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do chefe
do Poder Executivo municipal. 4. Julgamento ficto das contas por decurso de prazo.
Impossibilidade. 5. Aprovação das contas pela Câmara Municipal. Afastamento
apenas da inelegibilidade do prefeito. Possibilidade de responsabilização na via
civil, criminal ou administrativa. 6. Recurso extraordinário não provido.

A Câmara Municipal, em sua função de julgamento, possui competência para julgar


os prefeitos nos crimes de responsabilidade, conforme artigo 4º do Decreto Lei nºº
201/19676. Além disso, a Câmara Municipal também exerce a função de assessoramento,
ao votar indicação, sugerindo ao Prefeito medidas de interesse da administração como: a
construção de escolas, aberturas de estradas, limpeza pública e assistência à saúde.
Diante do exposto, conclui-se que a Câmara de Vereadores possui um importante
papel social exercido por intermédio dos vereadores nas funções legislativas,
fiscalizadoras, administrativas, judiciárias e de assessoramento.

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS

Todo governo promove ações e programas (políticas públicas) necessários para


provisão de bens e serviços para sociedade. A seguir, observa0se um conceito sobre
políticas públicas:

(...) conjunto de programas ou ações governamentais necessárias e suficientes,


integradas e articuladas para a provisão de bens ou serviços à sociedade,
financiadas por recursos orçamentários ou por benefícios de natureza tributária,
creditícia e financeira7.

Avaliar as políticas públicas é verificar a atuação governamental e levantar


informações necessárias para a tomada de decisões ao longo do período da gestão pública.
Além disso, é um importante e necessário instrumento para que as ações governamentais
tornem-se mais eficientes. Vejam:

(...) a avaliação ex post é um instrumento relevante para a tomada de decisões ao


longo da execução da política – dizendo ao gestor o que aprimorar e, em alguns

5
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RE729744. Relator: Min. GILMAR MENDES. DJ: 10/08/2016.
6
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 636
7
BRASIL. Presidência da República. Avaliação de Políticas Públicas: Guia prático de análise ex post. Vol.
2. Brasília: Presidência da República, 2018. p. 14.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 12


casos, como fazê-lo –, bem como para a melhor alocação de recursos entre as
diferentes políticas públicas setoriais8.

É por intermédio de métodos e ferramentas que se torna possível a avaliação das


políticas públicas sobre as quais viabilizaram informações para tomada de decisões que
visem o aprimoramento da gestão pública. Vejam

As metodologias e ferramentas analíticas utilizadas na avaliação fundamentam a


tomada de decisão dos gestores públicos em prol do aprimoramento das políticas
em execução. Portanto, os resultados da avaliação de processos servem: para a
implementação ou o aperfeiçoamento da política (avaliação formativa);1 ou para a
tomada de decisão sobre sua adoção ou expansão (avaliação somativa) 9.

No âmbito municipal, um dos principais instrumentos de planejamento das políticas


públicas são as leis orçamentárias: Plano Plurianual (PPA); Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO); e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Vejam o entendimento do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM):

A elaboração do orçamento, no Brasil, é tarefa do Executivo que o remete ao


Legislativo para apreciação e posterior votação. Na Primeira República, admitiu-se
mesmo que ao Legislativo caberia a iniciativa da elaboração orçamentária. A
Constituição de 1891 incluía na competência do Legislativo o poder de elaborar o
orçamento. A iniciativa, porém, nunca saiu das mãos do Executivo e, assim, o
primeiro sempre trabalhou em projetos enviados pelo segundo. Hoje este é um
ponto fora de dúvida, e mesmo na doutrina o assunto já decaiu de interesse10.

No âmbito Municipal, são poucas as ferramentas disponíveis para adequada avaliação


das políticas públicas. Nesse sentido, torna-se importante o investimento do Poder Público
para que seja possível a prática de avaliação das políticas públicas.
Por fim, cabe salientar que o governo é o responsável pela promoção de ações e
programas. Essas ações devem ser objeto de avaliação que apresentarão informações
para tomada de decisões mais acertadas.

A CÂMARA DE VEREADORES E A AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


MUNICIPAIS

A Câmara de Vereadores tem importante função de avaliar as políticas públicas.


Nesse sentido, observa-se o entedimento do Instituto Brasileiro de Administração Municipal

8
BRASIL. Presidência da República. Avaliação de Políticas Públicas: Guia prático de análise ex post. Vol.
2. Brasília: Presidência da República, 2018. p. 13.
9
BRASIL. Presidência da República. Avaliação de Políticas Públicas: Guia prático de análise ex post. Vol.
2. Brasília: Presidência da República, 2018. p. 13.
10
IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. O vereador e a Câmara Municipal. 4. ed. Rio de
Janeiro: IBAM, 2014. p. 9.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 13


(IBAM)11:

É fundamental que a Câmara desempenhe plenamente suas funções e seu papel,


pois só assim poderá ter destaque no Governo do Município. A função legislativa da
Câmara possui, em essência, cunho político. As leis que vota refletem as aspirações
da comunidade, estabelecem prioridades, escolhem alternativas e produzem ações,
enfim, em prol do bem comum.

As funções da Câmara, exercida pelos Vereadores, são nobres, e, sem dúvidas,


essenciais para as políticas públicas municipais. Para o Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM):

(...) a atividade política reservada à Câmara, corretamente desempenhada, é das


mais nobres. O homem é um ser político, pois vive em sociedade e só nela pode
realizar-se. O Estado é a sociedade organizada e o Município, a base dessa
organização em que as pessoas podem participar mais diretamente da vida pública,
tornando-se, enfim, campo de aprendizado e exercício cívico.

Observa-se, portanto, que a atuação dos Vereadores, além de serem fundamentais


para as políticas públicas municipais, é, ainda, uma obrigação. Vejamos o entendimento de
FILHO12:

Ora, os direitos fundamentais vinculam o Legislativo, que tem a obrigação até


mesmo de editar leis que os promovam. Quando aplicada essa afirmação genérica
ao caso específico dos direitos fundamentais sociais, cuja efetivação se dá por meio
de políticas públicas, chega-se à conclusão de que o legislador tem não só a
possibilidade, como até mesmo a obrigação de formular políticas governamentais
que promovam tais direitos. Pode-se perfeitamente falar em um dever-poder de
formular políticas públicas para a efetivação de direitos sociais.

Todas as funções da Câmara de Vereadores são importantes para as políticas


públicas municipais, mas quanto à avaliação, a função fiscalizadora possui destaque. Para
o Institituto Brasileiro de Administração Municipal 13:

Uma das formas pelas quais a Câmara pode praticar a democracia é defender o
bem comum, além de votar leis e resoluções, manifesta-se pelo exercício de seus
poderes de fiscalização e controle do Executivo, decorrentes do seu papel político.

Quando se meciona a fiscalização feita pelo Poder Executivo, não se refere somente
à fiscalização exclusiva do Prefeito, mas também por meio da avaliação das políticas
públicas. Nesse sentido, o Institituto Brasileiro de Administração Municipal afirma que 14:

11
IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. O vereador e a Câmara Municipal. 4. ed. Rio de
Janeiro: IBAM, 2014. p. 9.
12
FILHO, João Trindade Cavalcante. Limites da Iniciativa Parlamentar sobre Políticas Públicas.
Brasília: Senado Federal, 2013. p. 25.
13
IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. O vereador e a Câmara Municipal. 4. ed. Rio de
Janeiro: IBAM, 2014. p. 9.
14
IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. O vereador e a Câmara Municipal. 4. ed. Rio de
Janeiro: IBAM, 2014. p. 9.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 14


A fiscalização exercida pela Câmara é muito abrangente. Não se trata, apenas, de
fiscalizar a lisura do Executivo na aplicação dos dinheiros públicos. Consiste
também em acompanhar de perto a ação do Prefeito e dos seus auxiliares, para
verificar se eles estão agindo conforme o bem comum e o interesse público, ou se
estão favorecendo alguns em prejuízo da coletividade; se estão cuidando de
interesses particulares; se estão agindo em benefício próprio; se estão contribuindo,
com sua ação, para aumentar ainda mais as desigualdades sociais.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal também manifestou-se sobre a


possibilidade da Câmara Municipal iniciar projetos de lei que se referem a políticas públicas.

O Ministro Celso de Mello, ao decidir monocraticamente a Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 45/DF, registrou que a
atriuição de formular e de implementar políticas (...) reside, primariamente, nos
Poderes Legislativos e Executivo15.

De todo exposto, conclui-se que a Câmara de Vereadores possui importantes funções


quanto à avaliação das políticas públicas, incluindo-se o dever da função fiscalizadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Câmara de Vereadores possui um importante papel nas políticas públicas por meio das
funções legislativas, fiscalizadoras, administrativas, judiciárias e de assessoramento.
As políticas públicas, embora sejam efetivadas preponderantemente pelo Poder
Executivo Municipal, possui participação considerável da Câmara de Vereadores.
A promoção de ações e programas devem ser objeto de avaliações que apresentarão
informações para tomada de decisões mais acertadas. Nesse sentido, as avaliações das
políticas públicas são tão importantes. Além disso, observa-se a importância da atuação da
Câmara de Vereadores, a qual possui função fiscalizadora.
A limitação da presente pesquisa fundamenta-se na impossibilidade de definir as melhores
ferramentas para avaliação de políticas públicas, tendo em vista a realidade distinta em cada
município.
A pesquisa pode ser aprofundada por meio do aprofundamento da pesquisa direcionada a
algum município, em específico.

REFERENCIAS

BRASIL. Presidência da República. Avaliação de Políticas Públicas: Guia prático de


análise ex post. Vol. 2. Brasília: Presidência da República, 2018.

15
TRINDADE, João. Processo Legislativo Constitucional. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 53.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 15


BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 28 de
Setembro de 2019.

FILHO, João Trindade Cavalcante. Limites da Iniciativa Parlamentar sobre Políticas


Públicas. Brasília: Senado Federal, 2013.

IBAM, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. O vereador e a Câmara Municipal.


4. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2014.

NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. Salvador: JusPodivm,


2018.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n° 600063. Relator: Min.


Marco Aurélio. Publicação no DJ: 25/02/2015.

TRINDADE, João. Processo Legislativo Constitucional. 3. ed. Salvador: JusPodivm,


2017

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 16


Capítulo

02

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 17


CAPTAÇÃO DE RECURSOS PARA O TERCEIRO SETOR: INSTRUMENTOS PARA O
APORTE DE TRANSPARÊNCIA E CREDIBILIDADE PARA AS INSTITUIÇÕES

ALEXANDRE LISBÔA DA SILVA


Faculdade Municipal de Palhoça – FMP

ALISSANE LIA TASCA DA SILVEIRA


Faculdade Municipal de Palhoça – FMP

MARCELO ROBERTO DA SILVA


Faculdade Municipal de Palhoça – FMP

RESUMO: O presente artigo científico tem como tema a captação de recursos nas entidades sem
fins de lucro, considerando a importância de que estas organizações atendam aos requisitos
inerentes ao cumprimento dos preceitos legais, bem como à credibilidade e transparência. A
metodologia empregada foi a revisão bibliográfica, de cunho qualitativo. Constatou-se a importância
de que as organizações do terceiro setor estejam atentas aos aspectos legais e normativos
inerentes ao seu funcionamento, sendo que os instrumentos passíveis de conferir a credibilidade e
o estrito cumprimento destes requisitos se relacionam ao trabalho contábil, com as auditorias, a
adequada prestação de contas, a atenção aos princípios de accountability e governança
corporativa.
Palavras-chave: Captação. Receitas. Contabilidade.

ABSTRACT: This article has as its theme the raising of funds in non-profit entities, considering the
importance that these organizations meet the necessary requirements to comply with the precepts,
as well as science and transparency. The methodology used was a bibliographic review, of a
qualitative nature. It is important to note that third sector associations meet the legal and regulatory
requirements inherent to their operation, and the instruments capable of conferring credibility and
strict compliance with the requirements are related to adequate accounting work, with audits,
accountability, attention to the principles of responsibility and corporate governance.
Keywords: Capture. Revenue. Accounting.

INTRODUÇÃO

A captação de recursos nas entidades sem fins de lucro representa uma atividade
essencial à sobrevida destas instituições, considerando que a diversidade de receitas a
elas destinadas, com raras exceções, tem como origem direta ou indireta a aprovação por
parte das instituições públicas ou governamentais.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011) o terceiro setor
coexiste com o setor público e também com o setor privado, cumprindo um papel importante
no campo da reestruturação produtiva no mundo do trabalho, diante da globalização
econômica e da perda de direitos que caracteriza o cenário neoliberal. Assim, surge uma
disseminação de práticas ligadas à utilização da filantropia na abordagem da questão

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 18


social, que é o conjunto de problemas surgidos a partir das expressões da desigualdade
social.
Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de que tais organizações estejam aptas
a receberem os recursos para sua manutenção, envolvendo aspectos como a
transparência, accountability e regularidade quanto à legislação que envolve sua
organização, aportando credibilidade e efetivando seu direito a pleitearem tais recursos.
Diante dessas considerações, pergunta-se: quais são os instrumentos passíveis de
contribuírem para a transparência das instituições sem fins de lucro, viabilizando a
prospecção de recursos?
O objetivo geral do trabalho é identificar os meios passíveis de contribuírem para a
regularidade do cumprimento das responsabilidades das instituições do terceiro setor,
tornando-as aptas a receberem recursos à sua manutenção. Os objetivos específicos são
caracterizar o terceiro setor, situando-o entre as pessoas jurídicas de direito privado;
conceituar as associações e fundações privadas e indicar a importância da contabilidade
para as entidades sem fins de lucro.
A metodologia empregada na pesquisa foi a revisão bibliográfica em livros, artigos
científicos, documentos legais e normativos relacionados ao tema. O trabalho apresenta o
caráter qualitativo, não se atendo às variáveis mensuráveis numericamente, ainda que
estas tenham correlação com o objeto de pesquisa.

O TERCEIRO SETOR

2.1 O TERCEIRO SETOR NO CONTEXTO DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO


PRIVADO

Terceiro Setor é uma denominação dada às instituições que atuam sem fins
lucrativos e tem como objetivo a realização de atividades de utilidade pública. Deve-se
compreender que o Primeiro Setor é formado pelo setor público. O Segundo Setor é
constituído pelas organizações privadas, sendo que o Terceiro Setor é formado pelas
entidades filantrópicas, que exercem atividades de caráter social dirigidas à sociedade.
Um dos conceitos que se aproxima do ideário das entidades do terceiro setor e que
é de necessária distinção é o empreendedorismo social. O mesmo não pode ser
enquadrado nesse contexto por ter fins lucrativos, ainda que com características singulares
e objetivos semelhantes às propostas das associações e fundações privadas. Segundo
Bueno (2017), o empreendedorismo social se caracteriza pela oferta de serviços e de

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 19


produtos com a finalidade de minimizar ou resolver problemas relacionados às áreas como
meio-ambiente, saúde, violência, alimentação, educação e outras.

Segundo Salomão Filho (2004), a atuação das entidades do terceiro setor se


desenvolveu em consonância com a difusão do ideário de responsabilidade social.
Exemplos importantes de responsabilidade social podem ser compreendidos nas questões
ambientais, no envolvimento em atividades culturais, na busca pela solução de problemas
coletivos nas comunidades onde estão situadas as organizações, na atuação em ações
sociais e em outros pontos.

As principais atividades envolvem a educação, a pesquisa, saúde, cultura,


assistência social, associações profissionalizantes, religião, defesa dos direitos e meio
ambiente. Desse modo, as entidades do terceiro setor são definidas como as organizações
que possuam nítida atuação social, em suas diversas áreas de atuação, não possuindo fins
lucrativos e, nesse caso, destinando a totalidade de seu superávitpara as ações de cunho
social (TACHIZAWA, 2002). As entidades que compõem esse setor se caracterizam como
Pessoas Jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.
A pessoa jurídica pode ser conceituada como a unidade de pessoas naturais ou
patrimônios, ou de direito inanimado personalizado, com autorização para a prática de atos
jurídicos, objetivando a consecução de certos fins e reconhecida como sujeito de
obrigações e de direitos (DINIZ, 2002).
De acordo com Farias (2005), a pessoa jurídica é um todo, um organismo,
constituído a partir dos ideais de pessoas naturais, onde, segundo o professor, não se deve
atribuir a qualquer reunião ou qualquer destinação de patrimônio a condição de pessoa
jurídica. Para assim se definir, é necessário que exista, a partir da unidade de pessoas ou
da afetação de bens, o interesse em emprestar uma unidade orgânica e uma entidade, a
quem será atribuída uma identidade própria por meio da ordem jurídica.Acerca dos direitos
da pessoa jurídica, deve-se compreender que a mesma possui autonomia limitada à sua
condição, já que a mesma, por ser uma entidade ficta, não pode exercer atos que sejam
exclusivos das pessoas naturais.
As pessoas jurídicas de direito privado são, conforme o art. 44 do Código Civil, as
associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos
e as empresas individuais de responsabilidade limitada, sendo criadas por iniciativa de
particulares (BRASIL, 2002).
A gênese de uma pessoa jurídica de direito privado é definida pelo art. 45 do Código
Civil, que define que decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 20


jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contando o prazo da publicação
de sua inscrição no registro (BRASIL, 2002).
Segundo Moro (2016), a associação tem sua origem no registro de seu estatuto
social, diferentemente do que é preconizado pelo senso comum, que compreende de modo
equivocado que esse início dá-se com a obtenção do CNPJ. As associações se distinguem
das fundações porque a essência das fundações refere-se a um patrimônio voltado a uma
finalidade específica.

AS ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES PRIVADAS

As associações reúnem um ideário de ajuda mútua e de união de esforços entre


seus membros, se constituindo como uma modalidade de pessoa jurídica onde se busca a
prestação de serviços aos seus associados. As mesmas incluem clubes, como clubes de
mães e grupos de fãs, que têm algum interesse comum, constituindo-se de forma
heterogênea em todas as suas expressões. No entanto, deve-se observar que as
associações têm interesses mais relevantes para a sociedade.
De acordo com Miranda apud Siqueira (2005), a associação tem por objetivos outras
finalidades que não são as econômicas ou, quando tem também como objetivos as
vantagens materiais, elas não se destinam aos seus associados. A associação congrega
objetivos altruístas, morais, religiosos, de interesse geral, em prol de toda a comunidade ou
de parte dela e não particularmente dos sócios.
Nesse contexto, pode-se considerar que as associações se assemelham às
cooperativas em vários aspectos. O cooperativismo pode ser avaliado como “doutrina que
embasa teoricamente a cooperação do ponto de vista econômico, isto é, a união de
esforços por meio de associações de fim predominantemente econômico, [que são] as
cooperativas” (ROSSI, 2008).
Existe uma proximidade conceitual entre as associações, as fundações e as
sociedades, onde se faz necessária a distinção entre as diferentes constituições para sua
compreensão acerca dos objetivos. As sociedades têm uma finalidade econômica,
enquanto asassociações não a possuem, e as fundações privadas, além de não terem o
interesse econômico, são formadas não por pessoas, mas pelos bens que as compõem
(BRASIL, 2002).
A definição trazida pelo Código Civil acerca das finalidades das associações é de
que as mesmas se constituem pela união de pessoas que se organizam para fins não
econômicos, não existindo, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos (BRASIL,

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 21


2002). Uma forma de se compreender a diferença da fundação privada para a associação,
é o questionamento acerca da existência de sócios. Uma fundação não tem sócios, mas,
no máximo, administradores. Já a associação possui sócios, ou associados, ainda que
estes possam ser enquadrados em diferentes categorias, de acordo com o estatuto vigente.
Importante aspecto a respeito das associações reside na condição de que o
associado não pode ser excluído sem justa causa, ainda assim, resguardando o direito à
ampla defesa do acusado. As mesmas possuem o instituto da Assembleia Geral, que
possui como competência privativa a destituição dos administradores e as alterações
estatutárias. De acordo com o Código Civil, a convocação dos órgãos deliberativos será
feita conforme o estatuto, garantido a um quinto dos associados o direito de promovê-la
(BRASIL, 2002).
Uma associação pode ser constituída para qualquer atividade lícita, que não tenha
finalidade econômica e não seja nociva ou contrária ao bem público, à segurança do Estado
e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes. Uma inovação
trazida pelo Novo Código Civil, no art. 44, é da possibilidade de aplicação das disposições
relativas às associações, às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial do
Código, que são a sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em
comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade em comandita por
ações e sociedade cooperativa (SIQUEIRA, 2005).
Quanto às fundações, Silva e Silva (2016) afirmam que elas se enquadram como
tercium genus por apresentarem características singulares de participação do Poder
Público em entidade privada. Para o autor, estas são controladas por disposições civis
genéricas, mas também têm complementação de normas publicísticas.

É a atribuição de personalidade jurídica a um patrimônio, que a vontade humana


destina a uma finalidade social. É um pecúlio, ou um acervo de bens, que recebe
da ordem legal a faculdade de agir no mundo jurídico, e realizar as finalidades a que
visou o seu instituidor (SILVA, 2008, p. 3).

O Código Civil Brasileiro determina que a constituição das fundações somente


poderá ocorrer para fins de:

I – assistência social;II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e


artístico;III – educação;IV – saúde;V – segurança alimentar e nutricional;VI – defesa,
preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e
conhecimentos técnicos e científicos;VIII – promoção da ética, da cidadania, da
democracia e dos direitos humanos;IX – atividades religiosas (BRASIL, 2002)

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 22


Quanto à responsabilidade civil das fundações e associações, em todos os casos
citados prevalece o art. 37, § 6º da Constituição Federal, que afirma que tanto as pessoas
jurídicas de direito público quanto aquelas de direito privado responderão pelos danos
causados por seus agentes, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de culpa ou dolo (BRASIL, 2002).
Uma característica predominante nas organizações do terceiro setor no Brasil é a
atuação nas áreas onde o Estado e a Sociedade Civil não são efetivos, mas servindo-se de
recursos geralmente obtidos por meio de financiamento público (LOPES, 2004). Nesse
sentido, observa-se que a captação de recursos para as entidades sem fins de lucro conta
com mecanismos que podem favorecer a prospecção de meios para sua manutenção, com
destaque para as práticas que possam conferir transparência e credibilidade às instituições.
As organizações do terceiro setor têm sua organização contábil e financeira
determinadas pela ITG 2002, pela Lei 12.868/13 e pelo Decreto 8.242/14, sendo que estes
preceitos alteraram a Lei nº 12.101/09, que dispõe sobre a certificação das entidades
beneficentes de assistência social e regula os procedimentos para isenção de contribuições
para a seguridade social.

CAPTAÇÃO DE RECURSOS E FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO NO TERCEIRO SETOR:


INSTRUMENTOS PARA A BUSCA DA TRANSPARÊNCIA E CREDIBILIDADE

A formação do patrimônio nas instituições sem fins de lucro pode ser de maneira
direta, com a garantia pessoal do fundador do patrimônio necessário e suficiente para a
criação da entidade; ou fiduciária, quando o fundador, considerado instituidor, entrega a
terceiros a organização da instituição por ele projetada como fundação. Este acréscimo ao
modo como se regulamenta a criação das fundações demonstrou a clara intenção do
legislador pátrio em evitar a afirmação de pessoa patrimonial para administração de
interesses de exclusivo caráter privado, como ocorre em alguns países onde existem
fundações para gerenciamento de fortunas de herdeiros (SILVA; SILVA. 2016). A
manutenção das atividades de uma fundação, bem como de outras instituições que
compõem o terceiro setor, geralmente conta com fontes diversas de receita, mas
principalmente trata-se de recursos originados de doações, subvenções e projetos junto à
iniciativa privada, em sistema de parceria.
As doações são definidas pela ITG 2002 como sendo as transferências definitivas e
gratuitas de direito de propriedade ou de recursos financeiros, com o objetivo de
investimento, imobilização ou custeio das entidades, não ocorrendo a contrapartida por
parte das mesmas. Quanto às contribuições, estas são transferências correntes ou de

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 23


capital, determinadas na lei orçamentária ou especial, oferecidas por entes governamentais
a entidades sem fins lucrativos, bem como às autarquias e fundações (CFC, 2015).
Já as subvenções são uma transferência de recursos financeiros por parte de órgãos
do setor público para entidades privadas ou públicas, voltando-se à cobertura de despesas
de manutenção e custeio das mesmas, podendo ou não haver a contraprestação de
serviços ou bens por parte da beneficiária dos recursos (CFC, 2015).
No entanto, existe no Brasil uma vertente doutrinária que se opõe a esta
determinação, como do Deputado Ricardo Fiúza que propôs a supressão do art. 62 por
acreditar que as limitações quanto à motivação para criação de uma fundação ferem o
interesse público (RESENDE, 2014). O deputado defende que devido à forma como são
fiscalizadas e à limitação para sua constituição, não se deveriam limitar os seus fins.
O ato de criação de uma fundação pode ser inter vivos ou mortis causa, sendo que
em ambas as modalidades o ato depende de registro no registro civil de pessoas jurídicas.
O ato de dotação da fundação a ser criada é a reserva de bens livres, a indicação dos fins
a que se destinam e a forma como esses bens serão administrados (MORO, 2016).
As iniciativas de criação de organizações não governamentais representam a
incapacidade ou falência dos Estados no sentido de proporcionar soluções para diversos
problemas como o desemprego, a ecologia, a saúde e a habitação (GUERRA; SANTOS,
2014). Desse modo, o trabalho exercido pelas organizações não governamentais se
aproxima do ideário de responsabilidade social, que é uma das atribuições inerentes aos
demais tipos de pessoa jurídica.
Verifica-se que mesmo no segmento das instituições com fins lucrativos é
determinada a efetivação da responsabilidade social, mas estas, por privilegiarem apenas
o lucro e a competitividade em seus respectivos mercados, se abstêm de atuar de forma a
contribuir com a justiça social. Nesse sentido, observa-se que a função social é uma
cláusula geral dotada de certo grau de indeterminação, considerando a ausência de uma
regulação específica, que a desqualifica enquanto lei (SALOMÃO FILHO, 2004).
Especificamente considerando a necessidade de credibilidade para que as
organizações não governamentais possam prospectar seus recursos, observa-se a
necessidade de que seus objetivos sociais sejam bem definidos e que sejam
comprovadamente voltados ao interesse púbico. Nesse contexto, Bento (2010) afirma que
a obtenção de certificações por parte das entidades do terceiro setor pode ser considerada
como um importante diferencial no sentido de se conseguir recursos, pois os critérios para
a certificação geralmente são bastante rigorosos.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 24


Nesse sentido, verifica-se a possibilidade de que a instituição seja enquadrada como
Oscip – Organização Social de Interesse Público a partir da adequação de seus controles
às exigências governamentais, o que faz com que a mesma possa firmar um termo de
parceria com o poder público, para a obtenção de recursos, a serem utilizados na execução
dos fins a que se destinam.

Tal como a Organização Social, a Organização da Sociedade Civil de Interesse


Público é também um título, uma qualificação que a associação recebe. A
associação não nasce Oscip, daí ser também incorreto que o estatuto social de
criação seja levado a registro com esse nome (MORO, 2016, p. 37).

A qualificação como Oscip é conferida às associações ou fundações pelo governo


federal e emitida pelo Ministério da Justiça, ao analisar o estatuto da instituição e a
documentação solicitada, dentre elas os demonstrativos contábeis, desde que atendidos
os requisitos instituídos no art. 3º da referida Lei (BENTO, 2010).
O fato de que o terceiro setor não tenha o lucro como objetivo das organizações que
o compõem não quer dizer que as entidades que o compõem não se utilizem da
contabilidade, que é uma ferramenta que pode auxiliar no gerenciamento dos donativos e
recursos conseguidos para a realização das atividades sociais. Há uma preocupação
quanto a essas organizações tendo em vista que existem registros de variadas ocorrências
de fraudes, o que acaba criando certa generalização quanto às entidades do terceiro setor
na sociedade, questionando sua idoneidade (SLOMSKI et al., 2012). Nesse aspecto, surge
a importância da contabilidade, com sua vertente financeira e também gerencial, mas
principalmente da auditoria.
A regularidade das organizações sem fins de lucro quanto ao cumprimento de suas
obrigações legais pode proporcionar às mesmas o acesso aos recursos que estão
disponibilizados para suas atividades e aos benefícios governamentais.Os principais
benefícios concedidos pelo governo às entidades do terceiro setor são “a imunidade e a
isenção de impostos e contribuições e a possibilidade do recebimento de recursos públicos,
por meio de convênios, contratos, subvenções sociais e termos de parceria” (CFC, 2013,
p. 37). Para tanto, a transparência é um requisito imprescindível, que pode contar com o
trabalho da Contabilidade para sua viabilização.
A contabilidade auxilia nas decisões e na transparência nas organizações do terceiro
setor, fornecendo informações e concedendo credibilidade para a mesma diante da
sociedade e de todos os interessados, investidores, beneficiados, doadores, colaboradores
ou pessoas que não possuam vinculo com a entidade, considerando que o direito de
analisar as demonstrações de uma entidade do terceiro setor é de todos (VIANA; LOPES,

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 25


2013). Entre as atribuições da Contabilidade junto a estas instituições situa-se o
cumprimento das determinações da ITG 2002.
Caberá ao contador a elaboração das notas explicativas com relação aos critérios
utilizados para o registro contábil de depreciação, amortização e exaustão do ativo
imobilizado, verificando a obrigatoriedade do reconhecimento fundamentado em estimativa
de sua vida útil. Devem ser segregados os atendimentos com recursos próprios dos outros
atendimentos realizados pela organização, observando também que todas as gratuidades
devem ser registradas separadamente, indicando as que devem ser utilizadas na prestação
de contas nos órgãos governamentais, trazendo valores dos benefícios, quantidade de
atendidos e de atendimentos, bem como número de bolsistas com valores e percentuais
representativos (CFC, 2012).
A prestação de contas deixou de ser limitada à apresentação de formulários e
documentos fiscais que comprovam a execução financeira dos recursos recebidos,
passando a ser o procedimento onde se analisa a execução da parceria, possibilitando a
verificação acerca do cumprimento do objeto, bem como do alcance das metas e resultados
previstos (BRASIL, 2014).
A Lei nº 12.527/11 é denominada Lei de Acesso à Informação e é regulamentada
pelo Decreto no 7.724/12, determinando as obrigações para as entidades sem fins
lucrativos a partir da celebração de convênios com a administração pública. É necessária
a publicidade da relação nominal das pessoas que dirigem a entidade e de seu estatuto
social, além da cópia integral dos termos de parceria, contratos, convênios, ajustes, acordos
e outros instrumentos, bem como seus aditivos, elaborando relatórios de prestação de
contas dos recursos (BRASIL, 2011).
Cruz (2002) afirma que o trabalho da contabilidade nas entidades do terceiro setor
envolve também a atividade de auditoria, bem como as funções inerentes à gestão
financeira a demonstração da origem e destino dos recursos recebidos pelas organizações
sem fins lucrativos, bem como a indicação do benefício social proporcionado e das práticas
passíveis de serem novamente realizadas ou multiplicadas.
A auditoria no terceiro setor conta com os mesmos testes e procedimentos adotados
em entidades do primeiro ou segundo setor, mas as diferenças entre as organizações se
referem às legislações e obrigações perante os órgãos reguladores e fiscalizadores. O
exemplo são as instituições voltadas à educação, que terão especificidades que as
diferenciam de uma instituição do campo da saúde ou assistência social (GRACIO;
OLIVEIRA; DIONÍSIO, 2015).

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 26


Uma das importantes aplicações da auditoria para as organizações do terceiro setor
se refere à consideração de que suas técnicas favorecem a administração ao cumprimento
dos requisitos legais exigidos e proporcionam a propagação de boas práticas de controle e
planejamento. A auditoria, ao lado dos controles internos, pode proporcionar maior
confiabilidade das informações voltadas ao controle e aprimoramento dos relatórios
gerenciais e para a tomada de decisões (SOUZA, 2012).
Souza (2012) considera que estas entidades, “por sua natureza, devem se preocupar
com a elaboração do Balanço Social, no que se refere ao seu aproveitamento na gestão do
negócio, bem como na divulgação das ações na comunidade”.
Macêdo, Romeiro e Marsigli (2017) consideram que a diversidade das atividades
executadas e suas características diferenciadas conferem uma complexidade maior à
gestão no terceiro setor. Verifica-se também que os gestores e demais profissionais da
instituição têm importante participação nos processos de gestão financeira, observando que
a ausência de sustentabilidade financeira proporciona a perda de mão de obra qualificada
e a redução da capacidade de gestão, entre outras consequências.
Assaf Neto, Araújo e Fregonesi (2006) afirmam que o trabalho do contador no campo
da estratégia das entidades do terceiro setor incorpora também o aproveitamento de todas
as oportunidades que possam agregar mais valor econômico na tentativa de atrair o
investidor para si, o que define a gestão baseada em valor.
Mesmo que o conceito de geração de valor demonstre estar distante do contexto das
entidades sem fins de lucro, verifica-se que existe a compatibilidade desse tipo de gestão
a essas instituições, observando que as diferenças no processo são o objetivo da criação
de valor, observando que o destino é a comunidade ao invés de acionista, e o
reconhecimento do valor gerado, que não se dá por meio do reconhecimento pelo mercado,
mas pela sociedade (ASSAF NETO; ARAÚJO; FREGONESI, 2006).A Figura 1 mostra o
fluxo desse processo de criação de valor:

Figura 1 – Gestão baseada em valor no terceiro setor

Fonte: Assaf Neto, Araújo e Fregonesi (2006)

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 27


Observa-se a necessidade que as organizações do terceiro setor contem com a
efetiva atuação da contabilidade tanto fiscal quanto gerencial. De acordo com Lima (2004),
grande parte do setor filantrópico brasileiro apresenta um índice baixo de desenvolvimento
gerencial. O autor traz como exemplo o uso dos custos nas organizações do segmento da
saúde, que deve ser adaptado às peculiaridades do setor e que requer uma gestão
profissionalizada, o que não ocorre na maioria das instituições.
Conforme Beulke e Bertó (1997) boa parte do resultado positivo, é reinvestido na
própria instituição e esse valor é na maioria das vezes resultado de uma série de acertos
em diversas ações gerenciais fundamentadas no controle e redução de custos.
A governança corporativa, ao lado da auditoria e da controladoria, representa
funções importantes para as instituições sem fins de lucro, sendo afins à contabilidade. Por
meio de sua adequada utilização pode-se favorecer a exatidão e confiabilidade dos dados
e informações fornecidos pela instituição (RUZZARIN; SIMIONOVSCHI, 2017). Nesse
sentido, a controladoria é identificada como um mecanismo interno de governança
corporativa, contribuindo também para a adequada tomada de decisão nas organizações.
Observa-se, segundo Souza (2012), que as entidades voltadas à prestação de
serviços remunerados que recebem doações, contribuições de sócios e mensalidades
associativas, entre outras receitas, devem realizar a contabilização das mesmas em contas
específicas. Desse modo, seus custos e despesas inerentes à prestação de serviço devem
ser também contabilizados, porém de modo separado dos demais encargos de manutenção
de entidade.
A elaboração da parte contábil-financeira para projetos de captação de recursos,
convênios, termos de parceria e contratos com o Poder Público, é também um elemento de
necessária indicação no campo da importância do trabalho da contabilidade para as
instituições sem fins lucrativos, sendo que o trabalho consiste na previsão de receitas e
despesas, organizadas por categorias contábeis (PRO BONO, s/d, p. 61).
Campos (2003) afirma que o aumento do volume dos recursos arrecadados pelas
entidades do terceiro setor sem fins lucrativos traz consigo uma necessidade ainda maior
de que ocorra a transparência na aplicação desses valores, compreendendo que, diversas
vezes, a credibilidade não apenas da instituição especificamente beneficiada, mas também
de outras, passa a ser avaliada diante da identificação do uso adequado ou não dos
recursos.
A atenção aos preceitos relacionados à governança corporativa e aos aspectos
contábeis pode, portanto, favorecer a obtenção de recursos, como as linhas especiais de

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 28


desenvolvimento. Um exemplo nesse sentido são os recursos disponibilizados pela
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), destinados à inovação.

O instrumento, denominado Apoio direto à Inovação para Instituições sem fins


lucrativos, irá disponibilizar R$ 170 milhões de recursos Finep para apoiar
instituições que muitas vezes estão no ápice de sua capacidade inovadora, mas que
carecem de recursos para essa execução, caso de muitas cooperativas,
associações e fundações (FINEP, 2021, online).

Nesse contexto, Ruzzarin e Simionovschi (2017), a governança corporativa busca a


transparência da gestão das organizações, reduzindo os riscos para os investidores. A boa
governança corporativa adota os princípios da equidade e do accountability , que se refereà
prestação de contas.
A credibilidade auferida por uma organização sem fins de lucro pode ser decisiva
para seu crescimento e até mesmo para sua manutenção em funcionamento. Desse modo,
evidencia-se a importância tanto da Contabilidade Gerencial, quanto da modalidade fiscal,
voltada ao cumprimento dos preceitos legais e normativos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como tema as entidades do terceiro setor, buscando a


identificação dos instrumentos que possam viabilizar a captação de recursos. Observou-se
que as instituições sem fins de lucro, mesmo possuindo características distintas das demais
entidades que compõem as pessoas jurídicas de direito privado, possuem obrigações e
responsabilidades a serem cumpridas, como a prestação de contas e a emissão de
relatórios, bem como os registros contábeis previstos na ITG 2002.
Constatou-se que as entidades do terceiro setor têm como receitas as subvenções,
doações e recursos de projetos, sendo que a captação desses recursos requer a atenção
aos preceitos que se relacionam à transparência e adequação aos requisitos legais. Diante
dessa realidade, identifica-se que entre os meios passíveis de aportar credibilidade à
organização encontram-se a auditoria contábil, a governança corporativa e a atenção aos
princípios do accountability, além da prestação de contas adequadamente realizada, não
se restringindo à mensuração econômico-financeira, mas estendendo-se à divulgação do
cumprimento dos objetivos sociais cumpridos.
Ressalta-se a importância da realização de novos trabalhos a respeito do tema, de
relevância social e acadêmica. A observação dos requisitos para que as organizações sem
fins de lucro estejam aptas à captação de recursos mostra-se como uma importante

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 29


iniciativa, considerando que apenas uma parcela reduzida destas entidades apresenta
como característica a autossustentablidade.

REFERÊNCIAS

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Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 32


Capítulo

03

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 33


AS ESCOLAS DO LEGISLATIVO NA REGIÃO OESTE DA GRANDE SÃO
PAULO: SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS

JOSIAS PATRIOLINO DE LIMA16


VERÔNICA CALIXTO DA SILVA17

RESUMO: Este trabalho pretende trazer para a discussão a necessidade de implantação e


manutenção de Escolas do Legislativo nas Câmaras Municipais como instrumentos da Gestão
Pública no âmbito do Poder Legislativo, levando educação política, de gestão e de cidadania aos
agentes políticos, servidores públicos e à comunidade em geral. Analisamos a situação nas
Câmaras de 16 cidades no Oeste da Grande São Paulo (regiões Oeste e Sudoeste), incluindo
cidades com e sem Escola do Legislativo, suas atividades, resultados e perspectivas. Para embasar
nossa pesquisa buscamos na literatura textos como a dissertação de Mestrado de William de Melo
(2015) e um relatório de Rildo Cosson Mota (2008), além de vários artigos pertinentes ao tema. O
objetivo principal é avaliar como este tema pode despertar interesse de gestores públicos na
condução de atividades de pedagogia corporativa na região ou fora dela, mostrando ainda estes
elementos aplicados na administração pública nas Escolas do Legislativo em funcionamento e nas
Câmaras Municipais onde estas ainda não foram implantadas.
PALAVRAS-CHAVE: Escola do Legislativo. Gestão Pública. Grande São Paulo.

ABSTRACT: This work intends to bring to the discussion the need to implement and maintain
Legislative Schools in Municipal Councils as instruments of Public Management within the
Legislative Power, taking political, management and citizenship education to political agents, public
servants and the community in general. We analyzed the situation in the Chambers of 16 cities in
the West of Greater São Paulo (West and Southwest regions), including cities with and without
Legislative School, their activities, results and perspectives. To support our research, we searched
the literature for texts such as the Master's dissertation by William de Melo (2015) and a report by
Rildo Cosson Mota (2008), in addition to several articles relevant to the topic. The main objective is
to evaluate how this topic can arouse the interest of public managers in conducting corporate
pedagogy activities in the region or outside it, also showing these elements applied in public
administration in the Schools of the Legislative in operation and in Municipal Councils where they
have not yet been implanted.
KEYWORDS: School of the Legislative. Public Management. Greater Sao Paulo.

INTRODUÇÃO

Ao apresentarmos este trabalho, mostramos as Escolas do Legislativo como


verdadeiros núcleos de ensino de democracia, cidadania e de direitos do cidadão, além de
conhecimentos sobre a função legislativa e dos demais poderes nos três níveis de governo,
bem como serem instrumentos públicos de pesquisa acadêmica sobre a história de cada
cidade ou região e atuarem em outras atividades de interesse do cidadão e da comunidade
em geral.
Assim, trazemos para a discussão a situação atual e as perspectivas das Escolas do
Legislativo, implantadas ou a serem implantadas no âmbito das Câmaras Municipais em

16
Mestre em Educação e graduando em Tecnologia em Gestão Pública pela Universidade Cidade de São
Paulo (UNICID).
17
Graduanda em Tecnologia em Processos Gerenciais pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 34


municípios da Região Oeste da Grande São Paulo. Inicialmente, mostramos o que é e como
surgiu esta ferramenta que se alia a outros instrumentos de Gestão Pública na busca de
estreitar os contatos entre o Poder Legislativo, seus servidores e a sociedade.
Em seguida, tratamos das escolas pesquisadas. Neste contexto, consideramos de
modo geral algumas das cidades que, segundo a classificação oficial da Região
Metropolitana da capital paulista, estão situadas nas sub-regiões denominadas Oeste e
Sudoeste, e ainda o município de Caieiras, na sub-região Norte. Não obstante a localização
destas cidades, nosso objetivo é verificar como estão funcionando ou a expectativa de
instalação ou não de uma Escola do Legislativo dentro das Câmaras Municipais de cidades
próximas a São Paulo, notadamente localizadas também próximas entre si. Um resumo da
situação e perspectivas pode ser visto na Figura 1, abaixo:

Como visto, tomamos para este estudo as Câmaras Municipais de 16 cidades, sendo
que nas cidades de Embu das Artes, Taboão da Serra, Cotia, Osasco, Barueri, Santana de
Parnaíba e Itapevi já estão funcionando suas Escolas do Legislativo. Por outro lado, nas
Câmaras Municipais das cidades de Itapecerica da Serra, Embu Guaçu, São Lourenço da
Serra, Juquitiba, Vargem Grande Paulista, Carapicuíba, Jandira, Pirapora do Bom Jesus e
Caieiras ainda não estão instaladas tais escolas. Destacamos também neste estudo que
nas cidades sem Escolas do Legislativo como está a perspectiva de instalação. As cidades
escolhidas se alinham às preocupações da investigação quanto à localização de residência
e trabalho dos pesquisadores, bem como da proximidade com a sede da Universidade
Cidade de São Paulo (UNICID), para quem seria apresentado o trabalho.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 35


Esperamos assim contribuir para o entendimento da necessidade de implantação de
instrumentos eficazes como o destas Escolas para levar educação política, noções de
cidadania e conhecimentos nas áreas mais diversas para os servidores públicos, seja das
próprias Câmaras Municipais ou das Prefeituras e demais órgãos públicos, bem como que
tais serviços sejam disponibilizados à comunidade em geral em cada município.
Buscamos na legislação específica as leis e outras normas que abriram os caminhos
para a criação das Escolas, assim como textos na literatura que já se forma em torno do
assunto. Estes instrumentos serão abordados e discutidos nos próximos tópicos, de forma
mais pormenorizada.
Com efeito, as Escolas do Legislativo já são uma realidade em muitas cidades
brasileiras, especialmente as de grande porte ou de porte médio. As primeiras experiências,
que partiram da Câmara Municipal de Belo Horizonte, em Minas Gerais, em 1993,
espalharam-se pelo Brasil, levando à constituição de Escolas no âmbito dos demais
poderes de nossa República, como veremos no texto de Melo & Coelho (2019), mais
adiante.
De modo geral, tais Escolas são chamadas de Escolas de Governo, nomenclatura
que não é exclusiva de órgãos do Poder Legislativo. Entretanto, esta denominação não é
única. No Senado Federal, temos o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). Na Câmara dos
Deputados, temos a Escola da Câmara (antigo CEFOR). Nos tribunais de contas,
destacam-se as Escolas de Contas e de Gestão. No Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) há a Escola de Educação Previdenciária. Quanto às Assembleias Legislativas, em
geral o nome adotado é Escola do Parlamento, o que também ocorre nas Câmaras
Municipais das grandes cidades; e nas cidades menores usa-se o nome Escola do
Legislativo. Contudo, independentemente da nomenclatura adotada, os objetivos são
sempre os mesmos: levar aos servidores e à população em geral conhecimentos sobre
cidadania, gestão pública e outros temas.
Estes modelos de educação corporativa, ou mesmo modelos de Universidades
Corporativas, já existem entre as organizações privadas no Brasil e no exterior. Melo (2015,
p. 50-63) nos mostra experiências reais adotadas em vários outros países, como Reino
Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia, França, México e Argentina, na profissionalização
de servidores públicos e comunidade por parte do Poder Público. No Brasil, já temos bons
exemplos, como a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e o Instituto
Legislativo Brasileiro (ILB), além de várias Escolas do Legislativo e Escolas de Contas que
contam até mesmo com ótimos cursos de pós-graduação, presenciais e virtuais.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 36


REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Na origem das Escolas do Legislativo buscamos o texto de Melo & Coelho (2019),
cujo estudo, denominado Gênese das escolas do Legislativo no Brasil: apontamentos
históricos sobre a criação da EL-ALMG e publicado na Revista ENAP em 2019, nos mostra
esta gênese com a criação da Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais (EL-ALMG), em 1993. De forma suplementar, o estudo passa pela criação das cerca
de 200 outras escolas, além da Associação Brasileira de Escolas do Legislativo (ABEL), em
2003, e das associações estaduais. Neste sentido, os referidos autores buscam retratar a
origem destas organizações, criadas no âmbito do Poder Legislativo, nos três níveis de
governo.
Desta forma, Melo & Coelho (2019) nos mostram qual o propósito com a criação
destas organizações, como o treinamento, a capacitação e a formação de servidores e de
cidadãos, como vemos a seguir:

“O propósito para o estabelecimento de escolas do Legislativo no país – que, na


atualidade, totalizam mais de 200 organizações, incluindo as escolas dos Tribunais
de Contas –, é treinar, capacitar e formar servidores públicos do Parlamento e
cidadãos (neste caso, a educação política e para a democracia). Normativamente,
tal iniciativa é avivada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, que preconiza a
manutenção de escolas de governo nos três níveis de governo e, por conjectura,
pelos três Poderes. Todavia, anterior a tal previsão legal que propagou o modelo
das EL pelas Casas Legislativas, observa-se o surgimento de algumas
experiências, como a EL-ALMG, o Instituto do Legislativo Brasileiro (ILB) do Senado
Federal e o Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (CEFOR) da
Câmara dos Deputados, que suscitam a questão: o que motivou a constituição
dessas ocorrências pioneiras?” (MELO & COELHO, 2019, p. 194)

A motivação para o estabelecimento de tais estruturas dentro do Poder Legislativo,


de acordo com os mesmos autores, mostra a disponibilidade de instrumentos que coloquem
o cidadão o mais próximo de serviços públicos de educação corporativa, que vão desde o
treinamento de servidores à formação para a democracia e cidadania, com cursos de curta
duração e até mesmo de pós-graduação nos níveis lato sensu e stricto sensu. Quanto a
estes últimos cursos dois ótimos exemplos são a Escola do Parlamento da Câmara
Municipal de São Paulo e a Escola de Gestão e Contas do Tribunal de Contas do Município
de São Paulo (TCM-SP), mas, estes estão fora dos limites de nosso estudo.
Também trazemos para este trabalho a dissertação de mestrado em Análise de
Políticas Públicas do próprio Melo (2015), apresentado à Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), com o título As Escolas do
Legislativo no Contexto de Modernização do Parlamento Brasileiro: Um Estudo de Casos
Múltiplos: EL-ALMG, CEFOR, ILB-Interlegis, onde é apresentada a origem das Escolas do
Legislativo e como estas foram se desenvolvendo no âmbito dos parlamentos pelo Brasil,

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 37


apresentando a análise de três casos entre as primeiras Escolas instituídas no Brasil: a
Escola do Legislativo de Minas Gerais (de 1993), o CEFOR da Câmara dos Deputados, e
o Instituto Legislativo Brasileiro, do Senado Federal (ambas de 1997).
Além disso, buscamos os estudos de Luiz Fernandes de Assis, com o título
Educando para a cidadania: a experiência da escola do Legislativo, publicado pela Unicamp
em 1997. Também o extenso e abrangente trabalho Escolas do Legislativo, escolas de
democracia, de Rildo Cosson Mota (2008), para seu programa de pós-doutorado junto à
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado pela Câmara dos Deputados.
E ainda o texto Escolas do Legislativo: a nova visão do parlamento brasileiro, de Florian
Madruga (2008), presidente da Associação Brasileira das Escolas do Legislativo e Contas
(ABEL), e o também importante trabalho do ex-deputado estadual e atual prefeito de
Tubarão, Joares Carlos Ponticelli (2013), com o título O papel das escolas do legislativo na
formação política e educação para cidadania em Santa Catarina, publicado no II Congresso
Consad de Gestão Pública.
Assis (1997) também apresenta um histórico da criação da Escola do Legislativo
pioneira, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 1993, após experiências
inovadoras de modelos pedagógicos instituídos na educação para a cidadania e na
profissionalização de servidores desde 1986, quando do funcionamento da Assembleia
Nacional Constituinte e da discussão que levaria à elaboração da Constituição Estadual
logo a seguir. A ALMG passou a capitanear os processos de evolução da Escola, sob os
olhares atentos de outras Assembleias e de Câmaras Municipais no mesmo Estado ou fora
dele. Com a aprovação da Lei nº. 8.977, de 6 de janeiro de 1995, sobre a possibilidade de
que órgãos do Poder Legislativo pudessem contar com canais de TV, Minas Gerais
novamente saiu na frente e pouco depois a TV Legislativa, canal 40, a cabo, já entrava no
ar.
De acordo com Cosson (2008, p. 20), outras Escolas foram sendo criadas na virada
do século, período em que já estavam funcionando Escolas do Legislativo nas Assembleias
Legislativas do Pernambuco, em Mato Grosso e em Santa Catarina. Além disso, o Instituto
de Estudos e Pesquisas sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará, criado em 1988,
passava a contar com atividades pedagógicas. Ainda em 1998, pela Emenda Constitucional
nº. 19, aprovada em 4 de junho daquele ano, o texto da Carta Magna passou a incluir a
manutenção de Escolas de Governo em seus três níveis para a formação e
aperfeiçoamento dos servidores públicos. Na mesma época, Madruga (2008, p. 4),
presidente da ABEL, dizia que, com isto, “seria possível promover uma mudança radical no

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 38


perfil dos servidores públicos do Poder Legislativo e consequente mudança da imagem que
a opinião pública mantém desses servidores”.
Ainda de acordo com Melo & Coelho (2015), em setembro de 2001, foi realizado no
Recife, PE, o 1º. Encontro das Escolas do Legislativo do Brasil, que discutiu as experiências
em andamento e o incentivo para a criação de outras instituições do mesmo gênero. Logo
em seguida, foram criadas as Escolas do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, além do
Instituto Legislativo Paulista (ILP). Em maio de 2003, quando da criação da Associação
Brasileira das Escolas do Legislativo – ABEL, também estavam em funcionamento órgãos
de ensino do Legislativo federal – o Instituto do Legislativo Brasileiro (ILB) e a Universidade
do Legislativo (Unilegis), do Senado Federal; o Centro de Formação, Treinamento e
Aperfeiçoamento (CEFOR), da Câmara dos Deputados, e o Instituto Serzedello Corrêa
(ISC), do Tribunal de Contas da União (TCU). O sistema começava a se formalizar e os
resultados não tardariam a ter seu reconhecimento.
E enquanto as Assembleias Legislativas se preocupavam com a criação de suas
Escolas, a ABEL passou a incentivar as Câmaras Municipais a também instalarem suas
escolas. Foram surgindo Escolas de âmbito municipal em Estância (Sergipe), Timóteo
(Minas Gerais) e em Natal (no Rio Grande do Norte), e a ideia foi se espalhando por todos
os estados do Brasil (COSSON, 2008, p. 21).
Da mesma forma, ao mostrar os resultados da Escola do Legislativo de Santa
Catarina (ELSC), o então deputado estadual Joares Ponticelli dizia que “em 8 anos de
atuação a Escola do Legislativo se consolida como ferramenta de formação de agentes
políticos e de educação para a cidadania” (PONTICELLI, 2008, p. 4). A análise parece ser
a mesma sobre as demais Escolas do Legislativo que já estavam em funcionamento ou
sendo criadas nas Assembleias e nas Câmaras Municipais.

METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DAS ESCOLAS DA REGIÃO

Quanto aos aspectos metodológicos, destacamos que, além da pesquisa


bibliográfica, apresentamos um questionário que foi enviado e que seria respondido pelas
Escolas de Legislativo em atividade na região, ou seja, uma nova fase a ser tratada como
pesquisa quantitativa, que seria aliada a dados de pesquisa descritiva, com uma
abordagem exploratória. No caso das Câmaras sem Escola, os questionários previam
apenas que se respondesse se há interesse de criação ou legislação prevendo a instalação
deste Órgão. Com isto, chegamos aos 16 municípios que fazem parte da pesquisa.
Já no momento atual, na região que analisamos neste trabalho, são sete as cidades

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 39


cujas Câmaras Municipais mantêm sua Escola do Legislativo. Trata-se dos municípios de
Osasco, Taboão da Serra, Embu das Artes, Barueri, Itapevi, Santana de Parnaíba e Cotia.
Estas também estão entre as maiores cidades da região, o que coincide com os maiores
orçamentos e estruturas suficientes para albergar cada uma sua própria Escola.
A nomenclatura das Escolas também está distribuída. As instituições criadas no
âmbito das Câmaras Municipais de Osasco, Barueri, Itapevi, Santana de Parnaíba e Cotia
são denominadas Escolas do Parlamento. Nas cidades de Taboão da Serra e Embu das
Artes, estas são chamadas de Escolas do Legislativo. Lembramos que tal nomenclatura
não está definida em lei. Além disso, também são consideradas neste mesmo modelo as
Escolas das Assembleias Legislativas e dos Tribunais de Contas (estas, chamadas de
Escolas de Contas ou Escolas de Gestão).

Nas cidades que analisamos, que podem ser localizadas na Figura 2, abaixo, foram
apresentados os questionários para as respostas das Câmaras Municipais. Procuramos
saber se a Câmara conta com uma Escola do Legislativo, e, em caso positivo, quem dirige
este órgão: um vereador, um servidor com dedicação exclusiva ou não exclusiva, ou mesmo
se o diretor ainda não foi empossado. Também foi questionada a formação acadêmica do
dirigente. Além disso, perguntamos se a Escola conta com professores graduados e qual
sua quantidade e cursos de formação.

Ao tratar da história da implantação e desenvolvimento das atividades da Escola do


Legislativo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (EL-ALMG), Assis (1997) mostra um
caminho que seria seguido quase com a mesma trajetória pelas Escolas da região que
analisamos. O início, via de regra, consiste em eventos voltados à capacitação do público

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 40


interno, na formação técnica e política de vereadores, assessores e demais servidores,
sendo o sistema aberto em seguida para lideranças comunitárias e para a comunidade em
geral. O caminho já foi seguido pelas Escolas mais antigas, com um modelo para as mais
novas, como a caçula da região aqui estudada, a Escola do Parlamento de Santana de
Parnaíba, instalada em janeiro de 2021 (NEVES, 2021). Lembramos que muitas outras
Escolas estão sendo criadas, estando entre as mais recentes as de Mairiporã (também na
Grande São Paulo) e Louveira (na Aglomeração Urbana de Jundiaí).
Quanto aos serviços prestados, vemos que estes se coadunam com a formulação
de políticas públicas aplicadas como instrumentos de Gestão Pública no âmbito do Poder
Legislativo e em seu papel de condutor dos interesses da sociedade. Com isto, e tomando
como exemplos as Câmaras Municipais de Osasco, Itapevi, Barueri, Taboão da Serra e
Embu das Artes, em suas respectivas Escolas do Legislativo, verificamos que são
disponibilizados vários tipos de cursos, tais como cursos de treinamento aos Vereadores
(ou aos novos Vereadores), cursos de treinamento aos servidores (incluindo os
terceirizados, estagiários e jovens aprendizes), cursos livres com temáticas diversas,
cursos de qualificação de servidores (capacitação profissional, atualização etc.), cursos de
qualificação para o público em geral (profissional, atualização etc.), cursos de cidadania
(direitos humanos, legislação e funcionamento da Câmara etc.), cursos de disciplinas
escolares (língua portuguesa, matemática, história etc.) e cursos de idiomas, entre outros.
Alguns destes cursos e outras atividades, em alguns casos, são terceirizados ou adquiridos
de outras plataformas. Um resumo destas atividades mais comuns pode ser visto na Figura
3, abaixo:

Nas outras Escolas, a saber, as de Santana de Parnaíba e Cotia, também são


disponibilizados até mesmo cursos próprios de pós-graduação e cursos de extensão, sejam

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 41


próprios ou em convênio com alguma instituição de ensino superior devidamente
regulamentada. É importante destacar que a presidência e a secretaria da Associação
Paulista de Escolas do Legislativo e Contas (a APEL, criada em 2017) são exercidas
respectivamente pelo presidente e pela secretaria da Escola do Parlamento de Itapevi,
Roberto Lamari e Luciana Rodrigues, o que sinaliza um nível de organização mais
avançado. Lamari é também vice-presidente da ABEL, a entidade nacional.
Os temas abrangidos pelos cursos, seminários, palestras e demais eventos vão
desde a Gestão Pública (com sua legislação, estrutura e funcionamento, além da
elaboração e fiscalização do orçamento e das finanças públicas), Atividade Legislativa,
Educação e Cidadania Digital, Segurança Pública, Políticas Públicas (voltadas às diversas
áreas da administração), Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil
(MROSC), Lei das Licitações, Direito Constitucional e Administrativo e temas ligados à
prática política, como ideologias e partidos políticos, sua organização e processos
eleitorais. Além disso, também são tratados temas como Atendimento ao Público, Inglês
Instrumental, Primeiros Socorros e Serviços dos Bombeiros, entre outros. Algumas Escolas
incluem em seu catálogo atividades voltadas ao letramento político, como preconizado por
Melo (2015, p. 160), com cursos, seminários e palestras focadas em doutrinas políticas.
Buscamos também saber quais outras atividades são ou foram promovidas pela
Escola, tais como palestras sobre o funcionamento da Câmara, palestras sobre cidadania
e temas afins, workshops e oficinas. Além disso, as Escolas foram questionadas sobre
outras ações de sua responsabilidade, como o intercâmbio com a ABEL, a APEL e com
outras Casas Legislativas e Escolas de Governo, eventuais convênios com escolas e
faculdades (para cursos de pós-graduação ou para cursos livres e de extensão, com ou
sem desconto ou bolsas), ou atividades como uma Escola itinerante, laboratórios, biblioteca
(física ou virtual).
Os diretores das Escolas são também seus maiores entusiastas. Em Embu das
Artes, por exemplo, Robert Ferrara, coordenador pedagógico, participa das atividades da
Escola desde 2018, quando do lançamento do curso de capacitação sobre o sistema de
documentos e que foi o embrião da futura Escola. E quando olhava o projeto já mostrava o
interesse pelo projeto, que logo se concretizou. O entusiasmo é o mesmo da diretora
Gabriela Rocha e do diretor geral da Câmara, Felipe José dos Santos. E o mesmo pode
ser dito sobre os demais diretores como Roberto Lamari (Itapevi), Adalberto Graciano
(Taboão da Serra), Glauce de Oliveira Alves (Barueri), Roberto Delphino Júnior (Osasco),
Patrícia Machado (Santana de Parnaíba) e Rosângela Silva de Oliveira (Cotia).

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 42


Lembramos ainda que, segundo Cosson (2008), a atividade da Escola do Legislativo
tem uma série de propósitos bem definidos, concentrando suas tarefas na função
pedagógica do Poder Legislativo, observado o processo de modernização necessário em
todos os órgãos públicos.

PERSPECTIVAS DE IMPLANTAÇÃO NAS DEMAIS CIDADES

Quanto às demais cidades, as justificativas para não terem ainda implantado suas
Escolas do Legislativo geralmente se prendem a questões de orçamento, pessoal
disponível, disponibilidade de espaço e de estrutura para seu funcionamento. Mesmo
assim, uma das maiores cidades da região, Carapicuíba, com 405.375 habitantes (segundo
a estimativa do IBGE, em 2021), também ainda não conta com uma Escola. Além desta, há
outras Câmaras Municipais na mesma situação, como Itapecerica da Serra, Jandira, Embu
Guaçu, São Lourenço da Serra, Juquitiba, Vargem Grande Paulista, Pirapora do Bom Jesus
e Caieiras.
Contudo, algumas destas cidades já têm pretensão de implantarem suas Escolas,
mesmo com os entraves que se apresentam. É o caso de Itapecerica da Serra, Jandira,
Pirapora do Bom Jesus e Caieiras. Entretanto, nenhuma destas tem uma lei específica
aprovada para que a Escola passe a funcionar. Observamos que em Itapecerica da Serra
e em Caieiras, seguem em andamento projetos de lei para a implantação das Escolas, o
que logo pode entrar na Ordem do Dia para ser apreciado pelos vereadores. No caso das
Câmaras de Carapicuíba, Embu Guaçu, São Lourenço da Serra, Juquitiba e Vargem
Grande Paulista, não há legislação, tampouco intenção da implantação em curto prazo. As
justificativas são praticamente as mesmas já elencadas.
No texto de apresentação elaborado pela ABEL, em 2008, considera-se a definição
de projetos comuns. Acreditamos ser o momento para que as Câmaras sem Escola se
reúnam para o estabelecimento de protocolos de ações conjuntas entre si ou por meio de
convênios com Escolas já existentes:

“Presentemente, busca-se aprofundar (...) o estabelecimento de Escolas nos


municípios e de instrumentalização das Escolas existentes, através de trabalhos de
racionalização de meios, definição de projetos comuns, alocação de recursos
orçamentários suficientes, fortalecimento de programas que busquem a
sedimentação da ética no exercício profissional e a integração da sociedade com
os trabalhos desenvolvidos.” (MADRUGA, 2008, p. 32)

No caso das cidades da sub-região Sudoeste que não contam com a Escola
(Itapecerica da Serra, Embu Guaçu, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Vargem Grande

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 43


Paulista), já se discutiu uma proposta para a implantação de uma escola vinculada
diretamente ao Consórcio Intermunicipal dos Municípios da Região Sudoeste da Grande
São Paulo, o CONISUD. Mas, não conseguimos maiores informações junto a este órgão.
Também não conseguimos contato com o Consórcio Intermunicipal da Região Oeste
Metropolitana de São Paulo, o CIOESTE, que reúne as cidades de Osasco, Carapicuíba,
Barueri, Itapevi, Jandira, Santana de Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus.
Entretanto, quanto às cidades menores do CONISUD, parece-nos coerente e
interessante a proposta de uma escola de caráter comunitário, um escola que esteja
atrelada a um órgão intermunicipal, que pode ser o próprio CONISUD, que possa alocar os
recursos financeiros e humanos para o atendimento à comunidade de todos os municípios.
Uma solução paliativa, que já está em andamento, informalmente, é a participação de
munícipes das cidades sem Escola nas atividades das cidades que já contam com esta
estrutura, como Embu das Artes e Cotia, já que a maioria das atividades está aberta a
pessoas de quaisquer cidades, sejam as atividades virtuais ou presenciais. Melo (2015) nos
lembra que “assim, pelo processo de associação, os indivíduos se unem em torno de
objetivos ou temas comuns e compartilham recursos políticos em prol do desenvolvimento
de seu coletivo” (MELO, 2015, p. 86). É uma ideia que não pode ser desconsiderada.
Aparentemente, algumas destas cidades parecem nunca terem sequer ouvido falar
sobre o assunto. Mas, como diz Melo (2015), “assim sendo, o contexto de modernização
provoca mudanças nos ambientes nos quais as organizações estão estabelecidas” (MELO,
2015, p. 16). Esta assertiva leva a acreditar que entidades, aqui incluídas as Câmaras
Municipais, devem sempre procurar a adequação aos ambientes em processo de
mudanças. No mesmo sentido, o autor nos lembra que:

“As decisões no campo da modernização financeira certamente


influenciarão no processo de modernização do pessoal na
organização. A modernização de pessoal está relacionada à
adequação do capital humano que compõe a organização e aos
novos contextos que advêm do processo de modernização” (MELO,
2015, p. 32)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho mostrou que há a necessidade da manutenção das Escolas do


Legislativo nas câmaras municipais onde estas já se encontram instaladas. Da mesma
forma, é importante que se criem condições para que nas demais cidades também sejam
instaladas estas escolas ou que seja implantado algum mecanismo pedagógico de

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 44


atendimento aos servidores públicos e à população em geral.
Com efeito, já vimos o quão importante é esta instituição quanto à formação,
capacitação, qualificação e aperfeiçoamento para os maiores interessados, a saber, os
servidores e a comunidade. Os servidores, que estiveram desde o início da discussão e
projeto da Escola do Legislativo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, são e
continuarão sendo o ponto inicial do tratamento dispensado por todas as Escolas em todos
os Estados do Brasil. E, no caso das cidades da região analisada neste trabalho, a situação
e as demandas não são diferentes.
É neste sentido que nos alinhamos às ideias de Ponticelli (2008), quando diz quanto
à atuação em Santa Catarina, que, com sua intencionalidade pedagógica, “primamos pela
formação de seres humanos críticos e criativos capazes de interferir em seu meio social
imediato e, numa perspectiva mais abrangente, na complexa estrutura da sociedade”
(PONTICELLI, 2008, p. 11).
Com base nas premissas da repartição dos poderes e na definição do papel
reservado ao Poder Legislativo, e mediante sua proximidade com a comunidade,
acreditamos ser possível este engajamento das Escolas do Legislativo nesta função de
levar conhecimento a todos, não apenas aos seus servidores, mas, a todos aqueles que
estão em busca deste conhecimento.
No caso das Câmaras Municipais de cidades em que a estrutura e o orçamento
deixam quase inviável a implantação de uma Escola do Legislativo, lembramos que a
previsão legal obriga a todas a seguirem o caminho das cidades maiores. Além disso, há
alternativas, como a implantação de Escolas comunitárias, utilizando-se a estrutura dos
consórcios intermunicipais ou o estabelecimento de convênios com as Escolas já em
funcionamento. Nestes casos, a barreira principal passa a ser apenas a da vontade política,
o que não chega a ser intransponível.
Por fim, nosso estudo, apesar de não ter como foco a avaliação do interesse ou da
satisfação dos servidores e da comunidade quanto aos serviços disponibilizados ou não
por estas Escolas, aponta que a diversificação de serviços colocados à disposição desta
clientela já é um retrato da demanda da sociedade, que não pode ficar aguardando outro
momento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Luiz Fernandes de. Educando para a cidadania: a experiência da escola do


Legislativo. Educação e Sociedade, São Paulo: Unicamp, v. 28, n. 59, p. 367-385, ago.
1997. Disponível em: https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/2190 Acesso em: 01 Mar.
2022

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 45


COSSON MOTA, Rildo José. Escolas do legislativo, escolas de democracia. Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008. 210 p. (Série Colóquios de Excelência; n.
1). Disponível em: https://www.estantevirtual.com.br/livros/rildo-cosson/escolas-do-
legislativo-escolas-de-democracia/2522771469 Acesso em: 01 Mar. 2022.

MADRUGA, Florian. Escolas do Legislativo: a nova visão do parlamento brasileiro.


Senatus: cadernos da Secretaria de Informação e Documentação, v. 6, n. 1, p. 31-34, maio
2008 Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/131834 Acesso em: 01 Mar.
2022.

MELO, William Maximiliano Carvalho de. As Escolas do Legislativo no Contexto de


Modernização do Parlamento Brasileiro: Um Estudo de Casos Múltiplos: EL-ALMG,
CEFOR, ILB-INTERLEGIS. 2015. Dissertação (Mestrado em Análise de Políticas Públicas)
- Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
doi:10.11606/D.100.2015.tde-01092015-163659. Acesso em: 01 Mar. 2022.

MELO, William Maximiliano Carvalho de., COELHO, Fernando de Souza. Gênese das
escolas do Legislativo no Brasil: apontamentos históricos sobre a criação da EL-ALMG.
Brasilia: Revista ENAP. Rev. Serv. Público Brasília 70 (Especial) 192-217 dez 2019.
Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/4042 Acesso em: 01
Mar. 2022.

NEVES, Alessandra. Câmara Municipal de Santana de Parnaíba. Câmara de Santana de


Parnaíba inaugura a Escola do Parlamento. Disponível em:
https://www.camarasantanadeparnaiba.sp.gov.br/noticia/607/Camara-de-Santana-de-
Parnaiba-inaugura-a-Escola-do-Parlamento Acesso em: 28 Mar. 2022.

PONTICELLI, Joares Carlos. O papel das escolas do legislativo na formação política e


educação para cidadania em Santa Catarina. II Congresso Consad de Gestão Pública –
Painel 50: Controle social das contas públicas, 2013. Disponível em:
https://www.consad.org.br/wp-content/uploads/2013/02/O-PAPEL-DAS-ESCOLAS-DO-
LEGISLATIVO-NA-FORMA%C3%87%C3%83O-POL%C3%8DTICA-E-
EDUCA%C3%87%C3%83O-PARA-CIDADANIA-EM-SANTA-CATARINA.pdf Acesso em:
01 Mar. 2022.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 46


Capítulo

04

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 47


A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E O ENTENDIMENTO DOS ESTUDANTES DAS
ESCOLAS PÚBLICAS DE UMA CIDADE DO INTERIOR DA BAHIA

RUTE ALMEIDA BARBOSA REIS

ANTONIO FRANCISCO REIS JÚNIOR

CLAÚDIA SANTOS PEREIRA

RESUMO:A Base Nacional Comum Curricular é aprovada em 2017, promovendo alterações


curriculares em todo o ensino médio. O presente estudo tem o intuito de identificar a percepção dos
estudantes do ensino médio, referente esse projeto que promove mudanças curriculares nesta
etapa de ensino. Trata-se de um estudo com uma perspectiva Quantitava-Qualitativa, sendo uma
pesquisa de campo, realizada em escolas públicas de um município do interior da Bahia, enquanto
instrumento de coleta de dados utilizamos um questionário semiestruturado elaborado durante a
pesquisa, para análise dos dados, observamos as respostas dos estudantes ao questionário e as
respectivas respostas as questões propostas. Trata-se de um estudo com uma abordagem
qualitativa com característica de analise documental, da Base Nacional Comum Curricular do
Ensino Médio e também das orientações para a implementação do novo ensino médio na Bahia,
diante da analise dos documentos, evidencia-se que as duas legislações vem cumprindo o papel
de manutenção da politica neoliberal vigente. Diante dessa situação a escola passa, então, a ser
formadora de trabalhadores não conhecedores do mundo do trabalho, e sim, formadores de mão
de obra para este. Sendo uma mão de obra barata e qualificada.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino, Currículo, Adolescentes, Formação Profissional

ABSTRACT: The National Curricular Common Base is approved in 2017, promoting curricular
changes throughout high school. The present study aims to identify the perception of high school
students regarding this project that promotes curricular changes at this stage of teaching. This is a
study with a quantitative-qualitative perspective, being a field research, carried out in public schools
in a municipality in the interior of Bahia, as a data collection instrument we used a semi-structured
questionnaire prepared during the research, for data analysis , we observed the students' answers
to the questionnaire and the respective answers to the proposed questions. This is a study with a
qualitative approach with the characteristic of document analysis, of the National Common Curricular
Base of High School and also of the guidelines for the implementation of the new high school in
Bahia, in view of the analysis of the documents, it is evident that the two legislation has been fulfilling
the role of maintaining the current neoliberal policy. Faced with this situation, the school then
becomes a trainer of workers who do not know the world of work, but trainers of labor for it. Being a
cheap and qualified workforce.
KEYWORDS: Teaching, Curriculum, Adolescents, Professional Training

INTRODUÇÃO

Ao longo do processo histórico educacional brasileiro, o sistema de educacional vem


passando por varias transformações no que se refere na sua estruturação curricular como
também na formação docente. Foi assim com a primeira Lei de diretrizes e bases da
Educação com a primeira sanção, em 1961 (lei nº 4.024/61; Brasil). Sendo modificada por
emendas e artigos, sendo reformada pelas leis 5.540/68, 5.692/71(Brasil) e posteriormente,
substituída pela LDB 9.394/96.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 48


Conforme Souza (2017) o Ensino Médio no Brasil passou por diversas modificações ao
longo do tempo; essas modificações, porém, não resultaram em melhorias nos processos de
ensino-aprendizagem. Em 1971 as escolas passaram a priorizar a formação técnica. Segundo
Lima (2009) não formou técnicos qualificados para o mundo do trabalho nem desenvolveu o
gosto pela cultura geral na juventude brasileira.
Com a lei nº 13.415/17(Brasil) propõe a nova organização do Ensino Médio,
consistindo num currículo orientado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).A
proposta da BNCC foi apresentada por meio de medida provisória, não havendo debates
acerca do tema com a comunidade escolar nem com a sociedade, reformulando o currículo
de todas as escolas brasileiras de educação básica.
A reforma do Ensino Médio que foi estabelecida como a Medida Provisória Nº 746 em
setembro de 2016. Implementada pelo governo do presidente Michel Temer, sob a Lei nº
13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Com esta Reforma do Ensino Médio oportuniza aos
estudantes, a opção para seguir um currículo voltado para uma formação profissionalizante
ou voltado para a formação geral, dividindo os jovens entre uma carreira técnica e uma
trajetória de preparação ao ensino superior. SANTOS (2017)
Atualmente, o Ensino Médio brasileiro é oferecido no decorrer de três anos, e a
previsão de carga horária mínima de 800 horas anuais. A elaboração da proposta consiste
em alterações na estrutura do Ensino Médio, com flexibilização da grade curricular, onde
os estudantes poderão escolher áreas do conhecimento para aprofundarem seus estudos.
A nova organização do Ensino Médio consistira em: um currículo norteado pela Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que definirá conhecimentos que deverão ser
oferecidos a todos os estudantes na parte comum, distribuídos em 1.800 horas de estudo,
e o restante do tempo será proporcionado aos estudantes escolher uma área de
conhecimento para aprofundamento dos estudos, que correspondem as seguintes divisões:
I linguagens e suas tecnologias; II matemática e suas tecnologias; III ciências e suas
tecnologias; IV ciências humanas e sociais aplicadas; V formação técnica e profissional; é
importante salientar que as únicas disciplinas que farão parte de todo o Ensino Médio são
língua portuguesa e matemática (BRASIL, 2017).
Segundo Ferreti (2018) com a reforma, ocorrerão pelo menos três tipos de
flexibilização: por tempo de duração do dia escolar (integral ou não), por estado e por oferta
de itinerários formativos. A flexibilização por estado refere-se à definição dos arranjos
curriculares a serem implementados por cada ente federativo, como indica o artigo 36 da
LDB, reformulado pela Lei 13.415.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 49


A justificativa para a tomada de decisão do projeto pauta-se sobre uma urgência
relacionada ao fator econômico a principal preocupação da reforma do Ensino Médio
estabelecida pelo governo reverte-se a preparação de uma população que contribua para
o desenvolvimento econômico do país. Santos (2017)
Segundo Souza (2017) a reforma do Ensino Médio está orientada pelas constantes
transformações que o sistema capitalista vem sofrendo nos últimos anos e que demanda
uma transformação, maior ainda, no mundo do trabalho.
Pode-se dizer que tais reformas devem ser compreendidas no campo das mudanças
paradigmáticas globais, pois o atual estágio do modo de produção capitalista requer
trabalhadores que se adaptem às necessidades do fluxo de produção das mercadorias,
atendendo à demanda do mercado global.
O desafio para o currículo escolar, e o docente do ensino médio encontra-se em sua
perspectiva de entrelaçar as questões que afetam a juventude com as questões que são
colocadas para a escola e o mundo do trabalho. Essa integração permite aos jovens
ampliarem seu horizonte, constituindo-se como sujeitos que tenham a capacidade de ler o
mundo ao seu redor e agir sobre a realidade.

A BNCC E AS ORIENTAÇÕES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO NOVO ENSINO MÉDIO


NA BAHIA

Atualmente, o Ensino Médio brasileiro é oferecido no decorrer de três anos, e a


previsão de carga horária mínima de 800 horas anuais. A BNCC consiste em alterações
na estrutura do Ensino Médio, com flexibilização da grade curricular, onde os estudantes
poderão escolher áreas do conhecimento para aprofundarem seus estudos.
A nova organização do Ensino Médio consistira em: um currículo norteado pela Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que definirá conhecimentos que deverão ser
oferecidos a todos os estudantes na parte comum, distribuídos em 1.800 horas de estudo,
e o restante do tempo será proporcionado aos estudantes escolher uma área de
conhecimento para aprofundamento dos estudos, que correspondem as seguintes divisões:
I linguagens e suas tecnologias; II matemática e suas tecnologias; III ciências e suas
tecnologias; IV ciências humanas e sociais aplicadas; V formação técnica e profissional; é
importante salientar que as únicas disciplinas que farão parte de todo o Ensino Médio são
língua portuguesa e matemática.( BRASIL 2017)
Dentro dessa nova organização, uma parte ou período do Ensino Médio terá uma
constituição comum obrigatória (Base Nacional Comum Curricular), e outro seguimento

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 50


flexível, sendo que neste, o aluno poderá optar pelas disciplinas que fazem parte da área
de conhecimento que mais lhe interessar.
De acordo o documento orientador da implementação do ensino médio na
Bahia(2019) aponta que o objetivo é tornar públicas as orientações básicas das mudanças
que incidirão sobre a etapa do Ensino Médio, a partir de 2020, entendendo que os próximos
anos se configurarão como um período de transição na Rede de Ensino do Estado da Bahia,
com conclusão prevista para 2023. (BAHIA 2019)
No documento da Secretaria de Educação da Bahia, aponta algumas alterações no
Ensino médio na Bahia sendo algumas delas: A oferta de Unidades Curriculares Eletivas
para composição da carga horária, por meio das escolas, para a escolha dos estudantes
da 1ª série do Ensino Médio; ajuste da carga horária para 1000 horas-relógio/anuais; Matriz
Curricular para o período de 2020 a 2023.

É importante ressaltar que, a partir da adesão da Secretaria da Educação do Estado


da Bahia ao Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, do Ministério da Educação -
MEC, via assinatura de termo de compromisso, anexado à Portaria nº 649/18 e,
também, por meio da adesão de 565 escolas da Rede Estadual da Bahia, intituladas
de escolas-piloto, a implementação do processo de flexibilização curricular será
iniciada em 2020, apenas com a 1ª série das Escolas-piloto, conforme prevê o
cronograma do Programa supramencionado. (Pag-05)

No documento SEC- Bahia(2019) aponta a nova arquitetura do Ensino Médio está


organizada em duas partes: a primeira, relativa à parte comum obrigatória - Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e, a segunda, relativa à parte flexível, organizada sob a forma
de Itinerários Formativos que serão subdivididos em cinco áreas sendo elas: I linguagens
e suas tecnologias; II matemática e suas tecnologias; III ciências e suas tecnologias; IV
ciências humanas e sociais aplicadas; V formação técnica e profissional.
Diante dessa situação a escola passa, então, a ser formadora de trabalhadores não
conhecedores do mundo do trabalho, e sim, formadores de mão de obra para este. Sendo
uma mão de obra barata e qualificada. Com isso surgiu a inquietação de questionar qual o
entendimento dos estudantes referente à reforma do ensino médio das escolas públicas de
Itaquara-BA?
Dessa Forma esta pesquisa tem o desejo de apresentar o entendimento dos
estudantes das principais instituições públicas de Itaquara-Ba relacionada à reforma do
ensino médio, está reforma que já será implementada no Colégio da Rede Estadual, como
um projeto piloto, promovido pela Secretaria Estadual de Educação da Bahia. As
inquietações surgiram da necessidade de discutir com os futuros estudantes do ensino
médio e os atuais da referida escola, as mudanças que eles irão encontrar nos próximos

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 51


anos, neste estabelecimento de ensino, e bem como discutir essas mudanças,
compreendendo as vozes dos estudantes.
Diante disto, iremos observar com os estudantes das escolas públicas de Itaquara-
Ba, que possuem o fundamental II e o 1º ano do ensino médio, o entendimento dos
mesmos, referente à reforma do ensino médio, possibilitando a discussão referente a esse
projeto e trazendo perspectivas futuras para a comunidade escolar.

METODOLOGIA

A pesquisa é um estudo descritivo, com característica de campo, utilizando como


amostra os estudantes do 9º ano e do 1º ano do ensino médio, matriculados nos turnos
matutino e vespertino, foram contempladas três escolas, devido serem as únicas do
município com Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Como forma de coleta de dados
utilizamos um questionário semi-estruturado com 05 questões, construído pela
pesquisadora, sendo aplicado durante as aulas com autorização dos diretores das escolas
citadas. A pesquisa foi realizada com 65 alunos das instituições mencionadas, sendo 50
alunos concluintes do Ensino Fundamental II e 15 estudantes do ano do Ensino Médio.
No questionário, foram quatro questões buscando informações referentes à reforma
do ensino médio com questões fechadas, sendo que a quinta questão foi baseada nos
itinerários formativos, colocamos para a opção dos estudantes a escolha de um itinerário
para sua formação.
A coleta de dados foi realizada, no momento em que os estudantes pesquisados
estavam nas suas aulas, antes de aplicarmos os questionários, foi informado para os
estudantes do que se tratava a pesquisa, e apontamos que estávamos liberados para a
realização na escola, através da autorização da direção escolar, ao mesmo tempo
deixávamos livres, para aqueles que não desejassem participar do estudo. Após essas
informações, fazíamos um breve comentário sobre a reforma do ensino médio nas turmas
que foram sugeridas para a realização da pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira escola pesquisada é uma escola de ensino fundamental, situada na sede


do município, contemplando estudantes a partir do 6º ano e 9ºano na faixa etária de 11 a
17 anos, participaram da pesquisa 38 estudantes que estavam presentes no momento da
pesquisa.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 52


Na escola A quando perguntamos se os estudantes tinha conhecimento da reforma
do ensino médio? A maioria disse que não, também nos informou que não concordavam
com esta reforma. Apontando também que as escolas não estão preparadas, para este
novo modelo de ensino. Os estudantes também relataram que o aumento da carga horaria
não irá colaborar com o seu aprendizado. Na questão que deixamos para escolher alguns
itinerários formativos dentro de uma área de conhecimento, a maioria dos estudantes da
escola A optou por Ciências Humanas e suas Tecnologias (Historia, Geografia,
Sociologia e filosofia.)

Gráfico 1: ESCOLA A

ESCOLA A
Questões INFORMAÇOES REFERENTE A
REFORMA DO ENSINO MÉDIO
30
25
20
15 SIM

10 NÃO

5
13 25 12 26 15 23 17 21
0
1 2 3 4

Produzido pelos autores(as).

Gráfico-2: Itinerários Formativos-Escola A

ITINERÁRIOS FORMATIVOS- ESCOLA A

8 5

8 LINGUAGENS E SUAS
TECNOLOGIAS
MATEMÁTICA E SUAS
TECNOLOGIAS
CIÊNCIAS DA NATUREZA

20 CIENCIAS HUMANAS
17
FORMAÇÃO TÉCNICA E
PROFISSIONAL

Produzido pelas autoras(es)

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 53


A segunda escola pesquisada está situada na zona rural do município, com turmas
do ensino fundamental 1 e 2, atendendo estudantes na faixa etária de 07 anos a 16 anos.
Neste estabelecimento de ensino, 12 pessoas participaram do nosso estudo.
A pesquisa realizada na escola B, a maioria dos alunos assinalaram que possui
conhecimento referente a reforma do ensino médio, mas não concordam com esta
mudança. Relacionado à escola os alunos não acredita que as escolas estão preparadas
para essa reforma, como também ocorreu uma igualdade de respostas referente ao
aumento de carga horária, melhoria na aprendizagem. Em relação aos Itinerários
Formativos os estudantes escolheram a formação Técnica e Profissionalizante para
aprofundamento de estudos.
Gráfico-3: Escola B

ESCOLA B
7 7 7
7 6 6
6 5 5 5
5
4 SIM
3 NÃO
2
1
0
1 2 3 4

Produzido pelas autoras(e)


Gráfico-4: Itinerários Formativos-Escola B

ITINERÁRIOS FORMATIVOS - ESCOLA B


20 17
15 7
10 0 5
5
0 0

Produzido pelas autoras(es)

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 54


A terceira escola pesquisada está situada na sede do município, atendendo a
comunidade com o ensino médio, nos três turnos tendo uma faixa etária de estudantes
entre 14 a 45 anos de idade, nessa escola a pesquisa contemplou 15 estudantes do
primeiro ano do ensino médio.
O estudo realizado na escola C identificou que os estudantes tem conhecimento da
reforma ensino médio, não concordam com as mudanças, que a escola não está preparada
para iniciar essa reforma e que o aumento de carga horária, não quer dizer melhoria de
aprendizagem. Relacionada aos Itinerários Formativos a maioria escolheu a Formação
Técnica Profissionalizante.
Gráfico-5: Escola C

ESCOLA -C
CONHECIMENTOS DA REFORMA DO ENSINO
MÉDIO
15 13 12
11
10 7 8
SIM
4 3
5 2 NÃO

0
1 2 3 4

Produzido pelas autoras(es)


Gráfico-6: Itinerários Formativos-Escola C

ITINERÁRIOS FORMATIVOS -C
FORMAÇÃO TÉCNICA 12

CIÊNCIAS HUMANAS 3

CIÊNCIAS DA NATUREZA 7

MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS 1

LINGUAGEM 1

0 2 4 6 8 10 12 14

Produzido pelas autoras(es)

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 55


Quando se começa analisar as respostas das escolas pesquisadas, percebe-se que
apesar dos estudantes de duas escolas terem conhecimento da Reforma do Novo Ensino
Médio, a maioria aponta desconhecer essa proposta. É algo preocupante, pois muitos
destes estudantes pesquisados serão alunos do único colégio estadual do município, que
no próximo ano estará aderindo ao Novo Ensino Médio.
O que foi de consenso em todas as escolas pesquisadas, é que as maiorias dos
alunos não concordam com essas mudanças, e que as escolas não estão preparadas para
esse novo modelo de ensino. A questão que mais dividiu opiniões foi referente ao aumento
de carga horaria como ponto para a melhoria de aprendizagem. Para alguns é interessante,
no entanto, para outros não interfere o aumento de carga horaria na aprendizagem.
Na questão que teve a maioria nos itinerários formativo, sendo a de maior escolha,
foi a Formação Técnica prevalecendo em duas escolas. Isso ocorre devido muitos
estudantes estarem preocupados com o mercado de trabalho, e desejarem terminar o
ensino médio já com uma profissão, para compor a renda familiar.
O estudo se aproximou com o de Reyes (2019) que pesquisou o impacto da reforma
do ensino médio com estudantes de uma escola publica do Rio Grande no Rio Grande do
Sul.
De acordo Reyes(2019) os alunos estão insatisfeitos com essa reforma, não
concordam com a determinação de apenas português e matemática se tornarem as
disciplinas obrigatórias, discordam com a possibilidade do ensino médio se tornar a
distancia e apontam que o ensino é precário e essas mudanças tendem a fragilizar essa
etapa da educação básica.
Outro estudo foi a dissertação de mestrado de Nayara Lança de Andrade(2019)
intitulada a reforma do ensino médio (lei 13.415/17): o que pensam alunos e professores?
Possui um objetivo de realizar uma análise crítica das concepções de alunos e profissionais
de ensino que atuam no ensino médio em escolas públicas e privadas, acerca das
necessidades de mudanças para a construção de um ensino de qualidade, confortando-as
com as propostas da Lei nº 13.415/17.
Na pesquisa de Andrade(2019) A maioria dos participantes acredita que há, de fato,
a necessidade de mudanças na estrutura do ensino médio atual, porém, ao descreverem
quais modificações são mais importantes valorizam a formação crítica, com a integralidade
das áreas do conhecimento, além da valorização docente e melhorias em infraestrutura.
De acordo com Scachetti(2012) ampliar o período que a criança passa na escola não
garante o aumento das oportunidades de aprendizado nem a melhoria da qualidade do
ensino. Para um resultado positivo, as novas atividades precisam ter conexão com o projeto

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 56


pedagógico da escola e devem ser oferecidas por profissionais afinados com os objetivos
da instituição.
Na questão que teve maioria nos itinerários formativo sendo a de maior escolha foi
a Formação Técnica prevalecendo em duas escolas. Isso ocorre devido muitos estudantes
estarem preocupados com o mercado de trabalho, e desejarem terminar o ensino médio já
com uma profissão, para compor a renda familiar.
Dessa forma, percebeu-se com essa pesquisa a necessidade de se ter uma maior
discussão referente à reforma do ensino médio nas escolas pesquisadas, pois o
conhecimento dos estudantes é pouco relacionado à Reforma do Ensino Médio, além de
se observar o maior interesse dos alunos por uma Formação Técnica Profissionalizante
para que os mesmos ao concluir o ensino médio já tenha uma profissão garantida para
concorrer no mercado de trabalho.

REFERÊNCIAS

ANDRADE Nayara Lança A reforma do ensino médio (lei 13.415/17): o que pensam
alunos e professores? Jaboticabal, 2019, Dissertação de mestrado Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho. UNESP Pag.140

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_______ Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, MEC, 2017.

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FERRETTI, Celso João A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de
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ISSN 1806-9592. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180028
REYES Lurvin Gabriela Tercero A reforma do ensino médio : o que pensam os
estudantes secundaristas da Escola Estadual Augusto Duprat da cidade do Rio
Grande, RS DISSERTAÇÃO DE Mestrado Universidade Federal do Rio Grande-FURG-
Programa de pós-Graduação em Educação,2019.
Revista Nova Escola digital 01 de fevereiro de 2012 Mais tempo na escola, mas para
quê? Artigo escrito Ana Ligia Scachetti acesso dia 13/10/2019
SANTOS Vania Catarina Machado: A reforma do ensino médio e suas implicações no
trabalho docente. IV Seminário de Representações Sociais Subjetividade e Educação.VI
Seminário sobre a profissionalização docente. Anais 2017.
SOUZA Maristela da Silva; RAMOS Fabricio: Educação Física e o mundo do trabalho:
um diálogo com a atual Reforma do Ensino Médio. Revista Motrivivência,
Florianópolis/SC, v. 29, n. 52, p. 71-86, setembro/2020.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 57


Capítulo

05

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 58


PROGRAMAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E PROTEÇÃO
TERRITORIAL INDÍGENA NO BRASIL: RELATÓRIOS DE GESTÃO DA FUNAI (2013-
2018)

CRISTINA ANDREZZA FERNANDES CABRAL FERREIRA


Graduandas em Nutrição no Centro Universitário São Lucas

JULIANA GOBI SCHMITZ


Graduandas em Nutrição no Centro Universitário São Lucas

RAFAEL ADEMIR OLIVEIRA DE ANDRADE


Sociólogo, Docente no curso de Nutrição no Centro Universitário São Lucas

MIRIÃ ORTIZ PASSOS DE ANDRADE


Mestranda em Psicologia - Universidade Federal de Rondônia

WELINGTON JUNIOR JORGE


Docente do curso de Pedagogia na Universidade Cesumar - Unicesumar

RESUMO: Este estudo tem como propósito analisar os programas e projetos voltados para
a proteção territorial e Segurança Alimentar e Nutricional dos povos indígenas, que são atribuídos
e executados pela Fundação Nacional do Índio. Visto que o território é imprescindível para a
execução dos hábitos culturais e consequentemente para a manutenção dos hábitos alimentares
destas populações e que estes sofrem constantes ataques e vulnerabilidades, torna-se necessário
averiguar quais medidas têm sido aplicadas pelo órgão, uma vez que é o único capaz de intervir na
proteção destes. Como base para esta análise, foram utilizados então os relatórios de gestão da
Fundação Nacional do Índio referentes aos anos de 2013 a 2018, dando ênfase aos projetos e
programas voltados para o foco deste estudo, além das demais pesquisas de base sobre o direito
fundamental à alimentação e suas correlações com o território. Após o agrupamento dos dados e
exposição dos mesmos, realizou-se uma vistoria para identificar qual o desenvolvimento,
estratégias adotadas e dificuldades enfrentadas pela Fundação Nacional do Índio para a execução
destas questões fundamentais. Dentre os resultados obtidos, nota-se a contração orçamentária
enfrentada pelo órgão e a falta de autonomia do mesmo, que consequentemente culmina na
limitação das ações da FUNAI, bem como na restrição do alcance destas nas terras indígenas.
Conclui-se que as adversidades enfrentadas pela instituição refletem no aumento da vulnerabilidade
alimentar, nutricional e territorial, aos quais povos indígenas são impelidos.
PALAVRAS-CHAVE: FUNAI; Projetos; Indígenas; Território; Segurança Alimentar e
Nutricional

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 59


INTRODUÇÃO

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é o único órgão governamental


indigenista em âmbito nacional, que possui como principal objetivo promover e proteger os
direitos de todas as populações indígenas do território Brasileiro. Sua criação se deu
através da Lei número 3.571 de 1967, estando vinculado diretamente ao Ministério da
Justiça. Dentre as áreas de atuação da FUNAI destaca-se a identificação de populações
isoladas, delimitação, demarcação, regulamentação, proteção e fiscalização de seus
territórios. Promovendo e realizando projetos com foco no etnodesenvolvimento sustentável
destas populações (BRASIL, 2019).

Uma vez que a produção econômica nacional se baseia na exploração e


produção de commodities, os constantes episódios de degradação e exploração ilegal em
reservas ambientais e territórios indígenas são marcados pela presença acentuada do
desmatamento, mineração, pecuária e monoculturas, ocasionando processos de
colonização e realocação destas populações, consequentemente sujeitando-os a
precarização e vulnerabilidade de seus direitos fundamentais (CARNEIRO DA CUNHA,
1992).

Diante de todas as consequências enfrentadas pelas comunidades indígenas com a


invasão de seus território, ressalta-se a vulnerabilidade nutricional enfrentada por estes,
uma vez que são dependentes de seus territórios para a viabilização de sua autonomia
alimentar com respeito às bases econômicas e sustentáveis (NASCIMENTO & ANDRADE,
2010). Características estas reconhecidas como a Soberania Alimentar de um grupo
populacional e também um dos princípios da SAN. Vale salientar que para estas
populações, questões básicas e fundamentais como a alimentação não se tratam apenas
de questões de subsistência, como também de uma forma de expressar sua identidade
individual e coletiva através dos hábitos culturais (GIORDANI et al, 2010 apud SOUZA &
VILLAR, 2018; BRITO, 2019).

O acesso à alimentação é um dos direitos humanos fundamentais


estabelecido pelo artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como está
resguardada no artigo 6º da Constituição Federal, sendo sua execução discutida em todas
as esferas sociais, uma vez que se trata de uma das questões da dignidade e integridade
humana (BRASIL, 2014). E diante destas discussões, a Lei nº 11.346/2006 traz a
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) como uma das bases sobre a alimentação no

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 60


Brasil. A Segurança Alimentar e Nutricional é abrangida/descrita como o acesso regular e
permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes sem comprometer as
demais necessidades subsistenciais do indivíduo, com práticas alimentares saudáveis
respeitando todos os seus aspectos socioculturais e com bases ecológicas e sustentáveis
(BRITO, 2019; BRASIL, 2006).

Tendo conhecimento de tais fatos é necessário ressaltar a importância no


planejamento e execução de projetos, além de programas que garantam a SAN e a
proteção territorial destas populações, visto que acham-se mais de 700 mil indígenas em
todo o território nacional. Concomitante ao contingente populacional indígena, a extensão
territorial de Terras Indígenas abrange 13,8% da área territorial nacional, representando
1.173.770 km² (ISA, 2019; 2020). Uma vez que a Fundação Nacional do Índio é o principal
intermediador entre estas questões, o objetivo deste artigo é analisar a elaboração, eficácia
e/ou precarização dos programas da FUNAI para a promoção de Segurança Alimentar e
Nutricional e proteção territorial indígena.

REFERENCIAL TEÓRICO: INDÍGENAS, INDIGENISMO, ALIMENTAÇÃO E


PROTEÇÃO TERRITORIAL

Para as populações indígenas e para agências nacionais e internacionais que


compreendem e se debatem sobre tal processo, a preservação ambiental dos territórios e
entornos é fundamental para a preservação e manutenção da segurança alimentar indígena
e da própria resiliência cultural daquela população (BANCO MUNDIAL, 2015; CIMI, 2018)
desta forma, devemos considerar que o avanço da predação sobre tais espaços é causa
de vulnerabilidades e riscos para as populações tradicionais em vários aspectos de sua
saúde coletiva e organização social-política. Desta forma é necessário pensar que os
impactos causados nas populações não podem ser mensurados apenas do ponto de vista
monetário, mas das inter relações que se dão a partir do contato (geralmente violento)
destas com os não indígenas.

Tal percepção da necessidade de preservação é apontada por diversos


estudos geográficos sobre a questão aos territórios indígenas: o relatório do Banco Mundial
sobre a primeira década do século XXI aponta que de 2000 a 2012 apenas 0,6% das terras
indígenas na Amazônia foram desmatadas, ao passo que em terras não indígenas este
valor chega a 7% (BANCO MUNDIAL, 2015), estudos promovidos durante seu

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 61


doutoramento e posteriormente pelo professor Alex Mota dos Santos (2018) nos trazem
dados semelhantes em um recorte temporal maior: em 20 anos a Amazônia fora desmatada
2,4% em terras indígenas e fora delas 20,6%, demonstrando que estudos nacionais e
internacionais corroboram para a tese que apesar do que aponta o senso comum, há
efetivamente preservação das terras indígenas no contexto macro-nacional e
macrorregional.

Segundo Salgado (2007) parte fundamental desta violência contra os territórios e


populações indígenas se dá a partir da expansão do agronegócio e primarização da
economia do país, o que amplia a demanda por terras a serem exploradas pelo capitalismo
agrário. Interesses desta elite econômica, que também é política (o que amplia a tese da
relação entre Estado e capitalismo, apesar das falácias neoliberais de “fim do Estado”) se
refletem nas Leis para diminuição de Direitos e travamento de demarcação de terras
indígenas (CIMI, 2018). Partindo deste, é fundamental pensar que o órgão indigenista oficial
do país propõe sobre proteção territorial e segurança alimentar e como agem para proteger
tal relação.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é o único órgão governamental indigenista


em âmbito nacional, que possui como principal objetivo promover e proteger os direitos de
todas as populações indígenas do território Brasileiro. Sua criação se deu através da Lei
número 3.571 de 1967, estando vinculado diretamente ao Ministério da Justiça. Dentre as
áreas de atuação da FUNAI destaca-se a identificação de populações isoladas, delimitação,
demarcação, regulamentação, proteção e fiscalização de seus territórios. Promovendo e
realizando projetos com foco no etnodesenvolvimento sustentável destas populações
(BRASIL, 2019).

A extensão do domínio da FUNAI também se estende à conservação e recuperação


de Terras Indígenas, assim como esta realiza o controle e o refreamento de perturbações
ambientais nas T.Is, ocasionadas por ações externas. Cabe ainda à instituição federal criar
uma ponte com demais entidades, para que seja posto em prática direitos sociais dos povos
indígenas, mediante a criação de políticas e ações que promovam a cidadania e seguridade
indigena. Ademais, a instituição indigenista federal visa garantir a autonomia irrestrita das
diferentes etnias, orientando-se pela valorização das particularidades de cada população
indigena, como as tradições, crenças, estrutura social e costumes.

Com suas gêneses em 2001, é realizado em 2003 o ““Primeiro Fórum Nacional para
a Elaboração da Política Nacional de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 62


dos Povos Indígenas do Brasil” (SALGADO, 2007), onde os participantes relataram que o
problema de auto sustentação está presente na maioria das terras indígenas, com
manifestações comuns de fome e carência de nutrientes e alto índice de mortalidade
infantil, considerando que as terras invadidas e altamente impactadas por grandes projetos
e intrusão de fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e outras formas de invasores agravam
tal situação - o que se soma às situações territoriais como a seca do nordeste.

Podemos destacar deste documento ponto fundamental para nossa análise: durante
muito tempo o SPI e a FUNAI buscaram “civilizar” indígenas a partir da introdução de
alimentos exógenos a sua cultura: ou a monocultura de produtos estranhos ou de alimentos
industrializados (ultraprocessados), sendo estes utilizados como ardil da aproximação,
segundo Salgado (2007) até o ano de redação deste artigo a estratégia ainda é muito
utilizada e só vem sendo substituída pelas ações de etnodesenvolvimento da FUNAI - se
soma a tal cenário a diminuição constante de recursos destinados a FUNAI.

Considerando tal contexto, é fundamental pensar que a questão da manutenção da


segurança alimentar passa por dois elementos centrais - que serão debatidos mais a frente
- a gestão territorial e o etnodesenvolvimento. O Plano Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional 2016-2019 (revisado, publicado em 2018) aponta que as políticas de segurança
alimentar e nutricional dos povos indígenas devem passar pelo etnodesenvolvimento, ou
seja, forma de organização para produção de alimentos que respeitem as vicissitudes e
especificidades culturais de cada povo, visando superar a desnutrição destes povos a partir
do rompimento com esta dependência e utilização de alimentos que causam impactos em
médio e largo espaço de tempo nestas populações.

A Fundação Nacional do Índio tem espaços em seu site oficial para a publicação de
Legislações e programas para a segurança alimentar indígena, considerando que
encontramos tais elementos nas palavras-chave “Etnodesenvolvimento” e “Seguridade
Social” quando navegamos no site do mesmo. Tais programas se desenvolvem na intenção
de se aproximar de um novo indigenismo que desvie a dependência e amplie a autonomia
das populações, fato este que encontra dificuldades em todos os setores envolvidos
(STIBICH, 2019).

Frente a esta intencionalidade a FUNAI se depara com questões estruturais: um


baixo número de funcionários, pouca qualificação específica, descentralização, orçamento
cada vez mais baixo a cada ano entre os anos aqui estudados e com tendência de
diminuição a cada ano (STIBICH, 2019) e um aumento da população atendida - desta forma

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 63


os projetos aqui analisados a partir dos documentos publicados pela FUNAI demonstram
tal fragilidade e cabe a este trabalho organizar tais dados para que possamos inferir sobre
a relação teoria e prática das políticas públicas para este setor da sociedade.

Metodologia

Neste artigo foi realizada uma análise documental, na qual utilizou-se os


relatórios de gestão da FUNAI dos anos de 2013 a 2018. Destes foram retirados e
contabilizados as ações e programas que propõem-se fomentar a proteção territorial e a
Segurança Alimentar e Nutricional Indígena. Posteriormente, houve a distribuição dos
dados coletados em duas tabelas distintas, onde efetuou-se a exposição do nome do
programa, ou ação, o ano de execução, o objetivo e os resultados que foram obtidos por
meio da efetivação do projeto.

Em relação à tabela de programas voltados para a proteção territorial indígena,


optou-se fazer agrupamentos dos relatórios por espaço temporal, sendo estes definidos de
2013 a 2015 e 2016 a 2018, uma vez que estes conjuntos pertencem e se ajustam aos
períodos determinado pelos Planos Plurianuais do PPA, sendo esses 2012-2015 e 2016-
2019. Junto a esse método de organização, efetuou-se a somatória dos resultados obtidos
no período, visto que os objetivos assinalados nos relatórios de gestão eram equivalentes,
no entanto houve a identificação de distinções apenas em aspectos numéricos nos
resultados de cada gestão.

Para a temática Segurança Alimentar e Nutricional indígena, sucedeu-se a junção


dos dados encontrados no relatórios de gestão da FUNAI seguindo os parâmetros similares
aos aplicados para o tópico de Proteção Territorial, contudo em razão das particularidades
desta temática, houve a explanação isolada de alguns programas e ações, sem ser possível
realizar a união de agrupamento em espaços temporais para todos os projetos desse
segmento.

Resultados e Discussões

Preliminarmente, após realizar o levantamento de políticas públicas da FUNAI que


objetivavam a proteção territorial indígena, deu-se a estruturação da tabela abaixo, a fim de
explicitar as principais informações encontradas referentes à temática proteção territorial
nos relatórios avaliados.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 64


Tabela 1 - Programas de proteção territorial indígena

Ano Programa/tipo de Objetivo Situação/ Resultados


do relatório política obtidos

2013 Processo de Delimitar 07 TIs delimitadas com


- 2015 delimitação de Terras 56 aprovação dos relatórios
Indígenas circunstanciados. Conclusão do
terras processo de delimitação de 05
indígenas até TIs. Aviventação de limites de
2015 terras em 08 TIs.

2013 Emissão de Emitir 45 Encaminhado ao


- 2015 portarias declaratórias de portarias Ministério da Justiça 04
posse de terras indígenas declaratórias da processos de demarcação de
posse indígena de TIs. Emissão de três Portarias
terras Declaratórias pelo Ministro da
tradicionalmente Justiça, referentes às outras 07
ocupadas até T.Is.
2015

2013 Homologação de Homologa Homologação de 08


- 2015 Terras Indígenas r a demarcação de
40 terras Terras Indígenas,
indígenas até sendo que 07 foram em 2015.
2015

2013 Fiscalização e Fiscalizar Criação de 7 grupos


- 2015 monitoramento de Terras e monitorar técnicos com intuito de avaliar
Indígenas efetivamente 210 instalações não indígenas em 7
terras indígenas TI. 782 vistorias foram
até 2015 realizadas em assentamentos
de não indígenas.
Houve paralisação da
avaliação de benfeitorias em 04
TIs no ano de 2013 em razão da
limitação orçamentária.

2013 Indenização e Indenizar Criação de comissões


- 2015 desocupação de ocupantes e extrusar para indenizar não indígenas
de Terras Indígenas ocupantes de boa ocupantes de 29 TIs.
fé de 40 terras
indígenas até Expulsão de invasores
2015 de má fé.
Aplicação de ações
para reduzir conflitos e crimes
ambientais e fronteiriços.
Ações desenvolvidas
em conjunto com órgãos

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 65


ambientais de de segurança.

2013 Estudos e Localizar Localização de 14


- 2015 localização de novas e identificar 08 grupos isolados em MA, PA, AC
referências de povos novos povos e Envira. Vigilância de terras
indígenas isolados indígenas até isoladas, além da
2015, implementação de ações de
incrementando proteção à esses povos.
30% aos 33 povos
já confirmados

2013 Programa de Habilitar Realização de


e 2015 Capacitação de funcionários e atividades e aplicação de nove
indígenas por cursos de capacitação para 106
Proteção Territorial. meio da aplicação servidores e 79 indígenas.
de cursos

2016 Procedimentos de Concluir Delimitação de 17


- 2018 identificação e delimitação processos Terras Indígenas.
de Terras Indígenas iniciados nas
gestões anteriores Conclusão de análise
e delimitar 25 de 22 relatórios
terras indígenas circunstanciados de
até 2019. identificação e delimitação de
TIs.
Criação de 17 Grupos
Técnicos.

2016 Constituição de Constituir Trabalho de vistoria


Reserva e Terras indígenas 6 reservas para constituição da Reserva
indígenas para
atender os casos Indígena Krenyê (MA).
de maior Edição de 03 Decretos
vulnerabilidade de de Homologação e publicação
povos de 12 Portarias declaratórias
indígenas pelo
confinados Ministério da Justiça.
territorialmente

2016 Ações de Ampliar Realização de 1.698


- 2018 fiscalização e vigilância em até 2019, de 180 ações de monitoramento e
Terras Indígenas para 250, o fiscalização em 650 TIs.
número de TIs
fiscalizadas
anualment
e.

2016 Ações de proteção e Elaborar 7 Realizada ações de


- 2018 identificação de povos planos de combate a incêndios,
isolados proteção de povos exploração ilegal de recursos
indígenas isolados em 8 TIs.
até 2019
Manutenção de 12
Bases de Proteção
Etnoambiental.
143 ações de vigilância

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 66


em 30 TIs.
Identificação de 17
novos povos isolados.

2016 Indenização de Indenizar Levantamento e


- 2018 benfeitorias à ocupantes de benfeitorias em avaliação de benfeitorias em 04
Terras Indígenas de boa fé pelo menos 800 TIs.
ocupações de
não-índios em 30 Continuidade no
terras indígenas processo de pagamento de
até 2019 indenização em 33 TIs,
iniciadas em gestões anteriores.
Reintegração de posse
de outras 03 Terras Indígenas.

2016 Demarcação física e Realizar a Realizou-se trabalhos


- 2018 georreferenciamento de demarcação física de reconhecimento de limites
Terras Indígenas e em 24 TIs.
georreferenciame
nto de 30 terras Houve o
indígenas até georreferenciamento de 5
2019 Terras Indígenas.
Execução da
demarcação física de 02 TIs.
Sem novas
demarcações em 2017 e 2018.

Fonte: Autores, 2022.

Análise do quadro de Programas de Proteção Territorial Indígena

Importante ressaltar que as ações de proteção territorial citadas no quadro acima


derivam de um único programa, sendo este o Programa de Proteção e Promoção dos
Direitos dos Povos Indígenas (PPA), o qual possui objetivos heterogêneos que tem o intuito
de fortalecer a cidadania por meio da manutenção e promoção de direitos fundamentais
dos povos indígenas. As metas e ações propostas nos relatórios de gestão da FUNAI têm
em vista seu cumprimento à médio prazo, ou seja, o gerenciamento deve conduzir-se à
execução do planejamento disposto para o espaço de tempo previsto.

Dito isto, em todos os relatórios analisados achou-se solicitude em relação à


delimitação de Terras indígenas, tendo por objetivo a demarcação de 56 TIs no espaço
temporal de 2013 - 2015, e 24 TIs entre 2016 - 2018. Contudo, houve cumprimento de 12,5
% e 68% da meta, respectivamente. Sendo que nos últimos três anos analisados efetuou-
se a conclusão de 22 processos de delimitação iniciados em gestões anteriores, totalizando

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 67


39 Terras Indígenas que conquistaram a finalização do processo de demarcação. Junto a
conclusão do transcurso das delimitações de Terras indígenas, a FUNAI instaurou a criação
de 24 grupos técnicos entre 2013 e 2018, com intuito de regularizar as áreas reivindicadas
por diversas etnias por meio de estudos fundamentais à demarcação de território.

Em continuidade ao processo de delimitação, prescreveu-se a emissão de portarias


declaratórias de posse de terras indígenas, sendo que no estágio 2013-2015 projetou-se o
despacho ao menos 45 portarias declaratórias de determinação de limites territoriais e
demarcação física de TIs pelo Ministério da Justiça, entretanto foi emitido apenas 07, ao
mesmo tempo que a Funai encaminhou 04 outros processos de delimitação de Terras
Indígenas. Já nos intervalos entre 2016-2018, ocorreu a publicação de 12 Portarias
declaratórias pelo Ministério da Justiça, as quais foram dispostas apenas no ano de 2016.
No período remanescente do Plano Plurianual não houve exposição de mais resultados
referentes a este tema.

Referente à Homologação de Terras Indígenas, inicialmente tencionou-se a


execução de 40 sanções de TIs, contudo foi concluído meramente 08 homologações, sendo
07 realizadas em 2015. Já em 2016 desenrolou-se a publicação de 03 decretos de
homologação, enquanto era esperado a instauração de 06 Reservas Indígenas. Nas
demais administrações não foi encontrado apresentação de resultados quanto à finalização
desta etapa. É relevante esclarecer que o desfecho exposto em alguns relatórios, em
relação à homologação de Terras Indígenas, não reflete apenas a gestão do ano citado,
uma vez que o processo de homologação de Terras Indígenas pode levar anos para sua
finalização em decorrência da morosidade processual, da dependência de outros órgãos e
escassez de servidores que a FUNAI enfrenta, logo pode-se concluir que os resultados
expostos são repercussões do empenho de várias gestões.

A Fiscalização e monitoramento de Terras Indígenas compõe a listagem de


intenções da Fundação Nacional do Índio, e durante o período 2013-2015 foi delineado
fiscalizar e monitorar 210 terras indígenas de forma efetiva, e ao todo realizou-se 782
vistorias em assentamentos de não indígenas, entretanto não houve relatos da quantidade
de TIs que foram beneficiadas por meio dessas ações. Apesar disso, este aspecto não se
repetiu nos relatórios de 2016-2018, uma vez que foi apresentada a execução de 1.698
ações de monitoramento e fiscalização em 650 TIs, superando o objetivo do Plano
Plurianual o qual aspirava a expansão de vigilância de 180 para 250 Terras Indígenas.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 68


Entre o hiato 2013-2015 o processo de Indenização e desocupação de ocupantes
de Terras Indígenas proposto pela Funai planificou indenizar e extrusar ocupantes de boa
fé de 40 terras indígenas. Ao final, foi concluída a criação de comissões que miravam
indenizar ocupantes não indígenas de 29 TIs. Já no segundo grupamento de relatórios,
2016-2018, houve o levantamento e avaliação de benfeitorias em tão somente em 04 TIs,
contudo deu-se continuidade no processo de ressarcimento à indivíduos domiciliados em
33 TIs, sendo estas iniciadas em gestões anteriores. Conjuntamente, a Funai viabilizou a
reintegração de posse de outras 03 Terras Indígenas. Salientamos que tais processos
impactam fortemente sobre os recursos já parcos e cada vez menores do órgão indigenista,
como podemos identificar nos relatórios os ocupantes indígenas de “boa fé” possuem direito
a indenização para os investimentos de infraestrutura que os mesmos fizeram.

No que tange a demarcação física e georreferenciamento de Terras Indígenas, no


período 2013-2015 não houve plano específico para o cumprimento dessa etapa, ainda
assim cumpriu-se a aviventação de limites em 08 TIs. Nas gestões de 2016-2018, incluídas
no Plano Plurianual 2016-2019, objetivou-se efetuar a demarcação física e
georreferenciamento de 30 terras indígenas, houve o georreferenciamento no total 5 Terras
Indígenas, o que representa 16,66% do planejado inicialmente. Além disto, foi cumprido a
demarcação física de 02 TIs, todas no ano de 2016, sem haver informes de resultados
acerca deste propósito nos relatórios de gestão dos anos de 2017 e 2018.

Em 2012, a FUNAI propôs uma estimativa de acréscimo de 30% à identificação dos


33 povos isolados já confirmados, ou seja, localizar e identificar 08 novos povos indígenas
até 2015. Ao todo, foram identificados 14 grupos isolados, sendo encontrados nos estados
do Maranhão, Pará, Acre e do entorno do Rio Envira, o que equivale a 42% de incremento
ao cadastro de povos isolados nominados. Com relação ao período 2016-2018, houve a
identificação de 17 novos povos isolados, indicando um aumento nas diligências em relação
ao reconhecimento de etnias não catalogadas. Além da identificação de novos povos
isolados, houve o mantenimento de 12 bases de Proteção Etnoambiental e a realização de
143 ações de vigilância em 30 TIs, com o intuito de assegurar procedimentos que visam a
proteção desses povos.

Finalizando as ações e metas da Fundação Nacional do Índio relatadas nos


relatórios analisados, os programas de capacitação de proteção territorial pertencem a uma
série de medidas preventivas com o propósito de transferir informações para funcionários
e indígenas acerca de monitoramento em áreas e terras indígenas. Dito isto, entre os anos
de 2013-2015 houve realização de atividades e aplicação de nove cursos de capacitação

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 69


para 106 servidores e 79 indígenas, sem mais relatos nos demais informes. No projeto
apresentado não foi estipulado metas numéricas a serem cumpridas, sendo programado
apenas promover a habilitação de funcionários e indígenas. Logo, pode-se concluir que
esta demanda não se situa nas questões prioritárias da instituição, o que pode refletir na
ineficácia de ações futuras da FUNAI, uma vez que esta não prioriza a capacitação de seus
funcionários.

Ao examinar o alcance das intervenções da Fundação Nacional do Índio, torna-se


perceptível a insuficiência e limitação que o órgão enfrenta, uma vez que suas atividades
atingem uma quantidade ínfima de povos e terras indígenas, se comparadas aos números
totais. Esta situação se confirma ao levar em consideração o número de Terras Indígenas
reconhecidas, sendo que em 2019 eram computadas 724 áreas, de acordo com o Instituto
Socioambiental, e segundo o censo IBGE 2010 existem 896.917 indígenas, estes divididos
entre zona rural e urbana.

À vista disso, verificou-se desfechos que abrangeram em média tão somente 1% das
TIs identificadas, como no caso das demarcações de Terras Indígenas e homologações no
período de 2013-2015, enquanto que no ano de 2016 ocorreu um aumento insípido de
terras delimitadas, partindo de 1% para 2,35%, contudo nos demais relatórios não houve
descrições de novas demarcações. As únicas referências significativas encontradas nos
relatórios pertencem às metas de fiscalização de TIs, uma vez que foram realizadas 782
vistorias em diversos territórios entre 2013-2015, porém não há indicações de quantas
áreas foram beneficiadas. Ao mesmo tempo que em 2016-2018 efetuou-se 1.698 ações
de monitoramento em 650 TIs, representando um aumento de 217% na quantidade de
vistorias e fiscalizações desempenhadas pela FUNAI, e uma cobertura de 89,77% das
Terras Indígenas registradas.

Acredita-se que a principal razão para a incapacidade da FUNAI cumprir seus


objetivos em tempo hábil esteja relacionado com o contingenciamento orçamentário
iniciado na gestão de 2012, o que afeta o redirecionamento de verba para as diretorias que
compõem a organização. O departamento responsável pela questão territorial, a Diretoria
de Proteção Territorial - DPT, enfrenta uma tendência de queda em seu orçamento, sendo
perceptível nos demonstrativos expostos nos relatórios, sendo que em 2012 a DPT obteve
18% do repasse de verba da FUNAI, enquanto que em 2013 o montante foi de 17% e 15%
em 2014. Até o último ano analisado, 2018, foi possível detectar a redução orçamentária
para a repartição de assuntos de proteção territorial, o que ocasionou a interrupção abrupta
de algumas ações previstas pela instituição.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 70


Dando seguimento a análise documental, encontra-se na Tabela abaixo a
distribuição de programas da FUNAI voltados para o fomento da Segurança Alimentar e
Nutricional dos povos indígenas no Brasil.

Tabela 2 - Programas de segurança alimentar e nutricional indígena

Ano do Programa/tipo Objetivo Situação/


relatório de política Resultados obtidos

2013 Projeto Promover Implementação


Comunidade Chiquitano revitalização cultural, de roças em parceria do
geração de renda e ações Programa de Aquisição
de produção alimentícia de Alimentos da
agricultura familiar

2013 - Projeto Executar T.Is Apyterewa


2018 Apyterewa e Ipixuna atividades que promovam e Araweté Igarapé
(Parakanã) geração de renda e Ipixuna/PA
vigilância a SAN

2013 Projeto Otimizar a Comunidade


Suruí/Sororó produção e atividades de indígena Suruí
extrativismo legal bem Aikewara/PA
como transporte dos
recursos promovendo
autossuficiência

2013 - Projeto Reverter os Firmando


2018 Desenvolvimento impactos ocasionados pelo parcerias com órgãos
Sararé - Santa Elina desmatamento, locais (municipais e
valorização das técnicas estaduais) próximos à
de produção local e Terra Indígena
usufruto dos recursos Sararé/MT
disponíveis

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 71


2013 - Projeto Kaiapó Apoiar e fortalecer T.I Mekrãgnoti
2018 as famílias da localidade PA/MT: aldeias Kóróróti,
com o cultivo de alimentos Õmeikrãkum e
tradicionais, construção de
Kakãkubem,
moradias, apoio a
agricultura local estimando
reduzir as invasões locais

2013 - Projeto Desenvolver Aplicada na


2018 Pitaguary modelos sustentáveis de comunidade
aproveitamento dos Pitaguary/CE em
recursos locais, parcerias com a
promovendo o aumento na EMATER, UFC e IBAMA
produção de componentes
tradicionais

2013 e Realizar 7 Realização de Realização de 5


2014 reuniões técnicas em feiras, palestras e reuniões em parceria
prol da convenções com intuito de com a EMBRAPA: Feira
agrobiodiversidade trocar experiências e Ingarikó/RR;
indígena materiais como sementes e Mebengokré/PA;
técnicas de manejo Xavante/MT; T.I.
Kraholândia/TO e III
Feira de Ciências e
sementes dos povos
indígenas de Roraima

2014 Fiscalização, Combater a Retirada de


monitoramento e exploração e expansão dos garimpos ilegais nas T.I
combate a ilícitos - agentes ilegais de extração Yanomami/RR e AM e
Operação Ágata VIII de recursos ilegais . Kaiapó/PA reduzindo os
impactos extrativistas,
geração de segurança
alimentar e saúde
indígena.

2014 Implementação Utilização dos 185 projetos


de projetos com foco no conhecimentos tradicionais foram realizados em 394
etnodesenvolvimento e técnicas de produção; T.Is no primeiro
utilização de sementes e semestre de 2014,
porém sem novos

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 72


geração de renda. resultados após este
período devido a falta de
recursos adicionais.

2014 Iniciativas a Promover o acesso Em conjunto do


favor do qualificado dos indígenas Bolsa Família e do
Desenvolvimento aos direitos sociais e de Ministério do
Sustentável. cidadania respeitando sua Desenvolvimento Social
identidade cultural. e Combate à Fome
houve melhorias nos
produtos e distribuição
dos alimentos
emergenciais em cestas
básicas.

2013 e 13 projetos de Alterar alimentos Devido a


2014 substituição de industrializados por itens impossibilidade na
alimentos em cestas produzidos em realização dos projeto a
básicas. comunidades indígenas meta foi acatada pelo
em prol do padrão Ministério do
alimentar típico. Desenvolvimento
Social;

2013 e Pesquisa de Analisar a Impossibilidade


2014 Sistemas Alimentares funcionalidade dos de realização devido a
típicos. sistemas de alimentação falta de servidores.
próprios tradicionais dos
povos indígenas

2016 Meta 401G - Realizar Houve emissão


Projeto de capacitação treinamentos de de 20 selos vinculados a
técnica capacitação das equipes promoção da agricultura
de assistência técnica e familiar aplicadas a
extensão rural 6245 famílias

2017 Meta 0413 - Articular e Vem sendo


Promoção aos Direitos apropriar as atendida em parceria do
Sociais e culturais especificidades indígenas Ministério da Saúde,
no que tange às Ministério da Justiça e
necessidades de SAN, Segurança Pública e
Ministério do Meio

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 73


moradia, água e luz Ambiente

2017 Meta 041B - Desenvolver Planeja atender


Promoção ao projetos voltados a SAN e cerca de 40 mil famílias
Etnodesenvolvimento a geração de renda indígenas por ano

2017 Meta 03ZM - Viabilizar a 15 projetos


Promoção aos produtos aquisição e transporte de distribuídos em diversas
culturais gêneros alimentícios para regiões em parceria das
a realização de rituais e comunidades
produtos de manifestação Amondawa, Kayapó,
cultural Kotirya e Waikhana
(Norte); Enawene Nawe
e Nambikwara (Centro
Oeste); Fulni-ô
(Nordeste) e Guarani
(Sudeste)

Fonte: Autores, 2020.

Análise dos Programas voltados para Segurança Alimentar e Nutricional


Indígena

Dentre os relatórios analisados foram identificados 16 projetos que se associam


diretamente e/ou parcialmente à promoção da Segurança Alimentar e Nutricional indígena,
tendo estes como menção a própria SAN, ou projetos que visam melhorar as questões
alimentares das comunidades indígenas. Ao examinar os programas, torna-se notório as
diferenças entre os resultados esperados por eles, uma vez que parte dos projetos são
específicos para determinadas T.I, e suas aplicações se dão de forma direta e objetiva,
conforme a necessidade de cada comunidade.

Em meio aos projetos analisados, seis deles são projetos regionais que visam
contemplar de forma singularizada determinadas comunidades em maior vulnerabilidade.
Além disso, é perceptível a importância destes projetos, como também o empenho da
Fundação Nacional do Índio em adequar as ações com a finalidade de restabelecer a
qualidade de vida das comunidades beneficiadas, no entanto diante de todos os relatórios
não houveram menções de respostas e metas alcançadas por estes projetos ou de

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 74


elaborações vindouras. Diante disso, acredita-se que não houve a efetivação dos projetos
idealizados, ou as repercussões não sejam visualizadas a curto prazo.

Além dos projetos regionais, foram identificados também projetos com abrangência
nacional, que objetivam otimizar as atividades prestadas pela FUNAI, com enfoque para o
aumento da abrangência dos projetos e qualificação dos alimentos fornecidos por meio das
cestas básicas, respeitando o padrão alimentar indígena. Em contrapartida, nota-se a
dependência do órgão as demais legislações para a execução dos projetos, o que
desalenta sua execução, e que por consequência necessitam de modificações que afetam
as propostas iniciais.

Nos demais projetos a participação de programas com incentivo ao desenvolvimento


e compartilhamento de conhecimentos através de palestras, oficinas e eventos coletivos
foram os que demonstraram maior viabilidade e resposta para execução, uma vez que são
projetos que demandam menos receita do escasso recurso orçamentário do órgão
indigenista federal. Portanto, torna-se necessário salientar a importância desses projetos
para a manutenção do contato social entre as lideranças indígenas, uma vez que esta
interação viabiliza o repasse e troca de conhecimentos, porém não garantem em totalidade
a SAN para as comunidades remotas, de recente contato e de maior vulnerabilidade. Os
demais projetos apresentados nos relatórios possuíam diferentes modelos, sendo um deles
com ênfase na pesquisa científica, todavia não houve relatos de resultados.

Levando em consideração que na região da Amazônia legal encontra-se a maior


parte das T.Is, observou-se maior beneficiamento das regiões Norte e Centro Oeste com a
realização dos projetos. Sendo este um ponto positivo, uma vez que as comunidades
indígenas destas regiões se encontram de forma mais remota e que devido os impactos da
exploração ilegal, sofrem maior vulnerabilidade. Porém, não há um acompanhamento
próximo com as demais regiões, dado que nestas encontram-se Terras Indígenas anexas
às áreas urbanizadas, sinalizando então uma possível desigualdade do manejo
organizacional, uma vez que comunidades indígenas próximas a centros urbanos possuem
seu território reduzido, debilitando assim a produção alimentícia necessária para a
conservação de seus hábitos alimentares tradicionais e inviabiliza a manutenção da sua
própria SAN (CARDOSO et al, 2009 apud BRITO, 2019).

A impossibilidade de sua autoprodução promove então o deslocamento dessas


comunidades para outros locais, principalmente áreas urbanas, junto a adaptação de novos
hábitos alimentares, sendo por diversas vezes desfavorável ao seu padrão cultural, o que

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 75


resulta em desequilíbrios nutricionais, bem como o acréscimo na incidência de doenças
crônicas não transmissíveis. Além do contato com hábitos atípicos à suas populações,
como tabagismo e alcoolismo que consequentemente denota aumento da vulnerabilidade
e violências sofridas por estes.

Ao analisar os dados acerca da abrangência dos projetos realizados dentro do


território nacional, observa-se que apenas 14 comunidades foram privilegiadas com
projetos personalizados, o que corresponde a 2,87% das 487 terras indígenas
homologadas pela União e apenas 1,93% referentes às 724 terras indígenas reconhecidas
no Brasil, as quais se encontram em diferentes etapas do processo demarcatório. Dentro
dos valores relativos aos projetos totais, foram identificados aproximadamente 394 T.Is
beneficiadas com projetos de etnodesenvolvimento, correspondendo a 80,93% das T.I
homologadas e 54,42% das T.Is totais, demonstrando então a proporção das áreas em que
a FUNAI executa seus serviços. No entanto, deve-se ressaltar que nos relatórios de gestão
analisados não houve explanação detalhada quanto a resultados desses projetos, tornando
complexo o entendimento acerca do efeito destas ações.

Dentre os 16 projetos, nove deles já estavam, ou foram iniciados e citados no


relatório de gestão de 2013. Sobre os demais projetos observados, três deles tiveram início
em 2014, um projeto em 2016 e outros três em 2017. Nos demais anos houve apenas a
reiteração dos projetos já citados sem haver apresentação de nenhum resultado. Neste
instante, faz-se necessário frisar que todo o orçamento fornecido para os projetos voltados
para a Segurança Alimentar e Nutricional indígena provém do bloco orçamentário nomeado
como Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento.

Neste bloco encontra-se somente 2% de todo o orçamento anual da FUNAI,


enquanto que o bloco econômico de Despesas de Gestão e Governança detêm mais da
metade do orçamento anual total da FUNAI, sendo esse bloco referente aos custos de
infraestrutura, logística, tecnologia e gestão de pessoas. Tendo este conhecimento junto da
dificuldade enfrentada pelo órgão devido as constantes reduções orçamentárias
enfrentadas, é justificável o esforço para executar os projetos que ainda não foram
concluídos sem a elaboração de novas metas ou propostas.

Conclusão

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 76


Tendo por base as informações coletadas nos relatórios de gestão da FUNAI,
conclui-se que o órgão federal apresentou diversas dificuldades para efetivar suas
responsabilidades para com a comunidade indígena, sendo uma das principais causas a
redução orçamentária progressiva enfrentada desde 2012. Em decorrência disto, a
Fundação Nacional do Índio mantém-se com um quadro de funcionários limitado, bem como
subsiste através de materiais e estrutura sucateada, o que pode ter acarretado a redução
na eficiência das ações propostas pela instituição, como também a suspensão de
programas e metas.

Partindo desse pressuposto, torna-se possível deduzir que a Proteção


Territorial e a Segurança Alimentar indígena experienciam um deterioramento constante,
devido a isto há o aumento da vulnerabilidade social em que os povos indígenas defrontam-
se. Tudo isto contrapõe um dos objetivos principais da Funai, sendo este a promoção o
etnodesenvolvimento sustentável, como também minimiza as possibilidades de que esses
indivíduos possam resistir, e prover a si mesmos, uma vez que as comunidades indígenas
têm seus territórios reduzidos, invadidos e não reconhecidos.

Outra consequência decorrente das violências que os povos indígenas


enfrentam em suas terras, está o refreamento da Soberania Alimentar, ou seja há uma certa
limitação à sua autonomia, em razão da dependência de cestas básicas que são
distribuídas para minimizar a escassez de gêneros alimentícios e a subalimentação, as
quais essas populações encaram. Essa sujeição à uma alimentação, que geralmente não
faz parte de sua cultura alimentar, força o indígena a vincular-se a programas generalistas
e que não promovem o seu desenvolvimento cultural e familiar (SILVA, 2019).

Dito isto, torna-se necessário à FUNAI observar criteriosamente as diversas formas


de evolução, as singularidades e as condições de subsistência de cada comunidade
indígena, a fim de que se possa desenvolver programas e direcionar ações específicas e
eficientes que visem a promoção da Proteção Territorial e Segurança Alimentar e
Nutricional indígena. Simultaneamente, cabe a Fundação Nacional do Índio captar e
redirecionar recursos financeiros para os setores analisados, como também a esta cabe a
responsabilidade de investigar as populações indígenas individualmente, levantar
informações e garantir com que estes povos conquistem seus direitos fundamentais, sendo
um deles o acesso à segurança, terra e alimentação adequada.

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Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 77


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Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 79


Capítulo

06

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 80


POLÍTICAS ENERGÉTICAS PARA RONDÔNIA E OS POVOS INDÍGENAS: UMA
ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACERCA DAS UHE JIRAU E SANTO ANTÔNIO

RAFAEL ADEMIR OLIVEIRA DE ANDRADE


Sociólogo, Docente no curso de Nutrição no Centro Universitário São Lucas

ARTUR DE SOUZA MORET


Docentes na Universidade Federal de Rondônia

MIRIÃ ORTIZ PASSOS DE ANDRADE


Mestranda em Psicologia - Universidade Federal de Rondônia

RODRIGO CÉSAR SILVA MOREIRA


Docentes na Universidade Federal de Rondônia

WELINGTON JUNIOR JORGE


Docente do curso de Pedagogia na Universidade Cesumar - Unicesumar

INTRODUÇÃO

O debate que permeia este artigo surge no bojo da disciplina Políticas Energéticas
para a Amazônia do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente da Universidade Federal de Rondônia. Nosso objetivo é debater como a questão
da energia enquanto instrumento de regulagem e desenvolvimento social das sociedades
permeia e se contradiz com o discurso da sustentabilidade de biomas essenciais como a
Amazônia e por último, como populações sabidamente reconhecidas enquanto
preservadoras de territórios florestais, os indígenas, são impactados pelas políticas de
expansão da produção energética na região.
Para realização deste trabalho foi desenvolvida uma busca de artigos no Google
Acadêmico a partir de palavras-chave, seguido de leitura de resumos e posteriormente
análise das discussões apresentadas nos textos selecionados. Após aplicação de critérios
de inclusão e exclusão foram analisados três artigos que versam diretamente sobre o tema
deste artigo. Devido tal corpus diminuto foram debatidos outros textos aproximados por livre
associação temática pelos autores, fato este debatido em nossa conclusão.
Concluímos que as políticas de produção energéticas para a Amazônia e para
Rondônia passam primeiramente por interesses de governabilidade dos Governos locais e
nacionais e de lucrabilidade de empresas privadas, abrem espaços para impactos
secundários como a exploração de agentes privados de menor organização estrutural e

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 81


normalmente ignoram as peculiaridades e os reais impactos nas populações indígenas e
outras que tradicionalmente ali habitam.

REFERENCIAL TEÓRICO

ENERGIA, CAPITAL E SUAS REGULAGENS

Bem, precisamos primeiramente definir o que é energia e como este fenômeno se


relaciona com a sociedade em geral. Energia é o que se fornece ou se retira de um sistema
para transformá-la ou deslocá-la. A energia de um sistema é constante e se degrada
continuamente, aumentando sua entropia, se relacionando com os ecossistemas que são,
por definição, comunidades complexas de consumidores de energia.
Tal energia pode ser gerada de forma endossomática, como pelo sol, alimentos,
dentre outros (naturais) ou de forma exossomática, a partir de conversores artificiais de
energia, criando um excedente energético, as formas exossomáticas precisam de
qualidade, bom lugar e de tempo para serem geradas ao passo que as endossomáticas
são convertidas mais naturalmente nos sistemas (HÉMERY et al, 1993).
Os sistemas energéticos artificiais de maior complexidade se formam dentro e para
os sistemas sociais e produtivos, promovendo mudanças sociais, reforçando classes e
aparelhos de Estado (HÉMERY et al, 1993). Assim, como exemplo citamos o caso das
obras energéticas e de distribuição do PAC que foram utilizados no Brasil como forma de
governabilidade, a construção de estrutura energética é fato positivo para a classe politica
ao passo que os “apagões” são perdas de capital dos governantes.
Sem nos percebermos no dia a dia da existência social, a energia é elemento
condutor de todos os aparelhos ideológicos de controle social (ALTHUSSER, 1985) ao
passo que possibilita a existência e transmissibilidade das ideologias da classe dominante
por meio da escola, do emprego de força de trabalho (mais-valia, mais-valor, fetiche da
mercadoria, poder político das grandes corporações mundiais, dentre outros fenômenos
que se iniciam na venda da força de trabalho) e das mídias de massas: sem a corrida pelo
controle e expansão dos sistemas energéticos não há capital e por consequência
capitalismo - o mesmo pode ser aplicado aos sistemas socialistas que se apropriarem do
modelo de produção capitalista (DOWBOR, 2017).
Sobre tal dilema temos um exemplo que o solidifica ocorrendo no momento da
escrita deste artigo: o estado do Amapá, Norte do Brasil, que ficou quatro dias sem energia
elétrica, sendo parcialmente restabelecida no quinto. O Amapá possui 13 municípios e o
PIB do estado correspondeu a aproximados 0,2% do PIB brasileiro em 2019 sendo assim,

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 82


para a visão do grande capital e do governo (alinhado com o mesmo) uma região de
periferia dentro da periferia mundial que se encontra atualmente o Brasil.
Os apagões que ocorreram nas regiões Sul-Sudeste em 1999 levaram a grande
comoção nacional: não tanto pelas pessoas que ali estavam mas por causa dos possíveis
impactos econômicos. Tanto no Amapá quanto no Sudeste o “bode expiatório” foi a
natureza - um raio - quando na verdade é a fraca estrutura energética que se expande de
forma desorganizada e/ou privilegiando setores produtivos os responsáveis verdadeiros.
O que está em jogo quando falamos de produção energética é o excedente que as
formas exossomáticas podem produzir: o que sobra do investimento é chamado de renda
energética e tal valor se amplia quanto mais aprimorada for a técnica investida na produção
da mesma. Assim, a apropriação de recursos naturais é a forma de apropriação de
excedente energético que perpassa diversos escalas e agentes: desde a retirada ilegal de
madeira por pequenos criminosos mais ou menos organizados até a construção de grandes
lagos de hidrelétricas que se apropriam de recursos naturais diversos - principalmente o
curso dágua - para geração de energia elétrica.
Desta forma a produção de energia está no bojo da disputa pelo poder e exclusão
de certas regiões/pessoas de acesso a direitos fundamentais. A amazônia não está fora
disto. O documento Energia Elétrica no Brasil de Antônio Dias Leite (2011) deixa claro o
posicionamento de como deve ser utilizada a energia elétrica e como é vista a relação
povos indígenas e territórios florestados neste processo.
Dias Leite (2011) destaca a importância de expansão da produção energética no
Brasil como aporte para o desenvolvimento econômico, apontando que há uma demanda
energética que gera impactos ambientais e “inconvenientes” para as populações
tradicionais - a palavra “inconvenientes” é um subterfúgio intelectual para disfarçar a
violência estrutural causada contra as populações locais em nome da manutenção de
acesso a energia elétrica de lugares considerados centrais do país e da indústria,
alavancando o PIB brasileiro e mantendo a governabilidade de quem quer que esteja no
poder.
O mesmo documento (LEITE, 2011) destaca ainda a necessidade de que as
restrições ambientais e sociais sejam flexibilizadas - o texto é escrito em 2011, mas parece
ser de 2020 ao passo que Fearnside (2019) corrobora com as fontes: “O discurso foi
agressivo: em 2006, o Presidente Lula listou os povos indígenas e ambientalistas entre
“entraves” para o crescimento (Glass, 2006), e em 2009 o Ministro de Minas e Energia
declarou que a usina de Belo Monte estava sendo impedida por “forças demoníacas” (Lima,
2009).

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 83


O mesmo documento aponta que a Amazônia possui em torno de 90% do potencial
de expansão hidrelétrica no Brasil até 2030 (LEITE, 2011) e que a atuação de indígenas e
outras populações locais,com apoio de ONGs com bases em países estrangeiros (um
discurso de 2011 ou de 2020?) que querem atrasar o desenvolvimentismo brasileiro e o
progresso social. São “milhares de ONGs que atrapalham e tumultuam com fachadas para
interesses ocultos”, o autor reproduz em 2011 o que é uma fala recorrente nas redes sociais
e no governo brasileiro atual - isto nos mostra que a Amazônia é um espaço a ser ocupado
e capitalizado desde sempre e nossos dois recortes temporais são amostras deste
discurso-prática.
Assim, chegamos a conclusão desta seção do artigo de que a energia é elemento
de controle social, tanto a partir da ideologia (para sua manutenção) quanto na distribuição
de poder político e econômico e tem sido ferramenta fundamental de ocupação de espaços
não ocupados anteriormente pelo capital, como a Amazônia Brasileira.

AMAZÔNIA: ELDORADO ENERGÉTICO

Feijó (2015) trás como abertura de seu debate sobre hidrelétricas e povos indígenas
um exemplo da indígena Tuíra Kaiapó que coloca um “terçado” no rosto do diretor da
Eletronorte em 1989 nos embates sobre a construção da UHE Belo Monte. As análises do
atual governo Bolsonaro e de autores como Antonio Leite (2011) foram sintetizadas pelo
movimento de Tuíra: ali ficou claro que os indígenas são um impedimento ao
desenvolvimentismo energético que têm como motor a construção de barragens na
Amazônia.
A questão dos empreendimentos em terras indígenas passa pela consulta prévia -
prevista na Convenção 169 da OIT, não apenas para grandes obras mas para qualquer
questão que impacte diretamente sobre suas terras e formas de viver. A consulta as
populações indígenas e tribais é parte da relação dos Estados com as comunidades na
garantia de seus direitos fundamentais, de autodeterminação, garantido a posse plena das
comunidades sobre suas terras e recursos naturais existentes (FEIJÓ, 2015).
O que temos neste contexto da Amazônia é justamente a diminuição sistemática dos
direitos fundamentais destas populações quando falamos do controle do Estado desta terra
para exploração de seus recursos, sendo de forma exclusiva do Estado, de forma mista
(privado-estatal) ou de concessão estatal para iniciativa privada. Ainda temos que somar
dados apontados pelo CIMI (2008 a 2018) que apontam a existência de agentes privados

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 84


e elites estatais locais que se beneficiam das estruturas e movimentações locais que
ampliam a exploração ilegal de recursos em terras indígenas.
No Brasil de 2020, 297 terras indígenas possuem Cadastro Ambiental Rural (CAR)
em sobreposição aos seus espaços demarcados, citando o texto “Ao todo, 7.739 imóveis
rurais inseridos no CAR estão em terras indígenas, totalizando 12.310.790 hectares
sobrepostos, área maior que a da Coreia do Norte. O Brasil tem 850 milhões de hectares”
(DALLABRIDA & FERNANDES, 2020).
Este cadastro é forma diagnosticada mais recentemente de dominação de terras
indígenas homologadas, impulsiona decisões legislativas a favor dos fazendeiros e
impulsiona ações nas escolas locais. No caso de Rondônia, Rondônia é o estado com o
maior número de imóveis rurais sobrepostos a terras indígenas: 1.376 no total. Na
sequência vêm o Pará (1.336), Mato Grosso (1.091) e Roraima (607)” (DALLABRIDA &
FERNANDES, 2020).
Segundo Fearnside (2019), ao fazer uma reflexão de sua análise histórica do
fenômeno, que as barragens na Amazônia causam impactos violentos as populações
indígenas, destacando Belo Monte como o grande exemplo dessa violência. Aponta ainda
o autor que há uma tendência de aumento destas violências, sendo que a maioria dos
povos se encontra na Amazônia e em faixas favoráveis ao desenvolvimento energético -
uma necessidade pungente para o crescimento econômico brasileiro (LEITE, 2011) - as
populações indígenas se organizam em torno de trechos medianos e superiores dos
afluentes que começam no planalto central brasileiro e se encontram com o Rio Amazonas
no norte.
Cita ainda que “O Plano de Expansão Energética 2013-2022, do Ministério das Minas
e Energia (Brasil, MME, 2013), indica, além de Jirau (enchida em 2013), 18 barragens com
≥ 30 MW de capacidade instalada a serem concluídas até 2022 na Amazônia Legal
brasileira” (FEARNSIDE, 2019), reforçando nossa análise de que a Amazônia é espaço de
expansão franca de empreendimentos que ampliam riscos e vulnerabilidades para estas
populações indígenas.

METODOLOGIA

Neste texto iremos realizar uma análise bibliométrica acerca do tema no google
acadêmico com as palavras-chave Jirau, Santo Antônio, Indígenas. Foram considerados
todos os trabalhos que dissertem sobre o tema deste artigo, fazendo leitura inicial do título
e como segundo critério de recorte dos resumos dos trabalhos. Nesta leitura de resumos

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 85


foram descartados trabalhos que não dissertem de forma ampla sobre as populações
indígenas atingidas pelas Usinas e obras do Complexo do Madeira. Não houve recorte
temporal como critério de exclusão no banco de dados, sendo aceitos todos independente
da data de publicação (consideramos que o evento de planejamento, construção e
processos posteriores das UHEs já serviram como recorte de tempo).
A partir disto foram incluídos no corpus total trabalhos que dissertem diretamente
sobre o objeto deste artigo publicados em qualquer data - textos fora desses critérios foram
recortados. Nesta primeira seleção foram delimitados 3 artigos que se encaixam. O próximo
passo aplicado foi a leitura e a leitura completa dos trabalhos, destacando os elementos
que se aproximam do objeto aqui analisado.

ANÁLISES DOS ARTIGOS: CONFLITOS ESTADO-INDÍGENAS NO COMPLEXO DO


MADEIRA

Iniciamos o debate específico sobre a relação Estado-Indígenas a partir das obras


hidrelétricas do complexo do Madeira com a análise de Karine Teixeira de Souza (2009). A
autora aponta que o que se vive no complexo do Madeira nada mais é do que reflexo das
políticas desenvolvimentistas que se ganharam grande força na década de 70 do século
XX. Dialogando com agentes indígenas, de instituições estatais e conversas informais do
campo a autora nos trás uma análise dos fenômenos complexos decorrentes da construção
das UHEs.
Na análise do EIA-RIMA das obras fica evidenciado pela autora a perspectiva
colonial dos construtores da obra: interessados nos lucros econômicos e políticos
envolvidos no empreendimento os mesmos anacronizam, generalizam e retiram a
autonomia das populações indígenas quando as descrevem no documento (SOUZA, 2009).
Fica evidente pelas narrativas indígenas coletadas pela pesquisadora que: 1) há pouca
ação efetiva da FUNAI com relação aos indígenas 2) que há ação recorrente de fazendeiros
e outros invasores nas terras e 3) que sempre foi percebido pelas lideranças - que
partilharam do trabalho aqui analisado - que as UHEs viriam para ampliar as violências “as
coisas ficarão pior” que já existiam.
Destacamos esta frase de Souza (2009): “De antemão pode-se apontar duas
divergências: as relações diferenciadas dos atores sociais para com o território/local onde
se planeja construir a obra/usina hidrelétrica e o conceito de impacto e sua abrangência”
onde podemos observar a constatação, no lócus deste texto, de que as percepções sobre
o território e seus usos (ESCOBAR, 2014) foi debate fundamental para se definir o conceito

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 86


de atingidos na construção das usinas do Complexo do Madeira. Aqui entra a questão da
energia: para o governo e consórcios o território de construção da UHE é espaço de
geração, venda e lucro obtido a partir da energia excedente desta eficiente fonte
exossomática, já para as populações indígenas o que “possui valor” é a manutenção de
suas formas de ser/existir enquanto resistências.
Desta forma é importante pensar que os impactos, assim como mitigação e
prevenção destes, é também resultado desta forma específica de ver a questão do território.
Cita Souza (2009) que é comum povos indígenas que se encontram na jusante das
barragens serem ignoradas pelos estudos de impacto ambiental - pois na visão hídrica de
atingidos apenas aqueles que tiveram terras submersas são considerados como atingidos
e de forma geral os impactos sociais sempre são diminuídos (SOUZA, 2009) em
comparação aos ambientais. Para facilitar o processo de cooptação geral das
populações indígenas o que se faz é justamente se aproximar das lideranças, diminuindo
ainda mais os instrumentos já não respeitados da consulta as comunidades.
Importante debater que mesmo que as empresas construtoras e o governo
considerem como impactos apenas aqueles mensuráveis pela área alagada, do ponto de
vista da ocupação tradicional e dos usos das águas do madeira pelas populações indígenas
os impactos são para todas as populações tradicionais que dependem de alguma forma do
rio.
No EIA-RIMA da UHE de Estreito (MA) a Coordenação Geral de Patrimônio Indígena
é Meio Ambiente/CGPIMA partiu do conceito de Impacto Global para se avaliar a questão
junto às populações indígenas: aponta uma avaliação histórica de agressões e perdas
somadas aos impactos decorrentes do empreendimento para o futuro da etnia,
considerando por exemplo os impactos causados antes (pela própria histeria social
causada pela construção) quanto posteriormente (a abertura de estradas perto de terras
indígenas causam impactos de longa data, por exemplo).
Esta concepção não foi adotada no EIA/RIMA das UHEs do complexo do madeira,
demonstrando que a visão tradicional de impactados foi utilizada, visão esta que diminui o
real dano causado em benefício dos agentes estatais e dos grandes conglomerados
interessados. Dialogando sobre impactos Karine Souza (2009) aponta:

“a perda da garantia de posse territorial pelos povos indígenas, uma


exemplo, a perda da garantia de posse territorial pelos povos indígenas, uma
vez que o aumento do vez que o aumento do Á uxo de imigrantes para a
região deverá acarretar o uxo de imigrantes para a região deverá acarretar o
crescimento das invasões em suas terras tradicionais, a degradação
ambiental, crescimento das invasões em suas terras tradicionais, a

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 87


degradação ambiental, “a incidência de doenças e os contatos interétnicos.”
(SOUZA, 2009, p. 116).

Assim, a concepção de impactos orientada pela autora converge com uma


perspectiva inter relacional de impactos que ocorrem antes e depois das obras e perpassam
por toda alteração socioambiental que a mesma causa tanto na área alagada quanto em
toda o leito do rio.
O objetivo, conclui a autora, destes documentos e discursos sociais é confundir a
população - indígena e não indígena - dos reais impactos das UHEs, ao ponto que foi
colocado no RIMA que nenhum elemento do projeto afetará terras indígenas, o que
sabemos ser uma falácia ideológica. Frisa a autora “A maneira como a Funai e o consórcio
Madeira Energia S/A vêm abordando a situação dos povos em situação de isolamento
reflete, de modo geral, a condução de todo o processo de licenciamento dos
empreendimentos” (SOUZA, 2009), ou seja, é uma reprodução de um parâmetro apontado
por Fearnside (2019).
O artigo Conflitos ambientais e movimentos sociais: A IIRSA e as populações
indígenas da Amazônia Boliviana de Maria Angela Comegna nos dá uma perspectiva
internacional sobre a questão destes impactos a partir da análise de uma ONG boliviana
(CIDOB- Confederación de Pueblos Indígenas de Bolívia) na resistência e organização das
populações indígenas em relação às obras do IIRSA.
Primeira questão destacada é a resistência organizada e de ações complexas como
forma de fazer frente aos ataques contra comunidades tradicionais e o meio ambiente em
si e em seguida o artigo trata da questão do IIRSA enquanto proposta de integração nascida
no Brasil (em 2000) que se realiza principalmente a partir de projetos físico-regionais de
interligação. O eixo Peru-Brasil-Bolívia é um dos dez que formam o IIRSA, cujo obras
“permitirão aproximar os mercados intra-amazônicos, tratando-se de uma nova escala para
pensar e agir na região (COMEGNA, 2010) e sendo um dos seus eixos de ação o Corredor
de integração fluvial que parte das usinas hidrelétricas do Complexo do Madeira.
As obras do complexo, já desenvolvidas na época da escrita deste texto, entregaram
as obras, rios, regiões e vidas de populações inteiras as grandes empresas em nome do
progresso e do desenvolvimento, com custos diminuídos na previsão e com mensuração
dificultada. Comegna (2010) traz uma discussão fundamental: as obras do IIRSA/PAC,
incluindo as UHE do Madeira tem como objetivo integrar a Amazônia ao eixo produtivo o
que leva inevitavelmente a expropriação de recursos e impactos nas populações
tradicionais locais.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 88


Os impactos secundários elencados pela autora são diversos: aumento do fluxo
migratório leva a aumento de pressões sobre as terras indígenas, empresas mineradoras
e fazendeiros ampliam suas ações na região, aumento da já existente contaminação por
mercúrio, aumento das epidemias já existentes na região, dentre muitos outros impactos
resultantes deste rearranjo causado pelas obras. Sobre a CIDOB a autora conclui que a
organização se coloca frente as obras, não apenas pelos posicionamentos públicos, mas
na capacitação dos agentes envolvidos para se posicionar contra tais obras em diversas
esféricas técnicas (COMEGNA, 2010).
Oliveira Júnior e Vaz (2017) no artigo “Os projetos de infraestrutura da IIRSA e a
violação dos direitos indígenas” tem como objetivo “analisar em que medida os projetos de
infraestrutura da IIRSA atingem as populações indígenas” a partir da análise de dados
fornecidos pelo website da IIRSA. Em sua introdução o artigo reforça que a IIRSA é projeto
nascido em 2000 além do que já foi delimitado por Comegna (2010) aponta que a mesma
intenciona responder a alta demanda por novas fontes de energia elétrica (LEITE, 2011) e
de integração física da América Latina.
A IIRSA, em sua própria estruturação, corta diversas reservas de biodiversidade,
ameaçadas pela construção de redes de transportes que objetivo exportar commodities em
uma rede capilarizada (DE OLIVEIRA JUNIOR & DE OLIVEIRA VAZ, 2017). Tal
capilarização vai cortar 1.347 (mil trezentos e quarenta e sete) territorialidades, sendo
destas 664 indígenas, sendo 194 no Brasil. Sobre o estudo de caso aqui analisado, o artigo
destaca que os empreendimentos das UHE Jirau e Santo Antônio põem em risco povos
indígenas isolados e ampliam as pressões sobre territórios demarcados que “viola a
Convenção sobre a Diversidade Biológica, as Diretrizes Akwé: Kon e o art. 231 da
Constituição Federal de 1988” (DE OLIVEIRA JUNIOR & DE OLIVEIRA VAZ, 2017).
Conclui o trabalho que mesmo que os povos indígenas gozem de proteção por Leis
e diretrizes nacionais e internacionais em todos os países onde se desenvolve o IIRSA é
possível apontar que os interesses privados no desenvolver de obras de infraestruturas e
intencionalidades de governabilidade deixam em segundo plano a defesa do direito destas
populações, que sem auto organização ou apoio de ONGs que se vinculam a questão
indígena teriam ainda menos ressonância na defesa de seus interesses.

CONCLUSÃO

Este breve trabalho de revisão nos permite algumas conclusões quando


relacionamos a questão da busca pela ampliação da produção exossomática de energia e

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seus excedentes passíveis de capitalização por governos e empresas privadas com os
impactos nos biomas e populações tradicionais, dentre elas as indígenas.
Primeiro que a integralização da Amazônia (pelas obras do IIRSA/PAC) possibilitam
mais do que governabilidade e lucro das construtoras (em primeiro lugar), potencializando
a integração da região para capitalização de seus recursos em geral, ampliando a ação
oficial e não oficial de agentes exploratórios que inevitavelmente causam impactos as
populações e biomas.
Segundo que mesmo com proteção legal os povos indígenas são impactados - tanto
no Brasil quanto na Bolívia, dentro dos trabalhos lidos - nestes empreendimentos e que as
mensurações de impactos sempre partem de uma perspectiva que ignora as reais
dimensões aos mesmos, como danos secundários e terciários de ordem material e danos
imateriais-culturais, agindo de forma dominadora sobre as populações e muitas das vezes
não dialogando minimamente com as mesmas.
Concluímos também que são poucos os trabalhos que versam sobre a temática -
povos indígenas e UHE do Complexo do Madeira - de forma direta e substancial. Excluímos
muitos artigos da análise final devido os mesmos apenas citarem eventuais “impactos as
populações indígenas locais” sem versar sobre legislações, etnias ou dados sobre tais
impactos citados. Assim ficou diminuto o corpus total analisado aqui sendo necessário
trazer outros autores para o diálogo.
Por fim, apontamos que a questão da energia e sua produção é condição que reforça
a dominação de classe e na Amazônia é elemento utilizado para justificar ações de
colonização (tanto no passado quanto recentemente) sobre os biomas e a criação de
territórios de exceção onde residem as populações resistentes. Fica o dilema do
desenvolvimento enquanto discurso que conduz os processos fundamentais desta práxis
governamental que permeia o Brasil, Rondônia e tantas vidas.

REFERÊNCIAS

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populações indígenas da Amazônia Boliviana. Geografia e Pesquisa, v. 4, n. 1, 2010.

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cadastradas em nome de milhares de fazendeiros. Disponível em “De Olhos nos
Ruralistas”, acessado em 09 de novembro de 2020, link

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 90


https://deolhonosruralistas.com.br/2020/10/27/terras-em-297-areas-indigenas-estao-
cadastradas-em-nome-de-milhares-de-fazendeiros/

DE OLIVEIRA JUNIOR, Joaner Campello; DE OLIVEIRA VAZ, Natália Carolina. Os projetos


de infraestrutura da IIRSA1 e a violação dos direitos indígenas. ARACÊ–Direitos
Humanos em Revista, v. 4, n. 5, p. 202-218, 2017.

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2009.

Políticas públicas e seus desafios na atualidade – Vol. II 91

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