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Os elementos da responsabilidade objetiva

prevista na lei anticorrupção

Felipe Barbosa Brandt1 e Renata Ferreira da Rocha2

Resumo: A Lei nº 12.846/2013 materializa diversos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, ao
prever a responsabilização objetiva, administrativa e civil, das pessoas jurídicas que cometam atos lesivos
previstos no mesmo diploma. É possível verificar que não há, ainda, uma definição precisa de quais são os
elementos dessa responsabilidade objetiva, o que, porém, é essencial para a segurança jurídica e previsibili-
dade por parte de todos os envolvidos nas questões afetas à lei, seja o Estado, enquanto detentor do poder de
punir, sejam as pessoas jurídicas, que podem ser responsabilizadas administrativamente, nos termos da lei.
Assim, partindo do referencial teórico do direito civil e do direito penal, o artigo busca construir um modelo
aplicável ao regime estabelecido pela Lei Anticorrupção. Os elementos identificados pelo artigo podem ser
listados como: conduta ilícita e nexo causal, com o requisito especial de que a conduta ilícita tenha sido pra-
ticada no interesse ou benefício, exclusivo ou não, da pessoa jurídica processada. Chegou-se a essa conclusão
a partir do entendimento de não ser possível, dadas as peculiaridades do direito administrativo sancionador,
importar, de modo integral, as construções prévias, seja do direito civil, seja do direito penal, sendo imperioso
aprofundar o debate e fazer a construção teórica própria do direito administrativo sancionador, alinhada com
a intenção legislativa ao criar o modo de responsabilização previsto na Lei Anticorrupção.

Palavras-chave: responsabilidade objetiva; lei anticorrupção.

INTRODUÇÃO Todavia, as inovações no campo da responsa-


bilidade administrativa não vieram acompanhadas
A Lei nº 12.846/13, denominada Lei Anticor- de embasamento teórico que pudesse trazer balizas
rupção - LAC, se apresenta como grande inovação mais seguras para os operadores do direito, em es-
no ordenamento jurídico brasileiro, ao instituir a pecial, no âmbito do Processo Administrativo de
responsabilização das pessoas jurídicas de forma Responsabilização – PAR, por meio do qual há a apu-
objetiva, na esfera administrativa e civil (cf. Art. 2º), ração de responsabilidade, com possível aplicação
pelos atos lesivos previstos no seu Art. 5º. das sanções de multa e de publicação extraordinária.
Trata-se de marco de superação da lacuna na Diante da ausência de referencial teórico espe-
responsabilização de pessoas jurídicas envolvidas cífico, o presente trabalho tem por motivação de-
em casos de corrupção, fraudes às licitações e ou- bater um dos principais conceitos introduzidos pela
tros atos lesivos, optando-se pelos regimes adminis- Lei nº 12.846/13, o da responsabilidade objetiva.
trativo e civil. Vale lembrar que, no Brasil, a Consti- Nesse esforço, o ponto de partida será a dou-
tuição Federal menciona a responsabilização penal trina já estabelecida sobre o conceito da responsabi-
das pessoas jurídicas apenas em virtude de ilícitos lidade cível, buscando avaliar a pertinência de trans-
ambientais (Art. 225, §3º) e contra a ordem econô- posição dos ensinamentos ali consolidados para a
mica e financeira (Art. 173, §5º), sendo que, apenas aplicação da LAC, sem ignorar, contudo, as peculia-
em relação à primeira, existe legislação ordinária ridades do direito administrativo sancionador.
prevendo os tipos penais e as respectivas sanções Essas peculiaridades podem ser percebidas,
(Lei nº 9.605/98). por exemplo, quando se admite a possibilidade de
utilizar construções próprias da responsabilidade
objetiva da esfera cível, considerando a teoria do

1. Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União; felipe.brandt@cgu.gov.br.


2. Auditora Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União; renata.rocha@cgu.gov.br.

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risco da atividade (risco da empresa), bem como a existentes entre os campos penal e admi-
exclusão da necessidade de perquirir culpa e dolo, nistrativo (ainda que de grau, e não abso-
sem, contudo, absorver por completo essas teorias lutas) e a necessidade de se levar a sério
no âmbito da LAC, ou mesmo colocar esse diploma aquilo que faz da sanção administrativa
como normal especial em relação à responsabili- uma resposta estatal peculiar, aplicada
segundo finalidades próprias, por meio
dade cível prevista no Art. 927 do Código Civil.
de corpos orgânicos submetidos a exigên-
Ao contrário do Código Civil, a LAC não prevê
cias funcionais peculiares. (...) O discurso
a responsabilidade como forma de reparação de de justificação, interpretação e aplicação
dano, sustentada no tripé clássico da responsabi- proposta busca responder a essa pergunta.
lidade subjetiva (conduta com dolo ou culpa, nexo Não pela transposição de princípios e ga-
causal e dano). A LAC estabeleceu modalidade de rantias penais à seara administrativa, mas
responsabilidade objetiva pela prática de ato ilícito, a partir de um modelo teórico sensível às
dispensando a comprovação da existência de dano particularidades do direito administrativo
material, sendo que, mesmo nos casos em que haja sancionador e de suas ferramentas. A co-
ocorrido o dano, sequer há a obrigação, no âmbito municação contínua e dinâmica que se
do PAR, de identificação do quantum de prejuízo, o estabelece entre esses ramos do direito é
qual será apurado em processo apartado (vide Art. um fato, mas não permite afirmar que seus
institutos sejam fungíveis. Há vocações e
6º, §3º c/c Art. 13, ambos da LAC).
papéis distintos em cada caso. Aspectos
Noutro giro, quando se traz à tona a ideia de
finalísticos e funcionais próprios que pre-
sanção, costuma-se tentar importar os institutos do cisam ser valorados, em busca de consis-
direito penal. Há aproximação entre as matérias no tência e coerência.
que diz respeito, por exemplo, à desnecessidade de
dupla imputação, prevista no Art. 3º, §1º, da LAC, e Por tudo isso, passa-se a analisar os elementos
reconhecida em julgamento do Supremo Tribunal e fundamentos que compõem a responsabilização
Federal (STF), no RE 548181/PR, que versa sobre objetiva no âmbito administrativo da LAC, como de-
responsabilidade penal da pessoa jurídica, em ma- corrência das especificidades do direito administra-
téria ambiental. Há também essa aproximação com tivo sancionador, sem ignorar a teoria do diálogo das
a doutrina, quando afasta a ideia de perquirição da fontes e os alicerces já construídos no direito.
culpabilidade da pessoa jurídica. Todavia, principal- Nesse sentido, este artigo tem por objetivo sus-
mente porque os debates sobre a responsabilização citar o debate em torno dos elementos da responsabi-
da pessoa jurídica no âmbito penal apresentam-se lização objetiva prevista na LAC, partindo das teorias
focados, em grande parte, na matéria ambiental, e doutrinas já existentes, em especial, na seara cível.
há distinções do ponto de vista da lógica do direito Para tanto, este trabalho está dividido em três
penal, que limitam a importação integral de seus partes. Na primeira, será apresentada a metodologia
institutos para a operação da LAC, dadas as especifi- usada no estudo. Na segunda, será apresentado o re-
cidades da esfera administrativa. ferencial teórico, considerando os seguintes temas:
Desse modo, nos parece que há peculiaridades e a evolução da responsabilidade jurídica, destacando
fundamentos a serem pautados quando se trata do di- a dualidade atual da responsabilidade subjetiva e
reito administrativo sancionador, não sendo possível, objetiva e suas nuances; a teoria do risco, que fun-
na aplicação da LAC, simplesmente, transportar, de damenta a responsabilidade objetiva e tem enorme
forma integral, os institutos, sejam cíveis, sejam pe- importância na responsabilidade por fato próprio
nais. Nessa linha da necessidade de diferenciação, das pessoas jurídicas; o ato ilícito objetivo, instituto
veja-se a lição de Alice Voronoff (2018, p. 311-314): do direito civil que é semelhante à responsabilidade
prevista na LAC, e reforça a ideia da fundamentação
É preciso buscar segurança jurídica, con- deste diploma advir da seara cível; e a ideia do tripé
gruência e eficácia. Daí a proposta do livro,
de elementos da responsabilidade objetiva prevista
de delimitação de um discurso de justifi-
na LAC. Por fim, a terceira parte traz as considera-
cação, interpretação e aplicação voltado
a orientar as diferentes etapas do ciclo ções finais sobre o estudo, com o intuito de fomentar
sancionatório em âmbito administrativo: e desenvolver o debate e a sistematização do tema.
desde a construção de modelos punitivos,
passando pela interpretação e aplicação de METODOLOGIA
seu regime jurídico, até a fundamentação
das decisões nessa matéria. Um discurso Para possibilitar a revisão bibliográfica aqui
de legitimação que promova a coerência apresentada, foram feitas pesquisas, sendo que,
e integridade, ao considerar as distinções contudo, não se localizou material específico sobre

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o tema da responsabilidade objetiva na LAC e, por vência social, punindo todo aquele que,
isso, o referencial teórico foi construído a partir dos infringindo-as, cause lesão aos interesses
insumos de teorias de outros ramos do Direito. jurídicos por si tutelados. (grifo do autor)
Os verbetes utilizados foram “responsabilidade As implicações da responsabilidade podem ser
objetiva lei anticorrupção” e “responsabilidade ob- notadas nas diferentes esferas há vários séculos, seja
jetiva lei 12846. A pesquisa não retornou resultados na remota ideia embrionária de direito penal, com
nas Plataformas Scielo e Sucupira. Foi consultado, o código de Hamurabi (lembrada pela frase: “olho
ainda, o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, por olho, dente por dente”), seja na ideia de respon-
tendo sido feito o recorte temporal dos anos de 2019 sabilidade civil do direito romano ou até mesmo na
e 2020. A pesquisa retornou 79 resultados; destes, negativa total dessa responsabilidade por atos da Ad-
2 teses teriam relação mais próxima com os temas ministração, como se pode depreender da teoria da
aqui tratados, porém, haja vista terem sido divul- irresponsabilidade administrativa, há muito supe-
gadas apenas parcialmente, não foi possível co- rada, muito bem resumida na frase: “o rei não pode
nhecer e analisar todos os fundamentos que subsi- errar” (“The King can do no wrong”).
diaram as conclusões dos autores. A noção de responsabilidade jurídica é muito
bem sintetiza por Pablo Stolze e Pamplona Filho
1. A EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE (2021, p. 39), como se lê:
JURÍDICA [...] a noção jurídica de responsabilidade
pressupõe a atividade danosa de alguém
A ideia de responsabilidade existe no Direito que, atuando a priori ilicitamente, viola
desde os primórdios, sendo um consectário lógico uma norma jurídica preexistente (legal
das ações e omissões dos indivíduos e, por isso, ou contratual), subordinando-se, dessa
apresenta-se indissociável ao direito e ao seu obje- forma, às consequências do seu ato (obri-
tivo de paz social. gação de reparar). (grifo do autor)
Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Na seara cível, a responsabilidade é um dos
Pamplona Filho (2021, p. 31-32), afirmam que:
temas mais centrais e densos, trazendo repercussão
A palavra “responsabilidade” tem sua sobre todo o Código Civil. As discussões doutriná-
origem no verbo latino respondere, signifi- rias e as previsões legais foram intensas ao longo de
cando a obrigação que alguém tem de as- décadas, e propiciaram a evolução do tema. Consi-
sumir com as consequências jurídicas de deradas as diversas nuances dos tipos de responsa-
sua atividade, contendo, ainda a raiz latina
bilidade, se pode perceber que houve uma evolução
de spondeo, fórmula através da qual se vin-
entre o entendimento de serem antagônicas, exclu-
culava, no Direito Romano, o devedor nos
contratos verbais[...]. dentes, até o atual estágio de compreensão da duali-
dade dessas responsabilidades, subjetiva e objetiva,
A acepção que se faz de responsabilidade, com aparente preponderância desta.
portanto, está ligada ao surgimento de
Sobre essa evolução, Pablo Stolze e Pamplona
uma obrigação derivada, ou seja, um dever
Filho (2021, p. 40-42), pontuam:
jurídico sucessivo3, em função da ocor-
rência de um fato jurídico lato sensu[...]. De fato, nas primeiras formas organizadas
de sociedade, bem como nas civilizações
O respaldo de tal obrigação, no campo ju-
pré-romanas, a origem do instituto está
rídico, está no princípio fundamental da
calcada na concepção de vingança pri-
“proibição de ofender”, ou seja, a ideia de
vada, forma por certo rudimentar, mas
que a ninguém se deve lesar – a máxima
compreensível do ponto de vista humano
neminem laedere, de Ulpiano – limite obje-
como lídima reação pessoal contra o mal
tivo da liberdade individual em uma socie-
sofrido.
dade civilizada.
[...]
Como sabemos, o Direito Positivo con-
grega as regras necessárias para a convi- Sintetizando essa visão da Responsabili-

3. Embora não seja comum nos autores, é importante distinguir a obrigação da responsabilidade. Obrigação é sempre um dever
jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. Se alguém se comprometer a
prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de
prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não
cumprimento da obrigação. Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever
jurídico sucessivo. E, sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação (a imagem é de Larenz), sempre que quisermos
saber quem é o responsável teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação ou dever originário” (Sérgio Cavalieri Filho, Programa
de Responsabilidade Civil, 2. Ed., 3ª tir., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 20).

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dade Civil no Direito da Antiguidade, en- Como se pode observar, tal dispositivo consa-
sina o genial ALVINO LIMA: grava, claramente, o que denominamos responsa-
“Partimos, como diz Ihering, do período bilidade subjetiva, pautada pela existência de três
em que o sentimento de paixão predomina elementos identificadores: 1) conduta (comissiva ou
no direito; a reação violenta perde de vista omissiva) com dolo ou culpa (negligência ou impru-
a culpabilidade, para alcançar tão somente dência); 2) dano (prejuízo); e 3) nexo de causalidade
a satisfação do dano e infligir um castigo (liame que une a conduta e a consequência danosa
ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se desta).
confundem; responsabilidade penal e civil A previsão legal expôs a ideia central da respon-
não se distinguem. A evolução operou-se, sabilidade no âmbito privado, qual seja, restaurar o
consequentemente, no sentido de se intro- status quo ante. Para tanto, estipulou a obrigação de
duzir o elemento subjetivo da culpa e di-
reparação do dano causado.
ferençar a responsabilidade civil da penal.
A precisão do referido dispositivo legal pode ser
E muito embora não tivesse conseguido o
direito romano libertar-se inteiramente da demonstrada ao ser praticamente reeditado quase
ideia da pena, no fixar a responsabilidade um século depois, no Art. 186 do Código Civil de
aquiliana, a verdade é que a ideia de delito 2002, não obstante toda a evolução doutrinária e as
privado, engendrando uma ação penal, rupturas de paradigmas do mundo moderno:
viu o domínio da sua aplicação diminuir, à Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
vista da admissão, cada vez mais crescente, voluntária, negligência ou imprudência,
de obrigações delituais, criando uma ação violar direito e causar dano a outrem,
mista ou simplesmente reipersecutória. A ainda que exclusivamente moral, comete
função da pena transformou-se, tendo por ato ilícito.
fim indenizar, como nas ações reipersecu-
tórias, embora o modo de calcular a pena Em leitura ao referido dispositivo, constata-se
ainda fosse inspirado na função primitiva que a cláusula geral de responsabilidade do atual Có-
da vingança; o caráter penal da ação da lei digo Civil continua a expor a teoria da responsabili-
Aquília, no direito clássico, não passa de dade subjetiva. Nesse sentido, muito bem decompõe
uma sobrevivência” [...] essa explicação Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 28):
Permitindo-se um salto histórico, obser- [...] Esses três elementos, apresentados
ve-se que a inserção da culpa como ele- pela doutrina francesa como pressupostos
mento básico da responsabilidade civil da responsabilidade civil subjetiva, podem
aquiliana – contra o objetivismo excessivo ser claramente identificados no art. 186 do
do direito primitivo, abstraindo a con- Código Civil, mediante simples análise do
cepção de pena para substituí-la, paulati- seu texto, a saber:
namente, pela ideia de reparação do dano
sofrido – foi incorporada no grande mo- a) conduta culposa do agente, o que fica
numento legislativo da ideia moderna, a patente pela expressão “aquele que, por
saber, o Código Civil de Napoleão, que in- ação ou omissão voluntária, negligência ou
fluenciou diversas legislações do mundo, imperícia”;
inclusive, o Código Civil brasileiro de 1916. b) nexo causal, que vem expresso no verbo
No direito pátrio, o denominado Código de Be- causar; e
viláqua foi o primeiro Código Civil (Código Civil de c) dano, revelado nas expressões “violar
1916), tendo sido de fundamental importância para direito ou causar dano a outrem”. (grifo do
consolidar e sistematizar as normas que regem o autor)
direito privado. Desse modo, certo de que o tema Em que pese toda a evolução que representa a
de responsabilidade tinha enorme importância, foi teoria da responsabilidade subjetiva para o Direito,
nele consignado o Art. 159, ponto fundante da ideia a implantação da indústria, a produção em cadeia e
de responsabilização: em larga escala, além das grandes corporações que
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão abandonaram a ideia de produção manufaturada e
voluntária, negligência, ou imprudência, familiar (decorrente da Revolução Industrial), bem
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, como o crescimento das cidades e da população
fica obrigado a reparar o dano. A verifi- trouxe também a multiplicação de acidentes e de in-
cação da culpa e a avaliação da responsa- cidentes privados que precisavam ser dirimidos de
bilidade regulam-se pelo disposto neste uma maneira que pudesse representar também os
Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.
ideais de justiça social (retributiva e distributiva) e

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de bem-estar dos cidadãos. Um modo pelo qual os geral inquestionável, do sistema anterior,
riscos e os lucros desse novo modelo industrial e so- coexistindo com a responsabilidade ob-
cial pudessem ser distribuídos de forma a propor- jetiva, especialmente em função da ativi-
cionar equilíbrio nas relações sociais. Nesse sentido, dade de risco desenvolvido pelo autor do
surge a teoria do risco da atividade, exposta a seguir. dano (conceito jurídico indeterminado a
ser verificado no caso concreto, pela atu-
ação judicial), ex vi do disposto no art. 927,
2. TEORIA DO RISCO parágrafo único.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a teoria do Consoante mencionado, a teoria do risco tem
risco da atividade estabelece que, os responsáveis por objetivo basilar distribuir os riscos e eventuais
pelo exercício de atividades que ensejem riscos aos proveitos desses de forma mais equânime na socie-
demais integrantes da sociedade, responderão, in- dade. A doutrina, usualmente, aponta quatro ver-
dependentemente de culpa, pelos danos que cau- tentes desta teoria, quais sejam:
sarem. Tal teoria encontra-se positivada no pará- • Risco proveito: quem aufere proveito com a ati-
grafo único, do art. 927 do Código Civil, in verbis: vidade de risco a que expõe os demais, deve o
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. ônus da sua atividade. Assim, já que socializa os
186 e 187), causar dano a outrem, fica obri- riscos, deve também socializar os lucros.
gado a repará-lo. • Risco criado: quem produz a atividade de risco
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar deve socializar os lucros advindos dessa ativi-
o dano, independentemente de culpa, nos casos es- dade, assumindo perante a sociedade um grau
pecificados em lei, ou quando a atividade normal- de responsabilidade maior, independente da
mente desenvolvida pelo autor do dano implicar, noção de proveito ou lucro com a atividade.
por sua natureza, risco para os direitos de outrem. • Risco excepcional: o exercício de atividades
Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 27), assim ex- com perigos que destoam do comum, enseja
plica a origem histórica que fundamentou a cons- a necessidade de assunção do prejuízo pelo
trução da teoria do risco da atividade: agente.
• Risco profissional: o prejuízo advém dire-
[...] O desenvolvimento industrial, propor- tamente da atividade ou profissão exercida
cionado pelo advento do maquinismo e pelo agente, pelo que este deve assumir a
outros inventos tecnológicos, bem como o
responsabilidade.
crescimento populacional geraram novas
situações que não podiam ser amparadas No ordenamento pátrio, a doutrina tem se incli-
pelo conceito tradicional de culpa. nado a apontar a teoria do risco criado para funda-
Importantes trabalhos vieram, então, à luz na mentar a previsão contida no parágrafo único do art.
Itália, na Bélgica e, principalmente, na França sus- 927. Nesse sentido, Sebastião de Assis Neto, Marcelo
tentando uma responsabilidade objetiva, sem culpa, de Jesus e Maria Izabel de Melo (2015, p. 786-787)
baseada na chamada teoria do risco, que acabou trazem excelente digressão sobre o assunto:
sendo também adotada pela lei brasileira em certo Como podemos observar da interpretação
casos, e agora amplamente pelo Código Civil no pa- dada pelo Enunciado 38 da I Jornada de
rágrafo único do seu Art. 927, art. 931 e outros, como Direito Civil do CJF, no sentido de que a
haveremos de ver. responsabilidade objetiva configura-se
Grosso modo, a teoria do risco retirou o ele- quando a atividade normalmente desen-
mento culpa (dolo e culpa) e o substituiu pelo ele- volvida pelo autor do dano causar a pessoa
determinada um ônus maior do que aos
mento risco, sendo o fundamento para a teoria da
demais membros da coletividade, ado-
responsabilidade objetiva. Nesta, não se perquire
tou-se a chamada teoria do risco criado,
sobre a existência de dolo ou culpa, restando, por- ampliando-se, portanto, os limites da cha-
tanto, os elementos da conduta do agente, o dano e o mada teoria do risco-proveito.
nexo de causalidade entre estes.
Nesse sentido, Pablo Stolze e Pamplona Filho Com efeito, a teoria do risco-proveito ba-
seia-se no fato de que, para responder ob-
(2021, p. 46), entendem que:
jetivamente, o agente deve se beneficiar,
Assim, a nova concepção que deve reger a economicamente, da atividade de risco
matéria no Brasil é de que vige uma regra que desenvolve, já para a teoria do risco
dual de responsabilidade civil, em que criado, basta que o agente crie o risco com
temos a responsabilidade subjetiva, regra a sua atividade, independentemente de ter

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auferido vantagem econômica. É o que nos danos causados ao transportado quando in-
ensina Caio Mário da Silva Pereira: correr em dolo ou culpa grave”. De fato, ao
excluir a responsabilidade civil em caso
[...] aquele que, em razão de sua atividade
de transporte de cortesia (carona), confi-
ou profissão, cria perigo, está sujeito à re-
gura-se indisfarçável adoção da teoria do
paração do dano que causar, salvo prova
risco proveito, donde resulta concluir que,
de haver adotado todas as medidas idôneas
não sendo o transporte de cortesia acom-
e evitá-lo, [...] A teoria do risco criado im-
panhado de vantagem econômica para o
porta em ampliação do conceito do risco
transportador, sua responsabilidade será
proveito. Aumenta os encargos do agente,
subjetiva, independentemente de se tratar
é, porém, mais equitativa para a vítima,
de atividade de risco.
que não tem de provar que o dano resultou
de uma vantagem ou de um benefício ob- Outras teorias são mencionadas para ex-
tido pelo causador do dano (1992, p.24) plicar a atividade de risco, como as teorias
do risco profissional e do risco excep-
É também o que podemos inferir do se-
cional. A primeira (teoria do risco pro-
guinte acórdão do TJSP, que entendeu pela
fissional) postula que a responsabilidade
responsabilidade civil objetiva amparada
objetiva surge quando a atividade de risco
no risco criado em caso de atingimento
decorre de atividade profissional desen-
de pessoa por cabos de rede de energia
volvida pelo agente; já a segunda (teoria
elétrica instalada em área particular, im-
do risco excepcional) preconiza que a
pondo-se o dever de indenizar não só à
prescindibilidade da análise da culpa pres-
empresa, mas também aos proprietários
supõe o exercício de atividades excepcio-
do imóvel:
nalmente perigosas, como o manejo de
Responsabilidade civil. Marido e pai das materiais radioativos ou de dispositivos
autoras vítima fatal de eletroplessão dos elétricos de alta tensão.
proprietários, usufrutuário e arrenda-
Ambas se tratam de teorias que restringem
tários do imóvel rural. Adequação. In-
a aplicação da responsabilidade objetiva,
cumbia a esses corréus zelar pela manu-
razão por que pedimos vênia para filiar-
tenção da rede elétrica. Responsabilidade
mo-nos irrestritamente à teoria do risco
da concessionária de energia elétrica.
criado, que se descortina em fator da am-
Ocorrência. CF 37, §6º e CC 927, parágrafo
pliação da reparabilidade dos danos em
único. Inteligência. Denunciação da lide.
favor da vítimas.
[...] Como bem entendeu a juíza, os pro-
prietários, usufrutuários e arrendatários Enfim, mencione-se também, a chamada
do terreno devem ser responsabilizados teoria do risco integral, a qual, pelo con-
pelo acidente. A Empresa de Eletricidade trário, amplia ainda mais os horizontes da
Vale Paranapanema S/A é concessionária responsabilidade objetiva e impõe o dever de
de serviço público, razão pela qual é ob- indenizar em qualquer caso, independen-
jetiva sua responsabilidade pela morte temente da presença de excludentes como
por eletroplessão da vítima. Ademais, há o caso fortuito, a força maior ou mesmo a
de se ressaltar que a prestação de serviço culpa exclusiva da vítima.
de energia elétrica caracteriza-se como
A teoria do risco integral deve ser admi-
serviço perigoso, devendo responder de
tida somente em hipóteses excepcionais,
forma objetiva pelo risco criado. É irre-
como vem sendo exposto pela doutrina,
levante o fato de que a rede de energia
que acolhe para o caso de danos decor-
elétrica estava localizada em terreno par-
rentes de atividades nucleares e para os
ticular e de que o proprietário tivesse se
danos ambientais. (grifo do autor)
responsabilizado por contrato pelos danos
(Apelação 9150011-49.2004.8.26.0000. Re- Noutro giro, Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 246),
lator(a): Jesus Lofrano. Órgão julgador: resume com precisão a ideia prevista no parágrafo
3ª Câmara de Direito Privado. Data do único do art. 927 do Código Civil:
julgamento: 07/12/2010. Data de registro:
13/12/2000) Em nosso entender, enquadra-se no pará-
grafo único do art. 927 do Código Civil toda
Importante mencionar, no entanto, sig- atividade que contenha risco inerente,
nifica exceção à teoria do risco criado na excepcional ou não, desde que intrínseco,
Súmula 145 do STJ, pela qual “no transporte atado à sua própria natureza. E assim nos
desinteressado, de simples cortesia, o trans- parece porque pela teoria do risco criado,
portador só será civilmente responsável por que também pode ser chamada de risco

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da atividade, todo aquele que se disponha esse fundamento revelou-se inadequado
a exercer alguma atividade empresarial em face das transformações da economia
ou profissional tem o dever de responder e da organização do trabalho.
pelos riscos que ela possa expor à segu-
[...]
rança e à incolumidade de terceiros, inde-
pendentemente de culpa. (grifo do autor) Entre as teorias que justificavam essa res-
ponsabilidade indireta, a mais aceita era
Desse modo, vislumbra-se que as teorias do a da substituição, que pode ser assim re-
risco criado e do risco proveito são baluartes da sumida: ao recorrer aos serviços do pre-
responsabilidade objetiva atual e perfeitamente le- posto, o empregador está prolongando sua
gitimam o legislador pátrio na escolha dessa moda- própria atividade. O empregado é apenas
lidade para responsabilização das pessoas jurídicas o instrumento, uma longa manus do pa-
que cometem ilícitos previstos na Lei nº 12.846/13 e trão, alguém que o substitui no exercício
se beneficiam, direta ou indiretamente, ainda que das múltiplas funções empresariais, por
potencialmente, das suas condutas ilícitas. lhe ser impossível desincumbir-se pesso-
almente delas. Ora, o ato do substituto, no
2.1. A TEORIA DO RISCO AFASTANDO A exercício de suas funções, é ato do próprio
substituído, porque praticado no desem-
RESPONSABILIDADE POR FATO DE OUTREM
penho de tarefa que a ele interessa e apro-
A teoria do risco possui dois pontos centrais tra- veita, pelo que a culpa do preposto é como
duzidos na responsabilização das pessoas jurídicas. consequência da culpa do comitente. Além
Em primeiro lugar, a ideia de socialização de risco e disso, o patrão ou preponente assume a
lucros traz à guisa a utilização da responsabilidade posição de garante da indenização perante
objetiva, na qual a análise da culpa é substituída pelo o terceiro lesado, dado que o preposto, em
regra, não tem os meios necessários para
risco da atividade. Em segundo lugar, ela afasta a te-
indenizar.
oria da substituição, a qual possuía enraizada a ideia
de que a pessoa jurídica responde por fato de outrem Tantos foram os problemas em torno da
(preposto, empregado ou outrem a ela vinculado). prova liberatória do patrão, que parte da
O segundo ponto tem especial relevância, pois doutrina considerava o sistema de pre-
permite considerarmos haver uma responsabilidade sunção de culpa como verdadeira variante
da teoria da responsabilidade objetiva. Em
objetiva pura, na medida em que é desnecessária a
alguns países, como Portugal, há muito se
análise da culpa, seja da pessoa jurídica, seja do seu
optou expressamente pela responsabili-
representante que cometeu o ilícito diretamente. dade fundada no risco.
Nesse sentido, afasta-se também por completo a
ideia de diferenciação entre responsabilidade direta Na verdade, a responsabilidade do empre-
gador é muito mais facilmente justificada
e indireta da pessoa jurídica. A responsabilidade di-
pela teoria do risco-proveito ou, mesmo,
reta somente decorreria de ato lesivo emanado dos
do risco da empresa do que com emprego
órgãos internos das empresas ou praticados pelos da presunção de culpa. Por essas e outas
denominados presentantes (aqueles que detém o razões, o Código de 2002, como já ressal-
poder de representação da pessoa jurídica). De seu tado, optou pela responsabilidade objetiva
lado, a responsabilidade por fato de outrem (indi- no seu art. 933.
reta) decorreria de ato praticado pelos demais em-
[...]
pregados e prepostos. No entanto, considerando a
teoria do risco, em ambas as hipóteses haverá a res- Sobreveio, entretanto, a Constituição de
ponsabilidade direta da pessoa jurídica, sendo des- 1988, que no seu art. 37, §6º, mudou a base
necessária a demonstração de culpa pelo agente que jurídica dessa responsabilidade, ao esta-
cometeu o ilícito (empregado, p.e.). belecer responsabilidade direta e objetiva
para os prestadores de serviços públicos,
Sobre esse tema, apresenta-se escorreita a ex-
tal como a do Estado. A partir daí, todos os
planação de Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 264-266)
prestadores de serviços públicos passaram
sobre a evolução do tema: a responder diretamente pelos atos dos
A responsabilidade indireta do empre- seus agentes (empregados e prepostos),
gador percorreu um longo caminho. Par- com base no risco administrativo, por fato
tiu-se da culpa in eligendo, com o quê se próprio da empresa, e não mais pelo fato
queria dizer que o patrão tinha que res- de outrem. Vale dizer, a responsabilidade
ponder pelos atos do empregado porque do empregador deixou de ser indireta,
o havia escolhido mal. Cedo, entretanto, passando a ser direta, por fato próprio e

57
não do preposto (de outrem). Seguiu-se o Da seara penal, importante o debate sobre a
Código do Consumidor na mesma linha, não aplicação da teoria da dupla imputação, o que
só que com maior amplitude. Estabeleceu aparenta fortalecer a ideia já esposada de desneces-
responsabilidade objetiva direta para todos sidade de análise de culpa ou a identificação de pre-
os fornecedores de serviços (e não apenas posto para a responsabilização da pessoa jurídica,
serviços públicos) pelo fato do serviço, nos termos da teoria do risco do direito civil.
e não mais pelo fato de outem ou do pre-
Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal já ma-
posto. Tão amplo é o campo de incidência
nifestou entendimento segundo o qual a responsa-
da norma do art. 14 do Código de Defesa
do Consumidor que o pouco que havia so- bilização da pessoa física não é requisito para o san-
brado para o inciso III do art. 1.521 do Có- cionamento da pessoa jurídica por crime ambiental,
digo de 1916 foi praticamente revogado. conforme se lê:
Mas, não é só. O parágrafo único do art. 927 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO
do Código de 2002 ( já examinado) também PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSA-
estabeleceu responsabilidade objetiva di- BILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
reta para todos os que desenvolvem ativi- CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À
dade de risco – vale dizer, responsabilidade IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CON-
direta, pelo fato do serviço, e não mais pelo COMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO
fato do preposto. (grifo do autor) ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA.
A adoção da teoria do risco permite acompanhar
a evolução da sociedade com a criação de grandes 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal
não condiciona a responsabilização penal
conglomerados, estruturados em vários níveis hie-
da pessoa jurídica por crimes ambientais à
rárquicos, a utilização de contratos de terceirização
simultânea persecução penal da pessoa fí-
ao invés da contratação direta de empregados de di- sica em tese responsável no âmbito da em-
versos cargos nas empresas, dentre outra tantas si- presa. A norma constitucional não impõe
tuações que poderiam tornar inviável a identificação a necessária dupla imputação.
do preposto ou empregado que cometeu o ilícito e
2. As organizações corporativas complexas
da sua culpa e, por consequência, tornaria inócua a
da atualidade se caracterizam pela descen-
previsão de responsabilização da pessoa jurídica.
tralização e distribuição de atribuições e
responsabilidades, sendo inerentes, a esta
2.2. NÃO ACOLHIMENTO DA TEORIA PENAL DA realidade, as dificuldades para imputar o
DUPLA IMPUTAÇÃO fato ilícito a uma pessoa concreta.
As contribuições oriundas da seara cível, como 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º,
exposto, apresentam-se fundamentais para o desen- da Carta Política a uma concreta impu-
volvimento e a compreensão da responsabilidade tação também a pessoa física implica in-
objetiva das pessoas jurídicas prevista na Lei nº devida restrição da norma constitucional,
12.846/13. expressa a intenção do constituinte ori-
A previsão do art. 1º da LAC, no sentido de que ginário não apenas de ampliar o alcance
ela “dispõe sobre a responsabilização objetiva admi- das sanções penais, mas também de evitar
a impunidade pelos crimes ambientais
nistrativa e civil de pessoas jurídicas”, e a escolha da
frente às imensas dificuldades de indivi-
terminologia ‘responsabilização objetiva’, deixam
dualização dos responsáveis internamente
claro que o diploma normativo previu um novo ins- às corporações, além de reforçar a tutela
tituto administrativo de responsabilização, com fun- do bem jurídico ambiental.
damento no direito civil.
4. A identificação dos setores e agentes in-
Assim, em que pese a relevância das constru-
ternos da empresa determinantes da pro-
ções doutrinárias do âmbito penal, ao que parece a
dução do fato ilícito tem relevância e deve
opção do legislador foi criar uma responsabilidade ser buscada no caso concreto como forma
mais próxima ao direito civil. Isto porque, ao menos de esclarecer se esses indivíduos ou ór-
em tese, seria possível ao legislador a criação de le- gãos atuaram ou deliberaram no exercício
gislação ordinária prevendo tipos penais e sanções regular de suas atribuições internas à so-
às pessoas jurídicas, ao invés da responsabilidade ciedade, e ainda para verificar se a atuação
administrativa, mas não o fez. se deu no interesse ou em benefício da
entidade coletiva. Tal esclarecimento, re-
levante para fins de imputar determinado
delito à pessoa jurídica, não se confunde,

58
todavia, com subordinar a responsabili- seus atos voluntários correspondem, gene-
zação da pessoa jurídica à responsabili- ricamente, a atos ilícitos. (grifo do autor)
zação conjunta e cumulativa das pessoas
Os atos ilícitos podem estar em qualquer ramo
físicas envolvidas. Em não raras oportuni-
dades, as responsabilidades internas pelo do direito, com consequências diferenciadas nas três
fato estarão diluídas ou parcializadas de tal diferentes esferas: cível, administrativa ou penal.
modo que não permitirão a imputação de Conforme já apresentado neste artigo, a respon-
responsabilidade penal individual. sabilidade civil trazida pelo Código Civil encontra-se
exposta em seu art 186. De seu lado, o Art. 927 traz
5. Recurso Extraordinário parcialmente
a ideia de reparação integral do dano, por quem co-
conhecido e, na parte conhecida, provido.
(STF-RE: 548181 PR, Relator: Min. ROSA meteu o ato ilícito. Vale ressaltar, porém, que, de
WEBER, Data de Julgamento 06/08/2013, acordo com Sebastião de Assis Neto, Marcelo de
Primeira Turma, Data de Publicação. Jesus e Maria Izabel de Melo (2015, p. 455), “não se
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG pode confundir, entretanto, o ato ilícito com a respon-
29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014). sabilidade civil, pois aquele é um dos elementos desta.”
Nesse sentido, o ato ilícito, como ensejador da
A referida tese, em sede de responsabilização
responsabilidade, precisa ser analisado com a acui-
administrativa e cível, restou absorvida de maneira
dade que permita distanciar seus elementos dos
expressa pela Lei nº 12.846/13 ao prever, em seu Art.
referentes à própria responsabilidade e propiciar
3º, §1º, que “a pessoa jurídica será responsabilizada
a adequada construção da ideia de ato ilícito ense-
independentemente da responsabilização indivi-
jador da responsabilidade objetiva. Como muito
dual das pessoas naturais referidas no caput”.
bem pontua Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 16-17):
Portanto, considerando o diálogo das fontes, vis-
lumbra-se robustecida a tese de que a teoria do risco [...] Assinala Caio Mário que [...] Embora
permite retirar a necessidade de individualização da sustente que o caráter antijurídico da con-
conduta do preposto, sua vinculação à empresa e sua duta e o seu resultado danoso constituem o
responsabilização, visando possibilitar a eventual perfil do ato ilícito – violação de uma obri-
gação preexistente -, reconhece o notável
aplicação de sanção em desfavor da pessoa jurídica.
civilista que a noção de culpa está presente
na composição do esquema legal do ato
3. ATO ILÍCITO ilícito. Adverte, entretanto, que a palavra
“culpa” traz aqui um sentido amplo, abran-
Demonstrada a importância e os fundamentos gente de toda espécie de comportamento
da responsabilidade objetiva com sua teoria do risco contrário ao Direito, seja intencional ou
no âmbito da responsabilidade administrativa, veri- não, porém imputável por qualquer razão
fica-se necessário adentrar na especificidade do ato ao causador do dano.
ilícito, haja vista que a responsabilização da Lei nº [...] Antunes Varela faz perfeita colocação
12.846/13 ocorre em virtude do cometimento de ato desta questão, ao dizer: “O elemento bá-
lesivo nela especificado. sico da responsabilidade é o fato do agente
Ato ilícito apresenta-se como a conduta con- – um fato dominável ou controlável pela
trária a um dever jurídico (decorrente de norma jurí- vontade, um comportamento ou uma forma
dica, obrigação, dentre outras). Muito bem sintetiza de conduta humana – pois só quanto a fatos
o conceito de ato ilícito San Tiago Dantas, citado por dessa índole têm cabimento a ideia da ili-
Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 18), ao afirmar que citude, o requisito da culpa e a obrigação
“O ilícito é a transgressão de um dever jurídico. Não há de reparar o dano nos termos em que a lei
tradução mais satisfatória para o ilícito civil”. impõe.”
Escorreita é a explanação de Humberto Theodoro Todas as definições dadas ao ato ilícito,
Junior, citado por Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 20): sobretudo entre os clássicos, seguem essa
mesma linha – íntima ligação entre o seu
o direito se constitui como um projeto
conceito e o de culpa. Tal critério, entre-
de convivência, dentro de uma comuni-
tanto, cria enorme dificuldade em sede de
dade civilizada (o Estado), no qual se es-
responsabilidade objetiva, na qual não se
tabelecem os padrões de comportamento
cogita de culpa.
necessários. A ilicitude ocorre quando in
concreto a pessoa se comporta fora desses Com efeito, se a culpa é elemento in-
padrões. Em sentido lato, sempre que al- tegrante do ato ilícito, então, onde não
guém se afasta do programa de compor- houver culpa também não haverá ilícito.
tamento idealizado pelo direito positivo, Nesse caso, qual seria o fato gerador da

59
responsabilidade objetiva? Em face dessa A responsabilidade civil tem ligação umbilical
dificuldade, Colin e Capitant, citados por com a existência do dano, sendo este que traz a ideia
Alvino Lima, afirmam configurar uma tau- de necessidade de reparação integral. Nesse sentido,
tologia dizer ser a culpa um ato ilícito. Há Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria
também os que sustentam que a obrigação Izabel de Melo (2015, p. 460 e p. 475) entendem que:
de reparar sem culpa não é caso de respon-
sabilidade, e sim de uma simples garantia O dano, ou prejuízo é o elemento decisivo
– o que data vênia, se me afigura navegar para a fixação da responsabilidade civil.
de costas para o futuro, remando contra Assim, se não houver dano, não há respon-
a maré. Estando universalmente reco- sabilidade civil.
nhecida e consagrada a responsabilidade [...]
objetiva, cujos domínios cada vez mais se
expandem, não há mais espaço para se Em havendo ato contrário ao direito que
contestar a existência de responsabilidade não cause, no entanto, prejuízo, a hipótese
nos casos de indenização sem culpa. (grifo poderá resultar em imposição de sanções
do autor) penais ou administrativas, no entanto, não
será relevante para o critério da fixação do
Nesse sentido, deve-se frisar que a ideia tradi- direito de indenização.
cional de responsabilidade subjetiva por ato ilícito
[...]
apresentaria quatro elementos para a sua configu-
ração, quais sejam: conduta ilícita, culpa, dano e O abuso do direito conduz a consequên-
o nexo causal. De seu lado, a evolução para a res- cias diversas, independente da ocorrência
ponsabilidade objetiva demandaria a exclusão de prejuízo, como nas práticas e cláusulas
do elemento culpa, haja vista que não se perquire abusivas referidas pelos arts. 39 e 51 do
Código de Defesa do Consumidor, por
sobre o dolo ou a culpa na conduta. Esta é a grande
exemplo, bem como na possibilidade de
e tradicional diferenciação entre os dois tipos de
perda de determinados direitos reconhe-
responsabilidade. cidos, mas que em virtude da situação em
Essa evolução apresentou-se no Art. 187 do Có- concreto, podem ser suprimidos.
digo Civil, o qual previu outro ato ilícito, o abuso do
direito. Segue trecho: Contudo, apresentam-se cristalinas as pondera-
ções de Sérgio Cavalieri Filho (2022, p. 20), no sen-
Art. 187. Também comete ato ilícito o ti- tido da evolução do Direito pátrio, ao prever o abuso
tular de um direito que, ao exercê-lo, ex-
do direito – Art. 187, CC – sem requerer a demons-
cede manifestamente os limites impostos
tração de dano. É o que se depreende da leitura:
pelo seu fim econômico ou social, pela bo-
a-fé ou pelos bons costumes. “Deste modo”, pondera Judith Martins
Costa, “o novo art. 187 do CC/2002 rompe
Observa-se que nesse artigo não há a utilização
com antiga noção civilista de ilicitude, fa-
de qualquer expressão que denote o elemento subje- lando-se agora em ato ilícito objetivo (ilici-
tivo da culpa, nem em relação à ocorrência do dano tude situada derivada dos meios ou modo
(diferentemente do Art. 186 do CC), motivo pelo qual de exercer um direito ou uma posição jurí-
a previsão do abuso de direito como ato ilícito per- dica), desprendido da necessidade de com-
mite trazer à tona a ideia de ato ilícito objetivo, em provação tanto de culpa quanto de dano.”
relação ao qual não haveria necessidade de demons-
Outra diferença entre o ato ilícito previsto
tração do dano, culpa ou dolo. Nesse sentido, se- no art. 186 e do art. 187 é que apenas o
guem os enunciados do Conselho da Justiça Federal: primeiro faz alusão ao dano. Isso importa
A responsabilidade civil decorrente do dizer que a ilicitude configuradora do
abuso do direito independe de culpa e abuso de direito pode ocorrer sem que o
fundamenta-se somente no critério obje- comportamento do agente cause dano a
tivo-finalístico. (I Jornada de Direito Civil outrem. Nem por isso essa ilicitude será
- Enunciado 37) desprovida de sanção. O ordenamento
jurídico muitas vezes admite sanções dis-
O abuso de direito é uma categoria jurídica tintas da obrigação de indenizar. Ora a
autônoma em relação à responsabilidade sanção será a nulidade do ato, ora a perda
civil. Por isso, o exercício abusivo de po- de um direito processual ou material, e
sições jurídicas desafia controle indepen- assim por diante.
dentemente de dano. (VI Jornada de Di-
reito Civil - Enunciado 539)

60
Desse modo, os atos lesivos previstos na Lei nº tese, a obrigação da reparação integral do
12.846/13, parecem já incorporar a evolução cons- dano causado.
truída no direito civil (no âmbito do abuso do direito Desse modo, se pode entender que os elementos
previsto no Art. 187, CC), ao trazer previsão similar necessários para essa responsabilização administra-
de ato ilícito objetivo, que independe da demons- tiva seriam a conduta ilícita e o nexo de causalidade.
tração de dano, dolo ou culpa. Todavia, o Art. 2º da LAC traz uma previsão pe-
A demonstração desses debates doutrinários culiar ao prever que a pessoa jurídica será respon-
fortalece a ideia de que o legislador, ao construir a sabilizada pelos atos lesivos (conduta ilícita) prati-
LAC, parece ter optado por uma responsabilidade cados em seu interesse ou benefício, in verbis:
administrativa fundamentada no direito cível, mas
com peculiaridades inerentes ao direito administra- Art. 2º As pessoas jurídicas serão respon-
tivo sancionador. Do mesmo modo, não parece ser sabilizadas objetivamente, nos âmbitos
administrativo e civil, pelos atos lesivos
adequada uma confusão do direito administrativo
previstos nesta Lei praticados em seu inte-
sancionador com o direito penal, a ensejar a im-
resse ou benefício, exclusivo ou não.
portação das teorias, princípios e dispositivos legais
de maneira automática e sem uma análise da ade- Essa previsão, ao que parece, pretende expor
quação ao que se pretende na LAC, que tem auto- o fundamento da responsabilidade objetiva, qual
nomia e estrutura própria. seja a teoria do risco, na espécie risco-proveito, a
demonstrar que, se a pessoa jurídica usufruiu direta
ou indiretamente de benefício, ainda que potencial
4. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PESSOA ou futuro, decorrente de ato ilícito, há de arcar com
JURÍDICA PREVISTA NA LAC as consequências desse e ser responsabilizada, so-
A partir da fundamentação exposta, em espe- cializando seus lucros, ainda que pela via transversa
cial do direito cível, lança-se o debate sobre os ele- da sanção. Ao final, a LAC promove o instituto da
mentos e pressupostos para a aplicação da responsa- função social da pessoa jurídica, materializando-a.
bilidade objetiva prevista na Lei Anticorrupção. Portanto, razoável pressupor que exista um ter-
É importante esclarecer que, embora existam ceiro elemento a ser agregado, qual seja, o proveito
manifestações doutrinárias que pincelam a cons- ou benefício. Nesta linha, a responsabilização admi-
trução da responsabilidade objetiva da LAC com nistrativa da LAC possuiria, então, três elementos:
base, quase que integralmente, na doutrina penal, conduta ilícita, proveito/benefício e nexo de causali-
ao que parece a norma, em seus artigos iniciais, foi dade, os quais se passa a analisar.
clara ao adotar a responsabilização objetiva, que,
conforme já exposto, parece estar mais próxima das 4.1. CONDUTA ILÍCITA
construções do direito cível, não se confundindo A conduta ilícita pode ser entendida como o
com a teoria da imputação objetiva do direito penal. comportamento que se exterioriza por meio de ação
Feita esta consideração, volta-se à questão cen- ou omissão e que esteja tipificado no rol taxativo
tral de identificar os elementos da responsabilização previsto nos incisos do Art. 5º da Lei nº 12.846/13.
objetiva no âmbito administrativo para as pessoas A conduta, da perspectiva de uma pessoa jurídica,
jurídicas que cometerem os ilícitos previstos de pode ser praticada pelos prepostos da pessoa jurí-
modo taxativo no art. 5º da Lei Anticorrupção. dica ou por algum de seus agentes, ainda que sem
Entendemos que se trata de responsabilidade poderes específicos ou autorização expressa para a
oriunda de ato ilícito, sem que haja a necessidade prática do ilícito.
de demonstração de culpa (análise de culpa ou Destaca-se que a Lei nº 12.846/13 tem por ide-
dolo) ou dano, demonstrando similaridade com o ário promover o fortalecimento do compliance no
‘ato ilícito objetivo’, instituto do direito civil exposto ambiente corporativo privado e tornar as relações
anteriormente. desse com o setor público mais transparentes e ín-
A desnecessidade de perquirir a existência de tegras. Neste sentido, vale considerar a opinião de
dano ou identificar o quantum deste para responsa- Márcio de Aguiar Ribeiro (2017. p.45):
bilização objetiva da pessoa jurídica, na esfera admi-
O que se almeja com a formalização desse
nistrativa, resta evidenciada no Art. 6º, §3º, da Lei nº
novo sistema de responsabilização objetiva
12.846/13, conforme se lê: de pessoas jurídicas proposto pela Lei Anti-
[...] corrupção Empresarial, aqui denominado
de responsabilidade objetiva corporativa, é a
§ 3º A aplicação das sanções previstas instituição de um novo paradigma de atu-
neste artigo não exclui, em qualquer hipó-

61
ação dos entes empresariais, exigindo-se como torna a reponsabilidade por fato próprio. Isto
deles uma atuação proativa no combate ao é, a LAC não está a responsabilizar a pessoa jurídica
nefasto problema da corrupção. [...] O que por fato de outrem, o que ensejaria a necessidade de
a LAC propõe é o estabelecimento de uma identificar o agente e analisar a culpa desse.
nova conjuntura em que ambos os setores Desse modo, identificada a conduta da pessoa
estejam harmonizados no combate efe- jurídica, como, por exemplo, em licitação na qual
tivo ao aludido problema social, afinal de
é apresentado documento falso perante a Adminis-
contas a responsabilidade objetiva induz
tração, não é necessário analisar qual presentante
mudança comportamental das empresas,
que devem passar a adotar rígidos padrões ou representante da pessoa jurídica apresentou o
de conduta empresarial e assim minorar documento perante a Administração, muito menos
riscos de responsabilização, inaugurando, demonstrar sua culpa.
portanto, uma cultura de valorização de Lado outro, não se pode olvidar que, em de-
empresas que se pautam pela integridade terminadas situações, a necessidade de buscar ele-
corporativa e lisura empresarial. mentos probatórios da conduta ilícita acaba por
Essa mudança de ambiente passa justamente trazer à tona o debate sobre o vínculo do agente exe-
por cobrar uma postura mais proba e ativa das em- cutor da conduta ilícita com a pessoa jurídica a ser
presas privadas no combate à corrupção e demais responsabilizada. Toma-se como exemplo situação
atos lesivos perpetrados em face da administração, de flagrante de agente público recebendo mala de
pelo que se sanciona, como modo de indução do dinheiro de determinada pessoa; neste caso, iden-
comportamento, tanto quem age de maneira ilícita, tificar quem pagou a vantagem torna-se imprescin-
quanto quem tem ciência dos ilícitos e não toma dível para vislumbrar se há envolvimento de pessoa
as medidas preventivas e adequadas para evitar os jurídica passível de responsabilização.
ilícitos, seja interrompendo as condutas ilícitas em Em situações como a citada, demonstrado o vín-
andamento, seja avisando as autoridades públicas culo do agente pagador de vantagem indevida com a
pertinentes para adoção das medidas cabíveis. pessoa jurídica, restará o debate sobre o exercício da
Em relação à conduta omissiva, verifica-se que a conduta em razão ou em benefício ou interesse para
ciência dos ilícitos, com ausência de adoção de me- a empresa, visando afastar a tese de que a conduta
didas para impedir a continuidade do ato lesivo, por seria totalmente desvinculada da sua relação com a
força própria ou por comunicação das autoridades, pessoa jurídica, ou seja, seria uma relação estrita-
é omissão relevante para ensejar responsabilização. mente particular.
Nesse sentido, cita-se entendimento do Superior Tri- Na situação acima, imperiosa a demonstração
bunal de Justiça, que, mutatis mutandis, aplica-se ao de que existe um negócio jurídico celebrado entre
diploma em comento: o agente pagador da vantagem indevida e a pessoa
jurídica, bem como que a conduta ilícita foi prati-
A conduta omissiva não deve ser tida como cada no exercício ou em razão do trabalho que lhe
irrelevante para o crime ambiental, de- compete.
vendo da mesma forma ser penalizado
Referido negócio jurídico abarcaria, por
aquele que, na condição de diretor, admi-
exemplo, contrato de trabalho, contrato de prestação
nistrador, membro do conselho e de órgão
técnico, auditor, gerente, preposto ou de serviços, inclusive, a denominada pejotização
mandatário da pessoa jurídica, tenha co- (que ocorre quando uma pessoa natural é contratada
nhecimento da conduta criminosa e, tendo por meio da constituição de pessoa jurídica para
poder para impedi-la, não o fez. prestar serviços de maneira pessoal e subordinada),
representantes comerciais e comissários, dentre ou-
(HC 92.822/SP, Rel. Ministro ARNALDO
tros. Rol amplo e aberto que permite acompanhar
ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA a evolução das relações modernas das empresas e
TURMA, julgado em 17/06/2008, DJe seus conglomerados com os seus colaboradores.
13/10/2008) A teoria da aparência também parece ter papel
importante na demonstração de que esses negócios
Outrossim, consoante exposto, pode-se de-
jurídicos seriam novos “envelopes jurídicos” para as
fender que a teoria do risco, aplicável no regime civil
usuais situações de pessoas físicas trabalhando em
de responsabilização, traz arcabouço jurídico útil
prol da pessoa jurídica sob outro manto que não o
para tratarmos da responsabilização da pessoa jurí-
tradicional contrato de trabalho. Logo, nas situações
dica no âmbito da LAC. Tal como ocorre na teoria do
em que o agente que comete o ato ilícito aparenta
risco, ao que parece a LAC exclui a necessidade de
aos envolvidos que ele age em nome da pessoa jurí-
perquirir sobre a culpa/dolo da pessoa jurídica, bem

62
dica, seja qual for a natureza do negócio jurídico que em posições de relevo, agentes fiscalizadores ou,
eles possuem, vislumbra-se possível imputar direta- mesmo, com pessoas jurídicas concorrentes, dentre
mente à pessoa jurídica a conduta perpetrada. outros.
Noutro giro, a teoria do risco também permite Em situações como as expostas, parece pre-
que as condutas ilícitas praticadas por menores de valecer a ideia de que há “interesse” da pessoa ju-
18 anos como, por exemplo, os jovens aprendizes no rídica, na linha de tratar-se de potenciais ou reais
exercício ou em razão do trabalho que lhes compete, benefícios, incluindo a possibilidade de evitar pre-
possam ensejar a responsabilização da pessoa jurí- juízos decorrentes de sanções, evitar concorrências
dica contratante, sem necessidade de adentrar no ferrenhas com outros licitantes ou, mesmo, evitar
mérito da inimputabilidade prevista no direito penal dificuldades na execução contratual ou no recebi-
ou na responsabilidade por fato de outrem. mento de pagamento devido pela Administração.
Vale registrar, ainda, que parece razoável pres- O conceito jurídico indeterminado de “inte-
supor que a conduta ilícita passível de ensejar a res- resse” conduz a uma gama mais larga de situações
ponsabilização da pessoa jurídica deverá também que teriam potencial, ainda que em abstrato, de fa-
ser dotada de antijuridicidade, no sentido de sua vorecimento à pessoa jurídica infratora.
desconformidade com o ordenamento jurídico Nesse sentido, Aloísio Zimmer (2019, p. 105):
como um todo. Os atos lesivos, salvo melhor juízo, só es-
Feitas as considerações sobre este elemento, tarão sujeitos a este regime de responsa-
passa-se ao próximo tópico, que versa sobre exi- bilização no caso de terem sido praticados
gência expressa da Lei Anticorrupção. “em seu interesse ou benefício, exclusivo
ou não”. É peculiar o uso que é feito pela
4.2. PROVEITO / BENEFÍCIO dicção do artigo da conjunção alterna-
tiva entre “interesse” e “benefício”, seme-
Enquanto na responsabilidade civil o prejuízo
lhante àquele encontrado no art. 3º da Lei
ou dano apresenta-se pedra fundante, na responsa- nº 9.605/1998. Uma dessas hipóteses deve
bilidade administrativa prevista na Lei nº 12.846/13, estar objetivamente presente para que
se tem a sua substituição pelo “interesse” ou “bene- haja responsabilização da pessoa jurídica.
fício”, conforme previsão do seu Art. 2º, a respeito
“Benefício” parece corresponder, de
do qual assim se manifestou Flávio Rezende De-
forma mais genérica, ao conceito econô-
matté (2015, p. 113):
mico atrelado à fórmula custo-benefício,
[...] Este artigo – que pode ser considerado resumindo-se, talvez grosseiramente, na
a pedra angular normativa da Lei Anticor- existência de vantagem patrimonial, ma-
rupção – vincula a responsabilização das terial ou não, à pessoa jurídica. [...]. Por
pessoas jurídicas ao fato de que os atos sua vez, a ideia de “interesse”, também
lesivos por elas praticados tenham gerado apreciada objetivamente, relaciona-se em
algum benefício ou satisfeito algum in- específico ao objeto social da empresa seja
teresse de tais pessoas jurídicas, seja de ele próprio simulado, utilizado para “fa-
forma exclusiva para a infratora, seja de cilitar, encobrir, ou dissimular a prática
forma compartilhada entre ela e outros be- dos atos ilícitos [...] ou provocar confusão
neficiados ou interessados. A ocorrência patrimonial”.
de algum dos atos elencados no artigo 5º,
Desse modo, vantagens indevidas para “abrir
conjugado com a promoção de um bene-
fício ou a satisfação de um interesse jurí- portas”, “manter negócios” e “estreitar relaciona-
dico da pessoa jurídica a que se pretende mentos”, bem como a apresentação de “propostas de
imputar a ilicitude do ato, constituem as cobertura”, em que pese não tenham a exata corres-
condições de possibilidade para a inci- pondência do que costumeiramente denominamos
dência da esfera de responsabilização ob- “toma lá, dá cá”, se encontram igualmente tipifi-
jetiva estabelecida pela Lei 12.846/2013. cados como ato lesivo, diante do benefício potencial
de favorecimento (interesse), seja pelo agente pú-
Todavia, “interesse” ou “benefício” da empresa
blico, no caso da vantagem indevida, seja por con-
não se restringe apenas à existência de lucro ou
corrente, no caso da proposta de cobertura.
de receita de maneira direta, haja vista que esses
Entretanto, se, por um lado, se observa um alto
termos não se circunscrevem apenas ao quesito ma-
grau abstrato dos termos “interesse ou benefício”,
terial, podendo se dar, também, em aspectos mais
por outro, não se cogita da aplicação de sanções de
abrangentes e fluidos como, por exemplo, o estrei-
modo indiscriminado, pois esse elemento estará
tamento de relacionamento com gestores públicos
sempre atrelado à conduta ilícita, ou seja, ao rol ta-

63
xativo previsto no Art. 5º da LAC, que permite ba- Portanto, em relação à LAC, restariam as causas
lizas seguras, e cujas hipóteses estreitam o escopo de exclusão da responsabilidade objetiva, quais
de responsabilização e trazem intrinsecamente alto sejam: caso fortuito, força maior, culpa exclusiva
grau de reprovabilidade da conduta. da vítima ou fato de terceiro. Todas essas excluem o
Portanto, o elemento apresenta-se como interesse nexo de causalidade no âmbito da teoria do direito
ou benefício, direto ou indireto, exclusivo ou não, cuja civil.
demonstração, nos casos práticos, é indispensável, Entretanto, considerando-se o fato de se tratar
ainda que se faça por meio da presunção lógica. de direito administrativo sancionador, a existência
do elemento ‘conduta ilícita’, a responsabilização ser
4.3. NEXO DE CAUSALIDADE objetiva, bem como que a vítima da conduta ilícita
é a Administração pública e os bens jurídicos pro-
O último elemento é o nexo de causalidade, o
tegidos a probidade administrativa e o patrimônio
liame entre a conduta ilícita e o interesse/benefício,
público nacional ou estrangeiro, não se vislumbra
ou seja, sem a conduta ilícita não haveria o interesse/
espaço para a compensação de culpas ou para a exis-
benefício.
tência da excludente de culpa exclusiva da vítima.
Consoante exposto, considerando-se o rol taxa-
A lição de Alexandre Salim e Marcelo André de
tivo previsto no Art. 5º da LAC e as disposições dos
Azevedo (2017, p. 236-237) expõe que “diversamente
incisos, constata-se que, na maioria dos casos, é pos-
do campo civil, na esfera penal não é cabível a com-
sível vislumbrar que o enfoque do debate probatório
pensação de culpas”. Depreende-se, assim, que, em
estará na demonstração da conduta ilícita, sendo a
situações como tal, seria possível a ocorrência de
demonstração do interesse ou benefício e do nexo
crime culposo ou o concurso de pessoas, no caso da
de causalidade usualmente decorrente de presun-
existência de vínculo subjetivo.
ções lógicas.
Nesse sentido, transportando-se a situação para
Nesse sentido, exemplifica-se a situação de
a esfera administrativa, ocorrendo a prática de ato
dação de vantagem indevida ao gestor responsável
lesivo pela pessoa jurídica e pelo agente público,
pelas licitações do órgão público. Demonstrada a
os dois deverão ser responsabilizados em processo
dação da vantagem indevida ao agente público, o
administrativo próprio (Processo Administrativo de
benefício em favor da pessoa jurídica estará presu-
Responsabilização e Processo Administrativo Disci-
mido (presunção juris tantum) em decorrência do
plinar, respectivamente), sem prejuízo das demais
potencial do gestor influenciar ou auxiliar em favor
esferas.
da pessoa jurídica em eventual licitação, sendo des-
Em relação à força maior e o caso fortuito, des-
necessária a demonstração de atos irregulares e
considerando todos os embates doutrinários que os
concretos do gestor em favor da pessoa jurídica.
unificam ou separam, têm-se como “todo aconteci-
Outrossim, a LAC não parece trazer consigo a
mento inevitável, em relação à vontade do empre-
teoria do risco integral, o que tornaria possível a in-
gador, e para a realização do qual este não concorreu,
cidência de causas excludentes de responsabilidade,
direta ou indiretamente”, conforme preceitua o Art.
em que pese não haver qualquer previsão nesse sen-
501 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Desse
tido no texto legal.
modo, também no âmbito da LAC, seriam possíveis
Vale lembrar, contudo, que as causas previstas
causas excludentes de conduta ilícita.
no Art. 188 do Código Civil se referem apenas à res-
No âmbito do direito penal, caso fortuito e força
ponsabilidade subjetiva, eis que excluem a culpa,
maior apresentam-se como excludentes da conduta,
conforme se depreende da leitura:
ao lado da coação física irresistível e de outras situ-
Art. 188. Não constituem atos ilícitos: ações na qual não há vontade do ato, sendo cabível
I - os praticados em legítima defesa a reflexão sobre a possível aplicação no âmbito da
ou no exercício regular de um direito LAC.
reconhecido; Desse modo, em princípio, restam apenas três
II - a deterioração ou destruição da coisa excludentes oriundas da teoria cível: caso fortuito,
alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de re- força maior e fato de terceiro. Adotada a sistemática
mover perigo iminente. do direito cível, essas causas somente ensejariam o
rompimento do nexo de causalidade em situações
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato
extremas, nas quais sua ocorrência esteja total-
será legítimo somente quando as circuns-
tâncias o tornarem absolutamente neces- mente dissociada das condutas, riscos e atividades
sário, não excedendo os limites do indis- perpetradas pela pessoa jurídica. Seguem entendi-
pensável para a remoção do perigo. mentos judiciais sobre o tema:

64
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENA- só poderá ser reconhecida quando o ato
TÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS praticado pelo terceiro for completa-
E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO mente estranho à atividade desenvolvida
NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE pelo indigitado poluidor, e não se possa
ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - atribuir a este qualquer participação na
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE consecução do dano - ato omissivo ou
LOCAL QUE, AO RECONHECER A RES- comissivo, o que não se verifica na hipó-
PONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO tese, consoante se infere do acórdão re-
RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA corrido, o qual expressamente consignou
LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGA- ser o recorrente/réu "conhecedor de que
MENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS as pessoas que 'limpavam' sua proprie-
PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFI- dade se utilizavam do fogo para fazê-lo, e
CADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA a prática era reiterada, freqüente, "todos
- INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE os anos", conforme descrito na inicial.
RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS
E mesmo conhecedor do ilícito, nada fez
OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RES-
para coibir a prática proscrita exercida em
PONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLI-
sua propriedade, tornando-se dessa forma
CAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º,
responsável por ato de terceiro."
DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM
VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE 2.3 "Para o fim de apuração do nexo de
VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO causalidade no dano ambiental, equipa-
DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO ram-se quem faz, quem não faz quando
PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. deveria fazer, quem deixa fazer, quem não
se importa que façam, quem financia para
Pretensão ressarcitória deduzida com
que façam, e quem se beneficia quando
escopo de serem indenizados os danos
outros fazem." (cf. REsp 650.728/SC, Rel.
decorrentes de incêndio iniciado em pro-
Ministro Antonio Herman Benjamin, Se-
priedade vizinha, ocasionado pela prática
gunda Turma, DJe 02/12/2009)
de queimada.
3. Não obstante a análise do caso à luz
[...]
dos ditames da responsabilidade civil am-
2. O conceito de dano ambiental engloba, biental, a conclusão encerrada na hipó-
além dos prejuízos causados ao meio am- tese dos autos justifica-se, outrossim, sob
biente, em sentido amplo, os danos indi- a ótica do direito civil (em sentido estrito),
viduais, operados por intermédio deste, notadamente porque aplicável a responsa-
também denominados danos ambientais bilidade objetiva decorrente da violação de
por ricochete - hipótese configurada nos direitos de vizinhança, os quais coibem o
autos, em que o patrimônio jurídico do uso nocivo e lesivo da propriedade.
autor foi atingido em virtude da prática de
4. Nos termos do enunciado n° 318 deste
queimada em imóvel vizinho.
Tribunal Superior, "formulado pedido
2.1 Às pretensões ressarcitórias relacio- certo e determinado, somente o autor tem
nadas a esta segunda categoria, aplicam-se interesse recursal em arguir o vício da sen-
igualmente as disposições específicas do tença ilíquida".
direito ambiental e, por conseguinte, da
5. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM
responsabilidade civil ambiental (objetiva)
PARTE E, NA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
- consignadas na Lei n° 6.938/91 (Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente), nos (REsp 1381211/TO, Rel. Ministro MARCO
moldes em que preceituado no seu artigo BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em
14, parágrafo 1º: "Sem obstar a aplicação 15/05/2014, DJe 19/09/2014)
das penalidades previstas neste artigo, é o AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILI-
poluidor obrigado, independentemente da DADE CIVIL POR ACIDENTE AUTOMOBI-
existência de culpa, a indenizar ou reparar LÍSTICO. CONTRATO DE TRANSPORTE
os danos causados ao meio ambiente e a DE PASSAGEIROS. FATO DE TERCEIRO
terceiros, afetados por sua atividade. [...]" CONEXO AOS RICOS DO TRANSPORTE.
2.2. A excludente de responsabilidade RESPONSABILIDADE OBJETIVA NÃO
civil consistente no fato de terceiro, na AFASTADA. SÚMULA 187/STF. INTERESSE
seara ambiental, tem aplicação bastante PROCESSUAL. SÚMULA 07. AGRAVO
restrita, dada a abrangência do disposto IMPROVIDO.
no artigo acima transcrito. Desse modo,

65
1. Esta Corte tem entendimento sólido se- permitam o delineamento de questões relevantes à
gundo o qual, em se tratando de contrato aplicação da norma, sendo que, neste artigo, o foco
de transporte oneroso, o fato de terceiro foi identificar os elementos da responsabilidade ob-
apto a afastar a responsabilidade ob- jetiva prevista nessa Lei.
jetiva da empresa transportadora é so- Para tanto, foi necessário buscar, sobretudo, o
mente aquele totalmente divorciado dos referencial do direito civil, sem parecer possível,
riscos inerentes ao transporte.
contudo, simplesmente importar as teorias e cons-
2. O delineamento fático reconhecido pela truções doutrinárias, sem levar em consideração as
justiça de origem sinaliza que os óbitos peculiaridades da situação, tanto em razão das esco-
foram ocasionados por abalroamento no lhas legislativas materializadas na LAC, quanto em
qual se envolveu o veículo pertencente à razão da própria autonomia do direito administra-
recorrente, circunstância que não tem o
tivo sancionador.
condão de afastar o enunciado sumular n.
Nesse percurso, se verificou que, no direito civil,
187 do STF: a responsabilidade contratual
do transportador, pelo acidente com o pas- houve uma evolução no conceito de responsabili-
sageiro, não é elidida por culpa de terceiro, zação, sobretudo como forma de resposta à evolução
contra o qual tem ação regressiva. das relações sociais, de trabalho, de consumo, bem
como dos direitos em si, de modo que se caminhou
[...]
de uma responsabilidade quase que exclusivamente
4. Agravo regimental improvido. subjetiva a casos em que o legislador entendeu que
(AgRg no Ag 1083789/MG, Rel. Ministro essa abordagem não permitiria a melhor solução e,
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, assim, foram previstas hipóteses de responsabili-
julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009) dade objetiva, tais como a da LAC.
Analisando os fundamentos disponíveis, e con-
No âmbito da LAC, a excludente do fato de ter-
frontando-os com o contexto de promulgação da
ceiro deve ter escopo reduzido para não ensejar,
LAC, parece adequado entender que, dentre os ele-
justamente, o acobertamento das transações ilícitas
mentos clássicos, são exigidos, na responsabilidade
para pagamento de vantagens indevidas, criação
objetiva na LAC, a conduta ilícita e o nexo de cau-
de empresas de fachadas para fraudes a licitações,
salidade. Adicionalmente, por expressa disposição
dentre outras hipóteses, motivo pelo qual apenas em
legal, se identificou como elemento, também, o “in-
situações totalmente alheias pode ser admitida.
teresse” ou “benefício”, que, na prática, atuam como
Noutro giro, a LAC pretende fomentar o com-
uma condicionante para que determinada conduta
pliance no setor privado, sendo certo que parte im-
ilícita enseje a responsabilização.
prescindível desse é a adoção de medidas de due dili-
Rememora-se que este trabalho não objetiva
gence de terceiros. Em suma, o ambiente corporativo
uma análise exauriente dos elementos da respon-
requer que haja análise do perfil das contratações da
sabilidade objetiva prevista na LAC, mas promover
empresa, incluindo medidas de compliance e anti-
a discussão sobre eles e enfatizar a necessidade de
corrupção dessas, para que possam ser aprovadas
estruturação e sistematização, visando permitir aos
para contratação.
operadores do direito maior clareza e profundidade
Sobre este elemento, estas são as considera-
de debates sobre o tema.
ções, feitas em atenção à limitação do escopo deste
Cumpre assinalar, por fim, que esses debates
trabalho, sem olvidar a necessidade de aprofunda-
serão tanto mais acertados, quanto mais levarem
mento da análise das causas excludentes previstas
em consideração os fundamentos lançados na Expo-
no direito penal e no direito cível, para melhor cote-
sição de Motivos da LAC, que destacam, para além
jamento e aferição da sua aplicabilidade ou não no
da necessidade de o Brasil cumprir os compromissos
direito administrativo sancionador.
internacionais até então assumidos, o proveito da
lei para o contexto de combate e prevenção à cor-
CONSIDERAÇÕES FINAIS rupção, uma vez que a norma supre a lacuna do sis-
tema jurídico pátrio, no que diz respeito à responsa-
A Lei Anticorrupção inovou o ordenamento ju-
bilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção,
rídico brasileiro, ao prever a responsabilização de
traz previsão de condutas que são mais condizentes
pessoas jurídicas, nas esferas administrativa e civil,
com a realidade da Administração Pública e, sobre-
de modo objetivo.
tudo, pretende consolidar um sistema que induza
Exatamente por esse caráter inovador, ainda
a mudança de comportamentos, pois, ao reprimir
não há um volume significativo de debates doutriná-
de forma consistente mas, também, deixar claro o
rios e decisões judiciais específicas sobre o tema, que

66
peso positivo do compliance e demais boas práticas intentada pelo legislador, o sistema de responsabi-
empresariais, o que se revela é que a intenção pri- lização há de ser arrojado e, ao mesmo tempo, sim-
mordial não é punir e, sim, tornar mais lícito, crível ples, sem descuidar, jamais, das garantias essenciais
e honesto o relacionamento público-privado. Para do contraditório e da ampla defesa.
que seja possível alcançar, de fato, essa magnitude

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dade civil ambiental do réu (art. 3º, inc. iv e art. 14, § 1º, da lei 6.938/81), condena-o ao pagamento de inde-
nização por danos patrimoniais, a serem quantificados em liquidação de sentença - insurgência recursal da
parte ré. Danos ambientais individuais ou reflexos (por ricochete) - responsabilidade civil objetiva - aplicação
do disposto no artigo 14, § 1º, da lei nº 9.938/81, e, outrossim, em virtude da violação a direitos de vizinhança
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