Você está na página 1de 6

Data: 25/06/2021

Disciplina: Metodologia da Pesquisa e do Ensino em Direito

Trabalho: Fichamento Modelo Resumo ou Conteúdo

Referência: GABBAY, Daniela Monteiro; COSTA, Susana Henriques; ASPERTI,


Maria Cecília Araújo. Acesso à justiça no Brasil: Reflexões sobre escolhas políticas
e a necessidade de construção de uma nova agenda de pesquisa. REVISTA
BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA DO DIREITO, V. 6, n. 3, P. 152 - 181,
setembro/dezembro, 2019.

O presente trabalho buscou explorar a necessidade de redistribuir o acesso


à Justiça no Brasil, país onde o desequilíbrio entre litigantes é patente. Citando
Galanter, os autores afirmam que o acesso à justiça parte de escolhas políticas
distributivas e que as reformas judiciarias e processuais também partem de
escolhas políticas. Sendo assim, a conclusão lógica é de que os debates legislativos
e os projetos de lei impactam diretamente no quadro de acesso à justiça no Brasil.

DISCURSOS, ESCOLHAS POLÍTICAS E DIFERENTES PAUTAS SOBRE


ACESSO À JUSTIÇA

Inicialmente os autores optam por conceituar acesso à justiça. Segundo


afirmam, apesar de muito se remeter o mencionado termo à obra de Mauro
Cappelletti e Bryant Garth no denominado Projeto Florença, este projeto não incluiu
o Brasil e apesar de ter sido realizado em 1978 só chegou aos brasileiros em 1988,
havendo certo delay.
No Brasil, afirmam, o acesso à Justiça é um Direito constitucionalmente
assegurado, encontrado no rol dos direitos sociais. Há no texto constitucional
previsão expressa de que nenhuma lei excluirá do Judiciário lesão ou ameaça de
lesão. Dessa forma, o direito ao acesso à justiça é passível de exigência pela
sociedade, demanda uma prestação ativa do Estado. Cumpre lembrar que foi a
constituição de 1988 que apresentou esse dispositivo.
Para os autores, atualmente, uma agenda de acesso à justiça que faça
sentido no país é uma agenda que leva em consideração as escolhas políticas que,
influenciadas por fatores sociais e econômicos, e o jogo de interesses que se dá
durante o processo legislativo.
Se pararmos para analisar o atual cenário processual, não restam dúvidas
de que a distribuição de acesso na justiça brasileira privilegia os grandes litigantes.
Sendo assim, não é surpresa de que, grande parte das escolhas políticas relativas
ao acesso à justiça são pensadas ou, pelo menos, influenciadas por esses grandes
litigantes, os principais usuários dos sistemas de justiça brasileiro. Em detrimento
desse grupo, parcela da população finda por ser marginalizada e ter dificuldade em
acessar à justiça.

POR UMA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO: JUIZADOS ESPECIAIS,


AÇÃO COLETIVA E O MARCO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

Na década de 1980 ocorreu um processo de redemocratização do país e as


prioridades do legislativo mudaram. As principais mudanças legislativas do início
dessa década foram dedicadas à construção de mecanismos informais de
veiculação de conflitos individuais de menor complexidade e de viabilizar o acesso
ao judiciário quando se tratava de conflitos coletivos. Era fato de que a ausência de
tratamento judicial às causas menores acabava por excluir mais ainda da prestação
jurisdicional as pessoas que hoje chamamos de hipossuficientes.
Houve um grande movimento de dar acesso aos que eram marginalizados,
seja por questões financeiras ou por obstáculos formais, do sistema judicial. Nessa
década também foi aprovada a lei que viabilizava o ingresso ao judiciário de
demandas coletivas. Tratava-se de questões de alto impacto social que até então
não tinham como chegar ao conhecimento do judiciário de forma impactante.
Destaca-se como um dos grandes méritos da década de 1980, a construção
por lei de um instrumento processual que permitiu o acesso à justiça de direito
coletivos sociais ao Judiciário. Ressalta-se também, como característica única da
legislação pátria que a propositura de uma demanda coletiva não impede o
ajuizamento de demandas individuais que versem sobre o mesmo tema,
demonstrando que o processo coletivo fora introduzido no país sem prejudicar as
demandas individuais.
Os autores também destacam como grande marco da década de 1980, a
criação da Constituição de 1988. Dentre outros méritos, a denominada constituição
cidadã redefiniu a separação dos poderes no Brasil e remanejou o sistema de justiça
brasileiro. Afirmam também que “o diagnóstico da falta de acesso às camadas mais
vulneráveis da população brasileira e a escolha pela transformação desta realidade
(dar acesso à quem não tem) foi pauta expressa nas discussões da constituinte,
especialmente na Subcomissão responsável pela reestruturação do sistema de
justiça” (GABBAY, Daniela Monteiro; COSTA, Susana Henriques da; ASPERTI,
Maria Cecília Araújo , 2019, p.163).

ACESSO E MOROSIDADE: DISCURSOS VOLTADOS AO COMBATE DA


CRISE DO JUDICIÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA EMENDA
CONSTITUCIONAL 45/2014.

A EC nº 45/2004 tramitou por 12 anos e foi direcionada a combater à crise do


Judiciário e seu impacto negativo na economia. Apesar de o texto original ter sido
proposto pelo Deputado Hélio Bicudo, o mesmo, após a aprovação da Reforma do
Judiciário chegou a afirmar que esta reforma seria apenas uma maquiagem já que
não se prestava para tornar a justiça mais ágil ou próxima da população. Ele
continua afirmando que, dentre outras coisas, a reforma não facilitava o acesso à
justiça, que as súmulas vinculantes só serviam aos tribunais e que os ministros dos
tribunais superiores continuavam sendo vitalícios.
Como se pôde verificar, ainda que a EC nº 45/2004 tenha trazido para pauta
temas nobres como a previsão de autonomia funcional para as defensorias públicas
do país e o incidente de deslocamento de competências para a Justiça Federal, seu
cerne continuou sendo direcionado à eficiência da prestação jurisdicional através
da razoável duração do processo, súmulas vinculantes, criação do CNMP e de
outros temas que não representaram a ampliação do acesso à justiça dos mais
necessitados.
Sendo assim, como concluem os autores:

“O “discurso vencedor” da Reforma do Judiciário, assim, foi o


que propagou os riscos de incerteza jurisdicional e explosão
de litigiosidade e ofuscou a pauta da necessária redistribuição
do acesso à justiça. Contudo, devido ao elastecimento e
banalização do conceito de acesso à justiça, cuja fluidez
comporta discursos destoantes, houve a sua utilização
também para legitimar a reforma do Judiciário, ainda que sob
a veste eficientista desconectada de qualquer preocupação
com a redistribuição do acesso à justiça, enquanto direito
social que pressupõe o próprio exercício de cidadania. O
discurso do acesso à justiça então virou uma espécie de “vale-
tudo”, tendo se desnaturado e institucionalizado para se tornar
um discurso oficial do Estado (GABBAY, Daniela Monteiro;
COSTA, Susana Henriques da; ASPERTI, Maria Cecília
Araújo, 2019, p. 169 e 170).

INVISIBILIDADE DA PAUTA DO ACESSO: O CÓDIGO DE PROCESSO


CIIVL DE 2015

Nas décadas de 1990 e 2000 houve uma séria de reformar que resultaram
no surgimento do Código de Processo Civil de 2015. Em resumo, o que se pretendia
era buscar uma maior efetividade do processo e uniformização das decisões
judiciais. As palavras celeridade e efetividade passaram a ser de ordem e o
legislador, navegando por tendencias neoliberais, buscava alcançar esses objetivos
a qualquer custo. Uma das justificativas para essa busca era a alta demanda do
judiciário e a morosidade que resultava desse excesso de carga.
Havia uma clara preocupação com a litigiosidade repetitiva e, portanto, houve
um fortalecimento do sistema de precedentes, e a criação de instrumentos como o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
Apesar de ter sido motivada em razão do acesso à justiça, o que se percebeu
é que esses instrumentos de resolução de demandas coletivas repetitivas
privilegiaram os grande litigantes e reduziu as possibilidades de contraditório dos
pequenos litigantes (pessoas ou até mesmo empresas hipossuficientes).

CONCLUSÃO: CONSTRUINDO UMA NOVA AGENDA DE PESQUISA


SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA
Os autores afirmam que ao analisar os textos legislativos de 1980 até 2015
deve-se questionar sobre como o acesso à justiça, enquanto direito social, está
sendo distribuído aos que necessitam. Aduzem também que é preciso ressignificar
o conceito de acesso à justiça para o atual momento brasileiro, levando em conta a
realidade em que esse conceito deve ser inserido.
Continuam afirmando que as recentes políticas públicas de acesso à justiça
privilegiam os grandes litigantes ao escolherem abraçar o discurso da celeridade e
eficiência. Falar em celeridade através de mecanismos de julgamento por
amostragem finda por fortalecer ainda mais os litigantes que contam com muitos
recursos e especialistas nos temas.
Segundo afirmam:

“Insistir na ideia de acesso universal à justiça é mascarar a


realidade e dar margem à apropriação do acesso ao Poder
Judiciário pelos grandes litigantes, o que se viu acontecer nas
últimas décadas. É necessário pensar em uma concepção de
acesso à justiça redistributiva, que amplie acesso dos “que
não tem”, pelo reconhecimento de direitos e a implementação
de políticas públicas voltadas a ultrapassar óbices financeiros
e institucionais, mas com a consciência de que essas políticas
devem vir em detrimento dos que já tem e concentram o
acesso à justiça. (GABBAY, Daniela Monteiro; COSTA,
Susana Henriques da; ASPERTI, Maria Cecília Araújo, 2019,
p. 177).

Sendo assim, sugere-se dar voz aos que têm ciência de seus direitos, mas
não sabem como exigi-los. Além disso, é imprescindível a adoção de técnicas
voltadas para “desjudicializar” demandas de cobrança em massa e desestimular
condutas ilícitas que são corriqueiras entre os grandes litigantes.
Em síntese, o conceito de acesso à justiça foi confundido ou substituído pelo
de celeridade do judiciário. Para que o acesso à justiça enquanto direito social seja
efetivado, é necessário ressignificar seu conceito e levá-lo a quem realmente
precisa.

Você também pode gostar