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ISSN 1516-232X
Revista
Brasileira de
Associação Brasileira de Hipnose - ASBH
Hipnose
www.revistabrasileiradehipnose.org.br
Resumo.
No presente trabalho, uma breve história sobre o transtorno obsessivo compulsivo (TOC) é apresentada, incluindo a
visão psiquiátrica e a psicanalítica, com sua origem como neurose de defesa, e a possibilidade da sua relação direta
como com várias psicopatologias, tais como transtornos alimentares, alcoolismo, tabagismo dependência química e
compulsões diversas. Ao final, a hipnose é apresentada como uma psicoterapia de escolha no tratamento do TOC,
lembrando o uso da catarse hipnótica como método psicoterapêutico empregado por Freud.
Palavras-chave: Transtorno Obsessivo Compulsivo, Hipnose, Neurose de defesa, Psicanálise.
Abstract.
In the present work, a brief history of obsessive compulsive disorder (OCD) is presented, including the psychiatric
and psychoanalytic views, with its origin as defense psychoneurosis, and the possibility of its direct relationship as
with various psychopathologies such as eating disorders, alcoholism, smoking, chemical addiction and various
compulsions. In the end, hypnosis is presented as a psychotherapy of choice in the treatment of OCD, recalling the
use of hypnotic catharsis as a psychotherapeutic method employed by Freud.
Keywords: Obsessive-compulsive Disorder, Hypnosis, Defense Neurosis, Psychoanalysis.
1. Introdução.
A minha experiência com a clínica psicoló- quadro clínico sintomatológico que pode estar
gica me permitiu observar que a incidência do associado à origem de outros processos
transtorno obsessivo compulsivo (TOC), em mentais. Ou seja, o TOC pode ser considerado
sua nomenclatura mais recente, ou neurose como causa ou estar diretamente relacionado
obsessiva compulsiva, assim considerada por com várias psicopatologias, tais como transtor-
autores dentro da visão psicanalítica, tida co- nos alimentares1,2, alcoolismo3, tabagismo4,
mo uma psiconeurose de defesa, geralmente dependência química5 e compulsões diversas,
apontava na direção de uma causalidade do que através de uma manifestação sintomato-
quadro clínico, coincidente com a proposta lógica limitam a vida de uma série de pessoas
psicanalítica desse transtorno como precipita- que desenvolveram esta patologia6.
dor. No presente trabalho, uma breve história so-
Nessa psicopatologia, na visão cognitiva bre o transtorno obsessivo compulsivo (TOC)
comportamental e de conceitos oriundos em é apresentada, incluindo a visão psiquiátrica, a
diversas escolas psicológicas, parece haver um psicanalítica, com a sua origem como
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mados transtornos de ansiedade. Está classifi- tilizados praticamente como sinônimos, em-
cado ao lado das fobias (medo de lugares fe- bora o termo "ritual" possa gerar alguma com-
chados, elevadores, pequenos animais - como fusão na medida em que as religiões, de forma
ratos ou insetos), da fobia social (medo de geral, adotam comportamentos repetitivos e
expor-se em público ou diante de outras pes- contagens nas suas práticas: ajoelhar-se três
soas), do transtorno de pânico (ataques súbitos vezes, rezar seis ave-marias, ladainhas. Exis-
de ansiedade e medo de frequentar os lugares tem rituais para batizados, casamentos, fune-
onde ocorreram os ataques) etc. rais etc. Além disso, certos costumes culturais,
Os sintomas do TOC envolvem alterações como a cerimônia do chá entre os japoneses, o
do comportamento (incluindo rituais ou com- cachimbo da paz entre os índios, ou um funeral
pulsões, repetições, evitações), dos pensa- com honras militares, envolvem ritos que lem-
mentos (preocupações excessivas, dúvidas, bram as compulsões do TOC; por esse motivo,
pensamentos de conteúdo impróprio ou ruim, há certa preferência para o termo "compulsão"
obsessões) e das emoções (medo, desconforto, quando se fala em TOC.
aflição, culpa, depressão). Sua característica Entre os sintomas, as compulsões, obses-
principal, como já mencionado, é a presença sões, rituais mais comuns apresentados por
de obsessões e compulsões ou rituais. Além Cordioli1, destacaremos aqui os que se apresen
disso, os portadores de TOC sofrem de muitos tam em maior número de casos, e nem sempre
medos, de contrair doenças, de cometer falhas, são percebidos como patológicos; outros inter-
de ser responsáveis por acidentes. Em razão ferem e limita a vida dos portadores; assim cita
desses medos, evitam as situações que possam o autor: “Dentre as obsessões mais comuns,
provocá-los - comportamento chamado de está a preocupação excessiva com sujeira ou
evitação. As evitações, embora não específicas contaminação, seguida de rituais de limpeza,
do TOC, são, em grande parte, as responsáveis evitar tocar em objetos, usar utensílios, fre-
pelas limitações que o transtorno acarreta. quentar lugares considerados sujos ou contami
nados. O conjunto desses comportamentos
2.3. Compulsões ou rituais. constitui o sintoma mais comum no TOC”.
Segundo Cordioli6, além das compulsões
Compulsões ou rituais são comportamentos
mentais, exemplo: rezar e repetir palavras, fra-
ou atos mentais voluntários e repetitivos exe-
ses ou números, as compulsões mais comuns,
cutados em resposta a obsessões ou em virtude
em geral, envolvem as seguintes tarefas:
de regras que “devem ser seguidas rigidamen-
te”. Os exemplos mais comuns são lavar as de lavagem ou limpeza;
mãos, fazer verificações, contar, repetir frases verificações ou controle;
ou números, alinhar, guardar ou armazenar, repetições ou confirmações;
repetir perguntas etc. As compulsões aliviam contagens;
momentaneamente a ansiedade, levando o in- ordenação, arranjo, simetrização, sequência
divíduo a executá-las toda vez que sua mente é ou alinhamento;
invadida por uma obsessão acompanhada de acumular, guardar ou colecionar coisas
aflição. Nem sempre têm conexão realística inúteis;
com o que desejam prevenir, por exemplo, diversas: tocar, olhar, bater de leve, confes-
alinhar os chinelos ao lado da cama antes de sar.
deitar para que não aconteça algo de ruim no As manifestações ocorrem sob diversas for-
dia seguinte; dar três batidas em uma pedra da mas, como as relacionadas a seguir:
calçada ao sair de casa, para que a mãe não lavar as mãos inúmeras vezes ao dia;
adoeça. Neste caso, os rituais são chamados de trocar excessivamente de roupa;
mágicos.6 lavar imediatamente as roupas que tenham
Os dois termos, compulsões e rituais, são u- sido usadas fora de casa (mesmo limpas);
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não encostar roupas usadas nas roupas medo de incêndio por causa de algum ele-
limpas dentro do guarda-roupa; trodoméstico ligado ou o gás aberto, segui-
lavar as mãos imediatamente ao chegar da do da necessidade de verificar se os apare-
rua; lhos ficaram ligados ou não;
usar sabão, desinfetante ou detergente de medo de inundação domiciliar, havendo a
forma excessiva; necessidade de fechar as torneiras de forma
tomar banhos excessivamente demorados, exagerada, ao ponto de quebrá-las, ou de
eventualmente usando álcool; passar a mão por baixo das mesmas, para
esfregar demasiadamente a pele; certificar-se de que está de fato fechada;
evitar sentar em salas de espera de clínicas medo de invasão domiciliar, tendo neces-
ou hospitais (principalmente em lugares sidade de verificar todas as portas e janelas
especializados em câncer ou AIDS); repetidas vezes;
não apertar a mão de desconhecidos ou não medo de extravio de documentos ou de es-
beija-los; quecê-los ao sair, de perder as chaves do
não tocar em trincos de portas, corrimãos, carro, advindo a necessidade de verificação
tampas de vasos (ou usar um lenço ou papel repetida;
para tocá-los); medo de roubo de carro e necessidade de
não usar toalhas ou lençóis de hotéis; testar cada uma das portas, ainda que tenha
passar o guardanapo nas louças ou talheres à vista as trancas acionadas.
do restaurante antes de servir-se; A necessidade de verificações torna-se
não sentar em bancos de praça ou coletivos; angustiante especialmente na hora de deitar e
não usar telefones públicos; de sair de casa.6
não cumprimentar determinadas pessoas
(mendigos, aidéticos, pessoas com câncer,
3. O TOC como “neurose de defesa”.
etc.);
não utilizar banheiros em lugares públicos; Os primeiros estudos de Freud sobre
Evitar pisar no tapete ou piso do banheiro neurose obsessiva correspondem ao período
em casa ou no escritório; em que ele utilizava o método hipnótico. Era a
Não frequentar piscinas coletivas; época da catarse, quando as teorias analíticas
isolar compartimentos e impedir o acesso estavam germinando, sob a influência da con-
dos familiares quando estes chegam da rua cepção eminentemente energética da vida psí-
sem que tirem os sapatos ou tomem um quica. O conceito de defesa ainda não estava
banho; suficientemente elaborado como uma função
restringir o contato com sofás (cobri-los psíquica estruturalmente integrada. Objetivava
com lençóis, não sentar com a roupa da rua tão somente evitar o desprazer e a dor, tentan-
ou com o pijama). do diminuir as tensões originadas pelas exigên-
dúvidas, medo de falhar e necessidade de cias da realidade ou resultantes das recorda-
fazer verificações. ções de fatos reais. O papel das pulsões ainda
não tinha sido considerado em sua plenitude.
Uma das preocupações mais comuns no Isso é o que se pode verificar em "Neuropsico-
TOC relaciona-se à possibilidade de falhar e, ses de defesa" (1894) e também em "Obses-
em consequência, ocorrer algum desastre ou sões e fobias" (1895), escritos conforme uma
dano. Tal preocupação se manifesta sob a visão quantitativa da vida psíquica nos moldes
forma de dúvidas, as quais, por sua vez, levam
do princípio da conservação da energia. Era
a pessoa a realizar verificações repetidas. ainda uma translação do pensamento imperan-
Alguns exemplos estão listados no quadro a te na física ao mundo da vida psíquica.9
seguir:
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Dessa forma, para Freud o estádio que com- tada como desordem do sistema nervoso ma-
pleta o curso percorrido pela neurose obsessiva nifesta, envolvendo partes do corpo ou órgãos
é atingido de um salto, seguindo a luta defen- como em neurose histérica ou histeria, inicial-
siva, sendo observado que casos graves dessa mente estudada por Josef Breuer.
perturbação terminam em atitudes cerimoniais, O termo neurose foi introduzido em 1784
ou em um quadro de mania de duvidar ou uma por William Cullen, em seu livro First Lines in
vida de excentricidades compatíveis com as the Pratice of Physics, que considerava as
fobias. enfermidades como decorrentes de exaltação
Interessante é que o sujeito não dá crédito ou depressão do sistema nervoso. Cullen divi-
às suas ideias obsessivas, e o que delas deriva, dia-as em quatro categorias principais: febres,
o que encontra explicação no fato de à época caquexias, desordens locais e neuroses. Sob
da primeira repressão dessas ideias ter-se essa última denominação, propõe a inclusão de
formado o sintoma defensivo da consciencio- todas as afecções dos sentidos e movimentos
sidade, e dele ter se formado a força da ob- que transcorrem sem febre como parte de uma
sessão. A certeza de sua vida ter sido uma vida doença primária; além daquelas que não de-
de moral durante todo o período em que a pendem de afecção tópica dos órgãos, e sim de
defesa funcionou faz com que ele não consiga afecção mais geral do sistema nervoso.10
acreditar na sua auto-acusação, a que sua ideia As transformações sofridas pela noção de
obsessiva trata. Apenas transitoriamente, ao neurose no século XIX foram mostrando a he-
aparecer uma nova ideia obsessiva ou, ocasio- terogeneidade dos quadros envolvidos e com-
nalmente, em estados melancólicos de exaus- duzindo a uma depuração, que começou por
tão do ego, os sintomas patológicos do retorno afastar enfermidades com lesão do sistema ner-
do reprimido compelem à crença. 4,5 voso (epilepsia, doença de Parkinson, Coréia,
Freud afirma que “o caráter obsessivo das etc.), e por incluir certos quadros de obsessão e
formações psíquicas descrito geralmente nada fobias, ainda classificados como delírios ou
tem a ver com a crença que se lhes atribua, e psicose.12
que não se deve confundir isso com o fator que Em 1885, Régis, professor da disciplina
é descrito como força ou intensidade de uma “doenças mentais” em Bordeaux, dividiu os
ideia”. Para ele a “sua essência é antes a indis- estados de alienação mental em insanidades e
solubilidade pela atividade psíquica que é degenerações. As insanidades, desordens da
capaz de estar consciente; e esse atributo não função intelectual, incluíam a mania, melanco-
sofre nenhuma mudança se a ideia à qual se li- lia, hipocondria e estados delirantes. As dege-
ga a obsessão é mais forte ou mais fraca, mais nerações, desordens da constituição intelectual,
ou menos intensamente iluminada ou catexiza- incluíam as desarmonias, neurastenias, frenas-
da com energia”, e assim por diante.9,10 tenias, monstruosidades e demências. Os esta-
Continuando, “essa invulnerabilidade da dos obsessivos, compulsivos e fóbicos foram
ideia obsessiva e de seus derivados tem como classificados como neurastenias, ao passo que
causa, entretanto, nada mais que sua conexão a histeria era incluída entre as insanidades
com a lembrança reprimida da tenra infância. associadas com doenças do sistema nervoso.
Se conseguirmos tornar tal conexão consciente Segundo Régis, a “insanidade histérica pode
- e os métodos psicoterapêuticos parecem mostrar-se sob ataques mais ou menos agudos
poder fazer isso -, também a obsessão está de mania e melancolia... É, entretanto, mais
resolvida". 9,10,11 comum vê-la assumir a forma racional com o
desenvolvimento de delírios e terminando em
demência". Este autor seguia, assim, Esquirol
3.1. Neurose.
ao aceitar a possibilidade de que a histeria
Ao longo da história, a neurose tem sido pudesse evolver para a insa-nidade.13
vista de diversas maneiras9-11,12. Já foi apon-
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ções quantitativas em contraposição às varia- ciar as quantidades relativas, por assim dizer,
ções qualitativas das psicoses; 5) sensível à das influências etiológicas. Mas, estaremos
psicoterapia, ao passo que as psicoses seriam simplesmente defrontando casos extremos
tributárias da psicofarmacologia.9 esperados, se encontrarmos casos de neurose
nos quais procuraremos inutilmente qualquer
3.2. Neurose na visão de Sigmund Freud grau apreciável de disposição hereditária, des-
de que o que esteja faltando seja suprido por
No que se refere à etiologia das neuroses, a
uma poderosa influência específica.11
teoria deve reconhecer que há diferentes cau-
Como causas concorrentes (ou auxiliares)
sas, sendo elas diferentes entre si tanto em im-
das neuroses, podem ser numerados todos os
portância como no modo pelo qual se relacio-
agentes banais, encontrados em qualquer outra
nam ao efeito que produze. Essas causas po-
parte: distúrbio emocional, exaustão física, do-
dem ser agrupadas em três classes: (1) precon-
enças graves, intoxicações, acidentes traumá-
dições indispensáveis para produzir a pertur-
ticos, sobrecarga intelectual etc. Mas, nenhum
bação referente, mas que são de caráter geral e
destes, nem mesmo o último, integram a etio-
igualmente encontráveis na etiologia de muitas
logia das neuroses. A declaração de Beard de
outras perturbações; (2) causas concorrentes,
que a neurastenia é fruto de nossa moderna
que compartilham o caráter das precondições,
civilização tem encontrado muitos seguidores;
desde que funcionam na causação de outras
entretanto, Freud achou impossível aceitar essa
perturbações tanto quanto na da perturbação
concepção, e ele afirma que “um laborioso
em questão, mas que não são indispensáveis
estudo das neuroses me ensinou que a etiologia
para a produção desta última; e (3) causas
específica das neuroses escapou à observação
específicas, que são indispensáveis como as
de Beard”.9
precondições, sendo, porém de natureza limita-
“As causas concorrentes banais podem tam-
da, pois aparecem apenas na etiologia da per-
bém substituir a etiologia específica no que
turbação de que são específicas.9
toca à quantidade, mas nunca podem ocupar
Na patogênese das neuroses maiores, a
inteiramente seu lugar. Há numerosos casos
hereditariedade preenche o papel de uma pre-
nos quais todas as influências etiológicas são
condição, poderosa em todos os casos e mes-
representadas pela precondição da heredita-
mo indispensável na maioria deles. No entanto,
riedade e pela causa específica, estando au-
a heritariedade nada seria sem a colaboração
sentes as causas banais. Em outros casos os
das causas específicas. A importância da
fatores etiológicos indispensáveis não são por
disposição hereditária é provada pelo fato de
si mesmos suficientes em quantidade para
que as mesmas causas específicas, atuantes em
acarretarem a eclosão de neurose; um estado
um indivíduo saudável, não produzem nenhum
de aparente saúde pode ser mantido por muito
efeito patológico manifesto, ao passo que em
tempo, embora haja, na realidade, um estado
uma pessoa predisposta sua ação causa a
de predisposição à neurose. É, pois, suficiente
emergência da neurose cujo desenvolvimento
que uma causa banal entre em ação para que a
será proporcional em intensidade e extensão ao
neurose se torne manifesta. Deve-se, porém,
grau da precondição da hereditariedade. As-
indicar claramente que, nessas condições, a
sim, a ação deste fator é compatível a de um
natureza da causa banal que advenha é
multiplicador em um circuito elétrico, multipli-
absolutamente indiferente - seja uma emoção,
cador que exagera o desvio visível da agulha,
um trauma, uma doença infecciosa ou qualquer
mas que não pode determinar sua direção.9
outra coisa. O efeito patológico não será modi-
Há ainda uma outra coisa a ser notada nas
ficado de acordo com essa variação; a natureza
relações entre a precondição da hereditarie-
da neurose será dominada pela causa especí-
dade e as causas específicas das neuroses. A
fica preexistente”.9
experiência mostra que não se deve negligen-
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Freud4 enfatiza na etiologia das neuroses a estranheza para quem os experimenta. Dentre
hereditariedade e também deixou claro, que o os mais comuns estão o alheamento de quem
quadro neurótico se estabelece como as demais está absorto em leitura, a ponto de não ouvir e
patologias, orgânicas ou mentais, isto é, exis- nem ver o que se passa ao redor; o desportista
tindo uma pré-disposição, fator mantenedor e que não percebe ter-se ferido numa compe-
fator perpetuante, da doença e da sinto- tição; o expectador enlevado por uma exibição
matologia específica. artística. 17,18
Quanto às causas sexuais na etiologia das O valioso é que, no sujeito aquiescente e
neuroses S. Freud comenta: predisposto, a hipnose pode ser induzida por
No que concerne à segunda classe das uma intervenção externa propositada e que po-
neuroses maiores, a histeria e a neurose de ser inestimável, enquanto veículo de pro-
obsessiva, a solução do problema etiológico é cessos psíquicos, que podem modificar outros
de surpreendente simplicidade e uniformidade. estados alterados de consciência em casos pa-
Devo meus resultados a um novo método de
tológicos. Todos os fenômenos anímicos sub-
psicanálise, o procedimento exploratório de
Josef Breuer, que é um pouco intrincado, mas jacentes às ocorrências espontâneas acima cita-
insubstituível, tão fértil se tem mostrado ao das são perfeitamente reduplicáveis, artificial-
lançar luz sobre os obscuros caminhos da mente, pelo hipnotismo, ao menos em alguns
ideação inconsciente. Através desse procedi- indivíduos. Neles predominam automatismos
mento - este não é o lugar de descrevê-lo - os
alheios à lógica do pensamento vigil costumei-
sintomas histéricos são rastreados até sua
origem, sempre encontrada em algum ponto da ro, que é provido da atenção, do juízo e do
vida sexual do sujeito, apropriado para a raciocínio, que conduzem os atos voluntários.
produção de uma emoção aflitiva. Percorrendo Neste caso, a percepção se torna falseada e
retrospectivamente o passado do paciente, perde em objetividade.18
passo a passo, e sempre guiado pelo encadea-
Nas condições da hipnose, intensifica-se a
mento orgânico dos sintomas e das lembranças
e pensamentos despertados, atingi finalmente o ação da mente sobre o corpo e a influência das
ponto de partida do processo patológico; e fui representações psíquicas sobre o somático,
obrigado a verificar que, no fundo, a mesma quase de um extremo a outro, na densidade dos
coisa estava presente em todos os casos efeitos. Pode-se provocar desde o desapareci-
submetidos à análise - a ação de um agente que
mento, pelo menos momentâneo, de um sinto-
deve ser aceito como causa específica. Esse
agente é, na verdade, uma lembrança relacio- ma, como a dor, como seu inverso, isto é, a
nada à vida sexual, mas que apresenta duas exasperação do mal-estar. Pode se dizer ao
características de primeira importância. O sujeito que ele é incapaz de mover o braço, ou
evento do qual o sujeito reteve uma lembrança o oposto, fazer esse membro agir, aparente-
inconsciente é uma experiência precoce de
mente alheio à vontade do dono. Pode-se ge-
relações sexuais com uma real excitação dos
genitais, resultante de abuso sexual cometido rar, com igual desembaraço no domínio das
por uma outra pessoa; e o período da vida no percepções sensoriais, quer seja alucinação po-
qual ocorre esse fatal evento é a infância - até a sitiva (imaginar uma bela paisagem no vazio,
idade de 8 ou 10 anos, antes que a criança tenha escutar melodia enternecedora) ou a alucina-
atingido a maturidade sexual. Uma experiência ção negativa (não enxergar tal ou qual pessoa
sexual passiva antes da puberdade: eis, então a
9 ou objeto presente, não ouvir o que alguém
etiologia específica da histeria.
diz). Ambas as vivências são providas de
qualidades oníricas, isto é, à guisa de sonho, e
4. Hipnose clínica. experimentadas como reais. A submissão hip-
nótica tem laivos da redutibilidade da criança
O estado de hipnose está presente nas múl- ante os pais.18,19
tiplas formas possíveis de transe, isto é, de es- A importância da hipnose na clínica é, por
tados alterados de consciência, alguns dos um lado, ampliar o campo da consciência, co-
quais fazem parte da vida cotidiana, sem maior mo se verifica na recordação facilitada do “es-
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quecido”, e por outro lado, reduzir aquele mês- Essa experiência, que podia ser repetida regu-
mo território, pela atenção focal sobre aspectos larmente, foi utilizada pelos autores em seu
singulares, com exclusão de outros, normal- trabalho conjunto para indicar que o sintoma
mente presentes, mas indesejáveis.17,19 assume o lugar de processos suprimidos que
Em vários pontos de sua obra, Sigmund não alcançaram a consciência, isto é, que ele
Freud, insere pronunciamentos sobre os méri- representa uma transformação (conversão) des-
tos que atribui à hipnose, cuja importância, ses processos. Explicavam a eficácia terapêu-
declara ele, poderia ser sobre-estimada, seja tica do seu tratamento como devida à descarga
pelas contribuições que deu ao conhecimento e do que anteriormente fora, por assim dizer, um
ao estudo do psiquismo, seja pela eficácia que sentimento "estrangulado" aderente aos atos
tem como instrumento de cura.9 mentais suprimidos (abreação). Mas na prática
o simples esboço esquemático do processo
4.1. Hipnose como psicoterapia nas terapêutico era quase sempre complicado pela
neuroses. circunstância de não constituir impressão
(traumática) "isolada", mas assim, na maioria
Método Catártico. O método psicoterapêu- dos casos, uma série de impressões - não fácil-
tico específico que Freud empregou e descreve mente apreendidas - que haviam participado na
como psicanálise é feito do que se conhecia criação do sintoma.18
como método catártico e foi por ele estudado A principal característica do método
em colaboração com Josef Breuer em seus catártico, em contraste com os outros métodos
"Estudos sobre a Histeria" (1895). Essa terapia empregados em psicoterapia, consiste no fato
catártica foi descoberta de Breuer, utilizada de sua eficácia terapêutica na residir numa
por ele, pela primeira vez, cerca de dez anos sugestão proibitiva pelo médico. A suposição é
antes no tratamento coroado de êxito de uma antes que os sintomas desapareçam automati-
paciente histérica, no discurso do qual obteve a camente tão logo o processo, baseado em
compreensão interna (insight) da patogênese certas hipóteses concernentes ao mecanismo
dos seus sintomas. Como decorrência de uma psíquico, consiga desviar o curso dos proces-
sugestão pessoal de Breuer, Freud reviveu esse sos mentais do seu canal anterior, que encon-
processo e testou-o em considerável número de trava escoamento na formação do sintoma.17,19
pacientes.3,4 As modificações que Freud introduziu no
Esse método pressupunha que o paciente método de tratamento catártico de Breuer fo-
poderia ser hipnotizado, e se baseava no ram, de início, modificações de técnica, estas,
alargamento da consciência que ocorre sob a contudo, levaram a novos achados e finalmen-
hipnose. Seu objetivo era a remoção dos te necessitaram de uma concepção diferente,
sintomas psicológicos, e conseguia - se isso embora não contraditória, do processo terapêu-
induzindo o paciente a retornar estado psíquico tico18.
no qual o sintoma surgira pela primeira vez.
Uma vez tal realizado, emergiam na mente do 4.2. Hipnose como psicoterapia no TOC.
paciente hipnotizado, lembranças, pensamen- A hipnose clínica tem sido considerada no
tos e impulsos que anteriormente haviam sido tratamento do TOC com uma nova abordagem,
excluídos de sua consciência; e, tão logo dentro da visão cognitivo comportamental20 e
comunicasse ele seus fatos ao médico, acom- ericksoniana21.
panhados de intensas expressões de emoção, o Os trabalhos de Milton Erickson21 mostram
sintoma era superado e impedido o seu reapa- que o estado de intensa absorção mental e
recimento. Essa experiência, que podia ser atenção esteja funcionalmente relacionados ao
repetida regularmente, foi utilizada pelos auto- aprendizado e mudança de comportamento.
res em seu trabalho para indicar que o sintoma Em seu artigo de 2007, Frederick20 fornece
era superado e impedido o seu reaparecimento. uma introdução à complexidade das questões
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envolvidas no tratamento do TOC e discorre sas técnicas e exercícios que a hipnose nos
sobre as possibilidades e os obstáculos ineren- fornece, aliados à abordagem psicanalítica e
tes para formação de uma base de evidências cognitivo-comportamental, e remodelando, as-
para o uso de psicoterapias de hipnose nesse sim, a estrutura patológica que tantos limites
tratamento. impõe aos seus portadores.
Shenefelt22 observou que a hipnose aliviou
com sucesso o aspecto comportamental da
Referências.
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origem tem na combinação da hipnose um
9. Freud S. Obras Completas: vol. III pp. 169-172,178,
método catártico da psicanálise e na terapia 179,257,258.
cognitivo-comportamental, excelentes aliados 10. Knoff WF. A history of the concept of neurosis,
para um tratamento satisfatório. with a memoir of William Cullen. Am J Psychiatry
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age diminuindo as defesas e as resistências, 11. Zimerman DE. Fundamentos Psicanalíticos. Porto
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propiciando o conhecimento das causas através 12. Nunes EP. Obsessão e Delírio: neurose e psicose.
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traumáticas que precipitou o quadro patológico 13. Huertas R. Between doctrine and clinical practice:
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A partir desses fatos, é possível trabalhar Etienne-Dominique Esquirol (1772–1840). Hist.
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para re-significação e modificação da estrutura 14. Pinto Junior RA. A invenção da histeria. História,
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mente, reduzindo-se a ansiedade e a angústia, 2009; 16: 819-822.
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