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O caça-desperdícios entra em cena

O principal arauto do 'kaizen' japonês defende uma gestão barata e de bom senso na sua vinda a Portugal
Jorge Nascimento Rodrigues com Masaaki Imai, o 'pai' do 'kaizen' e autor do recente Gemba Kaizen

O erro de muitos movimentos de Qualidade é de se concentrarem na construção de sistemas formais e na obtenção da etiqueta
de certificação, descuidando a limpeza prévia da casa, a caça ao inimigo público número um, o desperdício, que, na gestão
japonesa, é conhecido pela palavra 'muda'.

Mas a artilharia que os 'caça-desperdícios' precisam dentro da empresa não é muito sofisticada, resumindo-se a um regresso ao
bom senso e a soluções baratas que se apóiam na automotivação das pessoas para a prática de uma melhoria contínua nos seus
processos de trabalho. Em contraponto óbvio ficariam as estratégias de tipo 'ocidental', viradas para as rupturas pontuais e para
o 'desperdício' em tecnologia sofisticada.

Em síntese, foi esta a mensagem que o japonês Masaaki Imai, o 'pai' desta filosofia de gestão, veio trazer a Portugal, nesta sua
primeira visita em Fevereiro de 1999 para promover a recém-criada delegação do Instituto Kaizen, sediada no Porto.

Ele criou o conceito de 'kaizen', em que 'kai' significa, em japonês, mudança e 'zen' para melhor. Da junção nasceu a estratégia
minuciosa de melhorias graduais implementadas continuamente, que os japoneses creditam como o fundamento do seu 'milagre'
industrial do pós-guerra.

Este segredo de gestão seria revelado em 1986 por Imai num livro em inglês que, então, fez furor no Ocidente. Em Kaizen-The
Key to Japan's Competitive Success (ISBN 007554332X), editado pela McGraw-Hill, o autor colou uma série de inovações
de gestão japonesas, até ali olhadas separadamente, debaixo do que ele chama um «chapéu de chuva» conceptual. No 'kaizen'
abrigam-se práticas que vêm desde os anos 50, como o «just in time» iniciado na Toyota por Taiichi Ohno ou o controlo da
qualidade total esquematizado por gurus japoneses, como Kaoru Ishikawa, que bebeu na fonte dos conceitos da qualidade
importados para o Japão pelos americanos Deming e Juran nos anos 60.

Ao fazer a junção das peças do «puzzle», Imai criou uma 'filosofia' e deu-lhe uma marca de marketing, que hoje é reconhecida
nos próprios dicionários ocidentais.
O CHAPÉU DE CHUVA DO «KAIZEN»
 Controle da Qualidade Total (TQC, no acrônimo em inglês) e Gestão da Qualidade Total (TQM, no acrônimo em inglês)
 «Just-in-time» e seus mecanismos de comunicação visual como o 'kanban'
 Zero defeitos
 Atividade de pequenos grupos activistas (como os Círculos de Qualidade)
 Prática da sugestões individuais e de grupo
 Manutenção Produtiva Total (TPM, no acrônimo em inglês)
A ouvir Masaaki Imai, nos dois seminários promovidos pela Associação Portuguesa para a Qualidade (http://www.apq.pt) em
Lisboa e no Porto, esteve gente de sectores como a indústria automóvel e o têxtil, onde a linguagem dirigida aos quadros que
«sujam as mãos no terreno» é naturalmente bem recebida.

O que falha na Qualidade

Imai rejeita a postura de guru, mas não tem papas na língua. «Em muitos casos, os Prêmios da Qualidade, como por exemplo,
no muito afamado Prêmio Deming atribuído no Japão, ou as etiquetas de certificação não garantem qualquer sucesso. As
pessoas descobrem depois que têm de enveredar por algo que deveriam ter feito previamente, que deveria ser uma pré-
condição, o combate ao desperdício, a tudo o que não acrescenta valor», afirma-nos.

E prossegue na sua cruzada também contra os inimigos do barato: «O erro principal de muitos profissionais e consultores da
qualidade é dependerem demasiado da tecnologia ou de ferramentas sofisticadas, nomeadamente estatísticas, é de serem
viciados em aplicações computacionais ou mapas muito complexos que só uma elite acaba por conseguir fazer ou perceber».

Se lhe pedíssemos uma explicação curta da sua mensagem, ele responderia assim num inglês perfeito: «O 'kaizen' aposta num
esforço continuado, em soluções baratas baseadas no engenho do pessoal, no envolvimento de toda a gente e na idéia central do
combate ao desperdício - este aspecto é claramente específico desta abordagem». E remata: «Olhe que isso exige lavar as mãos
várias vezes ao dia».

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OS 10 MANDAMENTOS DO 'KAIZEN'
 O desperdício ('muda' em japonês) é o inimigo público nº1; para o eliminar é preciso sujar as mãos
 Melhorias graduais feitas continuadamente; não é ruptura pontual
 Toda a gente tem de estar envolvida, quer gestores do topo e intermédios, quer pessoal de base; não é elitista
 Assenta numa estratégia barata, acredita num aumento de produtividade sem investimentos significativos; não aplica
somas astronômicas em tecnologia e consultores
 Aplica-se em qualquer lado; não serve só para os japoneses
 Apoiasse numa «gestão visual», numa total transparência de procedimentos, processos, valores; torna os problemas e
os desperdícios visíveis aos olhos de todos
 Focaliza a atenção no local onde se cria realmente valor ('gemba' em japonês)
 Orienta-se para os processos
 Dá prioridade às pessoas, ao «humanware»; acredita que o esforço principal de melhoria deve vir de uma nova
mentalidade e estilo de trabalho das pessoas (orientação pessoal para a qualidade, trabalho em equipe, cultivo da
sabedoria, elevação do moral, auto-disciplina, círculos de qualidade e prática de sugestões individuais ou de grupo)
 O lema essencial da aprendizagem organizacional é aprender fazendo
O que pressupõe que não há estratégia de melhoria sem que os gestores ponham as mãos na massa, sem que as 'sujem' no
terreno, no local onde se cria realmente valor, numa clara referência à sua predileção pelo que chama de 'gemba', outra palavra
japonesa que ilustra a imagem do local onde a ação decorre. 'Gemba' seria, aliás, o motivo para o seu segundo livro, publicado
dez anos depois do seu primeiro sucesso de vendas. Gemba Kaizen - A common sense, low-cost approach to management
(ISBN 0070314462), também editado pela McGraw-Hill, reprisa aquelas idéias simples, aliás logo no próprio pós-título como
se vê.

A teoria dos degraus

O enfoque desta prática de gestão na melhoria contínua acarreta sempre uma discussão acesa sobre a sua oposição ou não à
inovação, sobre a sua aversão às mexidas no «status quo». Imai não rejeita a ruptura, confessa é que não é o seu enfoque
principal. Para ele, inovação e melhoria contínua são complementares.

A idéia visual que ele dá é de um processo em degraus sucessivos. «O 'kaizen' vem imediatamente depois da inovação, e a
inovação surge quando se esgotou a melhoria contínua», sublinha-nos, desenhando num guardanapo de papel esta escadaria.

O problema é o balanceamento das duas ópticas e o saber passar de um degrau para outro. O 'kaizen' popularizou-se, como ele
próprio nos conta, como uma resposta ao impacto da crise do petróleo nos anos 70 e dir-se-ia que foi o passaporte seguro para
um crescimento sem mar agitado.

O final dos anos 90 com a emergência da nova economia e o fim dos 'milagres' industriais baralhou o ambiente, e a inovação
voltou à ribalta. Masaaki Imai concede-nos, a finalizar, que «o 'kaizen' é mais dirigido aos sectores da economia industrial,
incluindo mesmo a produção eletrônica», e aceita que «será menos adequado ao novo tipo de indústrias mais recentes nas áreas
da nova alta tecnologia e da biotecnologia, onde a orientação para a inovação está na ordem do dia e onde o investimento em
tecnologia tem um papel relevante».

A CONSULTAR:
 A rede internacional do Instituto Kaizen na Web em www.kaizen -institute.com

OBRAS CORRELACIONADAS DE AUTORES JAPONESES:

 Taiichi Ohno, Toyota Production System, 1988, Productivity Press (ISBN 0915299143)
 Kaoru Ishikawa, What is Total Quality Control, 1988, Prentice Hall (ISBN 0139524339)
 Kaoru Ishikawa, Guide to Quality Control, 1986, Quality Resources (ISBN 9283310365)
 Japan Human Relations Association, The Improvement Engine, Productivity Press (ISBN 1563270102)
 Kiyoshi Suzaki, The New Manufacturing Challenge, Free Press (ISBN 0029320402)
 Kiyoshi Susaki, The New Shop Floor Management, Free Press (ISBN 0029322650)
 Shigeo Shingo, The Study of the Toyota Production System, 1989, Productivity Press (ISBN 0915299178)
 Shigeo Shingo, The Shingo System for Continuous Improvement, 1988, Productivity Press (ISBN 0915299305)

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