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Poesia lírica grega

Prof. Fernando Brandão dos Santos


Depto. de Lingüística - Área de Grego
Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Araraquara, SP
UNESP
Agosto -2005
Poesia Lírica grega 1

A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day.
Emily Dickinson
Poesia Lírica grega 2

Poesia lírica grega


Apresentação

A rosa é um jardim

A rosa é um jardim de cor, anunciando


concentrado a alvorada fogosa
um clarim e o tempo iluminado.

Carlos Drummond de Andrade

A presente apostila é o resultado do esforço da Área de Língua e Literatura Gregas em


oferecer um material em língua portuguesa de interesse a todos os estudantes de Letras ou
mesmo de outros cursos na Área de Humanas que possam se interessar pelo antigo mundo
grego e sua importância intelectual no mundo ocidental.
Em 1976, as professoras Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura Neves, editaram,
com a colaboração de Maria Celeste Consolin e Maria Nazareth Guimarães Cardoso, alunas
naquela época do curso de grego, a Antologia de poetas gregos, de Homero a Píndaro, que
por muitos anos foi usada em sala em cursos regulares e optativos, dando conta da lacuna
existente em nosso mercado editorial sobre a cultura grega, sobretudo sobre poesia grega
antiga. Ainda em 1976, a professora Daisi Malhas, com a colaboração de Maria Helena de
Moura Neves e de Marisa Giannecchini Gonçalves de Souza, editaram na gráfica da então
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, outro volume de interesse: Píndaro,
Ode aos príncipes da Sicília, tradução com introdução e notas.
Hoje restam-nos alguns poucos volumes desses dois importantes trabalhos de lírica
grega, e tomei a liberdade de incluí-los, na presente apostila, com acréscimos meus, traduções
diversas (minhas, do Prof. José Cavalcante de Souza e do Prof. JAA Torrano, de Péricles
Eugênio da Silva), comentários e notas que julgo ser de interesse aos alunos de Letras. Trata-
se, por enquanto, de um material provisório que tenta suprir as lacunas existentes em nosso
meio universitário nesse campo tão importante. É nosso sonho um dia poder publicá-lo, com
os textos em grego ao lado, como acontece nos países em que os Estudos Clássicos têm já
uma tradição centenária. Por aqui, tudo ainda está por se fazer. Aceitamos críticas,
colaborações e sugestões.
Araraquara, primavera de 2000.
Fernando Brandão dos Santos
Poesia Lírica grega 3

O canto dos helenos

1. Poesia
O termo “poesia”, que hoje usamos confortavelmente para designar um gênero
literário, vem do grego antigo poíesis (poivhsi"). É preciso imediatamente esclarecer, para um
estudo da poesia grega antiga, algumas distinções existentes entre o nosso modo de fazer e
conceber poesia e o modo de o fazer e conceber dos gregos antigos. Poíesis vem do verbo
poiéo (poievw) cujo sentido gravita em torno do campo semântico do que entendemos por
fazer, produzir, realizar, moldar, criar. E, de fato, ainda em nossa concepção de poesia há a
idéia do “fazer poético” como um ato criador, envolvendo até mesmo as camadas da
irracionalidade comandadas por operações que entendemos como de ordem psicológica, por
oposição ao discurso organizado, lógico, apresentado pela prosa.1
Nosso propósito aqui, além de ser o de navegar por essas águas, as das discussões
sobre o sentido da poesia, é o de apreciar criticamente, na medida do possível, o sentido do
fazer poético a partir do ponto de vista expresso pelos próprios poetas da Grécia antiga,
expresso em suas obras, já que inexiste até surgir a Poética de Aristóteles um tratado teórico
de poesia no mundo grego. No entanto, os poetas gregos, muitas vezes, deixaram-nos pistas
de como entendiam o fazer poético.
E de saída, devemos já esclarecer, os autores da poesia grega antiga, isto é, os poetas
gregos, viam o seu fazer de um modo um pouco diferente do nosso. Pode-se dizer que isso é
óbvio, pois estão, a partir de nós, em um outro tempo e espaço, e este argumento nos parece
muito justo. Mas não podemos nos esquecer de que, de alguma forma, ainda que de modo
precário, somos, querendo ou não, sabendo ou não, os legítimos herdeiros das concepções
originadas nesse mundo antigo, sobretudo na Grécia antiga. Portanto, estamos sempre diante
de uma situação paradoxal que nos parece não ter solução: herdeiros legítimos que somos de
todo o passado ocidental, estamos muito longe de nos parecermos, no que concerne à poesia,
aos nossos antepassados.
Se os autores com quem vamos trabalhar “não viam” como nós o seu fazer “poético”,
como é então que o viam? Responder a esta questão, talvez, seja o objetivo primeiro e último
de nossa busca sobre a poesia no mundo antigo. Mas também, de imediato, surge a primeira

1
Há ainda uma outra discussão em torno do termo poíesis (poivhsi") ao lado do termo poíema (poivhma), que
seria o resultado do ato criador, ou seja o ato por oposição à ação. Para apreciar melhor essa questão,
recomendamos a leitura do ensaio de Pedro Lyra, Conceito de Poesia, São Paulo, 1986, e o ensaio de Octávio
Paz, O arco e a Lira, Rio de Janeiro, 1982.
Poesia Lírica grega 4

dificuldade em realizá-la, pois há uma imensa lacuna de tempo entre nós e eles. Portanto os
conceitos expressos nessa poesia, embora muitas vezes soando semelhantes aos nossos, estão
muito distantes para que possamos compreendê-los em sua plenitude. Para agravar esse
problema de distanciamento “espiritual”, há um outro problema mais palpável que é a imensa
precariedade como que esses textos chegaram até nós. Muitos deles se perderam, outros se
encontram em estado fragmentário e muito pouco chegou intacto até nós. Talvez, com toda a
iluminação que os métodos de abordagem de poesia possam nos trazer, estejamos fadados a
apenas ter um vislumbre do brilho que emana desses fragmentos, que, na verdade, esboçam
magníficos templos de palavras, melodias e cantos. E como a análise de qualquer obra de arte
se justifica pela própria possibilidade de releitura, permitida por ela mesma, o estudioso pode
sentir-se gratificado pela experiência exuberante que essa poesia, ainda que fragmentada,
permite.

1.1. Canto, Mito, a função da poesia


A atividade poética na Grécia está ligada primeiramente a uma idéia de inspiração
divina, vinda ao homem através das Musas, revelando um passado glorioso. As Musas,
segundo a tradição mitológica, são filhas de Zeus, deus pai e rei do Olimpo e de Memória,
Mnemosyne (Mnhmosuvnh). Da união de Zeus com Memória por nove noites, nasceram nove
deusas, cada uma presidindo a uma atividade artística. Mas todas as atividades artísticas se
voltam para o louvor do pai Zeus. Veja-se o proêmio da Teogonia de Hesíodo, poeta do fim
do século VII a. C.:
“Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar.
Elas têm grande e divino o monte Hélicon
em volta da fonte violácea com pés suaves
dançam e do altar do bem forte filho de Cronos.(...)” 2

Se observarmos um pouco mais de perto, através dos textos de Homero e Hesíodo, os


dois poetas mais antigos da Grécia antiga, já vamos perceber uma diferença fundamental entre
as atividades artísticas e as nossas tradições literárias. Homero, na Ilíada, um dos poemas
mais antigos do ocidente, cujo tema central é o ódio do herói Aquiles contra os próprios
gregos, sobretudo contra o rei dos homens (ánax andrôn), Agamenão, em seu prólogo
apresenta-nos um pedido a deusa, isto é, à Musa: que ela cante (ela que é detentora da voz do
poema) o ódio funesto de Aquiles:
“Canta, deusa, a ira do Peleida Aquiles,
desgraçada, que inúmeras dores impôes aos aqueus,

2
Trad. de JAA Torrano, v. 1 e seq., São Paulo: 1991, p. 105. Para a geração das Musas, vejam-se vv. 53-67.
Poesia Lírica grega 5

muitas vidas vigorosas de heróis ao Invisível


arremessou; fez deles caça para cães e para
todas as aves de rapina – de Zeus cumpria-se o desígnio –
primeiramente a partir de onde discordaram os dois brigando,
o Atrida e rei dos homens e o divino Aquiles.

Hesíodo, poeta do período arcaico, posterior a Homero, também solenemente declara


que, através dele, Hesíodo, é que vamos conhecer o hino cantado pelas musas ao caminharem
pela região do monte Hélicon, onde se banham e vão até o Olimpo, sempre hineando Zeus, os
outros deuses, mas sobretudo. Zeus, motivo original e razão última do canto. A atividade
poética, então, aparece como um ofício sagrado, um dom especial que liga o cantor (aedo),
que, por ser homem, é mortal, ao mundo dos deuses que, por sua vez, se caracterizam
justamente pela imortalidade. De uma certa forma, como já se observou, a atividade poética se
aproxima da atividade profética: “Aliás, entre a adivinhação e a poesia oral tal como ela se
exerce, na idade arcaica, nas confrarias dos aedos, de cantores e músicos, há afinidades e
mesmo interferências, que foram assinaladas várias vezes, Aedo e adivinho têm em comum
um mesmo dom de “vidência”, privilégio que tiveram de pagar pelo preço de seus olhos.
Cegos para a luz, eles vêem o invisível. O deus que os inspira mostra-lhes, em uma espécie de
revelação, as realidades que escapam ao olhar humano. Esta dupla visão age em particular
sobre as partes do tempo inacessíveis às criaturas mortais: o que aconteceu outrora, o que
ainda não é. O saber ou a sabedoria, a sophia, que Mnemosyne dispensa aos seus eleitos é
uma ‘onisciência” de tipo divinatório. A mesma fórmula que define em Homero a arte do
adivinho Calcas aplica-se, em Hesíodo, à Mnenosyne: ela sabe – e ela canta – “tudo o que
foi, tudo o que é, tudo o que será”. Mas ao contrário do adivinho que deve quase sempre
responder às preocupações referentes ao futuro, a atividade do poeta orienta-se quase
exclusivamente para o passado. Não o seu passado individual, e também nem o passado em
geral como se tratasse de um quadro vazio, independente do acontecimentos que nele se
desenrolam, mas o “tempo antigo”, com o seu conteúdo e as suas qualidades próprias: a
idade heróica ou, para além disso a idade primordial, o tempo original.” 3
A forma com que esse ofício é apresentado ao público da Grécia antiga também tem
suas peculiaridades justamente porque aparece associado ao canto e à dança. As musas não só
cantam mas também dançam. O mesmo deve fazer o poeta. Sua produção, ou seja, sua
composição deve comportar tanto o canto como a dança. Infelizmente, são parcos os registros
disponíveis sobre a música e a dança na Grécia antiga.

3
Mito e pensamento entre os gregos, de Jean-Pierre Vernant, São Paulo: 1973, p73-74. Cf. também Jacqueline
Duchemin, Pindare, poète et prophète, Paris: Belles Lettres, 1955.
Poesia Lírica grega 6

A primeira diferença entre a nossa concepção de poesia e a dos gregos antigos já fica
assim estabelecida. Nossa poesia, embora comporte um ritmo próprio e até mesmo se possa
falar numa “musicalidade” presente na poesia, distinguindo-a da prosa, nada tem a ver com a
música e/ou dança que se praticam em nossa sociedade. Certa vez, numa entrevista para a
imprensa o poeta João Cabral de Melo Neto disse que não podia ouvir música porque esta o
desviaria de sua poesia, distrairia seu espírito, etc. Esta afirmação parece comprovar a idéia de
que para nós existe de fato uma grande distância entre a música (ainda que cantada) e a
musicalidade da poesia.
Para os gregos antigos tal separação não existe. Ao contrário, a poesia é entendida
como um acontecimento “performático”, comportando todos os elementos de um espetáculo,
quer para uma platéia reservada, quer para um evento aberto, cívico, enfim, público 4. A
atividade poética está, assim, extremamente ligada a atividades públicas, a eventos,
comemorações de diversas ordens. Praticamente todas as atividades importantes da sociedade
são marcadas com a presença do poeta executando os seus poemas. Por outro lado, os poetas
desconheciam o nome de “poetas” para si; entendem-se mais como cantores, (aedos, de
a*oidov"), e os termos para designar o seu fazer estão todos circunscritos na esfera do canto-
dança de que fazem parte. O que o estudioso Charles Maurice Bowra postula sobre o fazer
poético de Píndaro se aplica facilmente a qualquer outro poeta grego, de Homero ao século V
a. C., pelo menos: “Os poemas de Píndaro são corretamente chamados ‘odes’, uma vez que
eram para ser cantados, e é como canções que ele fala delas, com palavras tais como molpav,
a*oidav, mevlo", u@mno". Ele não usa poivhma, termo que tem sua primeira aparição em Cratino
(fr. 186K) e pode, com o quase contemporâneo poihthv" (Democr. fr. 18 D.-K.; Hdt. 2.23;
2.53.3 ; 2.156.6; 3.115.2; 5.95.1; 6.52.1.), ter tido associações conversacionais ou prosaicas
que o torna imprópio para a aparição na alta poesia.”5
O poeta sempre está acompanhado de um instrumento musical. Na Ilíada, por
exemplo, há uma cena ontológica em que podemos apreciar o mais bravo de todos os
guerreiros gregos em sua tenda, junto de seu parceiro de guerra, Pátroclo, tocando sua lira,
cantando o kléos, a glória dos guerreiros6. E é justamente desta cena do canto nono da Ilíada
que podemos inferir que o propósito do canto, para os primeiros gregos, é justamente celebrar
a memória dos seus guerreiros. Honrá-los é perpetuar a lembrança deles através dos cantos em
que se celebram os seus feitos corajosos. Ao mesmo tempo este canto estabelece para as

4
Cf. Performance como Linguagem, de Renato Cohen, São Paulo, 1989, para uma discussão mais aprofundada
do termo performance e seus usos ligados à multimidia. Veja-se também o interessante estudo de Bruno Gentili,
Poetry and Its Public in Ancient Greece, from Homer to the Fifth Century, Baltimore/London: 1988.
5
Pindar, “The Theory of Poetry”, Oxford: 1971, p. 2.
Poesia Lírica grega 7

gerações um código de conduta heróica, que, propositadamente ou não, vai moldar o viver dos
guerreiros-cidadãos (ándres).
Mas, agora, para entrarmos um pouco mais nos detalhes sobre os “cantos” e suas
funções, é preciso que retenhamos um pouco mais na idéia de memória e seu significado no
mundo grego antigo.

1.2. Canto e Memória


É preciso esclarecer que os poemas homéricos, referidos anteriormente, na verdade,
em sua origem, não eram exatamente escritos. Ao contrário, segundo pesquisas mais recentes,
essa primeira poesia do ocidente é anterior à adoção da escrita pelos gregos. A escrita em que
esses poemas foram registradas foi adotada pelos gregos por volta de 800 a.C. e os poemas
retratam uma sociedade muito mais antiga, relatando possíveis acontecimentos de até 1500 a.
C. Assim, a primeira poesia da Grécia era transmitida de geração a geração não por meio da
escrita, mas por uma tradição oral, coleção de poemas, cantados ou recitados. Há estudos que
demonstram através de levantamentos a marca da oralidade presente claramente nos poemas
homéricos7. Essa marca, que consiste na repetição de fórmulas, faz parte de um técnica
mnemônica em que o cantor-poeta (aedo, do verbo áeido a*eivdw, cantar), através de blocos
narrativos (ou cenas narrativas) exercita-se na arte de cantar repetindo histórias de um
passado. Vejam-se os exemplos:
“Quando surgiu a Aurora de dedos róseos, filha da manhã”
é um dos versos mais usados por Homero, quando quer, em seus poemas, marcar a mudança
de um dia para o outro. Outro modelo formular muito encontrado é:
“Em resposta disse-lhe o poderoso Agamenão.”
que pode ser substituído no segundo hemistíquio por outra fórmula:
“Em resposta disse-lhe Aquiles de pés velozes.”
ou ainda substituir o primeiro hemistíquio:
“Olhando de soslaio, disse-lhe Aquiles de pés velozes.” 8
Devemos ainda, embora não seja o mais importante, esclarecer alguns pontos
peculiares da língua grega, já que desejamos apreciar melhor a poesia desta língua. 9

6
Ilíada, canto IX, vv. 186-192.
7
Citemos o primeiro autor a estudar metodicamente essa questão: Milman Parry, L’ épithete traditionelle dans
Homère, Paris, 1928. Depois dele uma série de estudos tem considerado a formação oral da obra de Homero.
8
A tradução destes versos aqui citados é da profa. Dra. Maria Helena da Rocha Pereira, Estudos de Cultura
Clássica. Tomo I. Cultura Helênica, Lisboa, 1970.
Poesia Lírica grega 8

1.3. O cantar da língua grega


Todo o idioma falado tem uma modulação própria, que no ouvir de um falante de um
outro idioma soa como um “cantar”, ou um “cantar diferente” do seu. Essa modulação, esse
cantar de uma língua é um dos componentes mais importantes na linguagem, sobretudo na
linguagem poética.
O grego tem como uma das características básicas a distinção entre o som das vogais
longas e das vogais breves, que podem ser marcadas pelos seguintes diacríticos (¯) para
vogais longas e (˘). Assim, o ritmo de uma palavra é determinado sobretudo pela quantidade
das vogais na formação das sílabas. A combinação de vogais longas e breves em diferentes
construções estabelece o ritmo da palavra, do verso, etc. Além do mais, há ainda a modulação
produzida pelo acento. Os acentos das palavras não eram como os nossos, feitos pela
intensidade. Os acentos nas palavras gregas marcavam a tonalidade. Ritmo e tonalidade são os
componentes básicos da poesia grega.
Os poemas homéricos, por exemplo, usavam uma medida (métron) cuja unidade
mínima era o dáctilo (dáctylon), um dedo, o correspondente a uma vogal longa e duas breves
(¯˘˘). Um conjunto de seis dáctilos compõe o hexâmetro datílico (¯˘˘|¯˘˘|¯˘˘|¯˘˘|¯˘˘|¯˘). Todos
os versos da Ilíada e da Odisséia, de Homero e a Teogonia e Os trabalhos e os dias, de
Hesíodo foram compostos sob esta medida, isto é, em hexâmetro datílico. 10 Obviamente há
particularidades neste metro que não podemos explorar aqui. Apenas para ilustrar, podemos
dizer que o dáctilo podia, ao invés da vogal longa e duas breves, por exemplo, ter duas vogais
longas (¯ ¯), em qualquer uma das posições, chamando-se, então, espondeu.
Todos os poetas antigos se utilizaram desses recursos da língua para compor os seus
poemas.11 Sabemos que esse sistema de compor só vai terminar após o avanço do pensamento
cristão, portanto, num período tardio, que, pregando contra a sensualidade dos ritmos
“pagãos”, cria a rima, desconhecida dos poetas que estudaremos. Ao que tudo indica, o
primeiro poema rimado do Ocidente de que temos notícia é o famoso Stabat Mater, um canto
religioso ligado à procissão de Nossas Senhora das Dores, feita após o sepultamento
simbólico do Cristo, na madrugada da Sexta-feira Santa para o Sábado do Aleluia. Veja-se
aqui o texto, que foi musicado pela maioria dos grandes mestres da música ocidental:

9
Obviamente que essa breve explicação destina-se aos nãos iniciados em língua grega. Trata-se apenas de um
esclarecimento necessário para a maior fruição das reflexões que a poesia grega pode suscitar.
10
Também os oráculos eram proferidos em hexâmetro.
11
Não é privilégio da língua grega ter esse sistema de sílabas contendo vogais longas e breves. Na verdade, com
as devidas diferenças, todas as línguas vinda do Indo-europeu, mais sabidamente o Sânscrito, língua ritual da
Poesia Lírica grega 9

“Stabat mater dolorosa, Estava a mãe dolorosa,


juxta de crucem lacrimosa, ao pé da cruz lacrimosa,
dum pendebat Filius. enquanto seu filho pendia.

Cuius aninam gementem, À sua alma gemente,


contristatam et dolentem, entristecida e dolorida,
pertransivit gladius. atravessou a espada.

O quam tristis et afflicta Ó que triste e aflita


fuit illa benedicta estava ela a bendita
Mater Unigeniti. a Mãe do Unigênito.

Quae moerebat et dolebat, Ela que se abatia e sofria,


Pia Mater dum videbat Pia Mãe, ao ver
Nati poenas inclyti. os sofrimentos do ínclito filho.

Quis est homo, qui non fleret, Qual é o homem, que não choraria,
Christi Matrem si videret se visse a Mãe do Cristo
in tanto supplicio? em tamanho suplício?

Quis non posset contristari Quem não poderia se entristecer


Christi Matrem contemplari ao contemplar a Mãe do Cristo
dolentem cum filio? sofrendo com seu filho?

Pro peccatis suae gentis Pelos pecados de sua gente


vidit Jesum in tormentis viu Jesus em tormentos
et flagellis subditum. e à flagelos submetido.

Vidit suum dulcem natum Viu seu doce filho


moriendo desolatum morrer desolado
dum emisit spiritum. enquanto abandonava seu espírito.

Eja Mater, fons amoris, Eia Mãe, fonte de amor,


me sentire vim doloris com que eu sinta a força da dor
fac, ut tecum lugeam. faz, para que contigo lamente.

Fac ut ardeat cor meum Faz que arda meu coração


in amando Christum Deum, ao amar Cristo Deus,
ut sibi complaceam. para que a ele agrade.

Sancta Mater, istud agas, Santa Mãe, isso faças,


crucifixi fige plagas crava do crucifixo os golpes
cordi meo valide. em meu coração forte.

Tui nati vulnerati, Ao teu filho ferido,


tam dignati pro me pati, tão digno por mim sofrer,
poenas mecum divide. divide comigo os sofrimentos.

Fac me tecum pie flere, Faz com que eu, piedoso, contigo chore,
crucifixo codolere, do crucificado condoer-me,
donec ego vixero. enquanto eu viver.

Juxta crucem tecum stare Ao pé da cruz contigo estar,

Índia, e também o Latim conheciam distinção entre vogal longa e breve e o sistema tonal de acentuação. Assim,
o ritmo da poesia nessas línguas leva em conta a quantidade das sílabas.
Poesia Lírica grega 10

et me tibi sociare e à ti me associar


in planctu desidero. no pranto desejo.

Virgo virginum praeclara, Virgem das virgens, preclara,


mihi jam nom sis amara: a mim já não sejas amarga:
fac me tecum plangere. faz me contigo chorar.

Fac ut portem Christi mortem, Faz com que eu carregue a morte do Cristo,
passionis fac consortem, da paixão faz me consorte,
et plagas recolere. e os golpes rememore.

Fac me plagis vulneri, Faz me ferir nos golpes,


fac me cruce inebriari, faz me na cruz inebriar,
et cruore Filii. e no sangue do Filho.

Flammis ne urar succensus, Que não me queime submetido às chamas


per te Virgo, sim defensus por ti, Virgem, seja defendido
in die judici. no dia do juízo.

Christe, cum sit hinc exire, Cristo, quando seja daqui partir,
da per Matrem me venire dá por tua Mãe que eu chegue
ad palmam victoriae. à palma da vitória.

Quando corpus morietur, Quando o corpo morrer,


fac ut animae donetur faz com que à alma seja dada
paradisi gloria. Amen. Alleluia. a glória do paraíso. Amén. Aleluia. 12

1.4. As modulações do canto dos helenos


Dentro do que chamamos poesia lírica da Grécia arcaica, há diversas subdivisões que
precisam ser entendidas. A primeira grande divisão que se apresenta é entre a lírica coral e a
lírica monódica. Dentro da lírica coral temos, de acordo com a função que era designada,
algumas formas definidas, a saber, os hinos, que são cânticos aos deuses: o pean, um cântico
usado para cura e também um hino especial ao deus Apolo; o ditirambo, um canto em honra
ao deus Dioniso; o parteneion, um canto entoado por virgens; o hiporquema, um canto
acompanhado de dança agitada; o prosódion, um canto que acompanha as procissões. Os
cantos feitos para os homens podem ter a forma de epinício, um canto laudatório, geralmente
a um atleta vencedor de um dos jogos famosos (jogos olímpicos, jogos píticos, jogos istmícos
e jogos nemeus); o encômio é um canto laudatório a um cidadão ilustre e por fim o treno, um
canto fúnebre.
A divisão dos cantos monódicos aparece sob outras formas. Primeiramente, temos a
elegia, que se compõe de dísticos com um hexâmetro e um pentâmetro. Pode ser classificada
de acordo com o tema que trata: elegia amorosa, elegia guerreira, elegia gnômica e moral e

12
Paroissien Romain, contenant La Messe et L’ Oficce pour les dimanches et les fêstes de I. e II Classe,
Rome/Tournais, 1926, p. 1438-1442. Tradução de Fernando Brandão dos Santos.
Poesia Lírica grega 11

elegia filosófica. O jambo, cuja origem se perde num passado mitológico 13, apresenta um tom
de escárnio - em versos cuja unidade métrica é composta de uma vogal breve e uma vogal
longa (˘¯), está muito próximo da fala, e era, na verdade, não cantado, mas recitado. A ode é
um canto acompanhado pelo bárbitos, um instrumento de cordas muito semelhante à lira. Safo
e Alceu, de Lesbos, compuseram odes monódicas, já Baquílies e Píndaro compuseram odes
corais, cantadas por um grupo de cantores, como forma de celebração dos vitoriosos nas
diversas modalidades dos jogos esportivos da antigüidade (jogos olímpicos, píticos, ístmicos e
nemeus, para nomear os mais importantes).

2. O contexo histórico-social14
Até fins do século VIII, a aristocracia era a classe dominante. A posse das terras se
constituía na única forma de riqueza. A tática de guerra predominante até essa época, o
combate singular, exigia que o guerreiro fosse suficientemente poderoso para que pudesse
adquirir carros de guerra, cavalos, armamentos e até escudeiros. Sob esse ponto de vista, os
aristocratas, além de donos das melhores terras, eram também os defensores da cidade. Esses
dois privilégios já eram suficientes para lhes dar o direito de dirigirem o estado.
Em princípios do século VII, porém, ocorrem, no mundo grego, transformações que
contribuirão de maneira decisiva para a decadência da aristocracia.
Destaca-se, primeiramente, o desenvolvimento do comércio. A colonização grega que
se iniciara tinha caráter agrário. Das colônias, os gregos importavam o trigo, a madeira e
minérios; em troca, exportavam vinho, óleo e objetos de artesanato. Como as colônias
garantissem produtos agrícolas e matérias-primas, os gregos podiam dedicar-se com mais
tempo à indústria têxtil, cerâmica e metalúrgica. E com o desenvolvimento da indústria, o
comércio também ganhava impulso.
Com a expansão do comércio, surge na Grécia uma nova classe social: a classe dos
mercadores e artesãos, que se enriquecia cada vez mais, tornando-se rival da classe dos
aristocratas. A posse de terras começa a deixar de ser a única forma de adquirir fortuna.
A expansão comercial leva os gregos ao contato com as adiantadas civilizações
orientais. Com elas os gregos aprendem novas técnicas e adquirem novos conhecimentos. É
do Oriente que os gregos trazem o sistema de pesos e medidas 15; data também dessa época o

13
Na tradição mitológica, narrada no Hino Homérico a Deméter, a origem do jambo é quando Iambé diz uma
obscenidade, acompanhada de um gesto também obsceno, a Deméter, que mesmo estando inconsolável porque
havia perdido a filha, Perséfone, faz com que Deméter, mesmo em profunda tristeza, ria.
14
Antologia dos Poetas Gregos de Homero a Píndaro, Araraquara, 1976, pp. 59-66.
15
Os gregos utilizavam, para medidas lineares, o pé ( = 0,30 m). Cem pés constituíam um pletro e seiscentos, um
estádio. Para medir-se superfície, utilizavam-se os pés ou pletros quadrados. (Lavedan, Dictionnaire Illustré de
Poesia Lírica grega 12

aparecimento da moeda no território grego16. A mudança que se opera na tática militar


desempenha ainda papel importante nas transformações sociais. As armas de guerra
diminuem de tamanho, tornando-se acessíveis aos cidadãos da nova classe média. Aparecem,
então, os guerreiros típicos desse período: os hoplitas. Dadas as condições de seu
armamento17, não podiam lutar sozinhos. Desenvolvem-se as falanges, fileiras cerradas que
proporcionavam maior eficiência na defesa e no ataque. Os navios de guerra adquirem
maiores proporções; conseqüentemente, o número de remeiros também aumenta.
Em síntese, a classe dos aristocratas acaba por perder o monopólio da defesa da
cidade. Ela já dependia dos hoplitas e dos remeiros. E, como se disse anteriormente que
defender a cidade implicava o direito de dirigi-la, essas classes passam a fazer reivindicações
políticas.
Para os camponeses endividados, a situação vai-se tornando degradante; muitos, caso
não pagassem suas dívidas, eram reduzidos à condição de rendeiros, quando não eram
vendidos como escravos.
O empobrecimento e a consciência política levam os revoltosos a reivindicar a
abolição das dívidas e a divisão das terras. Exige-se também a publicação de leis escritas. A
justiça, baseada em leis orais e administradas pelas grandes famílias, já não parece segura por
dar margem a processos corruptos e arbitrários.
Recorre-se, primeiramente, aos legisladores. Eles são eleitos com a missão de
promulgar leis escritas. Sobre estas quase nada se sabe, mas há algumas informações sobre a
contribuição de Sólon, em Atenas, para solucionar a crise agrária: suprimiu a prisão por
dívidas, libertou os escravizados e retirou os marcos hipotecários das terras 18.
A atuação dos legisladores é, porém, insuficiente para a resolução dos problemas que
tumultuavam as cidades. E o povo, então, dispõe-se a seguir um líder que se levantasse contra
a aristocracia e defendesse as reivindicações da classe média. Essa liderança coube aos
tiranos19. Eram, em geral, de nascimento nobre e conseguiam a simpatia do povo com sua

la Mythologie et des Antiguités Grecques et Romaines, Paris, 1952, “Mesures”. Sólidos e líquidos mediam-se
com uma mesma unidade, o cótilo, que, no sistema ático, eqüivalia a 0,271 (Devambez, Dictionnaire de la
Civilisation Grecque, Paris, 1966, “Mesures”.
16
Os gregos atribuíam a invenção da moeda a Giges, rei da Lídia, onde se encontrava electron em abundância.
Como na Grécia não havia nem ouro nem electron, utilizou-se, primeiramente, o ferro, e depois, a prata. O
monetarismo é a grande característica de todas as moedas cunhadas nas cidades comerciais dessa época.
(Lévêque, A Aventura grega, trad. port., 1967, p. 124)
17
Os hoplitas defendiam-se com um escudo redondo, preso no antebraço esquerdo; a mão direita permanecia
livre para segurar a lança. Protegem-se ainda com o elmo, o peitoral, as caneleiras e com uma espada curta.
18
Cf. Aristóteles, Constituição de Atenas, XII, 4.
19
A palavra tirano não é de origem grega. Na língua grega, aparece pela primeira vez na obra de Arquíloco e
refere-se a Giges, rei da Lídia, que se apodera ilegitimamente do governo. No vocabulário antigo, tal palavra não
Poesia Lírica grega 13

política demagógica. Conquistavam o poder à força e, conscientes de que, na situação de


crise em que se encontravam as cidades, só mesmo um governo autoritário poderia
restabelecer a ordem, procuravam manter sob controle todos os poderes, subjugando de todas
as formas as famílias aristocráticas. Não se preocuparam demais com os problemas do povo;
apenas diminuíram as contribuições dos agricultores e amenizaram sua dependência em
relação aos proprietários. A julgar pelo conhecimento que se tem de Atenas, estimularam o
plantio da vinha e da oliveira, mais convenientes ao clima grego. Despenderam grandes somas
para as construções públicas, dando oportunidade de trabalho aos operários. Em suas cortes
luxuosas davam lugar especial aos poetas e artistas; apoiavam os concursos competitivos e
incentivavam a formação musical e ginástica do povo grego.
A tirania, na Grécia, dura até fins do século VI. Costuma-se atribuir sua decadência ao
fato de os descendentes dos tiranos não serem tão enérgicos e audaciosos como eram seus
antecessores.20 Na maioria das vezes, a tirania é substituída por uma aristocracia ou por uma
oligarquia. Em Quios e Atenas, o regime democrático se apodera do governo. Acrescenta-se
ainda que cidades como Egina e Esparta não conheceram a tirania. Esta última permaneceu
com seus dois reis, cujo poder executivo era controlado pelos éforos. 21
Quer tenham sido demasiado autoritários, quer extremamente egoístas, o certo é que
aos tiranos se deve o impulso que as artes, de modo geral, ganharam nesse período.
A arquitetura se desenvolve, mas sempre ligada à religião. As construções
monumentais desse período são os templos. Inicialmente constituídos de um só
compartimento, o naós, com o tempo é-lhes acrescentado um vestíbulo, o pronaos, e, na outra
extremidade, o epistódomo. Com a finalidade de embelezar o templo, circundam-no de
colunas, construídas e decoradas de acordo com os cânones ditados pelas ordens dórica e
jônica. 22 Seguindo a mesma arquitetura dos templos, há os tesouros, compartimentos
quadrangulares construídos perto do templo, usado para abrigar as oferendas mais preciosas.
A escultura ganha importância na decoração dos santuários e necrópoles, com a
predominância dos motivos religiosos. São esculpidas imagens de deuses e monumentos

possuía o sentido que agora lhe atribuímos. O tirano distinguia-se do rei apenas por não ter herdado o poder e por
não ser o chefe das práticas religiosas. (Lavedan, op. cit. , “Tyran, Tyrannie”).
20
Cf. Jaeger, Paidéia, trad. port., São Paulo, p. 254.
21
Eram cinco magistrados eleitos por um ano e tinham por obrigação fiscalizar tanto a vida pública quanto a
vida privada do rei. Esforçavam-se por manter a tradição espartana e a disciplina social. Prestavam contar de
seus atos somente a seus sucessores. (Devambez, op. cit., “Éphores”).
22
As colunas em estilo dórico caracterizavam-se por não possuírem base e erguerem-se diretamente de uma
plataforma de três degraus. O fuste apresenta vinte estrias verticais. O capitel é constituído de uma parte circular
e de um bloco quadrado. A coluna jônica, por sua vez, apresenta uma base de duas ou mais peças ornamentadas;
os fustes, mais delgados do que os dóricos, apresentam vinte e quatro estrias. O capitel traz um par de volutas.
Poesia Lírica grega 14

funerários; nos relevos que decoravam os frontões e métopas dos templos, representam-se
cenas mitológicas.
Quanto às figuras humanas, aparecem dois tipos: o rapaz (koûros), em posição
vertical, nu, com o pé esquerdo um pouco avançado; a moça (koré) também em pé, sempre
vestida, com um braço sobre o corpo.
À cerâmica desse período impõe-se o estilo orientalizante, contemporâneo das intensas
relações mantidas entre a Jônia e o Oriente. As peças são extremamente decoradas com
animais e vegetais. Depois do século VI, os motivos serão encontrados nas cenas familiares,
no trabalho e nas distrações; os motivos mitológicos permanecem.
Começam, nesse momento, as pesquisas filosóficas e científicas. Tales, Anaximandro
e Anaxímenes preocuparam-se com as origens do universo. A mesma preocupação está
presente em Xenófanes e Heráclito. Tales dedica-se ainda à geometria e à astronomia.
Pitágoras descobre o teorema que leva seu nome e dá grande impulso à geometria. No sul da
Itália, ele funda uma seita religiosa cujas doutrinas são conhecidas sob o nome de
pitagorismo.
Em Mileto, aparecem os primeiros logógrafos. Interessavam-se pelas tradições míticas
que envolviam as origens das cidades. A Hecateu, o mais célebre logógrafo, concede-se o
mérito de ter criado a história e a geografia.
No domínio religioso, aparecem as religiões de mistérios, cujas doutrinas são
reservadas apenas aos iniciados. Todas essas religiões tinham uma característica em comum:
o segredo. Proibia-se ao iniciado transmitir a quem quer que fosse as revelações que lhe eram
feitas. Tornam-se famosos os mistérios de Deméter, praticados no santuário da deusa, em
Elêusis.
Nesse período (século VII-VI), no domínio da literatura, desenvolve-se a Poesia
Lírica.

2.1. O gênero lírico


As origens do lirismo, como gênero literário, são remotíssimas. A poesia cantada
existia na Grécia desde tempos bem antigos. A criação da música sempre apareceu ligada a
personagens mitológicas como Apolo, Mársias, Lino e Orfeu. Esse fato permite-nos supor
que, em época bem remota, já existia uma poesia cantada ligada aos santuários e cerimoniais.
Essa poesia religiosa teria dado origem aos hinos.
Segundo Croiset, quando os aqueus celebravam uma divindade, cantando sua
grandeza, suas façanhas ou pedindo-lhe auxílio ou ainda endereçando-lhe agradecimentos,
Poesia Lírica grega 15

essas diferentes ocasiões propiciaram o aparecimento de formas poéticas religiosas, que


teriam precedido o nomos, o peã e o prosódia. 23
Certamente, os acontecimentos da vida profana também mereciam ser cantados. A
Ilíada faz alusões tanto ao canto religioso quanto à poesia profana: no canto XXII, v. 391 ss.,
encontramos uma alusão ao peã, no canto XXIII, v. 12, ao treno e no canto XVIII, v.492 ss.,
ao himeneu.
Desde suas origens, observamos que o lirismo conta com dois elementos essenciais: o
elemento musical e o elemento literário. O poeta lírico era tanto o compositor da música
quanto da poesia.
Sendo a música elemento importante na poesia lírica, podemos entender que o
desenvolvimento do lirismo só foi possível quando ocorreu o progresso das técnicas musicais.
Foi imprescindível para a eclosão do lirismo na Grécia o contato dos jônios com os povos do
Oriente, onde um grande progresso musical havia ocorrido no século VII. Dos orientais, os
gregos adotam instrumentos musicais já aperfeiçoados, como a cítara e múltiplas cordas e a
flauta.
Sobre a música grega, entre as raras informações que nos chegaram, sabemos que a
escala musical se constituía de sete notas, cujas combinações criaram os modos musicais. Os
três modos básicos eram o dório, de caráter viril, grave e majestoso, o lídio, dolente e fúnebre,
e o frígio, agitado entusiástico. As variações e combinações desses três tipos possibilitavam a
criação de modos mistos, como hipodório e o mixolídiano.24
Além da cítara, também chamada lira ou forminx, os gregos conheciam o bárbitos (lira
de forma alongada), o trigonos (pequena harpa triangular), o sambique, a magadiz, a pectis e a
nablas, todos eles instrumentos de cordas. Conheciam ainda a flauta, o aulos ou dupla flauta, a
sirinx e a trombeta.25
Na execução musical, fazia-se distinção quanto ao canto e ao instrumento. Se a música
fosse cantada a uma só voz, seria denominada, monódica; se por um coro, coral. Se a
execução musical fosse puramente instrumental, denominava-se citarística (no caso da cítara)
ou aulética (no caso da flauta). Se a execução musical fosse acompanhada pela voz de um
cantor ou coro, chamar-se-ia citaredia ou aulodia.
Na Poesia Lírica Monódica, o poeta fala, em seu próprio nome, de seus sentimentos,
idéias e paixões. Na Poesia Lírica Coral, cantada nas cerimônias religiosas e cívicas, o poeta
se faz intérprete da coletividade. No primeiro caso estão a elegia, o jambo e a ode; no

23
Cf. Histoire de la Litérature Grecque, Paris, 1913, II, p. 16.
24
Lavedan, op. cit., “Musique”.
Poesia Lírica grega 16

segundo, o hino religioso, o peã, o hiporquema, o parteneu, o prosódion, o ditirambo, os


encômios, entre os quais os epinícios e os trenos.

3. Os textos26
3.1. Poesia lírica monódica
ELEGIA
Segundo os alexandrinos, a elegia seria uma espécie de lamentação e mesmo um canto
fúnebre. A etimologia da palavra elegia, de acordo com esses eruditos, ligava-a a expressões
gregas que significavam “dizer ai”, “ter piedade”. Modernamente, a palavra é considerada
comum às raízes armênias elêgn, elegneay, que quer dizer “caniço”, “flauta”, “flauta de
caniço”. Portanto, elegia seria a poesia cantada ao som de flauta.
Formalmente a elegia caracteriza-se pelo dístico formado de um hexâmetro dactílico e
de um pentâmetro. Da epopéia, emprega o dialeto jônico, os epítetos e versos-fórmula. O mito
não é essencial; quando aparece, é como fundamentação religiosa.
De acordo com os temas tratados, pode-se classificar a alegia em guerreira, amorosa,
gnômica e moral ou filosófica.
A elegia guerreira é representada por Calino e Tirteu; Mimnermo compôs elegias
amorosas; Sólon, elegias morais ou filosóficas; Focílides e Teógnis escreveram elegias
gnômicas.

ELEGIA GUERREIRA
CALLINUS
mevcri" tevo katavkeisqe; kovt’ a!lkimon e@xete qumovn,
w^ nevoi; ou*d’ ai*dei~sq’ a*mfiperiktivona"
w%de livhn meqievnte"; e*n ei*rhvnh/ deV dokei~te
h^sqai, a*taVr povlemo" gai~an a@pasan e!cei
. . . . . .
5. kaiV ti" a*poqnhvskwn u@stat’ a*kontisavtw.
timh~en te gavr e*sti kaiV a*glaoVn a*ndriV mavcesqai
gh~" pevri kaiV paidivwn kouridivh" t’ a*lovcou
dusmenevsin: qavnato" deV tovt’ e!ssetai, o&ppovte ken dhV

25
idem ibidem.
Poesia Lírica grega 17

Moi~rai e*piklwvsws’ . a*llaV ti" i*quV" i!tw


10. e!gco" a*nascovmeno" kaiV u&p’ a*spivdo" a!lkimon h^tor
e@lsa", toV prw~ton meignumevnou polevmou.
ou* gaVr kw" qavnatovn ge fugei~n ei&marmevnon e*stiVn
a!ndr’, ou*d’ ei* progovnwn h^/ gevno" a*qanavtwn.
pollavki dhi>oth~ta fugwVn kaiV dou~pon a*kovntwn
15. e!rcetai, e*n d’ oi!kw/ moi~ra kivcen qanavtou,
a*ll’ o& meVn ou*k e!mph" dhvmw/ fivlo" ou*deV poqeinov":
toVn d’ o*livgo" stenavcei kaiV mevga" h!n ti pavqh/:
law~/ gaVr suvmpanti povqo" kraterovfrono" a*ndroV"
qnhvskonto", zwvwn d’ a!xio" h&miqevwn:
20. w@per gavr min puvrgon e*n o*fqalmoi~sin o&rw~sin:
e!rdei gaVr pollwVn a!xia mou~no" e*wvn.

CALINO27
I28
Até quando ficais aí inertes? Quando tereis um coração intrépido,
ó jovens? não vos envergonhais perante os vizinhos
de serdes tão excessivamente fracos? Em paz credes
viver, quando a guerra domina toda a terra
.....................................................................................
5. e quem está morrendo lance o último dardo,
pois é uma honra e uma glória para um homem lutar
pela pátria, pelos filhos e pela mulher legítima
contra os inimigos; a morte um dia virá, quando
as Moiras a tecerem; vamos! que cada um vá em frente
10. a lança erguendo e sob o escudo o intrépido peito
protegendo, desde o início da luta corpo a corpo.
Pois, escapar à morte marcada pelo destino não é possível
ao homem, nem que ele provenha de antepassados imortais.

26
Salvo indicado, as traduções aqui apresentadas são das Profas. Dras. Daisi Malhadas e Maria Helena de Moura
Neves, com as devidas anotações das Profas. Maria Celeste Consolin e Maria Nazareth Guimarães Cardoso,
reproduzidas de Antologia dos Poetas Gregos. De Homero a Píndaro, Araraquara, 1976, pp. 67-94.
27
. Calino viveu provavelmente no início do século VII. Sua pátria era Éfeso. Suas obras desapareceram quase
totalmente, restando apenas alguns fragmentos.
Poesia Lírica grega 18

Muitas vezes o homem que escapa ao combate e ao ruído dos dardos,


15. regressa, mas em casa a Moira da morte o atinge.
E, entretanto, esse não é amado pelo povo nem pranteado,
enquanto pelo outro, se algo lhe acontece, o pequeno e o grande choram;
porque o povo todo sente a falta de um homem forte
que morreu, esse que, vivo, tem o valor dos semideuses;
20. pois, como em uma torre, nele põe os olhos;
porque o que é próprio de muitos ele realiza sozinho.

TYRTÆUS
10
teqnavmenai gaVr kaloVn e*niV promavcoisi pesovnta
a!ndr’ a*gaqoVn periV h%/ patrivdi marnavmenon:
thVn d’ au*tou~ prolipovnta povlin kaiV pivona" a*grouV"
ptwceuvein pavntwn e!st’ a*nihrovtaton,
5. plazovmenon suVn mhtriV fivlh/ kaiV patriV gevronti
paisiv te suVn mikroi~" kouridivh/ t’ a*lovcw/.
e*cqroV" meVn gaVr toi~si metevssetai ou@" ken i@khtai,
crhsmosuvnh/ t’ ei!kwn kaiV stugerh~/ penivh/,
ai*scuvnei te gevno", kataV d’ a*glaoVn ei^do" e*levgcei,
10. pa~sa d’ a*timivh kaiV kakovth" e@petai.
ei* d’ ou@tw" a*ndroV" toi a*lwmevnou ou*demiv’ w!rh29
givgnetai ou#t’ ai*dwv" ou#t’ o!pi" ou#t e!leo".30
qumw~/ gh~" pevri th~~sde macwvmeqa kaiV periV paivdwn
qnhvskwmen yucevwn mhkevti feidovmenoi.
15. w^ nevoi, a*llaV mavcesqe par’ a*llhvloisi mevnonte",
mhV deV fugh~" ai*scrh~" a!rcesqe mhdeV fovbou, 31
a*llaV mevgan poiei~sqe kaiV a!lkimon e*n fresiV qumovn,32
mhV deV filoyucei~t’ a*ndravsi marnavmenoi:
touV" deV palaiotevrou", w%n ou*kevti gouvnat’ e*lafrav,
20. mhV kataleivponte" feuvgete, touV" geraiouv".

28
É o fragmento mais longo que temos. Foi-nos transmitido por Estobeu (4.10.12). Tradução do texto
estabelecido por M. L. West, Iambi et Elegi Graeci, II, Oxford University Press, 1972, p. 47.
29
A leitura de West é: ei^q’ ...
30
A leitura de West é: (...) ou#t’ o*pivsw gevneo".
31
A leitura de West é: mhdeV ...a!rcete
Poesia Lírica grega 19

ai*scroVn gaVr dh~ tou~to, metaV promavcoisi pesovnta


kei~sqai provsqe nevwn a!ndra palaiovteron,
h!dh leukoVn e!conta kavrh poliovn te gevneion,
qumoVn a*popneivont’ a!lkimon e*n konivh/,
25. ai&matovent’ ai*doi~a fivlai" e*n cersiVn e!conta
ai*scraV taV g’ o*fqalmoi~" kaiV nemeshtoVn i*dei~n,
kaiV crova gumnwqevnta: nevoisi deV pavnt’ e*pevoiken,
o!fr’ e*rath~" h@bh" a*glaoVn a!nqo" e!ch/,
a*ndravsi meVn qhhtoV" i*dei~n, e*ratoV" deV gunaixiV
30. zwoV" e*wvn, kaloV" d’ e*n promavcoisi peswvn.
a*llaV ti" eu^ diabaV" menevtw posiVn a*mfotevroisi
sthricqeiV" e*piV gh~", cei~lo" o*dou~si dakwvn.

TIRTEU33
10 34
Pois é belo que um homem valente morra
caído na frente de batalha lutando por sua pátria.
Mas abandonar sua terra e seus campos férteis
e mendigar é de todas as coisas a mais vergonhosa,
5. errando com a querida mãe e o velho pai
com os filhos pequenos e a mulher legítima;
pois odioso ele será entre aqueles a quem chegar,
se cede a indigência e à horrível pobreza;
desonra sua família, envergonha o seu nobre rosto;
10. todo o desprezo e vício o acompanham.
Se então, pelo homem errante nenhuma solicitude
há, nem respeito nem atenção nem piedade,
com coragem por nossa pátria lutemos e pelos filhos
morramos sem poupar nossas vidas.
15. Vamos! ó jovens, lutai, permanecendo uns ao lado dos outros,
não tomeis a iniciativa da fuga vergonhosa nem do medo,

32
a leitura de West é: a*llaV mevgan poiei~te...
33
Tirteu deve ter vivido na segunda metade do século VII. Era ateniense, mas obteve também a cidadania
espartana. Restam-nos dele alguns fragmentos.
34
Este fragmento foi-nos transmitido por Licurgo (Leocr. 107) Tradução do texto estabelecido por M.L.West, op.
cit., p. 154. Preferimos, em algumas passagens, (versos 11, 12, 16 17), as lições de F.R.Adrados, Elegíacos y
Yambógrafos Arcaicos, I, Barcelona, 1956, p. 134.
Poesia Lírica grega 20

mas tornai grande e intrépido no peito o coração


e não ameis a vida quando lutais contra o inimigo.
20. Aos mais idosos, cujos joelhos já não são ágeis, não abandoneis fugindo,
pois é vergonhoso isto: caído na frente de batalha,
jazer diante de jovens um homem mais idoso
de cabeça já branca e barba grisalha,
exalando a alma intrépida no pó,
25. com as ensangüentadas vergonhas nas próprias mãos,
abominável para os olhos e impiedade para ver –
e o corpo despido; para jovens tudo fica bem,
enquanto possuem a flor esplêndida da amável juventude:
um jovem é, para os homens, admirável de ver e, para as mulheres, amável,
30. estando vivo, e, caído na frente de batalha, é belo.
Vamos! que cada um permaneça firme com as pernas afastadas e ambos os pés
fincados na terra, o lábio mordendo com os dentes.

12
ou!t’ a!n mnhsaivmhn ou!t’ e*n lovgw/ a!ndra tiqeivhn
ou!te podw~n a*reth~" ou!te palaimosuvnh",
ou*d’ ei* Kuklwvpwn meVn e!coi mevgeqov" te bivhn te,
nikwv/h deV qevwn Qrhi?kion Borevhn,
5. ou*d’ ei* Tiqwnoi~o fuhVn carievstero" ei!h,
ploutoivh deV Mivdew kaiV Kinuvrew mavlion,
ou*d’ ei* Tantalivdew Pevlopo" basileuvtero" ei!h,
glw~ssan d’ *Adrhvstou meilicovghrun e!coi,
ou*d’ ei* pa~san e!coi dovxan plhVn qouvrido" a*lkh~":
10. ou* gaVr a*nhVr a*gaqoV" givnetai e*n polevmw/
ei* mhV tetlaivh meVn o&rw~n fovnon ai&matoventa,
kaiV dhivwn o*revgoit’ e*gguvqen i&stavmeno".
h@d’ a*rethv, tovd’ a!eqlon e*n a*mqrwvpoisin a!riston
kavllistovn te fevrein givnetai a*ndriV nevw/.
15. xunoVn d’ e*sqloVn tou~to povlhi> te pantiV te dhvmw/,
o@sti" a*nhVr diabaV" e*n promavcoisi mevnh/
nwlemevw", ai*scrh~" deV fugh~" e*piV pavvgcu lavqhtai,
Poesia Lírica grega 21

yuchVn kaiV qumoVn tlhvmona parqevmeno",


qarsuvnh/ d’ e!pesin toVn plhsivon a!ndra parestwv":
20. ou%to" a*nhVr a*gaqoV" givnetai e*n polevmw/.
ai^ya deV dusmenevwn a*ndrw~n e!treye favlagga"
trhceiva": spoudh~/ d’ e!sceqe ku~ma mavch",
au*toV" d’ e*n promavcoisi peswvn fivlon w!lese qumovn,
a!stu te kaiV laouV" kaiV patevr’ eu*klei?sa",
25. pollaV diaV stevrnoio kaiV a*spivdo" o*mfaloevssh"
kaiV diaV qwvrhko" provsqen e*lhlavmeno".
toVn d’ o*lofuvrontai meVn o&mw~" nevoi h*deV gevronte",
a*rgalevw/ deV povqw/ pa~sa kevkhde povli",
kaiV tuvmbo" kaiV pai~de" e*n a*nqrwvpoi" a*rivshmoi
30. kaiV paivdwn pai~de" kaiV gevno" e*xopivsw:
ou*deV pote klevo" e*sqloVn a*povllutai ou*d’ o!nom’ au*tou~,
a*ll’ u&poV gh~" per e*wVn givnetai a*qavnato",
o@ntin’ a*risteuvonta mevnontav te marnavmenovn te
gh~" pevri kaiV paivdwn qou~ro" !Arh" o*levsh/.
35. ei* deV fuvgh/ meVn kh~ra tanhlegevo" qanavtoio,
nikhvsa" d’ ai*cmh~" a*glaoVn eu^co" e@lh/,
pavntev" min timw~sin, o&mw" nevoi h*deV palaioiv,
pollaV deV terpnaV paqwVn e!rcetai ei*" *Ai?dhn,
ghravskwn d’ a*stoi~si metaprevpei, ou*deV ti" au*toVn
40. blavpein ou!t’ ai*dou~" ou!te divkh" e*qevlei,
pavnte" d’ e*n qwvkoisin o&mw~" nevoi oi@ te kat’ au*toVn
ei!kous’ e*k cwvrh" oi@ te palaiovteroi.
tauvth" nu~n ti" a*nhVr a*reth~" ei*" a!kron i&kevsqai
peiravsqw qumw~/ mhV meqieiV" polevmou.

1235
Eu não lembraria e em verso um homem não poria
pelo valor de seus pés ou de sua luta,
nem se dos Ciclopes tivesse o tamanho e força,
e vencesse correndo o trácio Bóreas

35
Tradução do Prof. José Cavalcante de Souza, USP e UNICAMP.
Poesia Lírica grega 22

5. nem se de corpo mais gracioso que Titão fosse,


e mais rico vivesse que Midas e Ciniras;
nem se do tantálida Pélops a realeza superasse,
e a língua de Adrasto melíflua tivesse,
nem se toda fama tivesse sem bravura impetuosa;
10. pois um homem não se faz valente na guerra
se não guarda a audácia vendo o massacre sangrento
e não fere o inimigo, perto dele fincado.
Esta a virtude, este o prêmio entre os homens o melhor
e o mais belo a levar para um homem que é jovem.
15. E comum é este bem à cidade e a todo o povo,
um homem que correndo entre os primeiros fique
implacável, e de infamante fuga de todo se esqueça
alma e coração audaz expondo a perigo;
que anime com palavras o homem ao lado, e com presença;
20. este o homem que bem se faz na guerra.
Súbito, de homens furiosos revira as falanges
rudes, e decidido detém a onda do combate.
E ele próprio entre os primeiros caído perde a vida,
a cidade e o povo e os ancestrais honrando,
25. muitas vezes pelo peito e pelo escudo umbilicado
e pela couraça de frente golpeado,
assim, por ele choram igualmente jovens e velhos
e com sentida dor toda a cidade o pranteia,
e seu túmulo e seus filhos entre os homens são ilustres,
30. e os filhos dos filhos e a sua raça depois;
nem jamais nobre glória se destrói nem o nome dele,
mas embora sob a terra se torna imortal,
quem quer que excelente e firme na refrega
pela terra e pelos filhos o bravo Ares destrua.
35. Mas se ele escapa ao golpe da dolorosa morte,
e vencendo a glória esplêndida da lança conquista,
todos o honram igualmente, jovens e anciãos,
e muitos prazeres gozando chega ao Hades,
Poesia Lírica grega 23

envelhecendo entre os cidadãos se distingue, e ninguém


40. quer atingi-lo em seu respeito e seu direito,
e todos nos conselhos, os jovens e os de sua idade
lhe cedem o lugar, e igualmente os mais velhos.
Ao extremo desta virtude chegar, um verdadeiro homem
tente em seu peito, não desistindo da luta.

ELEGIA AMOROSA
MIMNERMUS
1
tiv" deV bivo", tiv deV terpnoVn a!ter crush~" A
* frodivth";
teqnaivhn, o@te moi mhkevti tau~ta mevloi,
kruptadivh filovth" kaiV meivloca dw~ra kaiV eu*nhv,
oi%’ h@bh" a!nqea givnetai a&rpaleva
5. a*ndravsin h*deV gunaixivn: e*peiV d’ o*dunhroVn e*pevlqh/
gh~ra" o@ t’ ai*scroVn o&mw~" kaiV kaloVn a!ndra tiqei~,
ai*eiv min frevna" a*mfiV kakaiV teivrousi mevrimnai,
ou*d’ au*gaV" prosorw~n tevrpetai h*elivou,
a*ll’ e*cqroV" meVn paisivn, a*tivmasto" deV gunaixivn:
10. ou@tw" a*rgalevon gh~ra" e!qhke qeov".

MIMNERMO36
137
Que vida, que prazer sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando já não tiver estas preocupações:
uma secreta relação de amor, os doces dons, o leito,
que são as atraentes flores da juventude
5. para homens e mulheres; quando chega a dolorosa
velhice, que no mesmo estado deixa o homem feio e o belo,
sempre lhe oprimem o coração tristes pensamentos,
não sente prazer contemplando os raios de sol,

36
Mimnerno nasceu em Colofão no fim do século VII. Foi considerado o pai da elegia amorosa. De sua obra
temos fragmentos.
37
Fragmentos que nos foram transmitidos por Estobeu (4.20.16 - 4.34.12). Tradução do texto estabelecido por
M.L.West, op.cit., p. 83. Para o verso 6 do fragmento I e para o verbo do último verso do fragmento 2 preferimos
a leitura de F.R. Adrados, op. cit., p. 219
Poesia Lírica grega 24

e é odioso para os jovens, desprezível para as mulheres.


10. Assim terrível a divindade fez a velhice.

2
h&mei~" d’, oi%av te fuvlla fuvei poluavnqemo" w@rh
e!aro", o@t’ ai^y’ au*gh~/" au!xetai h*elivou,
toi~"~ i!keloi phvcuion e*piV crovnon a!nqesin h@bh"
terpovmeqa, proV" qew~n ei*dovte" ou!te kakoVn
5. ou!t’ a*gaqoVn: Kh~~re" deV paresthvkasi mevlainai,
h& meVn e!cousa tevlo" ghvrao" a*rgalevou,
h& d’ e&tevrh qanavtoio: mivnunqa deV givnetai h@bh"
karpoV", o@son t’ e*piV gh~n kivdnatai h*evlio".
au*taVr e*phVn dhV tou~to tevlo" parameivyetai w@ru",
10. au*tivka dhV teqnavnai bevltion h# bivoto":
pollaV gaVr e*n qumw~/ kakaV givnetai: a!llote oi^ko"
trucou~ntai, penivh" d’ e!rg’ o*dunhraV pevlei:
a!llo" d’ au^ paivdwn e*pideuvetai, w%n te mavlista
i&meivrwn kataV gh~" e!rcetai ei*" *Ai?dhn:
15. a!llo" nou~son e!cei qumofqovron: ou*deV tiv" e*stin
a*nqrwvpwn w%/ ZeuV" mhV kakaV pollaV didoi~.

2
Assim como a florida estação da primavera faz brotar
as folhas, quando rapidamente crescem com os raios de sol,
nós, de modo semelhante, por pouco tempo, com a flores da juventude
nos regozijamos, sem aprender com os deuses nem o mal
5. nem o bem. As Ceres estão ao nosso lado, negras,
uma com toda a força da terrível velhice,
a outra, da morte; pouco dura o fruto
da juventude, tanto quanto sobre a terra se derrama o sol.
Quando é transposto o fim dessa estação,
10. logo em seguida estar morto é melhor do que a vida.
Pois muitas tristezas nascem no coração: às vezes a casa
Poesia Lírica grega 25

se arruina, os embaraços dolorosos da penúria chegam;


um carece de filhos e, desejando-os mais do que
tudo, desce sob a terra até o Hades;
15. outro tem uma doença mortal; ninguém existe
entre os homens a quem Zeus não dê muitos males.

12
*Hevlio" meVn gaVr e!lacen povnon h!mata pavnta,
ou*deV pot’ a!mpausi" givnetai ou*demiva
i@ppoisivn te kaiV au*tw~/, e*peiV ro&dodavktulo" *HwV"
*WkeanoVn prolipou~s’ ou*ranoVn ei*sanabh~/.
5. toVn meVn gaVr diaV ku~ma fevrei poluhvrato" eu*nhv,
poikivlh, &Hfaivstou cersiVn e*lhlamevnh,
crusou~ timhvento", u&povptero", a!kron e*f1 u@dwr
eu!donq’ a&rpalevw" cwvrou a*f’ &Esperivdwn
gai~an e*" Ai*qiovpwn, i!na dhV qooVn a@rma kaiV i@ppoi
10. e&sta~s’, o!fr’ *HwV" h*rigevneia movlh/:
e!nq’ e*pevbh e&tevrwn o*cevwn &Uperivono" u&iov".
1238
Ao sol todos os dias
Ao sol todos os dias toca a mesma lida,
nem cabe pausa ao deus e a seus cavalos,
desde que Eos, com as mãos de pura rosa,
deixou pela primeira vez o oceano
para trilhar o celestial caminho.
De noite cruza o mar seu leito esplêndido,
forjado como concha em ouro alado,
obra de Hefesto: e o deus mantém semidesperta
a fronte sobre as ondas, desde a rubra praia
do anoitecer até o litoral etíope,
onde estão seus cavalos e seu carro,
fogosos a esperar a estrela da manhã.

38
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, Poesia Grega e Latina, São Paulo, 1964. Adequamos apenas os
acentos gráficos, de acordo com a ortografia vigente, quando se fez necessário. Mantivemos também a
disposição gráfica dada pelo tradutor.
Poesia Lírica grega 26

ELEGIA MORAL-FILOSÓFICA

SOLON
4
h&mevterh deV povli" kataV meVn DioV" ou!pot’ o*lei~tai
ai^san kaiV makavrwn qew~n frevna" a*qanavtwn:
toivh gaVr megavqumo" e*pivskopo" o*brrimopavtrh
PallaV" A
* qhnaivh cei~ra" u@perqen e!cei:
5. au*toiV deV fqeivrein megavlhn povlin a*fradivhsin
a*stoiV bouvlontai crhvmasi peiqovmenoi,
dhvmou q’ h&gemovnwn a!diko" novo", oi^sin e&toi~mon
u@brio" e*k megavlh" a!lgea pollaV paqei~n:
ou* gaVr e*pivstantai katevcein kovron ou*deV parouvsa"
10. eu*frosuvna" kosmei~n daitoV" e*n h&sucivh/
. . . . . . . . . .
ploutevousin d’ a*divkoi" e!rgamasi peiqovmenoi
. . . . . . . . . .
ou!q’ i&erw~n kteavnwn ou!tev ti dhmosivwn
feidovmenoi klevptousin a*garpagh~/ a!lloqen a!llo",
ou*deV fulavssontai semnaV Divkh" qevmeqla,
15. h$ sigw~sa suvnoide taV gignovmena prov t’ e*ovnta,
tw~/ deV crovnw/ pavntw" h^lq’ a*poteisomevnh,
tou~t’ h!dh pavsh/ povlei e!rcetai e@lko" a!fukton,
e*" deV kakhVn tacevw" h!luqe doulosuvnhn,
h$ stavsin e!mfilon povlemovn q’ eu@dont’ e*pegeivrei,
20. o@" pollw~n e*rathVn w!lesen h&likivhn.
e*k gaVr dusmenevwn tacevw" poluhvraton a!stu.
truvcetai e*n sunovdoi" toi~" a*dikevousi fivlou".
tau~ta meVn e*n dhvmw/ strevfetai kakaV: tw~n deV penicrw~n
i&knevontai polloiV gai~an e*" a*llodaphVn
25. praqevnte" desmoi~siv t’ a*eikelivoisi deqevnte"
. . . . . . . . .
ou@tw dhmovsion kakoVn e!rcetai oi!kad’ e&kavstw/,
au!leioi d’ e!t’ e!cein ou*k e*qevlousi quvrai,
u&yhloVn d’ u&peVr e@rko" u&pevrqoren, eu%re deV pavntw",
Poesia Lírica grega 27

ei* kaiV ti" feuvgwn e*n mucw~/ h^/ qalavmou.


30. tau~ta didavxai qumoV" *Aqhnaivou" me keleuvei,
w&" kakaV plei~sta povlei Dusnomivh parevcei:
Eu*nomivh d’ eu!kosma kaiV a!rtia pant’ a*pofaivnei,
kaiV qamaV toi~" a*divkoi" a*mfitivqhsi pevda"
traceva leiaivnei, pauvei kovron, u@brin a*mauroi~,
35. au&aivnei d’ a!th" a!nqea fuovmena,
eu*quvnei deV divka" skolia~", u&perhvfanav t’ e!rga
prau?nei: pauvei d’ e!rga dicostasivh",
pauvei d’ a*rgalevh" e!rido" coloVn, e!sti d’ u&p’ au*th~"
pavnta kat’ a*nqrwvpou" a!rtia kaiV pinutav.

SÓLON39
440
Nossa cidade jamais pelo desígnio de Zeus
perecerá nem pela vontade dos bem-aventurados deuses imortais
pois a tão magnânima e protetora Palas Atena,
filha do poderoso pai, tem suas mãos sobre nós.
5. Os próprios cidadãos, porém, querem destruir, com suas loucuras,
nossa grande cidade, persuadidos pelas riquezas,
e há também o injusto propósito dos chefes do povo, para os quais está reservado,
por seu grande descomedimento, muitas dores sofrer:
pois nem sabem controlar a fartura nem organizar
10. com tranqüilidade as alegrias do festim de hoje
..........................................................
enriquecem, por ações injustas deixando-se persuadir
...........................................................
nem os bens sagrados nem os do estado
poupam, mas furtam-nos em pilhagem cada qual por seu lado,
nem guardam os veneráveis fundamentos da Justiça,
15. a qual, silenciosa, ciente do que acontece e do que aconteceu,

39
Sólon, legislador ateniense, um dos Sete Sábios, viveu no século VII. Chegaram-nos dele fragmentos de
elegias, trímetros e tetrâmetros.
40
Fragmento transmitido por Dem (19.254). Tradução do texto estabelecido por M.L.West, op.cit., p. 121. Para
os versos 13 e 22 preferimos as lições estabelecidas por F.R. Adrados, op.cit., p. 188.
Poesia Lírica grega 28

com o tempo vem para executar cabal vingança.


Esta ferida inevitável já atinge a cidade toda,
leva-a rapidamente à nociva escravidão,
que desperta a sedição civil e a guerra adormecida,
20. esta que foi a ruína da juventude encantadora de muitos homens;
pois pelos inimigos rapidamente uma cidade formosa
é arruinada nas associações injustas em que se comprazem os injustos.
Esses os males que envolvem o povo; muitos
pobres chegam a uma terra estranha
25. vendidos e, com desonrosas correntes, amarrados,
.........................................................
Assim, o infortúnio público atinge cada um em sua casa;
as portas do pátio não podem detê-lo,
por cima do elevado muro salta, e encontra por certo o morador
mesmo que fuja para a parte mais recuada de seu quarto.
30. Ensinar isso aos atenienses é o que o coração me ordena:
de que modo os mais numerosos males a uma cidade Disnomia causa,
e de que modo Eunomia garante ordem e justiça plena
e sempre aos injustos acorrenta;
ela aplaina as asperezas, faz cessar a fartura, aniquila o descomedimento,
35. seca as flores da desgraça, quando brotam,
corrige os julgamentos errados e modera as ações
orgulhosas; faz cessar as obras de discórdia,
faz cessar o ódio da terrível sedição, e graças a ela
todas as ações humanas são justas e sábias.

23
o!lbio", w%/ pai~dev" te fivloi kaiV mwvnuce" i@ppoi
kaiV kuvne" a*greutaiV kaiV xevno" a*llodapov";
Felicidade41
Feliz quem tenha, em sua casa,
crianças queridas
e cavalos de casco não rachado;

41
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, op. cit., p. 45.
Poesia Lírica grega 29

e cães de caça
e um hóspede estrangeiro.

Focílide42
243
Também isto é de Focílide: as classes de mulheres nasceram
destes quatro animais: da cadela, da abelha;
da terrível javalina, da égua de longa crina.
Esta é vigorosa, rápida, corredora, bela;
a que nasceu da terrível javalina, nem má, nem boa;
a da cadela, de gênio difícil e brava; a da abelha,
boa dona de casa e sabe trabalhar;
reza, caro amigo, para conseguir o desejável casamento
com esta.

3
Também isto é de Focílide: que importa ser de origem nobre,
para aquele que a graça não acompanha nem nas palavras
nem nas decisões?

4
Também isto é de Focílide: uma pequena cidade, no cimo
de um monte,
que vive bem governada, é mais forte que uma Nínive
insensata.
5
Também isto é de Focílide: é preciso que o amigo com o amigo
medite em tudo o que os concidadãos murmurem.

42
Focílide, originário de Mileto, deve ter vivido na segunda metade do século VI. Quase todos os fragmentos
que nos chegaram dele são de versos hexâmetros.
43
Os fragmentos II e III foram-nos transmitidos por Estobeu (4.22.192 - 4.29.28) o fragmento IV por D.
Crisóstomo (Or. 36.13) e o fragmento V por Frin (Ecgl.). Tradução do texto estabelecido por F.R. Adrados, op.
cit., pp.234-235.
Poesia Lírica grega 30

Teógnis44
Ó senhor, filho de Leto, nascido de Zeus, jamais te45
esquecerei nem ao começar a compor nem ao terminar
mas, sempre, no início, no fim e no decorrer do poema
te cantarei; assim, ouve-me e concede-me teu favor.

Musas e Graças, filhas de Zeus, que outrora ao casamento


de Cadmo viestes e cantastes um belo verso:
“O que é belo é amado, o que não é belo não é amado;”
esse verso veio de lábios imortais.

Com boa intenção, a ti exporei tudo o que eu próprio,46


Cirno, ainda criança, dos nobres aprendi.
Sê prudente, jamais de atos vergonhosos ou injustos,
honras nem prestígios obtenhas, nem riquezas.
Fica sabendo isto: não freqüentes os maus
homens, mas prende-te sempre aos bons;
com eles bebe e come, entre eles
senta-te, sê agradável a eles, cujo poder é grande.
É com os nobres que aprenderás a nobreza; mas se aos maus
te unires, perderás também teu espírito.
Tendo aprendido isso, os bons freqüenta e um dia dirás
que bem aconselho aos amigos.

Jamais, Cirno, profiras palavras arrogantes, pois ninguém


sabe
o que a noite e o dia proporcionam a um homem.

Não é conveniente mulher jovem a homem velho;


pois ela ao leme não cede, com um barco,

44
Teógnis, originário de Mégara, viveu provavelmente na segunda metade do século VI. Possuímos sob seu
nome uma coletânea de 1.400 versos. Selecionamos, para a Antologia, invocações, conselhos, reflexões sobre
pobreza e nobreza, arte e imortalização, arte e prazer. Tradução do texto estabelecido por Jean Carrière,
Théognis, Paris, 1962.
45
Invocações.
46
Conselhos.
Poesia Lírica grega 31

nem âncoras a retêm; antes, rebentando as amarras,


muitas vezes, à noite, atinge outro porto.

Aos bons uns criticam demais, outros elogiam;


dos maus, nenhuma lembrança fica.
Entre os homens, sobre a terra, irrepreensível ninguém é;
mas, melhor, se não se chamar a atenção da turba.

Ao homem de bem a pobreza escraviza mais que tudo:47


mais que a velhice encanecida, Cirno, e mais que a febre;
fugindo dela, é preciso não apenas ao mar profundo
lançar-se, Cirno, mas ainda do alto de rochedos escarpados
Pois o homem subjugado à pobreza nada falar
nem fazer pode, sua língua está entravada.

Ele, mesmo sabendo que ela é de baixa origem,


para a casa a conduz, pela riqueza persuadido;
o nobre toma para si a sem nobreza, quando o força a premente
necessidade, que torna miserável o espírito do homem.

Vieste, Clearisto, depois de atravessar o mar profundo,


até mim, que nada tenho, ó infeliz, que nada tens.
Nos flancos de teu navio, sob os bancos dos remeiros colocaremos,
ó Clearisto, o que possuímos e o que propiciam os deuses.
Nada do que existe guardarei, nem algo melhor
de outro lugar traremos para tua acolhida,
mas, do que existe, o melhor oferecemos, se chegar alguém
que é teu amigo, comporta-te conforme a amizade que tens.
E se alguém perguntar de minha vida, assim responde-lhe:
“penosamente ele vive bem, mas muito bem ele vive penosamente;
desse modo a um hóspede de seu pai não manda embora,
mas a numerosos estrangeiros não pode receber.”

47
Pobreza e nobreza.
Poesia Lírica grega 32

Eu te dei asas com as quais sobre o imenso mar 48


voarás, e pela terra inteira, transportado
com rapidez, em todos os banquetes e festins estarás
presente, pousado entre os lábios de muitos.
Com liras harmônicas, rapazes
amáveis, com graça, em belas melodias
te cantarão. E quando, sob as profundezas da terra sombria,
desceres à morada lastimosa de Hades,
nunca, nem morto, perderás a fama, mas serás conhecido
entre os homens, sempre com nome imortal,
ó Cirno: percorrerás a terra Grega e as ilhas,
atravessarás o mar piscoso e imenso,
não montado no dorso de cavalos, mas te conduzirá
o ilustre dom das Musas coroadas de violetas.

Sempre meu coração se comove, quando ouço49


das flautas sonoras os acordes cativantes.

Alegro-me quando bebo bem e quando canto ao som do flautista;


alegro-me também quando tenho nas mãos a lira harmoniosa.

Que jamais um novo cuidado me apareça


que não a virtude e a sabedoria; antes, mantendo só este cuidado para sempre
possa eu regozijar-me com a lira, a dança e o canto,
e entre os bons conservar meu nobre espírito.

Nenhum homem, logo que a terra o oculta,


quando ele desce ao Érebo, morada de Perséfone,
se regozija ouvindo a lira a flauta
nem usufruindo dos presentes de Dionisio.
Tendo isso em vista, com alegria obedecerei a meu coração enquanto joelhos
ágeis e cabeça equilibrada eu tiver.

48
Arte e imortalização.
49
Arte e prazer.
Poesia Lírica grega 33

Mas vamos abandonar esse discurso; em vez disso, tu para mim


toca flauta, e das Musas lembremo-nos ambos.
Pois elas ofertaram esses agradáveis presentes para que os tivéssemos
tu e eu, e compartilhássemos com nossos vizinhos.

Na juventude pode-se dormir toda noite junto de uma pessoa


entregue à paixão dos atos de amor.
Pode-se, acompanhando o flautista, também cantar;
nenhuma outra coisa é mais agradável que isso,
para homens e mulheres. Que me importa a riqueza e a honra?
Uma satisfação com prazer supera a tudo.

Homens tolos e insensatos que aos mortos


choram, e não à flor perecível de sua juventude!

JAMBO
Acredita-se que a poesia jâmbica se tenha originado dos cultos de Deméter, onde já
apareceria com o tom de escárnio que caracteriza tal gênero poético.
Quanto à métrica, a poesia jâmbica se caracteriza pelo emprego do jambo em dois
tipos de versos: o trímetro e o coliambo.
A poesia jâmbica, na maioria das vezes, era recitada de modo ritmado, mas não
melódico. Para o acompanhamento musical melódico usava-se o “iambiké” e, para o
declamado, o “clepsiambos”, instrumentos sobre os quais não temos informações.
Os grandes nomes da poesia jâmbica são Arquíloco, Simônides de Amorgos e
Hipônax.

EPODOS
Arquíloco50
Epodo I51
159 Pai Licambo, que idéia foi essa?52

50
Arquíloco, nascido em Paros, viveu na primeira metade do século VII.
51
Tradução do texto estabelecido por François Lassere, Archiloque Fragments, Paris, 1968 (2a. Ed.) (1a. ed.
1958). Aceitamos para preencher as lacunas do texto as sugestões de André Bonnard, tradutor da mesma edição,
mantendo os trechos entre colchetes. Conservamos para os fragmentos a numeração dessa edição.
Poesia Lírica grega 34

quem te desnorteou o espírito


que antes mantinhas inabalável? hoje teus concidadãos
zombam de ti com fortes gargalhadas.
160 {Por que} seguraste a cigarra pela asa?53
161 Que deus irado contra ti
{ te levou a agir assim}?
162 E tu também, ó homem possuído por um mau
espírito, que desejas provocando contra ti
um poeta loquaz que busca
agravos e assuntos para seus iambos?
163 docemente, com efeito, eu nada tramava
166 traíste um juramento solene,
e o sal e a mesa
167 No entanto, { tu havias declarado} que
estavas pronto a receber um castigo,
{ se quebrasses esse teu julgamento}.
168 conta um homem esta fábula: 54
uma raposa e uma águia se uniram
em sociedade55
169 alimentou os filhotes oferecendo-lhes uma refeição deplorável56
170 {Quando a raposa} percebeu a grande desgraça,
sentiu o coração {afligir-se}. Mas não
tinha meios {para se vingar.57
5 A águia lhe dirige estas palavras} maldosas:
de teus filhotes, que deixaste sozinhos, lembrei-me quando lhes ouvi a voz.
movimentei, rapidamente através dos ares,
as asas ligeiras, batendo-as em círculo,

52
Arquíloco ataca Licambo, porque este depois de lhe haver prometido a filha Neobule em casamento,
desmanchou o noivado.
53
Ofender um poeta satírico como Arquíloco é como segurar uma cigarra pelas asas.
54
Fábula de Esopo: “A águia e a raposa.” Na fábula não há prece nem a explicação da águia.
55
Segundo a fábula, a águia e a raposa se tornaram amigas e decidiram morar uma perto da outra: a águia se
estabeleceu numa árvore alta onde deixou sua ninhada; a raposa, ao pé da mesma árvore, colocou seus filhotes.
56
Um dia em que a raposa saiu à procura de comida, a águia, como estivesse sem alimento, roubou as raposinhas
e comeu-as com seus filhotes.
57
A raposa, quando viu o que acontecera, afligiu-se, sobretudo pela impossibilidade de se vingar, porque sendo
quadrúpede, não podia perseguir uma ave. Teve de se contentar com o único recurso dos fracos: amaldiçoar seu
inimigo.
Poesia Lírica grega 35

10 e {desci até eles}. Teu coração espera...


171 Ó Zeus, Zeus pai, é tua a soberania do céu
tu vês as ações dos homens,
perversas e criminosas, a ti a violência
e também a justiça das feras preocupam.
5 Tu vês aqui erguer-se essa alta rocha áspera e hostil
Nela pousa, reagindo ligeiro a teu ataque58
172 a águia de cauda branca
173 a seus filhotes levando {carne do sacrifício}
o festim não seria mau: acolheram-na,
com gritos de alegria, os dois filhotes
que ainda não podiam voar. {A águia se erguera da terra} para pousar
sobre uma alta rocha. E para sua
ninhada, colocara um cordeiro no ninho...
mas à coxa {uma brasa se prendera}.
174 uma centelha no ninho 59
175 Zeus pai, não participei da festa de casamento.
176 Mas ele não me escapará.

ELEGIAS

160 ei*miV d’ e*gwV qeravpwn meVn *Enualivoio a!nakto"


kaiV Mousevwn e*ratoVn dw~ron e*pistavmeno".
Sou eu servidor de Eniálio 61 soberano
e das musas conhecedor do amável dom.

2 e*n doriV mevn moi mavza memagmevnh, e*n doriV d’ oi^no"


*Ismarikov". pivnw d’ e*n doriV keklimevno".
Na lança, o meu pão amassado, na lança, meu vinho
Ismárico62; bebo na lança apoiado.

58
Na fábula não há prece nem a explicação da águia.
59
Segundo a fábula, a águia roubou de um altar, onde ofereciam em sacrifício uma cabra, umas vísceras em
brasa e levou-as ao ninho. Com um vento forte, as vísceras se inflamaram e os filhotes queimados caíram da
árvore. A raposa, sob o olhar da águia, devorou-os.
60
Tradução de Fernando Brandão dos Santos.
61
Um dos sobrenomes ou epítetos do deus Ares, senhor dos combates de guerra para os gregos.
Poesia Lírica grega 36

463 a*spivdi meVn Sai?wn ti" a*gavlletai, h$n paraV qavmnw,


e!nto" a*mwvmhton, ka!llipon ou*k e*qevlwn:
au*toVn d’ e*xesavwsa. tiv moi mevlei a*spiV" e*keivnh;
e*rrevtw: e*xau~ti" kthvsomai ou* kakivw.
o escudo um Saio dele se orgulha, numa moita
arma impecável deixei-o sem querer,
mas eu mesmo o fim da morte evitei; aquele escudo
que se vá; de novo um comprarei não pior.

5 Khvdea meVn stonoventa, Perivklee", ou!te ti" a*stw~n


memfovmeno" qalivh/" tevrywtai ou*deV povli"
toivou" gaVr kataV ku~ma polufloivsboio qalavssh"
e!klusen: oi*dalevou" d’ a*mf’ o*duvnh/s’ e!comen
pneuvmonoa". a*llaV qeoiV gaVr a*nhkevstoisi kakoi~sin,
w^ fivl’, e*piV kratethVn tlhmosuvnhn e!qesan
favrmakon. a!llotev t’ a!llo" e!xe tavde: nu~n meVn e*" h&meva"
e*travpeq’, ai&matoven d’ e@lko" a*nastevnomen,
e*xau~ti" d’ e&tevrou" e*mpameivyetai. a*llaV tavcista
tlh~te gunaikei~on pevnqo" a*pwsavmenoi.
Mágoas, doloridas, Péricles, nenhum cidadão
argüindo em festas se alegra nem cidade;
pois tais homens o fluxo do multiespraiado mar
submergiu e inundados em dor temos
o peito; mas os deuses aos incuráveis males,
amigo, ânimo firme sobrepuseram
como remédio; outra vez outro sofre, pois agora
é nossa vez, sangrenta chaga gememos
que de novo a outros passará; mas vamos, rápido
reagi feminina dor repelindo.

6 muita vez em pleno bem cacheado espumante mar


implorando o doce retorno...

62
Vinho muito conhecido na antigüidade, citado por Homero, na Ilíada, famoso talvez por seu “bouquet”.
Poesia Lírica grega 37

7 (de deuses) em joelhos estava


que daquele a cabeça e os gráceis membros
Hefesto em puras vestes se esmerasse em cobrir.

8 enterremos os tristes de Poseidon soberano


dons...

9 pois nem algo chorando sanarei nem pior


tornarei prazeres e festas buscando.

10 não muitos sobretendem arcos nem freqüentes


fundas quando a pugna Ares compunge
em planície; de gládios multigemida será obra;
pois nesta luta aqueles são peritos
senhores de Eubéia lancilustres...

11 Aisimides, à língua do povo dando importância


ninguém muitos prazeres mais teria.

12 Figueira em pedregulho muitas gralhas nutrindo


bondosa estranhos recebe Pasifile

13 Vamos, ó canecão pelo convés de veloz nau


anda e a bebida tira dos cavos tonéis
e caça o vinho até a borra; pois também nós sem beber nesta vigília não poderemos.

14 ao inimigo a graça de funesta acolhida...

TRÍMETROS
Ou# moi taV Guvgew tou~ polucruvsou mevlei
ou!d’ ei%lev pw me zh~lo" ou!d’ a*gaivomai
qew~n e!rga, megavlh" d’ ou*k e*revw turannivdo":

63
A partir daqui os fragmentos foram traduzidos por José Cavalcante de Souza -UPS/UNICAMP.
Poesia Lírica grega 38

a*povproqen gaVr e*stin o*fqalmw~n e*mw~n.


Não me importam de Giges seus tesouros
nem me tomou de inveja nem admiro
divas obras e o grande tirano não amo;
pois muito longe estão dos olhos meus.

esta qual de asno espinha


se ergue do mato brabo coroada.

não é bela região nem atraente


nem amável, como as ribas do Siris.

ama as tinha perfumadas nos cabelos


e seios que até um velho as teria amado;

e!cousa qalloVn mursivnh" e*tevrpeto


r&odh~" te kaloVn a!nqo",
.............................................................
................................h& deV oi& kovmh
w!mou" kateskivaze kaiV metavfrena
tendo um ramo de murta ela gostava
ou uma bela rosa e seu cabelo
os ombros sombreava e as suas costas.

TETRÂMETROS
assim me ocorra a mão pegar Neobule...

e cair sobre ativo odre e sobre ventre ventre


investir e coxas sobre coxas...

amiúde em longo tempo juntada e sacrifício


fortuna em ventre de mulher rameira se derrama.

114 ou* filevw mevgan strathgoVn ou*deV diapepligmevnon


Poesia Lírica grega 39

ou*deV bostruvcoisi gau~ron ou*d’ u&perxurhmevnon,


a*llaV moi smikrov" ti" ei!h kaiV periV knhvma" i*dei~n
r&oikov", a*sfalevw" bebhkwV" possiv, kardivh" plevw".
Não gosto do grande general de largas passadas
orgulhoso dos seus caracóis ou do seu bigode,
prefiro ver um pequeno, de pernas tortas,
mas seguro no andar e cheio de coragem.

w&" Diwnuvsou a!nakto" kaloVn e*xavrxai mevlo"


oi^da diquvrambon oi!nw/ sugkeraunwqeiV" frevna"
que do senhor Diônisos entoar belo canto
sei ditirambo em vinho fulminado o meu senso.

Glauco, olha: pois fundo agora em ondas se perturba


o mar e pelos cimos de Gira eleva-se uma nuvem
sinal de borrasca; e vem do desespero o medo.

toi~o" a*nqrwvpoisi qumoV", Glau~ke, Leptivnew pavi,


givgnetai qnhtoi~s’, o*koivhn ZeuV" e*f’ h&mevrhn a!gh/,
kaiV froneu~si toi~d’ o*koivois’ e*gkurevwsin e!rgmasin.
Tal nos homens mortais, Glauco filho de Leptines,
faz-se o coração qual Zeus por sobre o dia o leva
e o que pensam é tal quais atos em que encontram.

128 qumev, quvm’ a*mhcavnoisi khvdesin kukwvmene,


a*nadeu dusmenw~n d’ a*levxeo prosbalwVn e*nantivon
stevrnon e*ndovkoisin e*cqrw~n plhsivon katastaqeiV"
a*sfalevw": kaiV mhvte nikevwn a*mfavdhn a*gavlleo,
5. mhdeV nikhqeiV" e*n oi!kw/ katapeswVn o*duvreo,
a*llaV cartoi~sivn te cai~re kaiV kakoi~sin a*scavla
mhV livhn, givgnwske d’ oi%o" r&usmoV" a*nqrwvpou" e!cei.
Alma, ó alma, de inevitáveis males batida,
emerge, de inimigos defende-te, investindo contra eles
de frente, e aos seus embustes de perto resistindo,
Poesia Lírica grega 40

seguro; e nem vencendo abertamente te orgulhes,


5. nem vencido em casa abatido te lamentes;
com o agradável te alegra e com a desgraça sofre,
não em excesso; conhece que ritmo têm os homens.

uma coisa sei grande,


ao que mal te fez, retribuir com terríveis males.

mas tua luta é como sedente beber


que assim quero.

Toi~" qeoi~" t’ eu*qei~a pavnta: pollavki" meVn e*k kakw~n


a!ndra" o*rqou~sin melaivnh/ keimevnou" e*piV cqoniv,
pollavki" d’ a*natrevpousi kaiV mavl’ eu^ bebhkovta"
u&ptivou" klivnous’: e!peita pollaV givgnetai kakaV,
kaiV bivou crhvmh/ plana~tai kaiV novou parhvoro".
aos deuses tudo é via reta; muita vez de males
erguem homens jazidos sobre a terra negra,
muita vez e os que bem andaram eles reviram
sobre as costas; então lhe vêm muitos males,
sem meios de vida eles erram sem guia da mente.

Nenhum respeito dos cidadãos nem glória quem morreu


recebe; favor é mais do vivo que perseguimos
vivos ainda; sempre o pior ao morto revém.

Aisimides, à censura do povo dando importância,


ninguém o encanto da vida gozaria.

SIMONIDES
7
cwriV" gunaikoV" qeoV" e*poivhsen novon
taV prw~ta. thVn meVn e*x u&oV" tanuvtrico",
Poesia Lírica grega 41

th~/ pavnt= a*n= oi\kon borbovrw/ pefurmevna


a!kosma kei~tai kaiV kulivndetai camaiv:
5 au*thV d’ a!louto" a*pluvtoi" e*n ei@masin
e*n koprivhisin h&mevgh piaivnetai.
thVn d’ e*x a*litrh~" qeoV" e!qhk’ a*lwvpeko"
gunai~ka pavntwn i!drin: ou*dev min kakw~n
levlhqen ou*deVn ou*deV tw~n a*meinovnwn:
10 toV meVn gaVr au*tw~n ei\pe pollavki" kakovn,
toV d’ e*sqlovn: o*rghVn d’ a!llot’ a*lloivhn e!cei.
thVn d’ e*k kunov", litorgovn, au*tomhvtora,
h$ pavnt’ a*kou~sai, pavnta d’ ei*devnai qevlei,
pavnth/ deV paptaivnousa kaiV planwmevnh
15 levlhken h#n kaiV mhdeVn’ a*nqrwvpwn o&ra~i.
pauvseie d’ a!n min ou!t’ a*peilhvsa" a*nhvr,
ou*d’ ei* colwqeiV" e*xaravzeien livqw/
o*dovnta", ou*d’ a#n meilivcw" muqeovmeno",
ou*d’ ei* paraV xeivnoisin h*mevnh tuvch/,
20 a*ll’ e*mpevdw" a!prhkton au&onhVn e!cei.
thVn deV plavsante" gei?nhn O
* luvmpioi
e!dwkan a*ndriV phroVn: ou!te gaVr kakoVn
ou!t’ e*sqloVn ou*deVn oi\de toiauvth gunhv:
e!rgwn deV mou~non e*sqivein e*pivstatai.
25 kw!tan kakoVn ceimw~na poihvshi qeov",
r&igw~sa divfron a!sson e@lketai purov".
thVn d’ e*k qalavssh", h$ duv’ e*n fresiVn noei~:
thVn meVn gela~i te kaiV gevghqen h&mevrhn:
e*painevsei min xei~no" e*n dovmoi" i*dwvn:
30 “ou*k e!stin a!llh th~sde lwi?wn gunhV
e*n pa~sin a*nqrwvpoisin ou*deV kallivwn”.
thVn d’ ou*k a*nektoV" ou*d’ e*n o*fqalmoi~" i*dei~n
ou!t’ a!sson e*lqei~n, a*llaV maivnetai tovte
a!plhton w@sper a*mfiV tevknoisi kuvwn,
35 a*meivlico" deV pa~si ka*poqumivh
e*cqroi~sin i\sa kaiV fivloisi givnetai:
w@sper qavlassa pollavki" meVn a*tremhV"
Poesia Lírica grega 42

e@shk’ a*phvmwn, cavrma nauvthisin mevga,


qevreo" e*n w@rh/, pollavki" deV maivnetai
40. baruktuvpoisi kuvmasin foreomevnh.
tauvth/ mavlist’ e!oike toiauvth gunhv
o*rghvn: fuhVn deV povnto" a*lloivhn e!cei.
thVn d’ e!k te spodih~" kaiV palintribevo" o!nou,
h$ suvn t’ a*navgkh/ suvn t’ e*niph~isin movgi"
45 e!sterxen w\n a@panta kaponhvsato
a*restav: tovfra d’ e*sqivei meVn e*n mucw~/
pronuVx proh~mar, e*sqivei d’ ep’ e*scavrh/.
o&mw~" deV kaiV proV" e!rgon a*frodivsion
e*lqovnt’ e&tai~ron o&ntinw~n e*devxato.
50 thVn d’ e*k galh~", duvsthnon oi*zuroVn gevno":
keivnh/ gaVr ou! ti kaloVn ou*d’ e*pivmeron
provsestin ou*deV terpnoVn ou*d’ e*ravsmion.
eu*nh~" d’ a*dhnhv" e*stin a*frodisivh",
toVn d’ a!ndra toVn perw~nta nausivh/ didoi~.
55 klevptousa d’ e!rdei pollaV geivtona" kakav,
a!qusta d’ i&raV pollavki" katesqivei.
thVn d’ i@ppo" a&brhV caitevess’ e*geivnato,
h$ douvli’ e!rga kaiV duvhn peritrevpei,
kou!t’ a#n muvlh" yauvseien, ou!te kovskinon
60 a!reien, ou!te kovpron e*x oi!kou bavloi,
ou!te proV" i*pnoVn a*sbovlhn a*leomevnh
i@zoit’. a*navgkh/ d’ a!ndra poiei~tai fivlon:
lou~tai deV pavsh" h&mevrh" a!po r&uvpon
div", a!llote triv", kaiV muvroi" a*leivfetai,
65 ai*eiV deV caivthn e*ktenismevnhn forei~
baqei~an, a*nqevmoisin e*skiasmevnhn.
kaloVn meVn w\n qevhma toiauvth gunhV
a!lloisi, tw~/ d’ e!conti givnetai kakovn,
h#n mhv ti" h# tuvraino" h# skhptou~co" h\/,
70 o@sti" toiouvtoi" qumoVn a*glai?zetai.
thVn d’ e*k piqhvkou: tou~to dhV diakridoVn
ZeuV" a*ndravsin mevgiston w!pasen kakovn.
Poesia Lírica grega 43

ai!scista meVn provswpa: toiauvth gunhV


ei\sin di’ a!steo" pa~sin a*nqrwvpoi" gevlw":
75 e*p’ au*cevna bracei~a: kinei~tai movgi":
a!pugo", au*tovkwlo". a\ tavla" a*nhVr
o@sti" kakoVn toiou~ton a*gkralivzetai.
dhvnea deV pavnta kaiV trovpou" e*pivstatai
w@sper pivqhko": ou*dev oi& gevlw" mevlei:
80 ou*d’ a!n tin’ eu\ e!rxeien, a*llaV tou~t’ o&ra~/
kaiV tou~to pa~san h&mevrhn bouleuvetai,
o@kw" ti kw*" mevgiston e!rxeien kakovn.
thVn d’ e*k melivssh": thvn ti" eu*tucei~ labwvn:
keivnh/ gaVr oi!h/ mw~mo" ou* prosizavnei,
85 qavllei d’ u&p’ au*th~" ka*paevxetai bivo",
fivlh deV suVn filevonti geravskei povsei
tekou~sa kaloVn kwVnomavkluton gevno".
ka*riprephV" meVn e*n gunaixiV givnetai
pavsh/si, qeivh d’ a*mfidevdromen cavri".
90 ou*d’ e*n gunaixiVn h@detai kaqhmevnh
o@kou levgousin a*frodisivou" lovgou".
toiva" gunai~ka" a*ndravsin carivzetai
ZeuV" taV" a*rivsta" kaiV polufradestavta":
taV d’ a!lla fu~la tau~ta mhcanh~/ DioV"
95 e!stivn te pavnta kaiV par’ a*ndravsin menei~.
ZeuV" gaVr mevgiston tou~t’ e*poivhsen kakovn,
gunai~ka": h!n ti kaiV dokevwsin w*felei~n
e!conti, tw/~ mavlista givnetai kakovn:
ou* gavr kot’ eu!frwn h&mevrhn dievrketai
100 a@pasin, o@sti" suVn gunaikiV pevletai,
ou*d’ ai\ya LimoVn oi*kivh" a*pwvsetai,
e*cqroVn sunoikhth~ra, dusmeneva qew~n.
a*nhVr d’ o@tan mavlista qumhdei~n dokh/~
kat’ oi\kon, h! qeou~ moi~ran h# a*nqrwvpou cavrin,
105 eu&rou~sa mw~mon e*" machVn koruvssetai.
o@kou gunhV gavr e*stin ou*d’ e*" oi*kivhn
xei~non molovnta profrovnw" dekoivato.
Poesia Lírica grega 44

h@ti" dev toi mavlista sofronei~n dokei~,


au@th mevgista tugkavnei lwbwmevnh:
110 kechvnoto" gaVr a*ndroV", oi& deV geivtone"
caivrous’ o&rw~nte" kaiV toVn, w&" a&martavnei.
thVn h$n d’ e@kasto" ai*nevsei memnhmevno"
gunai~ka, thVn deV tou*tevrou mwmhvsetai:
i!shn d’ e!conte" moi~ran ou* ginwvskomen.
115 ZeuV" gaVr mevgiston tou~t’ e*poivhsen kakovn,
kaiV desmoVn a*mpevqhken a!rrhkton pevdhn,
e*x ou| te touV" meVn Ai?dh" e*devxato
gunaikoV" ei@nek’ a*mfidhriwmevnou"
. . . . . . . .

Simônide64
Jambo das Mulheres65
Sem mulher, a divindade criou o ser inteligente,
no princípio. Uma mulher, a divindade criou da porca de longos pelos,
e na sua casa todas as coisas, molhadas de lama,
em desordem permanecem e rolam no chão.
5. Sem banho, com roupas sujas,
no lixo sentada, ela engorda.
Outra, a divindade formou da raposa patife;
é uma mulher hábil em tudo; nada de mau lhe
passa despercebido, nem nada do que é bom;
10. afirma muitas vezes que isto é mau
e aquilo é bom; tem o humor mutável.
Outra, criou da cadela; má, igual à mãe;
tudo ouvir, tudo saber ela quer,
para todos os lados olhando atenta e andando a esmo
15. late, mesmo se não vê ninguém;
o marido não a faria cessar nem ameaçando-a,
ainda que, irado, lhe quebrasse com uma pedra

64
Tradução de Daisi Malhadas, Antologia de Poetas Gregos. Conhecido como Simônides de Amorgos, nasceu
em Samos. Deve ter sido contemporâneo de Arquíloco.
65
Fragmento transmitido por Estobeu (4.22.193). Tradução do texto estabelecido por M. L. West, Iambi et
Graeci, Oxford University Press, 1972, p. 99.
Poesia Lírica grega 45

os dentes, nem com doçura falando-lhe,


ainda que entre hóspedes ela se encontrasse sentada;
20. mas continuamente inútil lança.
Outra os Olímpios plasmaram da terra
e deram ao homem um ser estúpido; pois nem o mal
nem o bem conhece uma tal mulher;
dos trabalhos só um, o comer, conhece;
25. e quando um inverno rigoroso a divindade manda,
ela treme e a cadeira para mais perto do fogo arrasta.
Outra, a divindade criou do mar; essa tem duas disposições de espírito:
ora ri e está alegre o dia inteiro;
o hóspede que a viu em casa a louvará:
30. “não há outra mulher que esta
em todo o gênero humano, nem mais bela”;
ora é intolerável tanto para que os olhos a vejam
quanto para uma aproximação; mas então se enfurece,
inabordável como, em torno da cria, a cadela;
35. amarga e desagradável com todos,
como a inimigos também os amigos trata;
assim também o mar, muitas vezes, calmo,
causa, propício, grande alegria aos marinheiros,
na estação do verão, mas muitas vezes se enfurece
40. por ondas sonoras agitado;
a ele, exatamente, se assemelha tal mulher
por seu humor; a natureza mutável do mar ela tem.
Outra, criou da jumenta cinzenta e malhadiça;
ela com constrangimento e com relutância mal
45. suporta tudo e se desobriga
do que é agradável; come no seu quarto,
noite e dia, e como junto ao fogo;
e para amar é assim:
o companheiro que chega ela aceita.
50. Outra, criou da doninha, infeliz e lamentável
pois nela nada de belo ou de desejável
Poesia Lírica grega 46

há nem nada atraente ou gracioso;


o prazer de Afrodite ela desconhece;
no homem que lhe fica ao lado provoca náuseas;
55. às ocultas, causa muitos prejuízos aos vizinhos;
antes do sacrifício, muitas vezes, come as oferendas.
Outra, foi uma égua de bela crina que gerou;
essa os trabalhos servis e a preocupação recusa;
não tocaria a mó, nem o crivo
60. ergueria, nem o lixo fora da casa jogaria;
nem se sentaria, por temor da fuligem,
perto do fogão; por necessidade, dá amor ao marido;
banha-se todos os dias, para se livrar da sujeira,
duas vezes, e mesmo três vezes, e unge-se com óleos aromáticos;
65. sempre mantém bem penteados os cabelos longos
e abundantes, com flores cobertos;
bela visão é essa mulher para os outros,
mas para o que a possui é um mal,
a não ser que seja um tirano ou um rei
70. que com tal enfeite satisfaça seu coração.
Outra, criou da macaca; esse é, acima de tudo,
o maior flagelo que Zeus deu como companhia aos homens;
muito feio é seu rosto; quando essa mulher
anda pela cidade, em todos provoca o riso;
75. tem pescoço curto, penosamente se movimenta;
sem nádegas, tem a pele sobre os ossos; infeliz o homem
que abraça uma mulher assim desagradável;
ela é capaz de tudo e conhece manhas
como um macaco; não costuma rir;
80. não faria bem a ninguém, mas a isto visa
e isto, o dia inteiro, trama:
como fazer o maior mal possível.
Outra, criou da abelha; feliz aquele que a possui,
pois só a esta não cabe censura;
85. a vida floresce por ela e se desenvolve;
Poesia Lírica grega 47

amada, com aquele que a ama envelhece;


tendo gerado uma bela e nobre descendência;
e ela é notável entre todas as mulheres,
uma graça divina a envolve;
90. não sente prazer em sentar-se entre mulheres
que conversam de assuntos licenciosos;
tais mulheres, que são as mais nobres e prudentes,
Zeus concede aos homens como um favor.
Mas as outras espécies são criações
95. de Zeus também e todas entre os homens permanecem;
pois o maior flagelo que Zeus criou é este:
as mulheres; quando parecem ajudar
o homem que as possui é que lhe causam o maior mal;
pois não passa feliz um dia
100. inteiro, aquele que vive com uma mulher;
não sem demora expulsará de casa a Fome,
inimiga alojada em seu lar, malévola divindade;
quando o homem supõe gozar, em sua casa,
uma grande alegria, quinhão de um deus ou favor de um homem,
105. a mulher, descobrindo o que censurar, para a contenda se arma;
pois na casa onde há uma mulher
nem o hóspede é acolhido com diligente solicitude;
aquela que parece ser a mais prudente
é a que faz os maiores ultrajes;
110. enquanto o marido fica boquiaberto, os vizinhos
se divertem vendo como ele se engana;
em pensamento cada um elogiará sua mulher,
e à do outro censurará;
não compreendemos que temos o mesmo quinhão.
115. É com efeito o maior flagelo que Zeus criou,
o liame indestrutível com que nos entrava;
por isso o Hades recebeu homens
que por causa de uma mulher combateram.
Poesia Lírica grega 48

HIPPONAX
EPODI
11566
kuvmati plazovmeno":
kaVn Salmudhssw~/ gumnoVn eu*frone.
Qrhvik> e" a*krovkomoi
lavoien – e!nqa poll’ a*naplhvsai kakaV
douvlion a!rton e!dwn –
r&igv ei pephgovt’ au*toVn: e*k deV tou~ cnovou
fukiva povll’ e*pevcoi,
krotevoi d’ o&dovnta", w&" kuvwn e*piV stovma
keivmeno" a*krasivh/
a!kron paraV r&hgmi~na kuma .....dou:
tau~t’ e*qevloim’ a!n i*dei~n,
o@" m’ h*divkhse, lavx d’ e*p’ o&rkivoi" e!bh,
toV priVn e&tai~ro" e*wvn.

Hipônax67
Epodo
11568
(...) pelas ondas lançado de um lado para outro,
e que em Salmidesse, nu, benignamente,
os trácios de longos cabelos
o acolham - lá executará muitos trabalhos penosos,
o pão da escravidão comendo -
tremendo ele de frio. Que ao sair da espuma do mar
vomite muitas algas,
bata os dentes, como um cão, de cara no chão
estendido, sob a intempérie,
ao longo da orla escarpada, açoitado pelas ondas.

66
O texto que ora apresentamos é o de M. L. West, Iambi et Elegi Greci, vol I, Oxford, 1971, p.130.
67
Hipônax nasceu em Éfeso e deve ter vivido no fim do século VI.
68
Tradução do texto estabelecido por F. R.. Adrados, Eligiacos y Yambógrafos Arcaicos I, Barcelona, 1956, p.
61.
Poesia Lírica grega 49

Desse modo eu queria ver


esse que me ofendeu e que pisou os juramentos,
sendo, anteriormente, meu amigo.

ODE
A ode aprece no século VII, na ilha de Lesbos, onde era cantada ao som dos bárbitos,
instrumento de cordas semelhante à lira.
Distiguiam-se três tipos de odes: a ode de amor, a ode de mesa e a ode política ou
guerreira.
Quanto à métrica, os dois principais sistemas estróficos são conhecidos como estrofe
alcaica (dois versos hendecassílabos, um eneassílabo, um decassílabo) e estrofe sáfica (três
versos hendecassílabos e um adônico). Essas estrofes não foram invetadas por Alceu e Safo e
encontram-se nos dois poetas indiferentemente.
Os grande nomes na composição de ode são Alceu, Safo e Anacreonte.

Alceu69
Fragmento 4270
Reforcemos, o mais possível, o flanco do navio
e para um porto seguro corramos
e que a frouxa hesitação não se aposse
de nenhum de nós, pois é evidente um grande êxito;
lembrai-vos dos discursos de outrora,
que agora cada homem seja um valente
e não envergonhemos por covardia
nossos nobres avós que sob a terra jazem.

Fragmento 63
Não devemos abandonar o coração ao infortúnio,
pois nada ganharemos afligindo-nos,
ó Buco; o melhor remédio
é ser embebedado pelos que servem vinho.

69
Alceu, nascido em Lesbos, viveu no fim do século VII a. C.
Poesia Lírica grega 50

Hino a Apolo71
... ó soberano Apolo, filho do Grande Zeus...

Hino a Hermes
Salve, ó tu que reinas sobre o Cilene 72; pois a ti
o meu coração deseja hinear, a ti que nos raios das alturas
Maia gerou, tendo se unido ao Cronida 73, rei de todos.

Hino atribuído ao Amor


... mais terrível dos deuses
o que Íris de belas sandálias gerou
unindo-se a Zéfiro, o de cabeleira de ouro...

Hino a Atena
Ó soberana Atena, tu que manténs o combate,
tu que velas sobre a Coronéia 74 diante
do templo ao lado das escarpas do rio
Corálio 75 ...

Hino a Aquiles76
Aquiles, tu que reinas sobre a Cítia... 77

Hino a Ájax78
...a Ájax, raça do rei Cronida, o mais valente
depois de Aquiles...

70
Tradução do texto estabelecido por Thédore Reinach, com a colaboração de Aimé Puech, Alcée-Sapho, Paris,
1960.
71
As traduções seguintes, salvo indicado, são de Fernando Brandão dos Santos, não inclusas na Antologia de
Poetas Gregos; os textos, salvo indicado, são os estabelecidos por Denys Page, Oxford, 1955, pp. 252-258.
72
Cilene é um monte da Arcádia, hoje Zíria.
73
Epíteto de Zeus, por ser um dos filhos de Cronos.
74
Cidade na região da Beócia.
75
Rio da região.
76
O herói mais famoso entre os guerreiros gregos na lendária guerra contra Tróia.
77
Nome genérico de toda a região NE da Europa e NE da Ásia.
78
Outro guerreiro famoso na guerra contra Tróia.
Poesia Lírica grega 51

Hino à Pobreza
Dolorosa pobreza, mal intolerável, que em demasia forças
o povo, com sua irmã, a impotência...

À Safo79
De tranças violetas, de doce sorriso, Safo...

86 que se espalhe mirra sobre a cabeça de quem muito sofreu


e sobre o peito de quem muito...

96 Bebamos: por que as lamparinas esperamos? O dia é um dedo.


Faz descer, então, em grandes taças faiscantes,
ó querido, o vinho que faz esquecer as preocupações, que o
filho de Sêmele e Zeus entregou aos homens: serve nas copas
uma (de água) e duas (de vinho)80, cheias até a borda; que
uma taça a outra apresse...

98 Primavera florida senti chegando:


misturai com o doce mel o mais rápido
a cratera.

Ao Hebro81
Hebro, ó mais belo dentre os rios,
passando junto de Eno
vais atirar fúlgido banho
de trácia espuma no purpúreo mar:

a tuas margens muitas jovens


esfregam com as mãos suaves
a pele das formosas coxas,

79
Fragmentos publicados por Salvatore Quasimodo, Lirici Greci. Dall’ Odissea, dall’ Iliade, Milano, 1979.
80
Traduzimos aqui segundo a interpretação dada por Denys Page, Sappho and Alcaeus, Oxfod, 1955, em seu
comentário a este poema; outros tradutores interpretam o contrário, isto é, duas medidas água para uma de vinho.
O certo é que o poeta simplesmente diz: “duas e uma cheia até a borda”.
81
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos.
Poesia Lírica grega 52

derramando em si mesmas a tua água


como se fosse um brando ungüento.

A cidade
Não fazem a cidade
nem pedra nem madeira,
nem mesmo os que a constróem:
mas onde os homens saibam
como viver seguros,
existirão muralhas
e existirá a cidade.

Palavras de Alceu a Safo82


Ó cheia d pureza,
ó Safo coroada de violetas
que docemente ris:
eu te diria de bom grado certa coisa,
se não fosse a vergonha que mo impede.

Resposta de Safo a Alceu


Se quisesses tão só o bom e o belo,
se em tua boca más palavras não tramasses,
não haveria essa vergonha nos teus olhos
e poderias exprimir-te francamente.

SAPPHO83
184
poikilovqron’ a*qanavt’ A
* frovdita,
pai~ Diov" dolovploke, livssomaiv se,
mhv m’ a!saisi mhd’ o*nivaisi davmna,
4 povtnia, qu~mon:

82
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos.
83
Safo nasceu em Eresos, na ilha de Lesbos. Viveu no fim do século VIII ac. C., foi, portanto, contemporânea de
Alceu.
84
O texto grego apresentado é o estabelecido por Denys Page, Sappho and Alcaeus. An Introduction to the Study
of Ancient Lesbian Poetry, Oxford, 1955, pp. 3.
Poesia Lírica grega 53

a*llaV tuivd’ e!lq’, ai! pota ka*tevrwta


taV" e!ma" au!da" a*ivoisa phvloi
e!klue", pavtro" deV dovmon livpoisa
8 cruvsion h\lqe"

a!rm’ u*pasdeuvxaisa: kavloi dev s’ a\gon


w!kee" strou~qoi periV ga~" melaivna"
puvkna divnnente" ptevr’ a*p’ w*ravvnwi!qe-
12 -ro" diaV mevssw,

ai\ya d’ e*xivkonto: suV d’, w\ mavkaira,


meidiaivsais’ a*qanavtw/ proswvpw/
h!re’ o!tti dhu\te pevponqa kw!tti
16 dhu\te kavlhmmi

kw!tti moi mavlista qevlw gevnesqai


maivnolai quvmw/: tivna dhu\te peivqw
a#y savghn e*" saVn filovtata; tiv" s’, w\
20 Yavpf’, a*dikhvei;

kaiV gaVr ai* feuvgei, tacevw" diwvxei:


ai* deV dw~ra mhV devket’, a*llaV dwvsei:
ai* deV mhV fivlei, tacevw" filhvsei
24 kwu*k e*qevloisa.

e!lqe moi kaiV nu~n calepaVn deV lu~son


e*k merivmnan, o!ssa dev moi tevlessai
qu~mo" i*mevrrei, tevleson: suV d’ au!ta
28 suvmmaco" e!sso.
Safo85
1

85
A tradução que usamos aqui é a do Prof. JA A Torrano, da F.F.L.C.H. da USP, v. SAFO DE LEBOS, 2009, p.
20-21.
Poesia Lírica grega 54

Afrodite imortal de faiscante trono,


filha de Zeus tecelã de enganos, peço-te:
a mim nem mágoa nem náusea domine,
4. Senhora, o ânimo.
Mas aqui vem, - se já uma vez
a minha voz ouvindo-a de longe
escutaste, e do pai deixando a casa
8. áurea vieste,
atrelado o carro. Belos te levavam
ágeis pássaros acima da terra negra,
contínuas asas vibrando vindos do céu
12. através do ar,
e logo chegaram. Tu, ó venturosa,
sorrindo no rosto imortal indagas
o que de novo sofri, a que de novo
16. te convoco,
o que mais desejo de ânimo louco
que aconteça. “Quem de novo convencerei
a acolher teu amor? Quem, Safo, te faz
.20 sofrer?

Se bem agora fuja, logo te perseguirá,


se bem teus dons recuse, virá te dar
se bem não ame, logo amará - ainda que
24. ela não queira.”

Vem junto a mim ainda agora, dasfaze


o áspero pensar, perfaze quanto o meu ânimo
anseia ver perfeito. E tu mesma - sê
28. minha aliada.

3186
fainetaiv moi kh~no" i!sso" qevoisin

86
Texto estabelecido por Denys Page, op. cit., p. 19.
Poesia Lírica grega 55

e!mmen’ w!nhr, o!tti" e*nantiov" toi


i*sdavnei kaiV plavsion a\du fwneiv-
4 sa" u*pakouvei

kaiV gelaivsa" i*mevroen, tov m’ h\ maVn


kardivan e*n sthvqesin e*ptovaisen:
w*" gaVr e!" s’ i!dw brovce’, w!" me fwvnai-
8 s’ ou*d’ e!n e!t’ ei!kei,

a*ll’ a!kan meVn glw~ssa e!age levpton


d’ au!tika crw/~ pu~r u*padedrovmhken,
o*ppavrtessi d’ ou*d’ e#n o!rhmm’, e*pirrovm-
12 beisi d’ a!kouai,

kaVd dev m’ i!drw" yu~kro" e!cei, trovmo" deV


pai~san a!grei, clwrotevra deV poiva"
e!mmi, teqnavkhn d’ o*livgw’ pideuvh"
16 faivnomai

a*llaV paVn tovlmaton e*peiV kaiV pevnhta


. . . . .
287
A mim parece igual aos deuses
o homem que diante de ti
se senta perto e te ouve falar
4. docemente,
e rir com encanto, o que, eu juro,
o coração no peito me alucinou;
pois, quando te olho apenas um momento, já não posso
8. pronunciar uma única palavra;
mas minha língua se quebra e, sutil,
de súbito sob a pele, um fogo corre;
em meus olhos, já nem há olhar, e zumbem

87
Tradução de Daisi Malhadas do texto estabelecido por Théodore Reinach.
Poesia Lírica grega 56

12. os ouvidos;
o suor escorre, um tremor
apodera-se de mim inteiramente, mais verde que a erva
me torno, e a que eu morra pouco falta,
16. eu sinto...
mas tudo se deve ousar, desde que...

1688
oi* meVn i*pphvwn strovton oi* deV pevsdwn
oi* deV navwn fai~s’ e*piV ga~n mevlainan
e!mmenai kavlliston, e!gw deV kh~n’ o!t-
4. tw ti" e!ratai:
pavgcu d’ eu!mare" suvneton povhsai
pavnti tou~t’, a* gaVr povlu persekevqoisa
kavllo" a*nqrwvpwn E
* levna toVn a!ndra
8. toVn panavriston
kallivpoi s’ e!ba ‘" Troi?an plevoisa
kwu*deV pai~do" ou*deV fivlwn tokhvwn
pavmpan e*mnavsqh, a*llaV paravgag’ au!tan
12. ]san
]ampton gaVr [
]...kouvfw" t[ ]oh" [ ]n
..] me nu~n *Anaktoriva[" o*]nevmnai-
16. s’ ou*] pareoivsa":
ta~]" ke bolloivman e!raton te ba~ma
ka*mavrucma lavmpron i!dhn proswvpw
h! taV Luvdwn a!rmata kaiV panovploi"
20. pesdom]avcenta".

Para Anactória
Dizem: o renque de carrros ou de soldados
ou de navios é sobre a terra negra
a suprema beleza. Digo: é aquilo que

88
Texto de Denys Page, op. cit., p. 52, tradução de JAA Torrano, in SAFO DE LESBOS, 2009, p. 22-23.
Poesia Lírica grega 57

4. se ama.
Muito fácil fazer isso compreensível
a todos: - Helena, a que superou
toda a beleza de humanos, ao mais nobre
8. marido
deixou atrás e foi a Tróia num navio
Nem da filha nem de pais queridos
nada se recordou, mas seduzia-a
12. Cipris.
Nas mãos de Cípris é maleável a mente.
Eros faz nosso pensamento revirar-se
leve e faz-me lembrar agora de Anactória
16. longe.
Quisera eu ver o encanto de seu andar
e a luz brilhante de seu rosto,
não carros da Lídia ou guerreiros com
20. armas.

4689 e!gw de’ e*piV molqavkan


tuvlan kaspolevw mevlea meVn tetulagka" a*spovlea
... e eu sobre fofas
almofadas relaxarei braços e pernas e ...

47. !Erw" d’ e*tivnaxe moi


frevna", w*" a!nemo" kat’ o!ro" druvsin e*mpevtwn
Eros sacudiu-me
as entranhas, como ventos ao longo da colina desabando sobre carvalhos.

48 h*lqe, kaiV [eu^] e*povhsa", e!gw dev s’ emaiovman,


o!n d’ e!yuxa" e!man frevna kaiomevnan povqw~/
Vieste, e bem fizeste, e eu te desejava,
refrescaste meu coração ardendo de desejo.
Poesia Lírica grega 58

49 *Hravman meVn e!gw sevqen, !Atqi, pavlai potav...


smivkra moi pavi" e!mmen’ e*faivneo ka!cari"
estava apaixonada eu por ti, Átis, há tanto tempo...
criança miúda me parecias ser e sem graça...

50 o* meVn gaVr kavlo" o!sson i!dhn pevletai kavlo",


o* deV ka!gaqo" au!tika kaiV kavlo" e!ssetai.
pois quem é belo, é belo enquanto se vê,
já quem é bom, ao mesmo tempo belo será...

51 ou*k oi^d’ o!tti qevw: duvo moi taV nohvmata


Não sei o que fazer: dois pensamentos me ...

52 yauvhn d’ ou* dokivmwm’ o*ravnw duspaceva


apalpar nem imagino a imensidão do céu...

53 brodopavcee" a!gnai Cavrite", deu~te Divo" kovrai


Santas Graças de braços róseos, vinde aqui virgens de Zeus.

54 ( !Erwta)
e!lqont’ e*x o*ravnw porfurivan perqevmenon clavmun
(Eros)
vindo do céu envolto em purpúrea clâmide...

55 katqavnoisa deV keivsh/ ou*deV pota mnamosuvna sevqen


e!sset’ ou*deV pok’ u!steron: ou* gaVr pedevch/" brovdwn
twVn e*k Pieriva", a*ll’ a*favnh" ka*n A
* ivda dovmw/
foitavsh/" ped’ a*mauvrwn nekuvwn e*kpepotamevna.
Quando morreres, que jamais memória de ti
haja nem depois, pois não tens parte com as rosas
da Piéria, mas invisível, também para o palácio de Hades

89
A numeração dos fragmentos seguintes, salvo indicado, obedecem à numeração dada por Eva Maria Voigt,
Sappho et Alcaeus. Fragmenta, Amesteradam, 1971 apud Saffo Poesie, de Franco Ferrari, Milano, 1987. A
Poesia Lírica grega 59

hás de ir com os sombrios cadáveres despencada.

56 ou*d’ i!an dokivmwmi prosivdoisan favo" a*livw


e!ssesqai sofivan pavrqenon ei*" ou*devna pw crovnon
teauvtan
Presumo que nenhuma virgem enxergando a luz do sol,
será sábia em tempo algum
igual a ti.

57 tiv" d’ a*groi?wti" qevlgei novon...


a*groi?wtin e*mpemmevna stovlan...
ou*k e*pistamevna taV bravke’ e!lkhn e*piV twVn sfuvrwn;
Que camponesa encanta o espírito...
a que está sob uma veste de camponesa...
não sabendo os trapos tirar dos tornozelos?

91 a*sarotevra" ou*davma pw Ei!rana, sevqen tuvcoisan


mais desdenhosa que tu, Irene, jamais tendo encontrado

102 Gluvkea ma~ter, ou# toi duvnamai krevkhn toVn i!ston,


povqw/ davmeisa pai~do" bradivnan di’ *Afrodivtan.
Doce mãe, não posso mais urdir este tecido,
pelo desejo de um rapaz dominada por causa da terna Afrodite.

105b oi!an taVn u*avkinqon e*n w!resi poivmene" a!ndre"


povssi katasteivboisi, cavmai deV te povrfuron a!nqo"...
Como o jacinto, que nos montes homens-pastores
com seus pés pisam, e no solo purpúrea flor...

114 (nuvmfh) parqeniva, parqeniva, poi~ me livpois’ a*poivch/;


(parqeniva) ou*kevti h!xw proV" sev, ou*kevti h!xw.
(Noiva) Virgindade, virgindade, para onde vais ao me deixar?
(Virgindade) Jamais voltarei a ti, jamais voltarei.

tradução desses textos é de Fernando Brandão dos Santos.


Poesia Lírica grega 60

132 !Esti moi kavla pavi" crusivoisin a*nqevmoisin


e*mfevrhn e!coisa movrfan Klevi" a*gapavta,
a*ntiV ta~" e!gwu*deV Ludivan pai~san ou*d’ e*ravnnan...
Eu tenho uma bela filha, que de douradas flores
tem semelhante beleza, Cleide amada,
pela qual eu nem a Lídia inteira nem a namorada...

3690 kevlomai sev


Gogguvla, pevfanqi lavboisa mavndun
glaktivnan: se dhu?te povqo" t’...
a*mfipovtatai

taVn kavlan: a* gaVr katavgwgi" au!ta


e*ptovais1 i!doisan: e!gw deV caivrw,
kaiV gaVr au!ta dhvpot’ e*mevmfet’...
Kuprogevnha,

w*" a!rama/...

...Imploro-te,
Gônguila, aparece vestindo o manto
lácteo. Além do mais um desejo em torno
de ti voa,

de ti, bela; pois esta veste mais


terrifica quem te olha. Eu me alegro.
Entretanto, até um dia te censuraria também
a Ciprogênia91...

94 Devduke meVn a* selavnna


kaiV Plhi?ade": mevsai deV

90
A numeração dos fragmentos seguintes pertencem à edição de Salavatore Quasimodo, Lirici Greci, Milano,
1979.
91
Epíteto de Afrodite por ter nascido nas espumas da ilha de Chipre.
Poesia Lírica grega 61

nuvkte", paraV d’ e!rcet’ w!ra:


e!gw deV movna kateuvdw.

Já se pôs a lua,
e as plêiades; meia
noite, passa o tempo,
e eu sozinha me deito.

107 Katqnav/skei, Kuqevrh’ , a!bro" !Adwni": tiv ke qei~men;


kattuvptesqe, kovrai, kaiV ketereivkesqe kivqwna".
Está morrendo, Citeréia 92, o tenro Adônis, que devemos fazer?
Batei no peito, meninas, e rasgai as túnicas.

LICOFRÔNIDES93
Ou!te paidoV" a!rreno" ou!te parqevnwn
tw~n crusofovrwn ou*deV gunaikw~n baqukovlpwn
kaloVn toV provswpon, e*aVn m<hV> kovsmion pefuvkh/:
h& gaVr ai*dwV" a!nqo" e*pispeivrei.

Não nasce de um jovem rapaz nem de virgens


em vestes de ouro nem de mulheres em drapeados profundos
a beleza no rosto se não nascer o decoro,
pois ele semeia a flor do pudor.

ANACREON94
^W pai~ parqevnion blevpwn,
divzhmaiv se, suV d’ ou* koei~",
ou*k ei*dwv" o@ti th~" e*mh~"
yuch~" h&nioceuvei".

92
Outro epíteto de Afrodite, cultuada, desde época remota, no Cíterão.
93
Não temos informações sobre a vida de Licofrônides. Tradução de Fernando Brandão dos Santos, texto de
Salvatore Quasimodo, op. cit. p. 119.
94
Anacreonte nasceu em Teos e viveu, provavelmente, no século VI a.C. Texto editado por Bruno Lavagnini,
AGLAIA, Nuova Antologia della Lírica Greca da Callino a Bacchilide, Turim, 1952, p. 167-68. Tradução de
Fernando Brandão dos Santos. O poema seria dedicado ao jovem Cleóbulo.
Poesia Lírica grega 62

Ó jovem virginal de olhar,


busco-te; tu, porém, não percebes,
desconhecendo que a minha
alma diriges.

3.2. Lírica Coral95


EPINÍCIO96
O epinício é uma varidade do encômio, que é um canto de elogio. É um canto triunfal
que celebra uma vitória agonística. São, também, variedes do encômio o escólio (canto de
elogio cantado no fim de um banquete, para celebrar o anfitrião) e o treno (lamentação
fúnebre, ao mesmo tempo homenagem ao morto e consolo para a família).
O epinício é representado por Baquílides e por Píndaro.97

BAQUILÍDES98
IERWNI SURAKOSIWI
IPPOIS OLUMPIA
*Aristokravrpou Sikeliva" krevousan
Davmatra i*ostevfanovn te Kouvran
u@mnei, glukuvdwre Kleoi~, qoaV" t’ *O-
lumpiodrovmou" &Ievrwno" i@ppou".
5 seuvonto gaVr sun u&perovcw/ te Nivka/
suVn A
* glai?a/ te par’ eu*rudivnan
*Alfeovn, tovqi Deinovmeno" e!qhkan
o!lbion tevko" stefavnwn kurh~sai:
qrovhse de laoV"
10. a& triseudaivmwn a*nhvr,
o@" paraV ZhnoV" lacwvn
pleivstarcon &Ellavnwn gevra"

95
Antologia dos poetas gregos. De Homero a Píndaro, p. 95 e seq.
96
De diversas composições da lírica coral (hinos, peão, ditirambo, prosódia, partenéia, hiporquema), temos
somente fragmentos bastante reduzidos. Apenas o epinício nos oferece textos significativos; por isso, só
apresentamos aqui traduções desse tipo de composição lírica coral.
97
Alguns outros poetas que cultivaram a poesia lírica coral foram: Alcmã, nascido em Sardes, que viveu na
segunda metade do século VII, Estesícoro, conhecido como Estesícoro de Hímera, que viveu na primeira metade
do século VII, Simônide, conhecido como Simônide de Ceos (onde nasceu), que viveu na segunda metada de
século VI.
Poesia Lírica grega 63

oi^de purgwqevnta plou~ton mhV melam-


farevi> kruvptein skovtw/.
15. bruvei mevn i&eraV bouquvtoi" e&ortai~"
bruvousi filoxeniva" a*guiaiv:
lavmpei d’ u&poV marmarugai~" o& crusov"
u&yidaidavltwn tripovdwn staqevntwn
pavroiqe naou~, tovqi mevgiston a!lso"
Foivbou paraV Kastaliva" r&eevqroi"
20. DelfoiV dievpousi. qeoVn qeoVn ti"
a*glai>zevqw& gaVr a!risto" o!lbwn:
e*peiV pote kaiV damasivppou
Ludiva" a*rcagevtan,
25. eu^te taVn peprwmevnan
ZhnoV" televssanto" krivsin
Savrdie" Persa~n a&livskonto stratw~/,
Kroi~son o& crusavoro"
fuvlax *Apovllwn o& d’ e*" a!elpton a^mar
30. molwVn poludavkruon ou*k e!melle
mivmnein e!ti doulosuvnan puraVn deV
calkoteicevo" propavroiqen au*laV"
nahvsat’, e!nqa suVn a*lovcw/ te kedna~/
35. qugatravsi duromevnai": cevra" d’ e*"
ai*puVn ai*qevra sfetevra" a*eivra"
gevgwnen: “u&pevrbie dai~mon,
pou~ qew~n e*stin cavri";
pou~ deV Latoivda" a!nax;
40. e!rrousin *Aluavtta dovmoi
.......................................murivwn
.........................n.
.........................................a!stu.
foinivssetai ai@mati crusodivna"
45. PaktwloV", a*eikelivw" gunai~ke"
e*x e*u>ktivtwn megavrwn a!gontai.

98
Baquílides, nascido em Ceos, era sobrinho de Simônide, viveu no fim do século VI, início do V.
Poesia Lírica grega 64

taV provsqen e*cqraV fivla; qanei~n gluvkiston.”


tovs’ ei^pe, kaiV a&brobavtan kevleusen
a@ptein xuvlinon dovmon. e!klagon deV
50. parqevnoi, fivla" t’ a*naV matriV cei~ra"
e!ballon: o& gaVr profanhV" qna-
toi~sin e!cqisto" fovnwn:
a*ll’ e*peiV deinou~ puroV"
lamproVn diavi>ssen mevno",
55. ZeuV" e*pistavsa" melagkeuqeV" nevfo"
sbevnnuen xanqaVn flovga:
a!piston ou*deVn, o@ ti qew~n mevrimna
teuvcei: tovte DalogenhV" A
* povllwn
fevrwn e*" &Uperborevou" gevronta
60. suVn tanisfuvroi" katevnasse kouvrai"
di’ eu*sevbeian, o@ti mevgista qnatw~n
e*" a*gaqevan a*nevpemye Puqwv.
o@soi ge meVn &Ellavd’ e!cousin, ou!ti"
64. w^ megaivnhte &Ievrwn, qelhvsei
favmen sevo pleivona crusoVn
Loxiva/ pevmyai brotw~n.
eu^ levgein pavrestin, o@s-
ti" mhV fqovnw/ piaivnetai,
qeofilhV fivlippon a!ndr’ a*rhvi>on
70. teqaivou ska~ptron DioV".
i*oplovkwn te mevro" e!conta Mou~ssan.
.........aalevai potev..........wn
..........no" a*favmeron a
..........a/ skopei~": bracuv" e*stin ai*wvn
75. ............essa d’ e*lpiv" u&p.....
e*famerivwn> o& d’ a!nax *Apovllwn
.......lo" ei^pe Fevrhto" ui%i:
......qnatVon eu^ntai crhV diduvmou" a*evxein
gnwvma", o@ti t’ au^rion o!yeai
80. mou~non a&livou favo",
Poesia Lírica grega 65

cw@ti penthvkont’ e!tea


zwaVn baquvplouton telei~".
o@sia drw~ eu!fraine qumoVn: tou~to gaVr
kerdevwn u&pevrtaton.”
85. fronevonti sunetaV garuvw: baquV" meVn
ai*qhVr a*mivanto": u@dwr deV povntou
ou* savpetai: eu*frosuvna d’ o& crusov".
a*ndriV d’ ou* qevmi", polivon parevnta
gh~ra", qavleian au^ti" a*gkomivssai
90. h@ban. a*reta~" ge meVn ou minuvqei
brotw~n a@ma swvmati fevggo", a*llaV
Mou~sa nin trevfei. *Ievrwn, suV d’ o!lbou
kavllist’ e*pedeivxao qnatoi~"
a!nqea: pravxanti d’ eu^
ou* fevrei kovsmon siw-
95. pav: suVn d’ a*lhqeiva kalw~n
kaiV meliglwvssou ti" u&mnhvsei cavrin
Khi?a" a*hdovno".

OLÍMPICA III99
Para Hierão de Siracusa
A Deméter, rainha da Sicília,
terra de bons frutos, e a sua filha coroada de violetas
celebra, ó Clio de doces presentes, e aos rápidos
cavalos de Hierão que concorrem em Olímpia.
5. Eles avançam com a superior Vitória e
com Aglaia, junto ao agitado
Alfeu, onde propiciaram ao filho
afortundado de Deinomene obter coroas.
E o povo aclamou:
10. Óh! Três vezes feliz o homem
que de Zeus obteve
a honra de ser o chefe do maior número de gregos

99
Texto estabelecido por Bruno Snell, Leipzig, 1901.
Poesia Lírica grega 66

e sabe como não deixar oculto o edifício da fortuna


sob o veú negro da obscuridade”.
15. Os santuários regurgitam com festas de sacrifícios;
regurgitam as ruas com recepções ao estrangeiros;
brilha cintilante o ouro
do tripés cinzelados que estão
diante do templo onde o magnífico recinto sagrado
20. de Febo, junto às quedas da água de Castália,
os habitantes de Delfos administram. A esse deus, a esse deus
prestem-se homenagens, pois isso constitui suprema felicidade.
Outrora, a Cresos, chefe supremo
da Lídia, domadora de cavalos,
25. quando, ao se cumprir
o destino marcado por Zeus,
Sardes sucumbia sob o exército persa,
Apolo de espada de ouro
salvou. Cresos, quando chegou o inesperado
30. dia de muitas lágrimas, não quis
esperar ainda a escravidão, mas uma fogueira,
diante dos muros de bronze do pátio,
fez, e a ela subiu com a querida esposa
e as filhas de belos cachos que
35. sem cessar choravam. Ambas
as mãos ao céu erguendo
exclamou: “violento destino,
onde está a graça dos deuses?
onde está o senhor filho de Latona
................................................................................
47. o que antes odiava agora amo: morrer é o que há de mais doce.”
Assim falou, e a um lídio delicado ordenou
que ateasse fogo à lenha: gritavam
50. as virgens e seus braços carinhosos envolviam
a mãe; pois a visão da morte
é o que há de mais odioso aos mortais;
Poesia Lírica grega 67

mas, quando do fogo terrível


a luz se lançava de todos os lados,
55. Zeus estendendo uma nuvem negra
apagava a loira chama.
Não é inseguro o que o pensamento dos deuses
inventa. Então, Apolo, deus de Delos,
levou o velho ao país dos Hiperboreus
60. e aí o estabeleceu com suas filhas esguias,
por causa de sua piedade, porque nenhum outro mortal
enviara à sagrada Pito maiores oferendas.
De todos que habitam a Grécia, ninguém,
ó glorioso Hierão, quererá
65. afirmar que enviou a Lóxias
mais ouro do que tu
.................................................................................
..........................................................o senhor Apolo
.............................disse ao filho de Feres:
...........”mortal, é preciso que teu espírito alimente dois
pensamentos, e que, amanhã vejas
80. tu somente a luz do sol,
e que ainda cinqüenta anos
vivas com grande riqueza;
com atos piedosos alegra-se o coração; esse com efeito
é o maior dos proveitos.”
85. A quem me ouve falo com sabedoria; o profundo
éter é imaculado; a água do mar
não se corrompe; o ouro traz alegria;
mas ao homem não é permitido a branca velhice
rejeitar e a florescente juventude de novo
90. recuperar; apenas o brilho da virtude não
míngua ao mesmo tempo que o corpo dos mortais, mas
a Musa o nutre. Hierão, tu mostraste
aos mortais as mais belas flores
da prosperidade; ao que pratica o bem
Poesia Lírica grega 68

95. não traz ornamento o


silêncio; dirá a verdade quem te
homenagear com este hino da voz de mel
do rouxinol de Ceos.

PINDARUS
OLIMPIONIKAIS I
IERWNI SURAKOSIWI KELHTI
!Ariston meVn u@dwr, o& deV crusoV" a*iqovmenon pu~r
a{te diaprevpei nuktiV megavnoro" e!xoca plouvtou:
ei* d’ a!eqla garuven
e!ldeai, fivlon h^tor,
5. mhkevt’ a*elivou skovpei
a!llo qalpnovteron e*n a&mevra fae-
nnoVn a!stron e*rhvma" di’ ai*qevro",
mhd’ *Olumpiva" a*gw~na fevrteron au*davsomen:
o@qen o& poluvfato" u@mno" a*mfibavlletai
sofw~n mhtivessi, keladei~n
10. Krovnou pai~d’ e*" a*fneavn i&komevnou"
mavkairan &Ievrwno" e*stivan,
qemistei~on o@" a*mfevpei ska~pton e*n polumhvlw/
Sikeliva/ drevpwn meVn korufaV" a*reta~n a!po pasa~n,
a*galai?zetai deV kaiV
15. mousika~" e*n a*wvtw/,
oi%a paivzomen filan
a!ndre" a*mfiV qamaV travpezan. a*llaV Dw-
rivan a*poV fovrmigga passavlou
lavmban’, ei! tiv toi Pivsa" te kaiV Ferenivkou cavri"
novon u&poV glukutavtai" e!qhke frontivsin,
20. o@te par’ *Alfew~/ suvto devma"
a*kevnthton e*n drovmoisi parevcwn,
kravtei deV prosevmeixe despovtan
Surakovsion i&ppocavr-
man basilh~a: lavmpei deV oi& klevo"
Poesia Lírica grega 69

e*n eu*avnori Ludou~ Pevlopo" a*poikiva/:


25. tou~ megasqenhV" e*ravsato Gaiavoco"
Poseidavn, e*peiV nin kaqarou~ levbh-
to" e@xele Klwqwv,
e*levfanti faivdimon w^mon kekadmevnon.
h^ qauvmata pollaV, kaiV pou~ ti kaiV brotw~n
28b favti" u&peVr toVn a*lhqh~ lovgon
dedaidalmevnoi yeuvdesi poikivloi"
e*xapatw~nti mu~qoi.
B’ Cavri" d’, a@per a@panta teuvcei taV meivlica qnatoi~"~ ,
31. e*pifevroisi timaVn kaiV a!piston e*mhvsato pistovn
e!mmenai toV pollavki":
a&mevrai d’ e*pivloipoi
mavrture" sofwvtatoi.
35. e!sti d’ a*ndriV favmen e*oikoV" a*mfiV dai-
movnwn kalaV: meivwn gaVr ai*tiva.
ui&eV Tantavlou, seV d’ a*ntiva protevrwn fqevgxomai
o&povt’ e*kavlese pathVr toVn eu*nomwvtaton
e*" e!ranon fivlan te Sivpulon,
a*moibai~a qeoi~si dei~pna parevcwn,
40. tovt’ *Aglaotrivainan a&rpavsai,
damevna frevna" i&mevrw/, crusevasiv t’ a*n’ i@ppoi"
u@paton eu*rutivmou potiV dw~ma DioV" metaba~sai:
e!nqa deutevrw/ crovnw/
h^lqe kaiV Ganumhvdh"
45. ZhniV twu!t’ e*piV crevo".
w&" d’ a!fanto" e!pele", ou*deV matriV pol-
laV maiovmenoi fw~te" a!gagon,
e!nnepe krufa~/ ti" au*tivka fqonerw~n geitovnwn,
u@dato" o@ti te puriV zevioisin ei*" a*kmaVn
macaivra tavmon kataV mevlh,
50. trapevzaisiv t’ a*mfiV deuvtata krew~n
sevqen diedavsanto kaiV favgon.
e*moiV d’ a!pora gastrivmar-
gon makavrwn tin’ ei*pei~n: a*fivstamai:
Poesia Lírica grega 70

a*kevrdeia levlogcen qamnaV kakagovrou":


ei* deV dhv tin’ a!ndra qnatoVn *Olumvpou skopoiV
55. e*tivmasan, h^n Tavntalo" ou%to": a*l-
laV gaVr katapevyai
mevgan o!lbon ou*k e*dunavsqh, kovrw/ d’ e@len
a!tan u&pevroplon, a!n toi pathVr u@per
krevmase karteroVn au*tw~/ livqon,
toVn ai*eiV menoinw~n kefala~" balei~n
eu*frosuvna" a*la~tai.
G’ e!cei d’ a*pavlamon bivon tou~ton e*mpedovmocqon
60. metaV triw~n tevtarton povnon, a*qanavtou" o@ti klevyai"
a&livkessi sumpovtai"
nevktar a*mbrosivan te
dw~ken, oi%sin a!fqiton
qevn nin. ei* deV qeoVn a*nhvr ti" e!lpetai
ti laqevmen e!rdwn, a&martavnei.
65. tou!neka oi& proh~kan ui&oVn a*qavnatoi oi& pavlin
metaV toV tacuvpotmon au^ti" a*nevrwn e!qno".
proV" eu*avnqemon d’ o@te fuavn
lavcneai nin mevlan gevneion e!feron,
e&toi~moi a*nefrovntisen gavmon
70. Pisavta paraV patroV" eu!doxon &Ippodavmeian
sceqevmen. e*gguV" d’ e*lqwVn polia~" a&loV" oi%o" e*n o!rfna/
a!puen baruvktupon
Eu*trivainan: o& d’ au*tw~/
paVr podiV scedoVn favnh.
75. tw~/ meVn ei^pe: ‘Fivlia dw~ra Kupriva"
a!g’ ei! ti, Poseivdaon, e*" cavrin
tevlletai, pevdason e!gco" Oi*nomavou cavlkeon,
e*meV d’ e*piV tacutavtwn povreusan a&rmavtwn
e*" ^Alin, kravtei deV pevlason.
e*peiV trei~" te kaiV devk’ a!ndra" o*levsai"
80. mnasth~ra" a*nabavlletai gavmon
quvgatrov". o& mevga" deV kivn-
duno" a!nalkin ou* fw~ta lambavvnei.
Poesia Lírica grega 71

qanei~n d’ oi%sin a*navgka, tav ke ti" a*nwvnumon


gh~ra" e*n skovtw/ kaqhvmeno" e@yoi mavtan,
a&pavntwn kalw~n a!mmoro"; a*ll’ e*moiV
meVn ou%to" a!eqlo"
85. u&pokeivsetai: tuV deV pra~xin fivlan divdoi.’
w$" e!nnepen: ou*d’ a*kravntio" e*favyato
e!pesi. toVn meVn a*gavllwn qeov"
e!dwken divfron te cruvseon pteoi~-
sinv t’ a*kavmanta" i@ppou".
D’ e@len d’ Oi*nomavou bivan parqevnon te suvneugon:
e!teke lagevta" e@x a*retai~si memaovta" ui&ouv".
90. nu~n d’ e*n ai@makourivai"
a*glaai~si mevmiktai,
*Alfeou~ povrw/ kliqeiv",
tuvmbon a*mfivpolon e!cwn poluxenw-
tavtw/ paraV bwmw/~: toV deV klevo"
thlovqen devdorke ta~n O
* lumpiavdwn e*n drovmoi"
95. Pevlopo", i@na tacutaV" podw~n e*rivzetai
a*kmaiv t’ i*scuvo" qrasuvponoi:
o& nikw~n deV loipoVn a*mfiV bivoton
e!cei melitovessan eu*divan
a*evqlwn g’ e@neken: toV d’ ai*eiV paravmeron e*sloVn
100. u@paton e!rcetai pantiV brotw~n. e*meV deV stefanw~sai
kei~non i&ppivw/ novmw/
Ai*olhi?di molpa~/
crhv: pevpoiqa deV xevnon
mhV tin’ a*mfovtera kalw~n te i!drin a@-
ma kaiV duvnamin kuriwvteron
105. tw~n ge nu~n klutai~si daidalwsevmen u@mnwn ptucai~".
qeoV" e*pivstropo" e*wVn teai~si mhvdetai
e!cwn tou~to ka~do", &Ievrwn,
merivmanaisin: ei* deV mhV tacuV livpoi,
e!ti glukutevran ken e!lpomai
110. suVn a@rmati qow~/ keli?-
zein e*pivouron eu&rwVn o&doVn lovgwn
Poesia Lírica grega 72

par’ eu*deivelon e*lqwVn Krovnion. e*moiV meVn w^n


Moi~sa karterwvtaton bevlo" a*lka~/ trevfei
a!lloisi d’ a!lloi megavloi: toV d’ e!-
scaton koruqou~tai
basileu~si. mhkevti pavptaine povrsion.
115. ei!h sev te tou~ton u&you~ crovnon patei~n,
115b e*meV te tossavde nikafovroi"
o&milei~n provfanton sofiva/ kaq’ @El-
lana" e*ovnta panta~/.
PÍNDARO100
OLÍMPICA I 101
A Hierão de Siracusa
Vencedor na corrida de cavalos
I
estrofe 1
O melhor elemento é a água e
o ouro, como fogo que se inflama,
brilha
na noite mais do que a orgulhosa opulência.
Se jogos celebrar
desejas, ó minh’ alma –
5. nunca mais quente do que o sol procures
outro astro
que brilhe de dia
no céu deserto
nunca superior à de Olímpia
uma competição celebraremos.
De lá o renomado hino envolve
o gênio dos poetas que para louvar
10. o filho de Cronos ao lar vieram
rico e feliz de Hierão.
Antístrofe I
Da justiça ele detém

100
Píndaro nasceu em Cinocéfalo, perto de Tebas, e foi contemporâneo de Baquílides.
101
Texto estabelecido por Aimé Puech, Pindare, Paris, 1930.
Poesia Lírica grega 73

o cetro na fecunda
Sicília, colhendo
o que há de mais alto de todas as virtudes
e gloria-se também
15. com as excelências do canto
com que nos recreamos amiúde
ao redor de sua mesa amiga.
Vamos! a dórica lira
do gancho
toma, se acaso de Pisa e
de Frênicos o brilho
teu espírito subjugou às mais doces inspirações,
20. quando às margens do Alfeu, seu corpo se preciptou
lançando-se na pista sem ser esporeado,
e à vitória conduziu seu dono,
Epodo 1
de Siracusa o rei
cavaleiro. Brilha para ele a glória
na terra de heróis,
colônia do lídio Pélope.
25. Deste se enamorou
o poderoso Sustentáculo da Terra
Posidão, quando de uma bacia pura
o retirou Cloto,
a brilhante espádua
de marfim luzindo.
Ah! prodígios há muitos e
ainda talvez a fala
dos mortais vá além da verdade;
as histórias com invencionices diversas
que enganam são elaboradas.
II
Estrofe II
30. A graça, que todas as coisas agradáveis
engendra para os mortais,
Poesia Lírica grega 74

trazendo-lhes honra, também o incrível faz ser


crível muitas vezes.
Mas os dias futuros
são o testemunho mais sábio.
35. Convém ao homem dizer
acerca dos deuses coisas belas,
pois menor é a censura.
Filho de Tântalo, de ti de modo diferente
que meus predecessores falarei:
no dia em que teu pai convidou para a festa
perfeita na querida Sipilo,
aos deuses um jantar oferecendo em retribuição,
40. então, o Deus do Brilhante Tridente cometeu o rapto,
Antístrofe 2
subjugado no seu coração pelo amor,
e em dourados cavalos
à altíssima morada
do muito honrado Zeus te levou.
Para lá mais tarde
foi também Ganimedes,
45. para junto de Zeus com o mesmo compromisso.
Como estavas desaparecido e, nem
muito procurando, à tua mãe
te trouxessem,
logo, contou em segredo, um
invejoso vizinho
que, em água que fervia ao fogo,
com faca te deceparam os membros,
50. e à mesa, por último, tuas
carnes repartiram e comeram.
Epodo 2
A mim, porém, é impossível de glutão
chamar a um deus. Recuso-me.
Dano é o que cabe,
Poesia Lírica grega 75

em geral, aos difamadores.


Se, em verdade, a um homem
mortal os senhores do Olimpo
55. honraram, esse era Tântalo.
Mas, com efeito, de suportar
a grande ventura não foi capaz.
Pelo orgulho atraiu
um castigo excessivo. Sobre
ele o pai
suspendeu sólida pedra,
e, sempre se preocupando em da cabeça afastá-la,
de alegria se priva.
III
Estrofe III
Leva, sem meios de defesa, esta vida,
de tortura incessante,
60. com um quarto suplício acrescido a
três outros, porque, dos imortais tendo roubado,
para seus semelhantes, convivas seus,
serviu o néctar e
a ambrosia com que em imortal
o haviam transformado. Se à divindade algum homem
espera ocultar um de
seus atos, engana-se.
65. Por isso enviaram seu filho
os imortais de volta,
outra vez, à perecível raça dos homens.
Na flor da idade, quando
uma penugem o queixo lhe sombreava,
ele pensou na aliança que estava sendo oferecida
Antístrofe 3
70. pelo soberano de Pisa, e quis
a ilustre Hipodâmia
do pai obter. Tendo-se aproximado
do branco mar, sozinho, na noite
Poesia Lírica grega 76

chamava em voz alta ao que faz ecoar a terra,


o Deus do Belo Tridente. Este, bem ao pé
dele apareceu.
75. Disse-lhe o jovem: “Com amizade, presentes
de Cípris trago; se, ó Posidão,
algum agrado
trazem, imobiliza a lança
de bronze de Oinomaos,
e a mim, no mais veloz de teus carros conduze
até a Élida, e à vitória leva-me.
Pois treze varões tendo ele matado,
que eram pretendentes, retarda o casamento
Epodo 3
80. da filha. Um grande risco
a um homem sem coragem não arrebata.
Nós temos de morrer;
Então por que uma obscura
velhice, na sombra acomodado,
consumir em vão,
de tudo o que é belo privado? Pois é por mim
que este combate
85. espera; tu o resultado
almejado concede.”
Assim falou, e não em vão
pronunciou
essas palavras. Honrando-o, o deus
deu-lhe um carro de ouro e cavalos.
IV
Estrofe 4
Venceu a violência de Oinomaos
e obteve a virgem por esposa;
ela gerou seis príncipes,
pelas virtudes ardorosos filhos.
90. E agora, a cruentos sacrifícios
magníficos está presente;
Poesia Lírica grega 77

às margens do rio Alfeu jaz;


tem um monumento que muitos visitam,
junto ao mais freqüentado dos altares.
A glória
de Pélope ao longe
brilha no estádio
95. das Olimpíadas, onde a ligeireza dos pés é disputada
e o vigor audaz da força.
O vencedor, então, por toda a vida,
goza de melíflua felicidade
Antístrofe 4
por causa das vitórias. Sempre,
dia a dia, essa felicidade
100. ao apogeu conduz
todo o mortal. A mim coroar
esse herói com eqüestre modo
em eólio compasso
impõe-se. Sei que um hóspede
ao mesmo tempo conhecedor
da beleza superior
em poder
105. entre os contemporâneos jamais adornarei
com as gloriosas modulações de meus hinos.
Um deus que te protege preocupa-se,
zelozamente, ó Hierão,
com tuas inquietudes; se logo não te abandona,
ainda mais doce vitória espero
Epodo 4
110. de teu carro veloz celebrar
tendo encontrado a fórmula certa dos versos,
na visita à luminosa
montanha de Cronos. Para mim, de fato,
a Musa o mais certeiro
dardo, em auxílio, prepara.
Poesia Lírica grega 78

Para os seres diferentes há grandezas diferentes; a mais


elevada alteia-se
para os reis. Nunca
vises mais longe.
115. Que tu o cimo
sempre pises,
115b e eu tão alto a vencedores
me associe, conhecido, por minha arte,
entre os gregos, em todo lugar.

“A sexta Neméia de Píndaro”


Jogos Nemeus
Os jogos nemeus, como noticia Aimé Puech (Neméennes, p. 1-2), ficam em quarto
lugar na ordem de importância dos jogos da antiguidade grega. Primeiramente vinham os
jogos Olímpicos, depois os Píticos, os Ístmicos e, por fim, os jogos celebrados em Neméia.
Como as Olimpíadas, eram dedicados a Zeus. Segundo ainda A. Puech, há duas versões para
explicar a origem desses jogos. A primeira versão é a de que Héracles seria o fundador e
restaurador dos jogos (p. 1-2). Entretanto, apresenta-nos outra versão, também apontada por
Robert Graves (Los mitos griegos, p. 21-22), a qual nos leva ao “ciclo tebano”102. Quando os
Sete contra Tebas103 passaram por Neméia (cidade hoje conhecida como Heracléia),
encontraram ali Hipsípila, a escrava lemniana de Licurgo e ama de seu filho Ofeltes. Os Sete
pediram a ela que indicasse onde poderiam encontrar água potável. Ao indicar-lhes onde
havia ali uma fonte, abandonou o menino Ofeltes, que foi picado por uma serpente. Para a
celebração da morte do menino, então, foram instituídos os jogos.
Assegurados, assim, por um acontecimento divino, os jogos nemeus ocorreiam da cada
dois anos, intercalados com os jogos Olímpicos, nos meados do mês de julho, segundo A.
Puech (p. 9). A coroa usada nos jogos Nemeus, a princípio teria sido a de ramos de oliveira, e
depois, na época histórica, teria sido a de salsa brava (cf. A. Puech, p. 9 e R. Graves, p. 21-
22).

102
O ciclo tebano tem a cidade de Tebas como o centro dos acontecimentos sobretudo dos mitos envolvendo
Édipo e sua família
103
Polinices, filho de Édipo, lidereva os guerreiros que com ele foram lutar contra Tebas. Cf. a peça de Èsquilo,
Os Sete Contra Tebas; a de Sófocles, Antígona e, de Eurípides, As Fenícias.
Poesia Lírica grega 79

A Sexta Neméia
A Sexta Neméia apresenta algumas dificuldades para sua datação. É dedicada ao
menino egineta Alcimida, vencedor na luta de meninos, modalidade de pugilato, atestada já
no período minóico, como se pode ver nos afrescos encontrados em Creta.
Como nos informa A. Puech, Alcimida pertece a uma das famílias importantes de
Egina (uma das ilhas do golfo Sarônico, próxima de de Salamina e de Atenas), a dos Bassidas,
que reunia cerca de 25 vitórias, sendo Praxidamente, o primeiro egineta a vencer um jogo
Olímpico (A. Puech, p. 73). A menção ao treinador Milésias, famoso por ter treinado
Alcimedonte, cantado na VIII Olímpica e de Timasarco, cantado na IV Neméia, parece fazer
entender aos estudiosos que a ode teria sido composta entre 460 a. C.

A SEXTA NEMÉIA104
Para Alcimida menino egineta pugilista
Primeira estrofe
Uma só de homens,
uma só raça de deuses: de uma só mãe
respiramos ambos. Se-
para-as porém, todo o poder
5. distinguindo-as, de forma que, uma é nada,
mas sede sempre inabalável
permanece, brônzeo, o céu. Porém, em todo o caso, em algo no as-
semelhamos, quer pelo grandioso espírito,
quer pela natureza, ao imortais,
embora nem durante um dia
10. sabedores nem à noite
até que marca
o destino traçou-nos caminhar.
Primeira Antístrofe
Indica,
15. por certo, também de Alcimida reconhecer o parentesco
igual a frutíferos cam-
pos, que alternando,
ora dão vida aos homens
inexaurível pelas planícies,
Poesia Lírica grega 80

20. ora, porém, repousando,


vigor recuperam. Chegou, sim,
dos jogos amáveis de Neméia,
menino competidor, que esta
sorte de Zeus perseguindo,
agora brilha
25. caçador não desafortunado na luta,
primeiro epodo
em pegadas de Praxidaman-
te, avô paterno consangüíneo,
seu pé dispondo.
Pois, ele, vencedor Olímpi-
30. co sendo, aos Eácidas105
prêmios primeiro trouxe do Alfeu,
e, por cinco vezes, no Istmo foi coroado,
em Neméia, três, pôs fim ao esquecimento
35. de Saocleida, que foi o mais velho
dos filhos de Agesímaco.
segunda estrofe
Depois os
três, sendo vencedores, ao mais alto de excelência
chegaram, eles que fadigas ex-
40. perimentaram. Com sorte divina,
a nenhuma outra casa o pugilato
mostrou-se dispenador
de tantas coroas, no interior da Hé-
lade inteira. Espero,
grandiloqüente, o alvo atingir
45. como quem atira flechas.
Dirige-lhes, vamos, Musa,
o sopro das palavras
gloriosas! Pois, perecidos os homens,
segunda antístrofe

104
Para a tradução usamos o texto de Aimé Puech, Némmeènes, Paris: Belles Lettres, 1967, tomo 3.
105
Oe Eácidas eram os filhos de Éaco, filho de Egina e de Zeus.
Poesia Lírica grega 81

50. cantos
e palavras as belas obras os conduzem;
para os Bassidas o que não rareia: de há muito famosa estirpe
naus transportando os próprios louvores,
55. aos lavradores das Piérides
são capazes de fornecer muitos hi-
nos por causa de soberbos
trabalhos. Pois também na divina
Pito, tendo atado as mãos à rédea,
60. venceu outrora desta família
o sangue,
106
Cálias , doce
segundo epodo
107
aos rebentos de Letó de áurea-coroa e na Cas-
tália, ao entardecer, com o vozerio
65. das Graças, fulgiu.
E o Istmo sobre o mar infatigável,
na festa trienal dos vizinhos,
com sacrifício de touro,
honrou Creontidas
70. no templo de Posidão.
E, outrora, a erva do leão 108
corou-o vencedor sob as sombrias
montanhas antigas do Flionte109.
terceira estrofe
Amplos
75. aos prosadores de todas as partes
há acessos
para esta gloriosa ilha or-
nar. Depois que os Eácidas
forneceram-lhe destino superior, exce-
80. lências demonstrando grandiosas,

106
Cálias venceu um dos jogos Píticos na corrida de carros.
107
Letó, mãe de Apolo e de Ártemis.
108
Provavelmente a “salsa brava” ou “aipo”, de que se faziam as coroas dos jogos nemeus.
Poesia Lírica grega 82

voa sobre a terra e


pelo mar longe
o nome deles. Também até os Etíopes,
para os quais Memnon110 não voltara,
85. saltou. Grave discórdia
sobreveio-lhe,
Aquiles, quando à terra descendo do carro,
terceira antístrofe
da brilhante
Aurora matou o filho com
90. ponta de lança irritadiça. E
este caminho os mais antigos
trafegável encontraram: si-
go também eu mesmo com minha arte.
Das ondas a que gira junto a
95. quilha da nau sempre,
é a que mais de todo o homem estimula
o coração. É de bom grado que eu nas cos-
tas carregando duplo fardo,
qual mensageiro caminho,
100. esta quinta cantando, depois de vinte,
terceiro epodo
glória dos jogos, que
nomeiam sagrados,
e Alcimida que a forneceu
à ínclita família; é verdade que junto
105. ao templo do Cronida,
ó menino, tanto de ti, como de Politimidas,
a sorte inclinou-se das Olimpíadas
flores roubar duas.
E igual ao golfinho pela rapidez no mar,
110. possa eu seguir Milésias,
condutor de braços e de força.

109
Cidade da Argólida, próxima ao Peloponeso.
Poesia Lírica grega 83

4. BIBLIOGRAFIA

4.1. Textos e traduções de poesia grega em geral:


ADRADOS, Francisco Rodriguez. Origenes de la lírica griega antigua. Madrid: Revista de
Occidente, 1976.
ANTUNES, Álvaro. Safo, tudo que restou. Minas Gerais: Interior Ed., 1987.
BUDELMANN, Felix (ed.). The Cambridge Companion to Greek Lyric. Cambridge:
Cambridge University Press, 2009.
CORRÊA, Paula da Cunha. Armas e Barões. A guerra na lírica de Arquíloco. São Paulo:
EDUNESP, 1998.
FONTES, Joaquim Brasil. Eros, Tecelão de Mitos. São Paulo: Estação Liberdade, 1991.
GENTILI, Bruno. Poetry and Its Public in Ancient Greece. From Homer to the Fifth
Century. Trad. Inglesa de A. Thomas Cole. Baltimore/London: The Johns Hopkins
University Press, 1988.
KAVAFIS, Constantino. Poesie Nascoste. A cura di Filipo Maria Pontani. 2a. ed. Milano:
Arnoldo Mondadori Editore, 1989.
KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas. Tradução de José Paulo Paes. 3a. ed. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1990.
HESÍODO. Teogonia. A origem dos deuses. Estudo e trad. de JAA TORRANO. São Paulo:
Iluminuras, 1991.
___. Os trabalhos e os dias. Trad., introd. e comentários de Mary de Camargo Neves
LAFER. São Paulo: Iluminuras, 1990.
LAVAGNINI, Bruno. Aglaia. Nuova Antologia della lirica greca, de Calino a Bachilide.
3a. ed. Torino: Paravia, 1952.
LEHNUS, Luigi. Olimpichi. Milano: Garzanti ed., 1981
MALHADAS, Daisi et NEVES, Maria Helena de Moura. Antologia de poetas gregos, de
Homero a Píndaro. Araraquara: UNESP, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Araraquara, 1976.
MALHADAS, Daisi. Odes aos príncipes da Sicília. Araraquara: UNESP, Fac. Fil., Ciências
e Letras de Araraquara, 1976.
PAES, José Paulo. Poesia grega moderna. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1986.
PALADAS (de Alexandria). Epigramas. Seleção, tradução e notas de José Paulo Paes. São
Paulo: Nova Alexandria, 1992.

110
Rei lendário da Etiópia, filho de Títon e de Aurora.
Poesia Lírica grega 84

PAGE, Denys L. Poetae Melici Greaci. Oxford: Clarendon Press, 1962.


___. SAPPHO AND ALCAEUS. An Introduction to the Study of Ancient Lesbian Poetry.
Oxford: Clarendon Press, 1955.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Poesia Grega Arcaica. Coimbra: 1980.
QUASIMODO, Salvatore. Lirici Greci, Dall’ "Odissea, Dall’ "Iliade. Milano: Arnoldo
Mondadori Editore, 1979.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesia grega e latina. São Paulo: Cultrix, 1974.
SIMONIDES DE AMORGOS E MIMNERMO. Tradução e estudo de Teodoro Rennó
Assunção e Jacyntho Lins Brandão in ENSAIOS DE LITERATURA E FILOLOGIA, No. 4.
Depto. de Letras Clássicas da Fac. de Letras Clássicas da Universidade Federal de Minas
Gerais, 1983/1984.
SAPPHO. Poems & Fragments. Trad. inglesa de Josephine Balmer. New Jersey:
Meadowland Books, 1988.
WEST, M. L. Iambi et Elegi Greaci ante Alexandri Cantati. Oxford: Clarendon Press,
1972. (Dois volumes).
___. Ancient Greek Music. Oxford: Oxford University Press, 1992.

4.2. História, cultura e outras obras de interesse para o curso:


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Araraquara, março de 2012.

Fernando Brandão dos Santos

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