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III
No próprio seio desta unidade – i(a) – encontra-se, sem dúvida, o objeto (a)
que descompleta cada um dos efeitos da imagem. Descompleta sua unidade
no ponto cego que o olhar introduz no quadro da percepção, olhar a partir de
então separado do corpo. Descompleta também seu poder de sugestão ao
revelar a causa do desejo que o sustenta sob as insígnias do Ideal do Eu.
Descompleta, finalmente, sua significação ao fazer aparecer o semsentido de
toda imagem (i) separada do objeto que recobre (a). A história da arte é um
bom campo de investigação das diferentes formas pelas quais o objeto se
separa de sua imagem, tornando parcial sua unidade. A fascinação produzida
pelo tríptico “O jardim das delícias” 6, de Hyeronimus Bosch, evocada por Lacan
em diversas ocasiões, representa o ápice desse semsentido na variedade de
objetos separados da unidade imaginária do corpo.
IV
“Uma imagem vale mais do que mil palavras”. Costuma-se dizer esta frase
esquecendo-se, ao dizê-la, que são necessárias pelo menos estas oito
palavras para evocar uma significação que nenhuma imagem poderia mostrar
por si mesma, caso esta imagem pudesse alguma vez ficar desligada da
linguagem. Nem mil imagens valeriam então para dizer dessa significação, e,
tampouco, para dizer de qualquer outra. Falando propriamente, uma imagem
não diz nada; oculta, ao contrário, o indizível que só a palavra pode evocar ou
invocar.
O vasto oceano do registro imaginário, com toda a consistência que adquire
para o ser falante em sua realidade virtual, mostra-se, então, delimitado
unicamente pelo horizonte, não menos virtual, que é o registro simbólico da
linguagem: “o horizonte desabitado do ser” 8, como Lacan gostou de chamá-lo.
Uma imagem isolada desse horizonte, isolada da rede simbólica que a vincula
ao próprio corpo, não tem de fato nenhum poder de significação. Este poder de
significação foi formalizado por Lacan em seu primeiro ensino com o símbolo e
a significação do falo, significante do desejo do Outro, significante também que
enlaça a significação em uma cadeia significante.
O império das imagens revela-se, então, como aquele outro “império dos
semblantes” que Lacan encontrou nos anos de 1970 em um Japão que
antecipava sua ampliação em escala global.9
Nosso VII ENAPOL será, sem dúvida, a melhor ocasião para se estudar tanto
as leis que o regem, quanto o real sem lei no qual se funda.
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9
Jacques Lacan, “Lituraterra”. In: Outros Escritos, Zahar, Rio de Janeiro, 2003,
p. 24.