Você está na página 1de 9

RELATO DE EXPERIÊNCIA: REFLEXÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA INSTITUCIONAL PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

1
ZASSO, Izabele.
2
DUTRA, Géssica Rodrigues.
3
CAMPOS, Marisa Moreira.
RESUMO

Este artigo descreve um relato de experiência do estágio de campo supervisionado em psicologia institucional, em uma Unidade de Saúde da Família localizada em uma cidade no Oeste do Paraná.
Embasadas nas teorias de Bleger e Lapassade e sua aplicabilidade no viés institucional, a prática teve por objetivo o levantamento das demandas institucionais para o enquadramento das tarefas a serem

realizadas, contemplando como modelo de intervenção o grupo operativo conceituado por Pichon Riviere, com o grupo de servidores. Concluiu-se a relevância da atuação do psicólogo (a) institucional como
catalisador dos sintomas e promotor da saúde mental, proporcionando um espaço para promoção de insights, rompendo com a cristalização da dinâmica já instaurada, tornando explícito o implícito,

possibilitando ao grupo a ressignificar seu papel assumindo seu protagonismo dentro da instituição. 
PALAVRAS-CHAVE:  Psicologia Institucional, Saúde mental, Instituição pública.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo é o resultado da vivência no estágio institucional supervisionado, descrevendo a experiência e os desafios da inserção da psicologia em uma

instituição de saúde pública, relatando o trabalho desenvolvido pelas estagiárias com a equipe de servidores de uma Unidade de saúde da Família (USF), localizada em uma

cidade no oeste do Paraná, permitindo confrontar a teoria e práxis.

Devido a ser um campo de estágio a ser construído, inicialmente foi feita a observação do local e o levantamento de demandas, permitindo identificar os

objetivos e sintomas da instituição para o enquadramento da tarefa. Como método de intervenção, aderiu-se a proposta de Pichon Riviere no formato de grupo operativo,

além de disponibilizar o atendimento psicoterápico individual. O trabalho realizado teve duração de oito meses, abarcando os conceitos teóricos para a promoção de insights

dos membros da instituição e seus conteúdos sintomáticos, promovendo a possibilidade de tornar explícito o que é implícito corroborando com o processo de

responsabilização diante da demanda coletiva.

Apesar dos entraves vivenciados inicialmente, foi notória a contribuição da psicologia para promoção da saúde mental e psico-higiene dos participantes, pois ao

disponibilizar um espaço de escuta e acolhimento, foi possível contribuir para a reflexão dos impactos da dinâmica laboral que permeiam a construção do sujeito, afetando

sua subjetividade uma vez que ao se apropriar dos sintomas institucionais, comprometem o seu bem-estar biopsicossocial.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

De acordo com Bleger (1984), os princípios da Psicologia no ambiente institucional se resumem na focalização de uma população sadia e busca pela promoção

da saúde, dando enfoque ao social. Para o autor, deve-se investigar os fenômenos que ali carecem de mudança, para assim a pôr em prática. A Psicologia Institucional abarca

o conjunto de integrantes, sua permanência no campo e o estudo dos feitos humanos que se dão em relação com a estrutura, a dinâmica, funções e objetivos da instituição, é

caracterizada pelo enquadramento da tarefa, que deve ser empreendida e compreendida em função da unidade e totalidade da instituição, a qual o psicólogo vem a direcionar

sua atenção na atividade humana ali desenvolvida e no efeito da mesma para os indivíduos que ali desenvolvem tais ações.

1
Mestre em Direitos Humanos

E-mail: Izabelezasso@outlook.com
2
Acadêmica do curso de psicologia, Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz, 10º período.

E-mail:gessicardutra@gmail.com
3
Acadêmica do curso de psicologia, Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz, 10º período.

E-mail: mmcampospsico@gmail.com

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
Lapassade (1989), contribuiu teoricamente estabelecendo o conceito de Análise Institucional, tendo como foco a dinâmica das relações primando a autoanálise

e autogestão. Associando ao “inconsciente de Freud” o conceito de instituição, o desafio é tornar claro o que é velado ou oculto nas vivências e relações, construindo,

portanto, arcabouço teórico para analisar e posteriormente, intervir junto as instituições, possibilitando reelaborar e reconsiderar a prática institucional cristalizada, não

criticando a função desta instituição, e sim o capital humano. Somente a dialética entre os grupos, organizações e instituições irão proporcionar um método de

burocratização que induza a autogestão, do contrário, a burocratização apresentada pelo Estado, leva a alienação do sujeito que passa da condição de instituinte,

para condição de instituído tendo visto que as relações de poder existentes na organização são formuladas, modificadas se necessário e aplicadas pela mesma gestão,

indubitavelmente. Para que seja possível o processo de mudança, o autor diferencia a função do instituinte e do instituído, o primeiro se refere ao sujeito que ainda está em

movimento e que possui a capacidade de subverter o sistema mantendo sua capacidade crítica e criativa, sendo este o responsável pela mudança, já o segundo, é identificado

como o sujeito que fixou e introjetou as normas e leis, tornando-se basicamente a materialização da instituição, desta forma, explorar o instituinte, e promover o insight das

equipes sobre o conteúdo implícito das instituições, garante que eles possam ter papel ativo em combate aos sintomas institucionais, que resultará em promoção de saúde

mental não somente para a instituição, mas a todos relacionados a ela.

A realidade institucional é organizada em três esferas: os grupos, a organização e o Estado os grupos são descritos como o primeiro processo de

institucionalização, e são considerados os ajuntamentos cotidianos, sendo o primeiro a família, e posteriormente os grupos de trabalho, religião, políticos etc. Neste sentido,

mesmo de forma oculta já estão submetidos aos processos institucionais, uma vez que, as formas de controle já se fazem presentes através do cumprimento de horários,

normas, leis e regulamentos cuja intenção é a organização e regulamentação do processo de aprendizagem e produção. Já a organização, é entendida como os

estabelecimentos enquanto formato jurídico, dispondo de um espaço físico, materiais, estrutura organizacional, mediando a relação entre a sociedade civil e o Estado,

entendida ainda como a burocracia em si. A terceira esfera é o Estado personificado pelas leis e políticas estabelecidas regendo as organizações e grupos (LAPASSADE,

1989).

A burocratização é outro aspecto a ser analisado dentro da instituição. Ela se dá de diferentes formas, mas enquanto instituições públicas de saúde, dotadas de

regras e procedimentos operacionais padronizados, o controle sobre a manutenção dos mesmos nem sempre atinge o objetivo da instituição. Por vezes, se restringir à um

sistema cristalizado ou uma norma que deve ser cumprida, mantém a estrutura da instituição impecável em detrimento do usuário final da organização, no caso da saúde

pública, o cidadão passível de cuidado (LAPASSADE, 1977 apud GUIRADO, 2004).

A psicologia institucional define a burocracia como organização, poder e controle. Enquanto organização, baseia-se na organização do trabalho e como o mesmo é

estabelecido e o quanto a interação no contexto laboral afetam a rotina do indivíduo, devendo ser seguida e replicada com o objetivo de estabelecer a ordem garantindo a

perpetuação da civilização, permeando desde o microambiente até o macro, sendo este último representado pelo Estado, não sendo percebida enquanto um produto do meio,

mas como um ato de racionalização. A burocracia como poder, é entendida como a alienação do indivíduo em favor dos interesses políticos e econômicos, regida por uma

elite através de hierarquias rígidas, tornando-se uma ferramenta de dominação. Vista como controle, é descrita como personificação do Estado, através das leis, normas e

diretrizes que primam o controle político e social, através da disseminação de ideologias, o sujeito incorpora novos hábitos e comportamentos levando a alienação e

institucionalização dos processos intersubjetivos, com o intuito de se estabelecer definitivamente dominante. (TRAGTENBERG 1974, PRESTES MOTTA 1981,

LAPASSADE 1989).

Diante da realidade institucional, Bleger (1984), a partir de sua concepção de psico-higiene,  desenvolve sua teoria norteando a atuação do psicólogo em

instituições, primando a intervenção em situações que envolvem problemáticas relacionadas ao desenvolvimento ou evolução normal do ser humano, momentos de mudança

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
ou de crise, fases de tensão normal ou anormal nas relações humanas, organização e dinâmica das instituições totais, problemas que despertam ansiedade em momentos ou

períodos mais específicos da vida e situações altamente significativas que necessitam de informação, educação ou direção. Ainda segundo o autor, o trabalho de um

psicólogo em uma instituição, pode ser visto como um levantamento dos objetivos específicos e dos meios aos quais buscará alcançar os mesmos, ao elencar tais objetivos

institucionais, as suas dinâmicas e consequências, é necessário averiguar as fantasias construídas pela instituição acerca do papel do psicólogo, pois a atuação do profissional

de pode promover ansiedades de tipos e graus variáveis, que podem gerar resistências, que podem impedir a ação do psicólogo. Para o autor o psicólogo é um agente de

mudanças, um catalisador ou ainda um depositário de conflitos, sendo assim as forças existentes na instituição poderão agir no intuito de invalidar ou amortizar seu papel e

atuação.

É necessário elucidar que existe uma diferença entre psicólogo institucional e psicologia em uma instituição, a psicologia em uma instituição, é configurada

quando o psicólogo passa para a condição de empregado, executando tarefas determinadas pela instituição. No que se trata de psicólogo institucional, no ato da contratação

deve ser estabelecida de modo que tenha autonomia e que sua tarefa possa ser executada a partir de suas investigações. O psicólogo deverá trabalhar como um técnico de

relações interpessoais, cujo propósito é tornar explícito o que está implícito, sua função jamais será de decidir ou atuar na resolução de problemas, nem mediar ações

decididas pelos grupos (BLEGER, 1984).

No trabalho institucional cabe ao psicólogo avaliar os pontos de urgência a serem trabalhados através de técnicas grupais, é importante salientar que em todo

grupo há um tipo de relação, e por outro lado, uma não relação, no sentido de uma não individualização, que é imposta como matriz ou estrutura básica de todo o grupo. A

relação grupal é descrita pelo autor como sociabilidade sincrética, na qual os participantes se relacionam de forma a qual há recursos maiores para promover relações

complementares e aceitar diferenças. No momento em que um grupo assume a condição de organização, mas a finalidade será existir a si próprio, passando a não perceber

os objetivos que originaram o grupo, este fenômeno é visto por Bleger como uma lei geral: "Em todas elas, os objetivos explícitos para os quais foram criadas correm

sempre o risco de passar a um segundo plano, passando ao primeiro plano a perpetuação da organização como tal" (BLEGER, 2001, p.15).

O trabalho realizado através de grupos operativos é uma técnica que o psicólogo utiliza primando trazer a luz conteúdos e angústias até então implícitos,

permitindo ao sujeito o autoconhecimento, refletindo sobre seu papel e atuação no campo onde está inserido, elaborando estratégias de enfrentamento e mudanças frente aos

seus conflitos. O trabalho com grupos defende a ideia de que ao sentirem-se pertencidos os indivíduos passam a compartilhar sobre suas experiências, através do

estabelecimento dos vínculos e interações, construindo, portanto, a identidade grupal. Por assim ser, a utilização desta técnica como recurso psicoterápico corrobora com a

teoria da psicologia institucional, ao pressupor que há a necessidade do enquadramento da tarefa, que pode ser empregada para aprender, diagnosticar e promover tratamento

(PICHON RIVIÈRE, 1998).

Segundo Gula e Pinheiro (2007) as organizações são partes integrantes da personalidade dos indivíduos, compreendendo que o ser humano antes de ser uma pessoa

individualizada, é um grupo, a personalidade é o próprio grupo, compreendendo que as instituições e organizações são depósitos das partes sincréticas da personalidade de

cada um que a compõe uma instituição. Pode-se compreender que toda mudança na estrutura institucional representa uma mudança individual dos integrantes, justificando a

resistência imposta pelos membros de uma instituição, ao ser assistida pelo trabalho da psicologia institucional.

Os estudos de Dejours em relação ao Homem-Trabalho (1987) demonstram que as organizações de trabalho podem ser responsáveis pelas consequências

penosas ou favoráveis para o funcionamento psíquico do trabalhador, ou seja, podem gerar prazer ou sofrimento. A organização exerce sobre o homem uma ação, causando

impacto no aparelho psíquico, em alguns casos o sofrimento pode estar ligado ao choque entre uma história particular, a qual abarca projetos, esperança e desejos que são

ignorados pela organização.

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
O prazer do trabalhador é resultante da descarga de energia psíquica na tarefa que autoriza, já por outra perspectiva o sofrimento pode vir acompanhado por

sensações desagradáveis devido a não satisfação de necessidades, está relacionado aos desejos mais profundos dos sujeitos, e revelados ao consciente em forma de projetos e

expectativas de vida. As condições de trabalho prejudicam a saúde do corpo enquanto a organização do trabalho atua no funcionamento psíquico (DEJOURS E BETIOL,

1994).

3. METODOLOGIA

O presente artigo refere-se a um estudo descritivo no formato de relato de experiência, relacionado a disciplina de estágio supervisionado em psicologia das

instituições e organizações, cujo objetivo é proporcionar ao acadêmico a vivência e aplicabilidade da teoria e sua práxis, sendo a instituição eleita pelas acadêmicas, uma

Unidade de Saúde da Família - USF, localizada em uma cidade do oeste do Paraná.

As atividades foram desenvolvidas mensalmente com a equipe de servidores da instituição estimados em vinte e cinco funcionários, entre os meses de fevereiro

a setembro de dois mil e dezenove. Os encontros ocorreram durante a reunião semanal de equipe realizadas às quintas-feiras, com duração aproximada de sessenta minutos,

sendo utilizado como método de intervenção a técnica no formato de grupo operativo

4. MATERIALIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA

As demandas mais latentes a serem trabalhadas foram percebidas através da observação das acadêmicas como ouvintes no decorrer das reuniões semanais,

sendo elencadas como a priori a comunicação ineficaz, a disputa de poder, a falta de comprometimento, o excesso de tecnicismo sobrepondo a humanização, dificuldade de

interação entre a equipe, além da necessidade de evolução para um trabalho interdisciplinar. Neste sentido, foram utilizadas a cada encontro, técnicas e dinâmicas como

disparadores da fala, primando a promoção de insights.

A primeira intervenção realizada com o grupo de servidores, teve como intuito a integração entre as estagiárias com a equipe de servidores, primando a

investigação e a coleta de informações a respeito das atribuições que consideram relevantes para o exercício da sua função, sendo disponibilizado um cartaz com o desenho

do tronco de uma árvore, e a medida que definiam os atributos solicitados, escreviam em uma papel com o formato de uma folha, colando no tronco da árvore e justificando

o porquê de sua escolha. O objetivo desta dinâmica, foi de investigar a percepção de cada um sobre o que identificam como essencial para desempenhar seu cargo. Para o

encerramento do encontro, as estagiárias trabalharam a palavra servidor, no sentido de “servir a dor do outro”, enaltecendo a escolha de cada um em atuar na área da saúde,

e a importância de se desenvolver as competências apontadas por eles mesmos, preconizando o atendimento humanizado e não apenas tecnicista, além de oferecer o serviço

de plantão psicológico aos funcionários, com intuito de acolher demandas individuais. 

O segundo encontro foi destinado para a construção do vínculo terapêutico, galgando promover proximidade entre os servidores e estagiárias, tendo como

proposta o reconhecimento dos atributos positivos percebidos e que agregam para a convivência laboral. Como recurso, foi utilizado a dinâmica “o presente”, que consistia

em presentear a pessoa que se encaixava com a qualidade apontada pelas acadêmicas, como por exemplo, o servidor mais alegre, inteligente, prestativo, dinâmico entre

outros, até a última atribuição que era a caridade, sendo compartilhado com todos os participantes o conteúdo da caixa, que no caso, eram chocolates. Essa atividade

proporcionou um momento de interação e descontração, além de possibilitar identificar o perfil e comportamento de cada um dos participantes e como são percebidos em

suas relações interpessoais no ambiente de trabalho. A medida que o presente era compartilhado, muitos ficaram surpresos ao serem premiados, inclusive com mais de uma

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
qualidade, havendo também casos de servidores não contemplados com nenhum atributo, promovendo angústia entre os mesmos, que esperam algum reconhecimento. Para

o encerramento, as estagiárias reforçaram que a postura apresentada por cada um, deixa marcas sobre o outro, e que nossas ações podem ser construídas a cada dia. 

A intervenção realizada para se trabalhar a comunicação de maneira mais efetiva, possibilitou desenvolver a habilidade da escuta, solicitando a cada um que

compartilhasse sobre as suas dificuldades em fazer parte desta equipe, expondo seus sentimentos e experiências, sendo estabelecido um acordo que não haveria interrupções

por parte de nenhum dos integrantes do grupo no momento de sua fala. Esta proposta aconteceu em dois encontros por conta da ausência de vários funcionários para

capacitação. No primeiro encontro o resultado foi promissor, alguns servidores pontuaram que a prática da escuta não é comum neste ambiente, e apesar da fala ser

voluntária todos participaram, inclusive alguns pela primeira vez, houve ainda, momentos de comoção, pois foi resgatado por uma servidora o quanto “ela sonhou em atuar

na área da saúde pública e que ela utiliza desta realização profissional para lidar com as frustrações do dia a dia”, outra servidora verbalizou a dificuldade que teve em

“manter-se em silêncio e não interromper”, reconhecendo sua limitação. Com o segundo grupo foi aplicada a mesma proposta, porém a condução do encontro foi

comprometida, pois a primeira pessoa a fazer o uso da palavra, subverteu o propósito da atividade, utilizando deste espaço para atacar os colegas e terceirizar as

responsabilidades dos conflitos institucionais e até mesmo pessoais, norteando a fala dos demais, rompendo com o que foi solicitado. 

Devido à resistência percebida e dificuldade de expor suas particularidades, foi realizada uma tentativa em trabalhar com setores específicos, temas relevantes

para sua atuação. Sendo assim, foi solicitado para que as agentes comunitárias de saúde- ACS, levantassem temas ou assuntos aos quais gostariam de obter formação, sendo

elencado por elas o suicídio, por sentirem-se despreparadas ao abordar e orientar os usuários com ideação suicida. Apesar de a princípio demonstrarem pouco interesse, no

decorrer da fala das estagiárias, foi notório o envolvimento e a participação das ACs, expondo exemplos reais de sua atuação, sendo solicitado no final orientações sobre

casos específicos e também sobre a vida pessoal, solicitaram ainda futuras capacitações.

Para se trabalhar a dificuldade de interação, apresentamos uma dinâmica a qual consistia em identificar uma qualidade e um defeito, utilizando um objeto da

fala com o intuito de praticar a escuta, retomando a proposta de permanecer em silêncio enquanto o outro falava. Esse encontro oportunizou não só um olhar para si,

reconhecendo suas potencialidades e fragilidades, como também rever a sua percepção a respeito do outro, permitindo ainda que compartilhassem conteúdos e vivências

pessoais, favorecendo a identificação e integração. 

Por se tratar de uma demanda significativa e urgente, o encontro posterior foi estruturado para desenvolver as habilidades de comunicação (fala e escuta),  e

aprimorar a qualidade das inter-relações. Neste sentido, foi solicitado que cada um dos servidores deveria escrever em um papel qual a maior dificuldade que encontravam

ou percebiam no tocante às relações interpessoais exclusivamente no ambiente institucional. Após a escrita, recolhemos as anotações e redistribuímos para que outra pessoa

realizasse a leitura em voz e alta, apontando uma possível solução para o problema descrito. A atividade contribuiu para promoção de insights e reflexão grupal. Dentre as

dificuldades pontuadas, a comunicação ineficaz continua sendo uma opinião unânime, seguida da falta de empatia e reconhecimento, sendo apontado ainda a dificuldade de

cumprir regras e respeitar a hierarquia.  Para concluir o encontro, as acadêmicas motivaram uma reflexão sobre a relevância de posicionar-se diante dos conflitos de maneira

assertiva, uma vez que a omissão ou abstinência da fala, é cabível de interpretação o que pode fomentar as divergências.

Com o intuito de promover o reconhecimento  e a importância do trabalho que cada um desenvolve dentro da unidade de saúde, a finalidade do encontro

seguinte foi promover a interação entre os membros de cada setor, solicitando que se reunissem em grupos,   para descreverem em uma cartolina quais eram os desafios que

enfrentavam para a execução de suas tarefas informando os pontos positivos e negativos, sugerindo as possíveis melhorias que poderiam ser empregadas, elegendo

posteriormente um membro do grupo para compartilhar as informações. Esta dinâmica favoreceu o entendimento de como funciona cada setor, bem como a rotina laboral e

suas adversidades, oportunizando ajustes de comunicação e entendimento sobre o papel de cada um.

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Por se tratar de um campo de estágio a ser construído, a inserção da psicologia voltada a saúde mental do servidor,  a princípio gerou apreensão entre a equipe,

apresentando um alto nível de resistência em se dispor a participar das atividades com as estagiárias. Mesmo sendo convidados a participar do grupo em que as acadêmicas

de psicologia conduziam a fala, muitos recusaram-se em estar presentes permanecendo nos corredores, em suas salas ou até mesmo mantendo-se na porta, exibindo

comportamento dúbio, ou seja, nem dentro nem fora. Além disso, os que participavam demonstravam pouco interesse em compartilhar de suas vivências laborais. Conforme

a teoria de Bleger (1984), a inserção do psicólogo na instituição já provoca mudanças comportamentais, tornando-se um detentor de conflitos que apesar de gerar resistência,

sua aceitação ou rejeição, são indicativos das práticas da psicologia institucional, permitindo ao psicólogo  distinguir o modo de funcionamento da organização, não

alimentando o sintoma, e sim promovendo a ressignificação do mesmo, sendo esse fenômeno experiênciado pela presença das estagiárias ao adentrar esse campo de estágio,

vivenciando a teoria na prática. 

O serviço ofertado pela unidade de saúde ocorre de forma multidisciplinar, e não interdisciplinar conforme a proposta do programa desenvolvida pelo Estado.

A princípio, a participação nas reuniões de equipe permitiu investigar as principais demandas a serem trabalhadas com os funcionários, que foram se confirmando ao longo

do estágio.  O número insuficiente de capital humano para a prestação do serviço, traz o acúmulo de funções e atividades a serem desempenhadas, além de comprometer o

bem-estar e rendimento dos mesmos, gerando acúmulo de tensão ficando mais propensos ao adoecimento. De acordo com Bleger (1984), os princípios da psicologia no

ambiente institucional resumem-se na focalização de uma população sadia e busca pela promoção da saúde, dando enfoque ao social. Para o autor, deve-se investigar os

sintomas viabilizando a possibilidade de mudança. A psicologia institucional abarca o conjunto de integrantes, sua permanência no campo e o estudo dos feitos humanos

que se dão em relação com a estrutura, a dinâmica, funções e objetivos da instituição, é caracterizada pelo enquadramento da tarefa, que deve ser empreendida e

compreendida em função da unidade e totalidade da instituição. 

Neste sentido, é inegável o quanto estes servidores estão na condição de instituídos/dominados e não instituintes/dominantes (LAPASSADE 1989, BLEGER,

1984), pois inconscientemente apropriaram-se da dinâmica laboral, insistindo em permanecer no sintoma, ao terceirizar à própria instituição a causa de seu

descontentamento, sentindo-se por vezes, desmotivados em se implicar e assumir certas responsabilidades diante dos conflitos aos quais se queixam, comprometendo seu

papel e atuação. Esse fenômeno não acontece aleatoriamente, mas sim de forma generalizada entre a equipe, que foi engolfada pela dinâmica institucional. É fundamental

também aos estagiários de psicologia manterem-se alheios às demandas institucionais, devido a inexperiência, existe uma propensão em tornar-se institucionalizados no

anseio de atender as expectativas da equipe, comprometendo a proposta do estágio e atuação. Essa interação para Lapassade (1989), é identificada através da análise

institucional, uma vez que propõe a reflexão sobre a submissão dos homens a outros “homens”, creditando aos  processos ditos ”burocráticos”, a terceirização da condução

de sua existência de forma passiva, sendo intitulado como institucionalizado, termo este que define aquele que se torna parte da instituição ao apropriar-se absolutamente aos

preceitos já cristalizados sem tentativa de subversão ao sistema.

A comunicação ineficaz é o maior desafio a ser superado e a principal queixa entre os funcionários, uma vez que o desencontro de informações prejudicam o

fluxo do trabalho A falta desta habilidade  desencadeia diversos conflitos e polêmicas por conta das fofocas, dificultando a qualidade das inter relações, pois quando

ocorrem desentendimentos os envolvidos compartilham com os demais, e não com a pessoa envolvida, sendo esse fenômeno apontado por Dejours (1994), como sendo o

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
prejuízo da relação homem e trabalho, afetando a subjetividade do sujeito e sua singularidade, submetendo-o a condição de vitimização das condições laborais. Um modo

recorrente que a equipe utiliza para expor suas opiniões e críticas é por meio do chiste, tentando imprimir o sarcasmo em suas falas, para Freud (1981), “o humor é a maior

manifestação dos mecanismos de adaptação do indivíduo”, este recurso é um modo politicamente aceito, de expressar conceitos e ideologias implícitos de forma sarcástica e

tolerável, promovendo alívio de tensão emocional. 

Mesmo havendo uma hierarquia estabelecida, é possível perceber a resistência de alguns em cumprir com o que lhe compete, interferindo no funcionamento

das atividades a serem executadas, fomentando a rivalidade e agressividade, justificando a disputa de poder, que apesar velado, é recorrente prejudicando as relações

interpessoais. Esse posicionamento é explícito para as estagiárias, mas implícitos para os servidores, pois as lideranças setoriais não são respeitadas por parte de seus

subordinados, que se comportam de forma reativa diante de qualquer apontamento feito, se apropriando das críticas de maneira destrutiva e não construtiva, afetando não só

o funcionamento do setor em si, mas atingindo toda a instituição. Portanto, cabe ao psicólogo institucional mediar a explicitação dos conteúdos velados, permanecendo

focado no enquadramento da tarefa, mantendo-se alheio às decisões que devem ser construídas pelo próprio grupo (BLEGER, 1984).

A insatisfação é um sentimento recorrente entre os funcionários da unidade, e a queixa está intrínseca em cada sujeito. Apesar do adoecimento ser algo latente,

a aceitação da psicologia está presente apenas no discurso dos servidores, indicando uma fala vazia, não passando pelo processo de introjeção, permanecendo no universal

da psicologia, uma vez que a  adesão ao atendimento psicológico individual foi mínima, repetindo o comportamento de terceirizar até mesmo os benefícios disponibilizados

pela instituição para a equipe, mantendo-se alheios a possibilidade de melhora ou cura, permanecendo ou até mesmo se tornando o próprio sintoma institucional. Em

consonância, a partir de Bleger (1984), a compreensão do sujeito se dá a partir de sua atuação em grupos compreendendo seu comportamento de forma holística, ao

investigar a interação de suas relações nas esferas individuais, grupais, institucionais e comunitárias, pautando-se na orientação da psico-higiene e promoção dos insights

como forma de promover a  intervenção nos processos psicológicos que abalam a estrutura da personalidade e os relacionamentos, desta maneira, os envolvidos são

motivados a refletirem e repensar sua atuação e seus serviços em condições nas quais os conflitos são instalados.

  O planejamento das ações é construído por parte do Estado e determinada verticalmente. O servidor é apenas um executor das diretrizes e romper com o

sistema poderia implicar em punições e rebaixamentos. Justificando tal realidade, a burocracia institucional é vista como um instrumento de controle, reproduzida

hierarquicamente, com a finalidade de perpetuar o processo de alienação e controle social dos sujeitos, objetivando a permanência no poder, e o cumprimento das normas e

regras, sendo possível o rompimento desta prática retomando a posição de instituinte, exercendo o senso CRÍTICO (TRAGTENBERG 1974, PRESTES MOTTA 1981,

LAPASSADE 1989). De acordo com as observações realizadas foi possível evidenciar os entraves que a burocracia institucional acarreta, uma vez que os funcionários

dedicam grande parte de suas atividades para o cumprimento e preenchimento dos protocolos em detrimento das exigências do sistema de saúde pública, refletindo em sua

atuação para com os usuários, subvertendo a prática destes profissionais, que passam a priorizar os processos burocráticos de modo tecnicista para evitar futuras punições,

comprometendo o atendimento ao usuário tornando-se pouco humanizado, sendo verbalizado em um dos encontros por um do servidores: “Aqui não é um açougue, não

estamos lidando com um pedaço de carne” (sic).

O início do estágio foi um grande desafio, pois inserir as atividades com o grupo de servidores demandou muita resiliência por parte das acadêmicas, uma vez

que o público em questão é formado por profissionais que atuam a longa data e com vasta experiência, alguns optaram por não se posicionar e até mesmo não participar, por

estarem sendo conduzidos por estagiárias. Em diversos momentos convocaram situações para mensurar a capacidade e domínio de nossa parte, e de como poderíamos

agregar algo com a ciência psicológica, ficando explícito a rejeição por parte de muitos, sendo manifestada através da linguagem corporal, como por exemplo, as expressões

faciais diante da fala da psicologia. 

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
Por conta destes comportamentos e a inexperiência para atuação no viés da psicologia institucional, por vezes introjetamos os sintomas, cada acadêmica ao seu

modo, comprometendo a execução da tarefa, corroborando com a teoria de Bleger (1984) sobre a importância do trabalho do psicólogo em manter-se na borda, não se

apropriando das demandas advindas do coletivo, podendo ser destacado como fundamental estar assistidas pela supervisão, permitindo a nossa reflexão sobre o papel do

psicólogo nas instituições, que tem como missão romper com o que está cristalizado, propiciando um espaço para escuta e fala,  promovendo insights com intuito de

convocar o sujeito a reconhecer seu sofrimento e se posicionar diante dos conflitos, rompendo com a passividade e terceirização de seu descontentamento, reconhecendo a

sua participação e responsabilidade como agente de mudanças.  

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência do estágio proporcionou vivenciar a relevância da atuação da psicologia institucional e sua aplicabilidade. A medida que as atividades foram

sendo executadas, o reconhecimento por parte dos servidores foi evidenciado através dos feedbacks posteriores aos encontros, evidenciando a importância de propiciar

condições e um espaço para a explicitação dos conteúdos e angústias até então velados, tornando visível as demandas institucionais. 

Ao informar a data prevista para o encerramento das atividades da psicologia para com a equipe, os servidores reconheceram os benefícios das intervenções

realizadas através do grupo operativo, solicitando a continuidade das práticas psicológicas, além da adesão ao atendimento individual. Seria prematuro alegar que os

funcionários romperam com o processo de institucionalização, porém, podemos afirmar que muitos dos participantes evoluíram no sentido de responsabilizar-se pela

desordem que se queixam, tornando explícitos os sintomas institucionais, convocando a reflexão para modificar paradigmas até então cristalizados.

A resistência evidenciada inicialmente, prevista pela teoria, movimentou a dinâmica da instituição, pois inconscientemente, o instituído é convocado a se

posicionar, por vezes deixando a zona de conforto, e percebendo o psicólogo (a) como uma possível ameaça, esse comportamento pode ser entendido como um mecanismo

de defesa, precisando ser ressignificado e simbolizado, para que não comprometa a proposta de atuação sobre o viés da psicologia institucional.      

REFERÊNCIAS

BLEGER, J. Psico-higiene e Psicologia Institucional.  Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.   


______ Temas de Psicologia: Entrevistas e Grupos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

DEJOURS,C. A Loucura do Trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré, 1987.

______ C. A carga psíquica do trabalho. Em: Betiol, M.I.S. (Org.). Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer,
sofrimento e trabalho. p. 21-32. São Paulo: Atlas, 1994.

FREUD, S. O chiste e sua relação com o inconsciente. Volume 3,. Nobooks Editorial. 1981.
GUIRADO, M. Instituições e Relações Afetivas: o Vínculo com o Abandono. São Paulo : Summus, 1986.
______ (2004). Psicologia institucional (2ª ed.). São Paulo: EPU. (Original publicado em 1987).
GULA, P; PINHEIRO, N. Entre o limite e a esperança: relato de uma experiência em psicologia
institucional. Brasília, 2007. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498932007000200015&lng=pt
nrm=iso>. Acesso em:  18 ago. 2019.

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406
LAPASSADE, G. Grupos, organizações e instituições. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. 
PRESTES MOTTA, F. C. O que é burocracia. São Paulo: Brasiliense, 1981.  
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
TRAGTENBERG, M. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1974.  

Anais do 17º Encontro Científico Cultural Interinstitucional – 2019

ISSN 1980-7406

Você também pode gostar