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INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DISCIPLINA: POLÍTICA 1
Obrigatória: Carga Horária: 60 Créditos:
Professora: Rafaela Cyrino (rafaelacyrino@ufu.br)

Avaliação de conhecimento
Valor total da atividade: 30 pontos
Aluna: Ana Flávia Ramos Tolentino (Matrícula: 11921RIT015)

Na disciplina de Política I investigamos o eurocentrismo presente no pensamento de


vários autores renascentistas e iluministas. Este eurocentrismo pode ser observado,
entre outras, por uma cisão ideológica efetuada pelos autores entre “nós” (os
europeus), símbolo da razão ilustrada, do progresso, do desenvolvimento e “os outros”
(as mulheres, os povos ditos bárbaros/selvagens, os “índios nativos”, “os negros
africanos, etecetera...), símbolos do atraso, da minoridade, da indolência, da
brutalidade, do instinto. Esta cisão ideológica operou excluindo “os outros” dos ditos
“benefícios civilizatórios” da modernidade, tais como:
1) Direitos individuais;
2) Liberdade (civil);
3) Igualdade (civil);
4) Soberania;
5) Comunidade cosmopolita.

Da lista acima (1 a 5) qual o “benefício civilizatório” da modernidade que você irá


analisar?
LIBERDADE CIVIL
Questão única:
Tendo como referência o “benefício civilizatório” escolhido acima, explique, a partir do
pensamento de autores estudados na disciplina (Maquiavel, Thomas Hobbes, Hegel,
Jean Bodin, John Locke, Stuart Mill, Rousseau, E. Kant), como “os outros” foram
excluídos deste “benefício”. Para isto, reconstrua o pensamento dos autores da ciência
política clássica escolhidos para análise (no mínimo dois autores), demonstrando
como este processo de exclusão foi legitimado teoricamente. É importante basear-se
nos textos estudados na disciplina, sendo desejável, inclusive, o recurso a citações
literais dos autores.
A resposta deve ser enviada em arquivo word para o email: rafaelacyrino@ufu.br
até as 23 h do dia 26/10/2021.
Nesta avaliação serão analisados os pensamentos de Friedrich Hegel e
Immanuel Kant acerca da liberdade civil e como ela se tornou fator eliminatório
de minorias na obra destes autores. Num primeiro momento, é interessante
analisar o contexto histórico em que os autores estão inseridos.
1. Friedrich Hegel
Começando por Hegel, ele nasceu em 1770 em um território hoje pertencente à
Alemanha e que naquele momento se encontrava em expansão. Além disso,
cada território possuía leis e doutrinas independentes, fazendo com que o
Estado fosse muito importante para o funcionamento do governo. Ele viu a
Revolução Alemã em 1918 e o início do fim da Prússia. Então podemos notar
que ele estava inserido em contextos revolucionários e assim, quando a
Revolução Francesa começou, Hegel se tornou um entusiasta deste processo
histórico. Ele entendia que a revolução poderia dar novos rumos à sociedade,
já que a tirania estava prestes a ruir.
Sobre o assunto, o escritor brasileiro Denis Rosenfield, autor do livro “Hegel”,
afirma:
“A sedução exercida pela Revolução Francesa em um espírito
como o de Hegel é imensa. Para ele, a França libera uma
energia política que rompe com os laços da monarquia,
constituindo-se em nação do ponto de vista político. Dá, assim,
lugar a um novo nascimento, que simboliza uma regeneração da
humanidade. A nova época está fundada na emancipação do
homem e aposta na liberdade do indivíduo, na instauração de
novos direitos. A revolução apresenta-se como a culminação de
um longo processo histórico, que viu a liberdade nascer em várias de
suas figuras (como a de liberdade do pensamento, de propriedade
e de culto religioso), mas que só encontra sua realização ao unir a
política com a universalidade dos direitos.” (ROSENFIELD, 2005, p.
9)

Agora partindo para a análise da obra de Hegel, Princípios da Filosofia do


Direito, o autor traz hipóteses sobre a origem do Estado. A discussão acerca da
liberdade sempre teve atenção especial na obra de Hegel. Para ele, a liberdade
é a base do Estado. Ele acreditava que a liberdade significava o rompimento de
antigos padrões, e nesses novos tempos, deveríamos valorizar a liberdade
individual. A liberdade deve existir em todos os sentidos, tanto sociais quanto
políticos, contrastando a “escravidão do ser”.
A noção básica de liberdade para ele é: uma pessoa é livre se for independente
e autodeterminante, não dependente de alguma outra coisa que não a si
mesmo. Podemos perceber então que ele viveu em um período de transição
entre o feudalismo e o capitalismo, e sua obra se tornou extremamente
importante para a compreensão do Estado Liberal Contemporâneo.
“É o Estado a realidade em ato da liberdade concreta. Ora, a
liberdade concreta consiste em a individualidade pessoal, com os
seus particulares, de tal modo possuir o seu pleno desenvolvimento e
o reconhecimento dos seus direitos para si (nos sistemas da família e
da sociedade civil) que, em parte, se integram por si mesmos no
interesse universal e, em parte, consciente e voluntariamente o
reconhecem como seu particular espírito substancial e para ele agem
como seu último fim.” (HEGEL, 1820, p. 225).

Quando avaliamos o quão “inclusiva” é a obra de Hegel, nota-se um


androcentrismo exacerbado, além de um eurocentrismo limitador em suas
análises. Começando pela sua análise sobre mulheres, em sua obra Hegel
afirma que existem atividades diferentes para cada sexo, baseado na sua
capacidade intelectual.
“O homem tem, pois, a sua vida substancial real no Estado, na
ciência, etc., e também na luta e no trabalho, às mãos com o mundo
exterior e consigo mesmo, de tal modo que só para além da sua
divisão interior é que conquista a unidade substancial. Dela possui a
imóvel intuição e o sentimento subjetivo correspondente à moralidade
objetiva na família, onde a mulher encontra aquele destino
substancial que ao amor familiar exprime as disposições morais.
(HEGEL, 1820, p. 155)

Em suma, é negado à mulher a universalidade e liberdade que Hegel tanto


prega em suas palavras. Os afazeres da mulher se restringem à sua família, e
ela deve agir como “posse” do homem, devendo ser representada sempre por
ele, pois ele é seu chefe. A partir desse momento, percebe-se, que no Estado
Liberal, a mulher se torna uma “propriedade privada” do homem, e por isso
cria-se uma visão de que o Estado não pode interferir nas coisas do lar, o
famoso “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.
Partindo para a sua visão acerca da África, Hegel trouxe seu eurocentrismo
puro em sua obra “Lições sobre a Filosofia da História”. Neste livro, ele afirma
que a África não possui interesse histórico próprio e os homens vivem na
barbárie. Para ele, a África não é habitada nem pela história e nem pela razão.
Sendo assim, apesar de ser um dos primeiros pensadores que enxerga uma
existência de mundo fora da Europa, ele afirma que a África não é capaz de
fazer parte integral da civilização e, por isso, é um mundo histórico não
desenvolvido. Nesse quesito, podemos notar que Hegel “tampa os olhos” para
a escravidão e a sua dita liberdade civil, só se aplica aos homens héteros
brancos europeus.

2. Immanuel Kant
Para analisarmos a obra de Kant, é interessante entender o contexto político e
econômico do século XVIII, período no qual ele atingiu sua maturidade
filosófica. Dentre os maiores destaques para acontecimentos do período,
podemos falar sobre a guerra da independência dos EUA, assim como a
assinatura da Constituição Americana, a Revolução Francesa e a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, além da Revolução Industrial.
A análise aqui feita acerca da liberdade civil segundo Kant, será feita baseada
na obra “Ideia de uma História Universal com um Propósito Cosmopolita”.
“Como somente em sociedade e a rigor naquela que permite a
máxima liberdade e, consequentemente, um antagonismo geral de
seus membros e, portanto, a mais precisa determinação e resguardo
dos limites desta liberdade – de modo a poder coexistir com a
liberdade dos outros; como somente nela o mais alto propósito da
natureza, ou seja, o desenvolvimento de todas as suas disposições,
pode ser alcançado pela humanidade, a natureza quer que a
humanidade proporcione a si mesma este propósito, como todos os
outros fins de sua destinação: assim uma sociedade na qual a
liberdade sob leis exteriores encontra-se ligada no mais alto grau a
um poder irresistível, ou seja, uma constituição civil perfeitamente
justa, deve ser a mais elevada tarefa da natureza para a espécie
humana, porque a natureza somente pode alcançar seus outros
propósitos relativamente à nossa espécie por meios da solução e
cumprimento daquela tarefa.” (KANT, 1784, p. 14-15).

Segundo esse trecho, é notável que para ele, é necessário assegurar a


liberdade de todos dentro da sociedade civil, resguardando o povo de uma
possível liberdade sem vínculos, o que significaria uma liberdade negativa. O
homem tem o dever de abandonar a sua liberdade selvagem para entrar no
Estado de coerção, em que ele andará nos conformes, seguindo leis e
garantindo o crescimento conjunto da sociedade.
Entretanto, quando analisamos a situação da mulher perante os pensamentos
de Kant, ela parece alguém que não tem capacidade de ser livre e dotada de
razão. Em sua obra “Antropologia de um ponto de vista pragmático”, ele diz:
“No progresso da civilização, cada uma das partes tem de ser
superior de maneira heterogênea: o homem tem de ser superior à
mulher por sua capacidade física e sua coragem, mas a mulher, por
seu dom natural de dominar a inclinação do homem por ela...
Feminilidades são fraquezas... (e) são elas justamente as alavancas
que dirigem a masculinidade.” (KANT, 1798, p. 199).

Isso quer dizer que Kant acredita piamente que a mulher é o sexo frágil e ela
tem seu papel de inferioridade em relação ao homem, devendo ter uma relação
de subordinação na união civil estável.

Já quando se fala sobre o eurocentrismo, ele é extremamente explícito em sua


obra ”Observações sobre o sentimento do belo e do sublime”. Em um trecho do
livro, ele fala das qualidades de algumas nacionalidades da Europa, trazendo
adjetivos positivos para afirmar que os europeus seriam os belos e sublimes do
título de sua obra.

“Na minha opinião, escreve Kant, entre os povos do nosso continente,


os italianos e os franceses são aqueles que se distinguem pelo
sentimento do belo; já os alemães, os ingleses e espanhóis, pelo
sentimento de sublime [...] O espanhol é sério, reservado e sincero
[...] O francês possui um sentimento dominante para o belo moral. É
cortês, atencioso e amável [...] No início de qualquer relação o inglês
é frio, mantendo-se indiferente a todo estranho. Possui pouca
inclinação a pequenas delicadezas; todavia, tão logo é um amigo, se
dispõe a grandes favores [...] O alemão no amor, tanto quanto nas
outras espécies de gosto, é assaz metódico, e, unindo o belo e o
nobre, é suficientemente frio no sentimento de ambos para ocupar a
mente com considerações acerca do decoro, do luxo ou daquilo que
chama a atenção [...]” (KANT, 1764, pág. 65-70)

Enquanto isso, quando ele fala do continente africano, ele não demonstra
nenhum respeito pela história ou cultura africana, além de trazer uma visão
extremamente racista sobre os povos da África.
“Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento
que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um
a citar um único exemplo em que um Negro tenha mostrado talentos,
e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus
países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade,
não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso
na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os
brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe
mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons
excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças
humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades
mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão
difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se
aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza
humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha,
ou qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja consagrada por
algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e invocação nos
esconjuros. Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria
maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los a
pauladas.” (KANT, 1764: pág. 75-76)

Mais uma vez, ao analisar outro autor europeu, podemos notar, que quando ele
fala em liberdade civil, é sempre perante o androcentrismo, ou seja, colocando
o homem no centro e simplesmente esquecendo que a mulher existe e possui
demandas diferentes. Além disso, o racismo advindo dos tempos de escravidão
é forte e traz o pensador associando o negro a uma bestialidade inexistente.

3. Conclusão:
Através do contexto histórico vivido pelos dois filósofos, conseguimos notar que
eles viveram em um período de grandes revoluções burguesas. Tais
revoluções tiveram como consequência o acúmulo de riquezas. Dessa forma,
para que esse acúmulo acontecesse de fato, era necessário que existissem
classes sociais, construídas sob uma hierarquia racial e uma racionalidade
eurocêntrica.
Para que houvesse liberdade de fato e os pensamentos desses autores fossem
factíveis, deveria haver uma democracia no acesso à dita liberdade, pois
enquanto existir o patriarcado e a herança da escravidão persistir, estaremos
trabalhando em cima de teorias que abordam apenas a vida dos homens
héteros brancos europeus.
Muitos hoje ao concordar ou discordar desses pensamentos tão famosos na
Filosofia, não levam em consideração que os autores não estavam dispostos a
incluir todos os povos, tratando-se de uma visão superficial sobre a vida em
sociedade. Enquanto todas as pautas sociais não forem incluídas em tais
discussões, a aplicabilidade dessas teorias se tornam pífias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HEGEL, G. W. F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução de Orlando


Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

KANT, Immanuel (2000). Observações sobre o belo e o sublime.


Campinas: Papirus.

_______. Ideia de uma história universal de um ponto de vista


cosmopolita. Ed. Bilíngue Alemão/Português. Tradução de Rodrigo Naves
e Ricardo R. Terra. São Paulo: Brasiliense, 1986.

_______. Antropologia de um Ponto de vista pragmático. Tradução de


Clélia A. Martins. São Paulo: Iluminuras, 2019.

REALE, G.; ANTISERI, Dario. História da Filosofia, 4: de Spinoza a Kant.


Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.

ROSENFIELD, Denis. Hegel. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


2005.

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