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CMC_3ºano_Fisioterapia

Dor Crónica
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) define Dor como ‘uma
experiência sensorial e emocional desagradável podendo estar ou não associada com dano
tecidual’. A dor é o principal motivo pelo qual as pessoas procuram ajuda médica, sendo que as
dores crónicas mais comuns são dores de costas, disfunções músculo-esqueléticas e dores de
pescoço. A dor crónica afeta principalmente mulheres, indivíduos de estratos socioeconómicos
mais baixos, veteranos militares e pessoas de zonas rurais (Cohen et al., 2021).

Dor aguda é um processo psicofisiológico desagradável e dinâmico, resultante


geralmente de lesão ou processos inflamatórios relacionados, desempenhando um papel
importante na cicatrização. No entanto, após o período agudo, a dor aguda deixa de necessária
e passa a ser um fardo, e se esta permanecer por mais de 3 meses considera-se Dor Crónica
(Cohen et al., 2021).

O modelo biopsicossocial considera


a dor e disfunção como uma interação
dinâmica e interdependente entre fatores
biológicos, psicológicos e sociais. Fatores
psicológicos associados ao desenvolvimento
de dor crónica incluem depressão,
ansiedade, stress pós-traumático,
dificuldade um lidar com situações,
catastrofização, entre outros. Os fatores
socioculturais dizem respeito a cultura,
baixo nível de educação e de suporte social.
Já os fatores biológicos consistem em
genética, idade, sexo, sono, hormonas e
sistema opiáceo endógeno (Cohen et al.,
2021).

Assim a dor crónica interfere com a


qualidade vida do individuo, pois altera a
capacidade de trabalho, o que pode levar a
problemas financeiros e suas
consequências, afetando também relações Figura 1: modelo biopsicossocial de dor e interações
socias e autoestima, aumenta o risco de entre fatores biológicos, psicológicos e sociais.

abuso de substâncias e suicídio. De facto fatores como resiliência, suporte emocional e saúde
podem promover a cicatrização e reduzir o prolongamento da dor.(Cohen et al., 2021).

A dor aguda consiste em mecanismos periféricos, sensibilização e ativação de sistema


imune. Já na dor cronica ocorrem alterações fisiopatológicas e anatómicas como sensibilização
periférica e central, desenvolvimento de novas conexões neurais e alterações patológicas do
cérebro. Estas alterações podem ser promovidas por estímulos nociceptivos e fatores
psicossociais. Podem também afetar processos biológicos, suprimindo a imunidade mediada
por células e humoral, alterando a expressão de genes, transformando nervos que transmitem
sinais não dolorosos em nervos que expressam substância P e estimulam nervos espinhais
nociceptivos, e diminuindo a substância cinzenta encefálica. No entanto estas alterações podem
ser parcialmente reversíveis com tratamento adequado (Cohen et al., 2021).

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Catarina Rodrigues 10200177
Francisco Vicente Pinto 10200328
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Tipos de Dor
Existem 3 tipos principais de Dor: Dor Nociceptiva, Neuropática e Nociplástica, e pode
também ter carater misto.

Dor Nociceptiva resulta da estimulação de recetores neurais de dor (nociceptores) no


sistema nervoso periférico, transmissão do sinal através de fibras nervosas Aδ e C para o corno
dorsal da medula espinal, seguindo por vias neurais ascendentes ate ao tálamo e outros centros
encefálicos. Este tipo de dor constitui a forma mais comum de Dor Crónica, manifestando-se
mais comummente sob artrite ou dor de coluna. A dor nociceptiva pode ser ainda subdividida
em somática e visceral. Dor somática por estimulação de nociceptores no sistema nervoso
somática (pele, musculo, osso e tecido tegumentar). Esta pode ser bem localizada, e descrita
como dor latejante, dolorida ou por pressão. A dor visceral é causada por estimulação de
nociceptores em órgãos viscerais (intestinos, pâncreas, fígado), estando o sistema nervoso
autónomo envolvido. Os pacientes têm dificuldade em descrever e localizar esta dor (dor
referida) (Cohen et al., 2021; von Gunten, 2011).

Dor Neuropática é causada por lesão ou patologia que afeta o sistema nervoso
somatossensorial. Cerca de 15-25% da dor crónica diz respeito a dor neuropática, conduzindo
a um decréscimo acentuado de qualidade vida, sendo as condições mais comuns: neuropatia
diabética, nevralgia pós-herpes e radiculopatia (Cohen et al., 2021; von Gunten, 2011).

Dor Nociplástica advém de um processamento anormal dos estímulos de dor e


diminuição das vias inibitórias, sem haver danos teciduais ou patologia do sistema
somatosensorial. As condições mais comuns deste tipo de dor são fibromialgia, síndrome de
intestino irritável e dor de costas não especifica (Cohen et al., 2021).

Figura 2: Exemplos de Dor Nociceptiva, Neuropática e Nociplástica.

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Gestão da dor
Como já foi dito, a dor é uma consequência dinâmica de fatores biológicos, psicológicos
e sociais, como tal recomenda-se um tratamento interdisciplinar e personalizado para o
tratamento do paciente com dor. Deve-se promover o auto-cuidado (estilos de vida saudáveis,
alimentação saudável, exercício, sono adequado, cessação tabágica, e modificações
ergonómicas). Outras modalidades de tratamento são terapia farmacológica (não opioide e
opioide), terapia psicológica, entre outros (Cohen et al., 2021).

O exercício é a estratégia de autogestão mais usada, que pode melhorar a qualidade


sono, promove a perda de peso, estimula a secreção de endorfinas e reverte o
descondicionamento (Cohen et al., 2021).

A terapia psicológica mais usada na dor cronica é a terapia comportamental cognitiva


que envolve a reestruturação de crenças erróneas, atitudes, e comportamentos que contribuem
para agravamento da doença (Cohen et al., 2021).

Tratamento não opioide: Para o tratamento de dor neuropática usam-se fármacos


analgésicos antidepressivos e antiepiléticos. Para dor não-neuropática usam-se anti-
inflamatórios não esteroides (NSAIDS) orais e tópicos (Cohen et al., 2021).

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Tratamento opioide: Este tratamento usado como referência padrão na dor aguda, no
entanto não é considerado um tratamento de primeiro recurso na dor crónica, apesar de serem
muito eficazes a curto e médio prazo na dor cronica associada a lesões. Este tipo de tratamento
tem risco de adição (Cohen et al., 2021).

Intervenção não cirúrgica: procedimentos pouco invasivos podem ser usados em dor
neuropática (injeções epidurais de esteroides), em dor nociceptiva (radiofrequência), disfunções
de dor mista (estimulação de medula espinhal) e em condições de dor nociplástica (injeções de
esteroides para disfunções temporomandibulares) (Cohen et al., 2021).

Intervenção cirúrgica: A dor em grandes articulações e coluna são comummente


indicadas para cirurgia (próteses de articulações, descompressão, fusão vertebral, artoplastia
discal, etc.). A técnica de neuroestimulação (incluindo a medula espinhal, o córtex motor e
estimulação cerebral profunda) proporciona alívio da dor através da modulação elétrica do
sistema nervoso, sendo a técnica mais usada a estimulação da medula espinhal, que envolve a
colocação percutânea de elétrodos no espaço epidural. A administração de fármacos via
intratecal permite a introdução do fármaco na medula espinhal, permitindo a redução
substancial da dose (Cohen et al., 2021).

Fisiopatologia da Dor
Após lesão do tecido, inicia-se um processo inflamatório em que há libertação de
prostaglandinas, substância P, serotonina, histamina, acetilcolina e bradicinina. Estes
neurotransmissores aumentam a sensibilidade dos nociceptores aumentado a entrada de Ca 2+
no nociceptor, e também se ligam a recetores pós-sinápticos que estimulam o aumento da
permeabilidade ao Na+ e K+. Daqui resulta a transmissão mais fácil do estímulo de dor e
recrutamento de nociceptores silenciosos, consequentemente a pessoa irá sentir mais dor. A
dor é usada como sinal de alerta para proteger a área afetada e impedir futuras lesões (von
Gunten, 2011).

O estímulo nociceptivo é transmitido pelas


fibras Aδ até neurónios de 2ª ordem do trato
espinotalâmico, cujos corpos celulares estão
localizados no corno dorsal contralateral da medula
espinhal. Após entrar no corno dorsal, o neurónio
decussa para o lado ventral da medula e ascende até
ao mesencéfalo. A maior parte das fibras segue depois
até ao núcleo ventral posterior do tálamo onde irão
fazer sinapse com neurónios de 3ªordem, que irão
transmitir o estímulo até ao córtex somatossensorial,
no giro pós-central do encéfalo (von Gunten, 2011).

Por outro lado, as fibras C (não mielinizadas)


projetam-se para a formação reticular e bolbo
raquidiano, e daqui seguem pelo trato reticulo
talâmico para o núcleo intralaminar do tálamo. Daqui
o estímulo segue através de neurónios de 3ª ordem
para o córtex somatossensorial no giro pós-central do Figura 3: Vias nociceptivas de Fibras Aδ e C.
encéfalo (von Gunten, 2011).

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Teoria da Comporta da Dor
Teoria de que a transmissão da informação da dor pode ser bloqueada no corno dorsal
da medula espinal pela estimulação dos neurónios aferentes primários de fibras grandes.
(Lundy-Ekman, 2013)

A teoria defendia que se estimulássemos mais os mecanoceptores, a ação nociceptiva


não iria ser tão prevalente.

Mais tarde esta teoria foi adaptada para a teoria do contra-irritante, que oferece uma
vista mais atualizada deste fenómeno.

A teoria do contra-irritante afirma que como o estímulo mecânico é transmitido de


forma mais rápida (fibras Abeta), excita o neurónio inibitório que ao libertar encefalinas para
os receptores do neurónio de 1ª ordem, provoca o encerramento dos canais NA/K e diminui a
libertação de glutamato e substância P, reduzindo o potencial de ação que é transmitido do
neurónio de 1ª ordem para o de 2ª ordem (ver vídeo). (Lundy-Ekman, 2013)

Gate Control Theory of Pain - YouTube

Alterações do Processamento no Corno Medu lar Anterior

O processamento pode estar alterado por dano tecidular ou atividade neural anormal.
(Lundy-Ekman, 2013)

Apresenta 4 estados:

Figura 4: Processamento no Corno Medular Anterior (Lundy-Ekman, 2013)

Sistemas Antinociceptivos
Os sistemas antinociceptivos funcionam ao libertarem endorfinas (como a encefalina,
referida anteriormente), que se ligam aos receptores dos neurónios e diminuem o potencial de
ação nociceptivo (ver vídeo). (Lundy-Ekman, 2013)

No grupo das endorfinas encontram-se:

• Encefalinas
• Dinorfinas
• Beta-endorfinas (mais poderosas)

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As endorfinas podem ser libertadas através de drogas, mas o nosso corpo também tem
poder sobre a libertação destas substâncias. (Lundy-Ekman, 2013)

Trato cerulospinal
Periaquedutal Cinzento (?) PAG
inibe

estimula

Atividade espinotalâmica
Rosto Ventromedial da Medula

liberta seretonina liberta norepinefrina

Corno Anterior da Medula Corno Anterior da Medula

liberta encefalina

Diminuição de atividade
nociceptiva

Sistemas Pronociceptivos
A transmissão da dor pode ser intensificada em vários níveis. Edema e substâncias
químicas endógenas podem sensibilizar terminações nervosas livres na periferia. Por exemplo,
após uma pequena queimadura, estímulos que normalmente seria inócuo pode causar dor
intensa. (Lundy-Ekman, 2013)

A pronocicepção tambémpode ocorrer quando uma pessoa está ansiosa ou


depressivo. (Lundy-Ekman, 2013)

A pessoa pode também sentir dor sem qualquer estímulo nociceptivo. As atividades
que ocorrem no córtex pré-frontal e no córtexcingulado anterior sãoas mesmas tanto para a
dor como para o stress social. (Lundy-Ekman, 2013)

Referências Bibliográficas
Cohen, S. P., Vase, L., & Hooten, W. M. (2021). Chronic pain: an update on burden, best
practices, and new advances. Lancet (London, England), 397(10289), 2082–2097.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00393-7
von Gunten, C. F. (2011). Pathophysiology of Pain in Cancer. Journal of Pediatric
Hematology/Oncology, 33. https://journals.lww.com/jpho-
online/Fulltext/2011/04001/Pathophysiology_of_Pain_in_Cancer.3.aspx
Lundy-Ekman, L. (2013). Neuroscience: Fundamentals for Rehabilitation (4th ed.). Elsevier.

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