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Peculiaridades da

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Abordagem do
Fisioterapeuta para a
Criança Queimada

Juliano Tibola

A abordagem do fisioterapeuta na criança queima- dura é do sexo masculino, sendo o escaldamento mais
da contém particularidades frente ao vasto universo comum na faixa etária até os 4 anos, e o fogo, o maior
que retrata a ação com as crianças. A fase de desen- responsável por lesões nos maiores de 5 anos7. O local
volvimento do ser humano, que se inicia no embrião, de maior ocorrência é o próprio domicílio e em mais
continua à medida que o aprendizado e as adaptações de 75% dos casos a criança é vítima de suas próprias
ao meio ambiente ocorrem. Portanto, não é possível ações3,6.
tratar da criança como um adulto em miniatura1. Dessa A abordagem multidisciplinar voltada ao atendi-
forma, a fisioterapia traça objetivos e ações específicas mento da criança com queimaduras é fundamental
na abordagem das crianças queimadas. para proporcionar um tratamento completo nos âm-
A queimadura pode ser definida como uma le- bitos emocional e físico. Compõem esta equipe: mé-
são causada por agentes térmicos, químicos, elétricos dicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais,
ou radioativos que agem no tecido de revestimento psicólogos, nutricionistas e outros profissionais de saú-
do corpo humano, podendo destruir parcial ou total- de ou apoio que objetivam o tratamento, a reabilitação
mente a pele e seus anexos até camadas mais profun- e os cuidados do paciente queimado8,9.
das, como tecidos subcutâneos, músculos, tendões e Neste âmbito, a intervenção fisioterapêutica preco-
ossos2. Corresponde à segunda causa em mortalida- ce mantém o paciente queimado ativo, a fim de torná-
de por trauma em crianças até os 4 anos, perdendo lo independente funcionalmente durante o período de
apenas para os acidentes automobilísticos, e a ter- hospitalização, o que diminui seu tempo de internação,
ceira em crianças acima desta idade3. É considerado além de prepará-lo para o retorno a suas atividades
um dos traumas mais graves, pois provoca impor- normais, etapa que segue após a alta hospitalar10.
tantes repercussões metabólicas, seqüelas físicas e
psicológicas, além do risco de morte4. Mesmo apre-
sentando estas condições, a taxa de sobrevivência
prospera anualmente devido às melhores condições A Criança e suas Fases de
de tratamento nos centros clínicos especializados em Desenvolvimento
queimados5. O crescimento e o desenvolvimento da criança de-
A criança, comparada ao adulto com lesão seme- pendem do ambiente e do estímulo dedicado pelos
lhante, é sempre um paciente mais grave, devido a adultos que vivem em seu meio. A criança que por
sua maior superfície corporal em relação ao peso que diversos motivos permanece por muito tempo em um
apresenta6. A maioria das crianças que sofre queima- ambiente confinado, como é o caso de muitas dessas
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Peculiaridades da Abordagem do Fisioterapeuta para a Criança Queimada

pequenas vítimas, pode tornar-se carente de estímu- Nas crianças de um até 2 anos de idade, a prin-
los, o que acarreta retardo no seu desenvolvimento1. cipal atividade a ser desenvolvida é a mancha e as
A utilização de atividades lúdicas deve ser levada variantes de equilíbrio corporal. Assim, uso de bolas
em conta no tocante ao universo infantil em que o grandes para jogar além de marcha auxiliada em esca-
fisioterapeuta deverá atuar, nas mais diferentes ida- das é de muita utilidade14. O uso de papel para realizar
des a serem abordadas11. As brincadeiras e atividades dobraduras é útil no desenvolvimento de habilidades
próprias da idade facilitarão o alcance de objetivos motoras delicadas14.
traçados que muitas vezes não são conseguidos com As crianças de 2 a 4 anos de idade são as que
atividades exclusivamente mecânicas e terapêuticas5 exigem maior tolerância e paciência do adulto que
(Fig. 27.1). estabelecerá a relação de fisioterapeuta-paciente. Em
geral, nesta idade as crianças são muito ativas e não
toleram permanecer paradas ou quietas, porém preva-
lece a curiosidade natural pelo mundo que as rodeia,
podendo ser esta a interface para o alcance de objeti-
vos propostos no tratamento1.
Atividades de bicicleta, chute a bolas e subida e
descida em escadas sem apoio são bem-vindas e ade-
quadas à idade. Para treino de habilidades motoras
delicadas, o uso de papel e desenhos pode ser efetivo,
assim como o de tesoura para recortes14.
Crianças em idade escolar de 6 a 8 anos já de-
monstram maior interesse pelas atividades inerentes
ao seu meio, além do relacionamento mais conscien-
te com as pessoas. Cabe ao fisioterapeuta explicar à
criança os motivos das atividades realizadas, aliadas à
distribuição de tarefas a serem feitas durante o dia em
Fig. 27.1 – Atividade lúdica-terapêutica na sala de fisiotera-
pia de uma Unidade de Queimados.
que a criança permanece no hospital, como exercícios
e deambulação, entre outros1.
Na idade dos 10 aos 14 anos começam as trans-
Assim, é essencial para atingir êxito num progra- formações corporais e psicológicas típicas da pré-ado-
ma de tratamento, que o trabalho do fisioterapeuta lescência e adolescência, quando geralmente ocorrem
tenha como fundamentos o conhecimento do desen- as maiores dificuldades de abordagem fisioterapêutica
volvimento infantil, a biomecânica e o controle dos nas queimaduras. Já que muitas vezes esses pacientes
movimentos1. não querem colaborar com a terapêutica proposta e
Na intervenção das crianças com até 1 ano de ida- desempenham papel alienado à situação vivida ou tor-
de, utilizamos muito os exercícios passivos ou ativo- nam-se agressivos ou ansiosos12,15. Atividades de com-
assistidos para alcançarmos os objetivos pretendidos, petição podem ser realizadas nesta faixa etária nas
sendo que em muitos casos não há colaboração ativa mais diferentes propostas interventivas, como jogos,
da criança envolvida. A utilização de órteses de posi- corridas, dentre outras14.
cionamento muitas vezes faz-se necessária devido à
falta de atitude consciente de manutenção postural,
que pode levar a mesma a adotar posturas antálgicas Abordagem Fisioterapêutica
e, conseqüentemente, a complicações maiores como A abordagem fisioterapêutica da criança queima-
retrações e aderências, quando não prevenidas e evi- da começa quando esta chega ao hospital, após os
tadas12,13. primeiros cuidados médicos e de enfermagem. São
As atividades de estímulo do desenvolvimento verificadas as condições gerais, como profundidade
neuropsicomotor são enfatizadas principalmente no e extensão da queimadura e toda a história do pa-
primeiro ano de vida da criança. A estimulação do ciente, para a partir daí levantar-se um prognóstico
equilíbrio e do posicionamento em bipedestação fa- do tratamento a ser realizado. O agente causal, tempo
vorecem a marcha, sendo a ênfase dada no segundo de exposição, socorro e atendimento inicial, local de
semestre de vida da criança. Cubos, brinquedos sono- ocorrência do acidente, assim como as pessoas que
ros e de preensão são também muito úteis nesta fase estavam presentes no momento do trauma são impor-
da vida da criança14. tantes para o delineamento da história da lesão, sendo
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muitas vezes o fisioterapeuta o interlocutor de vários Após a alta hospitalar, o fisioterapeuta poderá atu-
pontos não-definidos no momento da admissão hos- ar em consultório, clínicas, centros de reabilitação, ou
pitalar; atentando-se sempre para casos que levantem no próprio domicílio da criança13,14.
a suspeita de maus tratos com as crianças8,13,16. Assim, é importante que o profissional estabeleça
Inicia-se uma avaliação da capacidade deste em se um vínculo com a criança de maneira mais convenien-
mover, medindo ou estimando a amplitude de movi- te para a sua idade, deixando claro seu papel durante
mento de todas as articulações afetadas e as funções o tratamento; mostrando a importância da colabora-
apresentadas pela criança nas atividades de vida diária ção, participação e do empenho da criança para que
e outras adequadas à idade8,13,16. Avaliar as condições as atividades propostas ocorram de maneira favorável
cardiopulmonares e clínicas de maneira geral é impor- à sua evolução clínica12,15.
tante para se detectar algum problema associado8,16. Inicialmente, os pacientes mostram-se relutantes ao
Todas as condutas adotadas envolvem algum atendimento, pois muitos procedimentos causam des-
grau de desconforto para as crianças e os adolescen- conforto ou dor. Entretanto, a evolução mostra-se sa-
tes queimados. Por isso, é primordial que a aborda- tisfatória, e o vínculo afetivo formado no decorrer do
gem da fisioterapia seja firme e constante, visto que a tratamento promove maior segurança nas atividades5.
posição adotada, de proteção às áreas afetadas, leva A atuação do fisioterapeuta pode ser dividida em:
facilmente a deformidades17. fase hospitalar e ambulatorial12. A fase hospitalar ini-
A fisioterapia tem indicação diária, podendo ser cia-se com o incidente da queimadura, acompanha
repetida no decorrer do dia8,12,17. O local de atuação todo o processo de recuperação epitelial e tecidual
do fisioterapeuta varia de acordo com a condição clí- profunda, passa pelo período de imobilização para
nica e emocional que a criança apresenta. No hospital, aplicação e vascularização do enxerto e termina com
este profissional pode atuar no leito, dentro do quarto o estabelecimento de um epitélio estável cobrindo a
na Unidade de Queimados, nas salas de fisioterapia e lesão. A fase ambulatorial corresponde ao período
também durante a balneoterapia, que pode ser realiza- pós-alta hospitalar17, com duração variável conforme
da em sala de banho ou no quarto dentro da unidade o grau da lesão, podendo levar meses ou anos8.
de internação. O fisioterapeuta pode trabalhar tam-
As freqüentes alterações da condição do paciente
bém no centro cirúrgico. A intervenção fisioterapêutica
exigem avaliações contínuas e mudanças no programa
durante a balneoterapia pode ser necessária quando a
terapêutico traçado a partir de alguns objetivos. Os ob-
colaboração do paciente com o tratamento não traz os
jetivos principais da atuação da fisioterapia na criança
resultados esperados, visto que durante este processo
ocorrem procedimentos de sedação e/ou analgesia, e a queimada são5,8,17,18:
atuação do fisioterapeuta é otimizada por atingir áreas • manter e/ou recuperar a amplitude total dos mo-
corporais onde o paciente apresenta resistência aos vimentos articulares e da flexibilidade muscular e
movimentos, e no posicionamento correto dos mem- cutânea;
bros, podendo ou não utilizar órteses8,12,17 (Fig. 27.2). • prevenir complicações cardiopulmonares durante
o período de imobilização;
• promover a força e a resistência muscular;
• prevenir ou reduzir contraturas cicatriciais;
• posicionar corretamente o paciente no leito;
• estimular a deambulação precoce e os exercícios
ativos;
• promover a independência funcional;
• realizar aplicação de órteses e malhas compressi-
vas;
• promover a reintegração da criança à vida domi-
ciliar e comunitária.

Recursos Fisioterapêuticos
Para o alcance dos objetivos traçados são utiliza-
Fig. 27.2 – Intervenção fisioterapêutica no centro cirúrgico dos recursos fisioterapêuticos que, em parte, poderão
através da mobilização de membro inferior. ter uso tanto na fase hospitalar quanto na fase ambu-
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Peculiaridades da Abordagem do Fisioterapeuta para a Criança Queimada

latorial, sugerindo uma criteriosa avaliação, adaptação integralmente a amplitude de movimento8. O exercício
ao uso pediátrico e conhecimento para aplicação dos ativo-assistido tem como objetivo geral garantir que
mesmos. os músculos ineficientes exerçam seu esforço máximo
A cinesioterapia é apresentada como principal re- para produzir os movimentos em condições que faci-
curso utilizado pelo fisioterapeuta no tratamento de litam sua ação. A força assistente, utilizada como au-
crianças com queimaduras. A terapia através do mo- xiliar ao movimento, é aplicada apenas para aumen-
vimento, como é definida a cinesioterapia, é tida como tar este esforço máximo, e não para atuar como seu
um recurso prático e de suma importância perante a substituto. À medida que a força muscular aumenta,
biomecânica corporal, área de estudo e trabalho do a assistência dada deve decrescer proporcionalmente
fisioterapeuta8,19. Pode ser utilizada com recursos auxi- (Figs. 27.3 e 27.4)19.
liares como barras, bastões, bolas, cordas, faixas elás-
ticas, espelho, dentre outros e sem os recursos auxi-
liares. Dentre os recursos cinesioterapêuticos utilizados
estão os seguintes.

Alongamentos
Definidos como manobras terapêuticas para au-
mentar o comprimento de estruturas de tecidos moles
patologicamente encurtadas e, desse modo, aumen-
tar a amplitude de movimentos19. Os alongamentos e
mobilizações dos membros superiores e inferiores de-
vem ser realizados de forma lenta e gradual, a fim de
prevenir deformidades8. A realização do alongamento
de forma globalizada traz sempre um maior benefí-
cio ao paciente, devido à biomecânica e à disposição
Fig. 27.3 – Exercício ativo-assistido na sala de fisioterapia da
muscular corporal, devendo ser realizado sempre que Unidade de Queimados.
possível20.

Exercícios Ativos
O exercício ativo deve ser estimulado em todas as
articulações desde o primeiro dia de internação, pelo
menos três vezes ao dia. Quando o paciente recebe
o enxerto de pele, esses exercícios são suspensos por
um período que varia de 7 a 10 dias, para permitir a
“pega” do mesmo8.
Sabe-se que no exercício terapêutico ativo, as so-
brecargas e forças são colocadas nos sistemas corpo-
rais de modo controlado, progressivo e apropriado,
com a finalidade de melhorar a função geral do indi-
víduo nas demandas da vida diária19. Estes exercícios
podem ser realizados com resistência externa21, desen-
volvidos de forma manual pelo fisioterapeuta ou com Fig. 27.4 – Exercício ativo-assistido de membros superiores
no leito.
o uso de equipamentos de mecanoterapia disponíveis,
como resistências elásticas, polias, bolas, pesos, entre
outros13,19.
Os movimentos passivos são essenciais para man-
ter a integridade articular e dos tecidos moles, mini-
Exercícios Ativo-assistidos e mizar contraturas, manter a elasticidade mecânica dos
músculos, assistir a circulação e a dinâmica vascular,
Passivos melhorar a produção de sinóvia, diminuir ou inibir a
Os exercícios ativos-assistidos e passivos são rea- dor, auxiliar o processo de cicatrização após uma le-
lizados somente quando o paciente não puder realizar são ou cirurgia e manter a consciência de movimento
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no paciente. Devem ser realizados de forma homogê- fisioterapia respiratória, respeitando a fase de indica-
nea e rítmica, com o número de repetições variando ção e necessidade de uso, assim como os recursos de
conforme as condições do paciente e os objetivos do ventilação mecânica invasiva e não-invasiva, que pos-
tratamento19. suem seus propósitos bem evidenciados e discutidos
em outros capítulos desta obra.

Fisioterapia Respiratória
Além da infecção e das lesões por inalação, as
queimaduras da superfície torácica e, principalmente,
a dor, contribuem para a deterioração da função pul-
monar16. A fisioterapia respiratória vem a contribuir na
melhora da ventilação-perfusão e, conseqüentemente,
de toda a condição pulmonar e torácica22.
A fisioterapia respiratória na criança muitas vezes é
tratada como uma adaptação das técnicas convencio-
nais no adulto. O Consenso de Fisioterapia Respiratória
de Lyon de 1994, junto à Jornada Internacional de
Fisioterapia Respiratória Instrumental de Lyon em
2000, trazem em evidência as técnicas e os recursos
utilizados para prática fisioterapêutica em crianças23.
Fig. 27.5 – Fisioterapia respiratória em queimadura de
Sabe-se que a criança possui diferenças anatômi- tórax no leito com uso da manobra de AFE – aumento do fluxo
cas da cabeça e das vias aéreas superiores, parede e expiratório em decúbito lateralizado.
musculatura torácica e árvore brônquica, as quais a
diferem do adulto, fazendo com que apresente desvan-
tagem anatômica e mecânica22.
Ao mesmo tempo, as lesões por queimaduras
em vias aéreas de crianças possuem particularidades A cinesioterapia respiratória, com exercícios de padrão
como: lesão por inalação menos freqüente, sendo que respiratório associados a exercícios de membros superiores
quando ocorre aparece em evento de maior gravida- e inferiores e a mobilização geral do paciente devem ser
de; alta incidência de queimaduras de face e tórax; realizadas o mais precocemente possível, objetivando tam-
edemas importantes, abrangentes e localizados; pode bém a manutenção ou a melhora da função pulmonar22.
haver fadiga respiratória devido à alta complacência
torácica; a perda de calor corporal provoca mais rapi-
damente o aprofundamento das lesões. Têm-se como Posicionamento no Leito
sintomas principais a serem observados: a tosse, a ex- É importante estar atento à postura da criança no
pectoração com fuligem, o esforço respiratório, os sibi- leito, para que seja mais adequada possível16. O posi-
los pulmonares e a taquipnéia, observando a idade da cionamento deve levar em conta as zonas de contração
criança avaliada, além de todos os outros parâmetros e flexão das lesões cicatriciais e posições do desenvol-
utilizados na avaliação respiratória, como gasometria vimento infantil, no caso dos bebês13. Em geral, as po-
arterial e radiografias17. sições no leito devem manter a posição anatômica ou
Dentre os recursos utilizados em fisioterapia respi- funcional do corpo, ou em algumas regiões, posições
ratória pediátrica, são recomendados a tosse, as postu- de hiperextensão, como o caso do pescoço8.
ras na higiene brônquica, o aumento do fluxo expira- Alterações posturais no eixo da coluna vertebral
tório — AFE, a expiração lenta e prolongada — ELPr poderão ocorrer não somente por estruturas osteoar-
— e os espirômetros de incentivo nas suas diversas ticulares alteradas, mas também pelas deformidades
variações, a fluxo ou a volume (Fig. 27.5). causadas pela lesão da estrutura da pele e das cama-
As vibrações e percussão torácica manual e/ou me- das musculares. Portanto, deve ser dada atenção a este
cânica possuem sua restrição devido ao número insu- segmento para evitar futuras escolioses compensató-
ficiente de estudos clínicos que comprovem sua ação rias que poderão tornar-se estruturais por mecanismos
isolada, sendo bem toleradas dentro das suas indica- compensatórios e devido à idade de crescimento em
ções quando associadas a outras técnicas23. A oscila- que a criança se encontra1,8,13.
ção oral de alta freqüência, utilizada através de recur- As trocas de decúbito devem também ser orienta-
sos instrumentais denominados shaker, flutter VRP1 das com o intuito de evitar a formação de úlceras de
e Acapella, também possuem indicação na ação de pressão8.
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Peculiaridades da Abordagem do Fisioterapeuta para a Criança Queimada

Deambulação pontos de pressão. O material a ser confeccionado va-


ria com a disponibilidade do setor e a necessidade do
A deambulação é um fator importante para a recu-
paciente, podendo ser de gesso, madeira, PVC, alumí-
peração da criança, que deixa o meio em que convive
nio e termoplásticos. São indicadas com precisão nas
para ser aprisionada em uma cama durante a hospita-
queimaduras de espessura total, e possuem indicação
lização1. Deve ser iniciada precocemente, resguardan-
relativa nas queimaduras de espessura parcial8,13.
do as condições de enxertia, devendo-se respeitar os
dias para “pega” do enxerto.
A criança deve ser estimulada nas suas atividades Colocação de Malhas Compressivas e
de vida diária e com brincadeiras com o uso dos mem-
Órteses de Pressão
bros inferiores de forma menos traumática, mas não
menos eficiente8,13. As malhas compressivas proporcionam cicatrizes
planas e uniformes, pois reorganizam as fibras do te-
cido em recuperação por meio de vestes compressivas
Massoterapia com pressão em torno de 20 a 25 mmHg. São utiliza-
das de modo contínuo depois que a lesão não apre-
A massoterapia clássica possui efeito restaurador
senta mais áreas cruentas, e por volta de 6 meses a 2
de músculos rígidos para o alcance do comprimento
anos após o início do uso. São retiradas apenas para
normal, aumenta a circulação na musculatura em de-
a higiene pessoal e sessões de fisioterapia.
suso e a tolerância dos tecidos à pressão, alivia a dor e
promove relaxamento específico e geral24. Usualmente As malhas podem ser utilizadas com órteses de
é realizada por fricção transversa ou circular, atingindo pressão confeccionadas em acrílico ou gel, ou outros
profundamente os tecidos, a fim de mobilizar as estru- materiais disponíveis, principalmente nas áreas de con-
turas e liberar as aderências por ação mecânica nas torno ósseo ou regiões extremamente planas onde a
traves fibróticas24. malha compressiva não exerce adequada pressão8,13.
Devem ser periodicamente revistas pelo fisiotera-
peuta, principalmente na criança em desenvolvimento,
Eletroterapia para verificar se o tamanho está correto e se ocorre
A eletroterapia no tratamento das queimaduras a compressão desejada ou em excesso, que pode ser
pode ser utilizada nas suas mais diversas formas. prejudicada em virtude do crescimento da criança e do
desgaste natural do material13.
Desde o ultra-som com uso já consolidado atualmen-
te, a endermologia e a vacuoterapia, correntes elétri-
cas de estimulação e correntes elétricas analgésicas25.
Por se tratar de criança, algumas precauções devem
Considerações Finais
ser tomadas para que estas possam fazer uso dos re- O acompanhamento das crianças pelos pais ou fa-
cursos eletroterápicos sem danos à saúde e para que miliares próximos durante a fase de internação é im-
não tenham traumas das sensações causadas pelos prescindível para que o paciente se sinta seguro e con-
aparelhos, principalmente no caso das correntes elé- fiante num ambiente totalmente novo, desconhecido e
tricas. Para isso, é necessário explicar-lhe o recurso a com alguns tabus muitas vezes já existentes15.
ser utilizado e, principalmente, saber adequar o recur- Trazer a informação às crianças e a seus familiares é
so à idade da criança, o que muitas vezes nos impede de fundamental importância para que compreendam os
de utilizar a eletroterapia26. procedimentos a serem realizados e sua relevância no con-
texto geral do tratamento da criança com queimaduras,
assim como para que possam participar de forma ativa,
Colocação de Órteses colaborativa e integrada ao tratamento26, minimizando,
Podem ser aplicadas em todas as fases do trata- desta forma, as seqüelas físicas e emocionais do trauma5.
mento, de modo estático ou dinâmico. Servem para O conhecimento de que o tratamento da lesão não
manutenção, apoio, posicionamento ou estiramento, cessa no momento da alta hospitalar deve ser infor-
podendo ser do tipo dinâmica ou estática. É funda- mado aos pais ou responsáveis pela criança, para que
mental a conservação da postura anatômica para me- possam preparar-se psicologicamente e para que não
lhor recuperação em todos os processos de reabilita- haja frustrações no momento da alta hospitalar15,26.
ção física e atuar no relaxamento de zonas contraídas. Sabe-se também que a precocidade e a continuidade
Salienta-se a necessidade de que as superfícies quei- da fisioterapia são fundamentais para o sucesso da
madas permaneçam em posição estirada ou neutra reabilitação, que pode percorrer um período longo de
de funcionamento, com o cuidado de evitar locais ou pós-alta hospitalar5.
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Seção 5 – Equipe Multidisciplinar

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