Você está na página 1de 11

1

NOÇÕES GERAIS DE QUÍMICA ORGÂNICA

A bioquímica é uma ciência que visa estudar as formas e as funções biológicas


a partir de termos químicos. E dentre os elementos químicos presentes nos
organismos vivos o carbono é o que permite uma maior versatilidade de ligações, o
que poderia explicar o porquê de termos evoluído utilizando este elemento químico
para a formação de moléculas de diferentes tamanhos e formas.
As biomoléculas são formadas a partir da ligação covalente entre átomos de
carbonos, formando cadeias lineares, ramificadas e/ou estruturas cíclicas. A esta
cadeia carbônica podem ser adicionados “grupos funcionais”, compostos por outros
átomos, por exemplo, o oxigênio e o nitrogênio, que conferem propriedades químicas
específicas às moléculas.
A estrutura do carbono, unidade fundamental dos compostos orgânicos,
começou a ser estudada no final do século XIX por Archibald Scott Couper e Friedrich
August Kekulé, e suas propriedades hoje são descritas pelos postulados de Couper-
Kekulé:
1) O átomo de carbono é tetravalente: isso significa que o
carbono pode formar até quatro ligações covalentes, possibilitando
uma grande variedade de compostos derivados dele. Os quatro pares
eletrônicos disponíveis no carbono permitem que essas ligações
sejam realizadas com diversos outros elementos:

2) As quatro valências do carbono são iguais: isso significa que se, por
exemplo, temos um carbono ligado a um átomo de cloro, temos o composto
clorometano independente de qual seja a posição do cloro:

3) Encadeamento: essa ligação direta entre átomos de carbono permite


formar as cadeias carbônicas, que são a base para a formação de uma variedade de
compostos orgânicos, como o composto da figura abaixo:
2

Agora que você já conhece um pouco mais sobre o carbono, vamos passar às
funções orgânicas. O nome “funções” é dado para compostos que possuem estrutura
química semelhante, apresentando como consequência comportamento químico
também semelhante.
Neste curso apresentaremos as 11 principais funções orgânicas, começando
pelos hidrocarbonetos, que são as estruturas mais simples existentes, constituídas
somente por átomos de C e de H. Muitos combustíveis têm em sua composição os
hidrocarbonetos. Outras funções são a dos alcoóis, que são as cadeias de
hidrocarbonetos ligadas a uma ou mais hidroxilas (OH), a dos fenóis, que também
apresentam o OH, porém ligados a uma cadeia carbônica fechada, dita aromática, e
a dos éteres, que é composta por moléculas contendo um átomo de O que liga duas
cadeias carbônicas.
Estes compostos estão representados na tabela abaixo:

Função Orgânica Exemplo

Hidrocarbonetos octano
Alcoóis octanol

Fenóis hidroxibenzeno

Éteres metoxietano

Continuando nossa apresentação sobre as funções orgânicas, temos os


ácidos carboxílicos, que são cadeias carbônicas ligados ao grupo COOH, chamado
de grupo carboxílico. Muito semelhante a eles são os ésteres, que onde o H do grupo
carboxílico é substituído por uma cadeia carbônica, as cetonas, que possuem o grupo
OH substituído por uma cadeia carbônica, e os aldeídos, que possuem o grupo OH
substituídos por um H, como abaixo:

Função Orgânica Exemplo

Ácidos carboxílicos ácido etanoico

Ésteres etanoato de etila

Cetonas 2-propanona

Aldeídos pentanal
Ainda temos as amidas, que diferem do ácido carboxílico pela substituição do
grupo OH por N, as aminas, que apresentam de uma a três cadeias carbônicas
ligadas pelo N, e os haletos orgânicos, que são compostos contendo um halogênio
(cloro, bromo e iodo):

Função Orgânica Exemplo

Amidas etanamida

Aminas etilmetilpropanamina

Haletos Cloreto de fenila

Agora que você já conhece as principais funções orgânicas, faremos alguns


comentários para que você possa conhecer um pouco mais sobre algumas delas. Os
hidrocarbonetos apresentam uma propriedade comum: eles se oxidam facilmente
liberando calor e por isso são utilizados muitas vezes como combustíveis. São
formados a grandes pressões no interior da Terra (abaixo de 150 km de profundidade)
e depois são trazidos para zonas de menor pressão pelos processos geológicos,
sendo acumulados na forma de petróleo, gás natural e carvão.
Os aldeídos são irritantes quando apresentam peso molecular baixo. Os de
maior peso molecular (que apresentam entre oito e 12 átomos de carbono) são muito
utilizados na indústria de cosméticos para fabricação de perfumes. Já os ácidos
carboxílicos, de odor característico, são utilizados pelos cães, que apresentam olfato
bastante aguçado, para o reconhecimento de pessoas pelo cheiro, já que o
metabolismo entre os indivíduos se difere em alguns aspectos, produzindo uma
composição diferente de ácidos carboxílicos para cada indivíduo.
Para finalizar estas apresentações, os ésteres são muito utilizados na produção
de flavorizantes em refrescos, doces e xaropes, além do seu uso na produção de
sabões, medicamentos, perfumes, biocombustíveis entre outras inúmeras aplicações.
O acetato de amila, por exemplo, é utilizado como essência de banana. Na natureza
são encontrados em óleos e gorduras, nas essências de frutas, de madeiras e de
flores, nas ceras (carnaúba e de abelhas) e nos fosfatídeos (em ovos e no cérebro).
Passamos agora a outro tópico importante: as biomoléculas! Estas são os
compostos químicos apresentados anteriormente, com uma diferença fundamental,
são sintetizadas pelos seres vivos. As biomoléculas compõem a estrutura e participam
do funcionamento dos organismos. De agora em diante até o final do Módulo 2 vamos
estudar as definições, nomenclaturas, propriedades e importâncias biológicas de cada
classe de biomoléculas, para podermos entender ao final do curso como estas
participam dos processos metabólicos que ocorrem no ser humano.
As biomoléculas são formadas a partir de “unidades monoméricas”, que são
compostos mais simples que se juntam para formar as macromoléculas. Mas você
pode estar se perguntando: existem milhares de tipos de moléculas diferentes, e
agora? E eu tenho uma boa notícia. Existem milhares de tipos de moléculas diferentes,
mas acontece que elas vão se organizando nestas unidades monoméricas que eu citei
acima, resultando em compostos de propriedades similares, facilitando o
entendimento dos processos bioquímicos.
Assim, a gente irá estudar, por exemplo, as proteínas, que são compostas por
apenas 20 tipos de aminoácidos, e também os ácidos nucleicos, compostos por oito
nucleotídeos, além dos polissacarídeos, formados a partir de oito tipos de açúcares.
E vamos começar pela principal biomolécula no nosso organismo: a água.
ESQUEMA DE PROTEÍNA

AREADETREINO, 2011
6

ÁGUA

Você lembra quando comentei que as biomoléculas são sintetizadas pelos


seres vivos? Então, toda regra tem uma exceção e a água é a exceção desta regra.
Ela não é sintetizada pelos organismos e está disponível para adquirirmos pela
alimentação, mas é classificada como biomolécula pela sua importância para nós.
Todos os indivíduos possuem a água em sua constituição, e na maioria dos casos ela
é responsável por 70% do peso dos organismos.
É a partir dela e de suas propriedades que as estruturas biológicas e as reações
bioquímicas ocorrem e são essas propriedades que vamos estudar nas próximas
páginas. As ligações de hidrogênio entre as moléculas de água são as responsáveis
por suas propriedades e embora sejam ligações consideradas “fracas” quando
comparadas às ligações covalentes, em conjunto elas são fundamentais para a
manutenção das estruturas tridimensionais das biomoléculas.
Tecnicamente as ligações de hidrogênio podem ser descritas como as ligações
formadas entre um grupo fracamente ácido (dito “doador) como, por exemplo, o N-H
ou o O-H e um grupo carregando um par de elétrons não compartilhado (fracamente
básico, ou “receptor”), como um N ou O. A figura abaixo ilustra uma ligação de
hidrogênio entre moléculas de água:

(as moléculas de água estão representadas em azul e as ligações de


hidrogênio em vermelho)

Dica: talvez você já tenha lido sobre essas ligações sob o nome “ponte de
hidrogênio”, porém o termo recomendado pela IUPAC (União Internacional de
Química Pura e Aplicada, da sigla em inglês) é “ligação de hidrogênio”. Uma das
7

consequências das ligações de hidrogênio são os altos pontos de fusão e de ebulição


da água em relação aos outros solventes comuns, já que devido à estrutura tetraédrica
da água, cada molécula realiza em torno de três a quatro ligações de hidrogênio com
outras moléculas, o que exige uma alta energia térmica para quebrar essas ligações.
Biologicamente essas ligações são muito importantes por possibilitar à água o
seu uso como solvente, por exemplo, na diluição dos açúcares, devido aos efeitos
estabilizantes das ligações de hidrogênio entre os grupos hidroxila ou o oxigênio da
carbonila dos açúcares e as moléculas polares da água. A água, devido a sua
polaridade e às atrações eletrostáticas/ligações de hidrogênio, dissolve ainda sais,
ácidos carboxílicos ionizados, aminas protonadas, ésteres de fosfato ou anidridos,
funções orgânicas que estudamos anteriormente e vimos estar presente nas
biomoléculas.
As interações fracas também são muito importantes para manter a estrutura, e
consequentemente as funções das biomoléculas, já que em conjunto elas possuem
um efeito cumulativo significante e mantém as moléculas em seus estados ideais para
funcionamento mesmo com quebras e formações de novas ligações, já que estas
ocorrem de maneira aleatória e rompimentos simultâneos de ligações fracas são
improváveis.
Quanto maior a possibilidade de interações fracas, mais estável é a
macromolécula (por exemplo: proteínas, DNA e RNA), sendo que a forma
tridimensional destas é determinada justamente por essas ligações fracas,
responsáveis também pela ligação entre antígenos- anticorpos, hormônios,
neurotransmissores e receptores. Para muitas proteínas, as moléculas de água
ligadas a elas são essenciais para suas funções.
Olha só a importância das ligações de hidrogênio e da água em nosso
organismo. Como eu disse anteriormente, é partir dela e de suas propriedades que as
estruturas biológicas e as reações bioquímicas ocorrem. O que me faz lembrar outra
propriedade muito importante da água: a sua fraca ionização, formando íons
hidrogênio (H+) e hidróxido (OH-), segundo a equação:
8

Dica: prótons livres como indicado na equação acima não existem em solução,
os íons hidrogênio formados na água são imediatamente hidratados a íons
hidroxônios (H3O+), devido às ligações de hidrogênio presentes. Biologicamente essa
ionização da água é importante por permitir uma mobilidade iônica entre as moléculas,
mobilidade esta presente nas reações de transferência de prótons.
Quantitativamente, por meio de medidas de condutividade elétrica, podemos
definir a constante de equilíbrio da reação acima (Keq) como 1,8x10-16 M a 25oC e a
concentração de H+ como 10-7 M, valores importantes (principalmente este último)
quando vamos calcular o pH das soluções, já que a escala de pH é baseada no
produto iônico da água.
O pH é dito neutro se possuir valor 7, sendo que valores maiores de pH
caracterizam soluções alcalinas e pH com valores menores soluções ácidas, sendo
que este valor não foi obtido por acaso ou por conveniência, e sim a partir de cálculos
envolvendo o valor do produto iônico da água a 25oC. Mas você pode estar pensando:
em nosso organismo diversas reações ocorrem, logo elas podem alterar o pH do meio,
isso não seria perigoso para a vida? E a resposta que eu te trago: Sim, seria perigoso,
mas essas alterações bruscas não ocorrem por causa dos tampões.
Os tampões são sistemas aquosos que tendem a resistir às alterações no pH
quando pequenas quantidades de ácido ou base são adicionadas. Ele é composto por
um ácido fraco (doador de prótons) e sua base conjugada (aceptor de prótons).
Quando um ácido um uma base fraca entra em contato com o tampão reage com os
ácidos e bases presentes, resultando em duas reações reversíveis que entram em
equilíbrio, tendo como resultado apenas uma pequena alteração na razão das
concentrações relativas do ácido fraco e sua base conjugada e, portanto, uma
pequena alterações do pH, compatível com os processos fisiológicos.
Toda equação de dissolução apresenta um valor de Ka característico, e a
relação entre ele, o pH e a concentração de determinado tampão é definida pela
equação de Henderson- Hasselbalch:
Essa é uma equação que vale a pena ser memorizada, pois possibilita
calcular o pH de uma mistura de ácido-base conjugada, muito importante no
preparo de tampões (uma rotina para quem trabalha na área bioquímica). A
seguir daremos um exemplo da aplicação da equação de Henderson-
Hasselbalch. Tente repetir o exercício sem olhar a resposta para fixar a equação
e a forma de preparo de tampões:
Exercício: Calcule o pH de uma mistura de 0,10 M de ácido acético e 0,20
M de acetato de sódio, sabendo que o pKa do ácido acético é 4,76.
Resposta:

pH = pKa + log [A-/HA]


pH = 4,76 + log [acetato/ácido acético] pH = 4,76 + log (0,20/0,10)
ph = 5,1

Um mecanismo importante do sistema tamponante ocorre durante a


respiração. O tampão bicarbonato é efetivo em pH próximo a 7,4 e envolve três
equilíbrios reversíveis entre o CO2 gasoso nos pulmões e o bicarbonato (HCO3-
) no plasma sanguíneo. Esse tampão aberto é o responsável por manter a
homeostasia e a vida por intermédio da respiração.
Agora que você já entendeu a importância da água para nossa
sobrevivência e tem em mente que é ela o solvente utilizado durante as reações
metabólicas em muitos processos bioquímicos, podemos seguir nossos estudos
em biomoléculas, e para finalizar este primeiro módulos, vamos estudar os
aminoácidos e as proteínas.

AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

Em geral, um aminoácido é uma estrutura química que contém um grupo


amina e um grupo carboxila, sendo diferenciados por radicais
substituintes (R) característicos:

AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

QUINTEIRO, H. R. G., 2011

Assim, por exemplo, quando o grupamento R é igual a um grupo –CH3,


este aminoácido é chamado alanina, já se o grupamento R for igual a um grupo
–CH2OH é denominado serina, e assim para todos os outros aminoácidos
existentes e descobertos até hoje. Falando em descoberta, o primeiro
aminoácido descrito foi a asparagina (em 1806) e o último a treonina (em 1938).
Atualmente são descritos 20 aminoácidos principais que formam por meio
de ligações entre si (estudaremos elas mais para frente neste módulo) uma
diversidade incontável de compostos de diversos tamanhos e formas, incluindo
enzimas, hormônios, anticorpos, transportadores, fibras musculares, proteína do
cristalino do olho, penas, teia de aranha, chifre do rinoceronte, proteínas do leite,
antibióticos, venenos de cogumelos e mais uma infinidade de compostos.
Algumas convenções de nomenclatura definiram os aminoácidos em
abreviações de três letras e em símbolos de uma letra. Assim, o aminoácido
alanina citado anteriormente é representado pelo conjunto de letras Ala e/ou pelo
símbolo A, já a serina é representada pelo
conjunto de letras Ser e/ou pelo símbolo S. A tabela na página seguinte
apresenta todos os 20 aminoácidos mais comuns encontrados
em nosso organismo como constituintes de proteínas.

Você também pode gostar