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METABOLISMO DE PROTEÍNAS

O metabolismo das proteínas é a via biossintética mais complexa do ser


humano, e vem sendo um desafio nas pesquisas científicas em bioquímica. Cerca de
90 % da energia química utilizada para todas as vias bioquímicas é reservada ao
metabolismo das proteínas, que envolve mais de 100 enzimas entre a síntese,
destinação e degradação.
Já vimos no segundo módulo deste curso como funciona o código genético.
Agora iremos focar no processo de iniciação, alongamento e terminação da síntese
proteica, que envolve a ativação de precursores antes da síntese e o processamento
após a síntese.
A biossíntese das proteínas envolve cinco etapas. Na primeira, ocorre a
ativação dos aminoácidos. O grupo carboxila do aminoácido deve estar ativado para
que ocorra a ligação peptídica e deve sempre existir um elo entre cada aminoácido e
a informação contida no mRNA. Logo, esta primeira etapa envolve a ligação do
aminoácido a um tRNA, ocorre no citosol e envolve a participação de enzimas do tipo
aminoacil-tRNA sintetases.
A segunda etapa é chamada de iniciação, onde o mRNA liga-se à menor das
subunidades ribossômicas e ao aminoacil-tRNA de iniciação. Em seguida, liga-se à
subunidade maior, formando o complexo de iniciação, pareando o aminoacil-tRNA
com o códon UAG.
A terceira etapa, o alongamento, é formada pela ligação de outros aminoácidos
e requer a participação de proteínas conhecidas como fatores de alongamento, e
assim como as etapas anteriores, envolve a participação de GTP. A quarta etapa é a
terminação e liberação, sinalizada por um códon de terminação. A quinta e última
etapa é o enovelamento e processamento pós-tradução, para que a proteína obtenha
sua forma tridimensional biologicamente ativa.
Este processo todo envolve revisões e regulações para que a proteína seja
sintetizada corretamente. Como você já viu anteriormente este tópico, focaremos
agora no endereçamento e degradação das proteínas.
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O processo de endereçamento de proteínas é complexo e não muito bem


esclarecido pela ciência. Imagina que possuímos muitas estruturas, muitos
compartimentos, muitas organelas, muitas funções específicas em cada célula do
nosso corpo e todas estas funções necessitam de proteínas e enzimas diferentes,
todas elas (com poucas exceções) sintetizadas pelos ribossomos no citosol conforme
vimos anteriormente.
De uma forma resumida, as proteínas que exercem funções no citosol
permanecem nele após sua síntese. As proteínas que serão secretadas, que vão fazer
parte da membrana celular ou que vão para lisossomos compartilham as etapas
iniciais de uma via que começa no retículo endoplasmático. Já as que vão para as
mitocôndrias ou para o núcleo possuem mecanismos separados.
O conceito mais importante do endereçamento é o da sequência sinalizadora.
Esta é uma sequência curta de aminoácidos que direciona a proteína para seu local
de ação, e em seguida é removida para que a proteína possa se tornar ativa e exercer
sua função. Esta sinalização também é utilizada para a degradação seletiva das
proteínas após seu uso.
Uma das vias mais estudadas de endereçamento envolve a translocação da
proteína para dentro do retículo endoplasmático após sua síntese por meio de
sequências sinalizadoras no terminal amino. Estas sequências diferem de acordo com
a proteína, mas possuem algumas características em comum:
▪ Possuem entre 10 e 15 resíduos de aminoácidos hidrofóbicos;
▪ Possuem pelo menos 1 resíduo carregado positivamente, em geral
próximo ao terminal amino e anterior aos aminoácidos hidrofóbicos;
▪ Possuem uma sequência polar no terminal carboxila, geralmente
de cadeias curtas (ex.: alanina) e próximas a um sítio de clivagem.
Agora vamos voltar ao processo de síntese, onde tudo se inicia. No começo os
ribossomos estão livres sintetizando as proteínas. A sequência sinalizadora costuma
ser a primeira a aparecer, fazendo com que ela e o ribossomo que está sintetizando
sejam ligados a interrompendo a síntese após cerca de 70 resíduos de aminoácidos.
O GTP ligado à PRS direciona o ribossomo contendo o mRNA e a proteína
incompleta para receptores de PRS que estão localizados no retículo endoplasmático,
fazendo que a proteína incompleta se junte ao complexo de translocação do peptídeo.
A PRS separa-se do ribossomo através da hidrólise da molécula de GTP, e o
alongamento da proteína continua, com o auxílio de moléculas de ATP, fazendo que
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toda a estrutura proteica vá para dentro do retículo endoplasmático.


Por fim, a sequência sinalizadora é removida por uma enzima peptidase de
sinalização dentro do retículo endoplasmático e o ribossomo é então liberado e
reciclado. Este processo, embora descrito para o endereçamento de proteínas ao
retículo endoplasmático, contém fundamentos do endereçamento para os outros
locais da célula, através de outras enzimas e sequências.
Após a remoção da sequência sinalizadora as proteínas são enolevadas,
formam as ligações dissulfeto que auxiliam na sua estrutura tridimensional e, muitas
vezes, são glicosiladas formando as glicoproteínas (através de resíduos de Asn).
Estas são ditas proteínas N- glicosiladas e embora a primeira etapa do processo de
glicosilação seja comum, diferentes vias podem resultar na formação das
glicoproteínas.
Outra forma de glicosilação de proteínas é a construção de proteínas O-ligadas,
através do complexo de Golgi. As proteínas que estão no citosol podem chegar ao
complexo de Golgi ou as proteínas N-glicosiladas são transportadas para o complexo
de Golgi através de vesículas transportadoras para serem modificadas.
Por um mecanismo ainda não muito bem esclarecido, o complexo de Golgi
distribui as proteínas e as endereça para seu destino final, onde desempenharão suas
funções. A ciência que estuda estas vias é a bioquímica de glicoconjugados e é uma
ciência muito recente.
O processo mais bem conhecido até o momento é o transporte de hidrolases
para os lisossomos. Uma hidrolase é reconhecida pelo complexo de Golgi através de
uma fosfotransferase, responsável pela adição de fosfato aos resíduos de manose
presentes no oligossacarídeo da hidrolase (uma glicoproteína). Os resíduos de
manose-6-fosfato em oligossacarídeos N-ligados são responsáveis por direcionar as
proteínas ao lisossomo.
Uma particularidade do endereçamento envolve o transporte de proteínas para
o núcleo. A comunicação entre o núcleo e o citosol ocorre por poros nucleares, e o
transporte das proteínas para o núcleo envolve a passagem de subunidades
pequenas das proteínas através destes poros, para serem montadas já dentro do
núcleo. A sequência de sinalização para estes casos é denominada SLN (sequência
de localização nuclear) e não é removida após a chegada da proteína. Em geral, essas
sequências contêm entre quatro a oito aminoácidos básicos consecutivos (ex.: Arg e
Lys) e podem ser encontradas em qualquer parte da cadeia primária de aminoácidos.
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O transporte para o núcleo ocorre com o auxílio de proteínas ditas importinas α e β.


Outra forma de obter proteínas é através da importação exterior à célula. Essa
forma de obtenção de proteínas ocorre por receptores localizados nas membranas
celulares, e exemplos biológicos incluem a importação do LDL, transferrina e
hormônios. O processo é chamado de endocitose e é explorado por alguns vírus para
poderem entrar na célula e usar a maquinaria celular para sua multiplicação.
Vamos agora estudar a degradação das proteínas. Este processo é
responsável pela reciclagem dos aminoácidos e por não deixar nosso organismo
formar proteínas anormais ou não desejáveis. Os sistemas de degradação estão
localizados no citoplasma e são dependentes de ATP. Outros processos de
degradação podem ocorrer nos lisossomos.
A via dependente de ATP envolve a proteína ubiquitina, que se liga de forma
covalente aos resíduos de Met da proteína a ser degradada através da catálise
realizada por três enzimas separadas (E1, E2 e E3). O complexo de degradação é
conhecido por proteassomo 26S e envolve o processo de desenovelamento de
proteínas ubiquitinadas.
O mau funcionamento da via da ubiquitinação está relacionado ao
desenvolvimento de tumores, além da suspeita de participação em doenças renais,
asma, Alzheimer, Parkinson, fibrose cística, síndrome de Liddle e muitas outras. Isso
mostra o quanto à degradação das proteínas é um processo tão importante quanto
suas sínteses, e assim como o endereçamento de proteínas, é uma área da ciência
ainda pouco conhecida.

ESQUEMA DA UBIQUITINA

WIKIPEDIA, 2011.
CABOLISMO DE AMINOÁCIDOS

A degradação dos aminoácidos é importante para fornecer intermediários


e precursores do ciclo do ácido cítrico, sendo então metabolizados a CO2 e H2O
ou utilizados na gliconeogênese. Estes intermediários são: piruvato, α-
cetoglutarato, succinil-CoA, fumarato, oxaloacetato, acetil-CoA e acetoacetato.
De acordo com a via catabólica, os aminoácidos podem ser divididos em
glicogênicos e cetogênicos.

▪ Aminoácidos glicogênicos: são precursores da glicose, ou


seja, se degradam em um dos cinco primeiros intermediários citados acima.
▪ Aminoácidos cetogênicos: podem ser convertidos em ácidos
graxos ou corpos cetônicos, sendo degradados a acetil-CoA ou acetoacetato.

Existem cinco aminoácidos que são ditos glicocetogênicos, pois podem


atuar das duas maneiras: triptofano, fenilalanina, tirosina, treonina e isoleucina.
Os aminoácidos alanina, cisteína, glicina, serina e treonina são
degradados produzindo piruvato. O triptofano, por ser degradado produzindo
alanina, pode ser incluído neste grupo. A alanina sofre uma reação de
transaminação com o α-cetoglutarato liberando o piruvato. A cisteína é
degradada por meio de duas etapas: remoção do átomo de enxofre e
transaminação. A serina é convertida em piruvato pela ação da serina
desidratase.
Já a glicina possui três vias de degradação, sendo que somente a via da
conversão da glicina em serina pela adição de um grupo hidroximetila pela serina
hidroximetiltransferase leva à produção do piruvato. A treonina possui duas vias
de degradação, a via que leva ao piruvato envolve a conversão da treonina em
glicina em dois passos pela ação da enzima treonina desidrogenase.
O acetil-CoA é o produto final da degradação dos aminoácidos triptofano,
lisina, fenilalanina, tirosina, leucina, isoleucina e treonina. Alguns destes
aminoácidos resultam em acetoacetil-CoA, que então é
convertido a acetil-CoA. Muitas das reações envolvidas nestas vias são
semelhantes às etapas de oxidação de ácidos graxos.
Em especial, dois aminoácidos devem ser destacados para esta via
catabólica. O primeiro é o triptofano, que durante sua degradação produz
precursores importantes para a biossíntese de diferentes biomoléculas, como o
NAD e a serotonina. O segundo é a fenilalanina, já que defeitos genéticos em
seu processo de degradação levam a doenças hereditárias como a fenilcetonúria
e retardo mental, além de ser precursora dos hormônios adrenalina,
noradrenalina e dopamina, e do pigmento melanina.
Os aminoácidos prolina, glutamato, glutamina, arginina e histidina são
convertidos a α- cetoglutarato. Já a metionina, a isoleucina, a treonina e a valina
são degradadas produzindo succinil-CoA, através de reações de transaminação
e descarboxilação.
Em geral o processo catabólico é realizado no fígado, porém isto não
ocorre para os aminoácidos leucina, isoleucina e valina, já que estes possuem
cadeias laterais ramificadas. A oxidação destes três aminoácidos ocorre no
tecido muscular, no adiposo, no renal e no cerebral. Estes órgãos possuem uma
aminotransferase específica não disponível no fígado. O conjunto enzimático
que participa destas reações é chamado de complexo da desidrogenase dos α-
cetoácidos de cadeia lateral ramificada, regulado por modificações covalentes
de acordo com o conteúdo de aminoácidos presente na nossa dieta.
O oxaloacetato é formado pela degradação dos aminoácidos asparagina
e aspartato. A asparagina é convertida em aspartato pela ação da asparaginase,
e o aspartato sofre uma reação de transaminação com o α-cetoglutarato para
produzir o oxaloacetato (e glutamato).
Todos os processos citados também geram NADH e FADH2.

CICLO DA UREIA

Nós já estudamos anteriormente a excreção do nitrogênio através da


forma de ácido úrico, principal forma para aves e répteis. Em
organismos aquáticos, que podem utilizar grandes quantidades de água para a
excreção, a forma predominante é a amônia. Outra forma de excreção do
nitrogênio é através da ureia, principal forma de excreção nos vertebrados.
A ureia é sintetizada no fígado e secretada na corrente sanguínea, sendo
posteriormente captada nos rins e excretada pela urina. O ciclo da ureia foi o
primeiro a ser entendido pelos bioquímicos, em 1932 por Kurt Henseleit e Hans
Krebs (o mesmo que descreveu o ciclo do ácido cítrico, ou ciclo de Krebs, em
1937).
O ciclo da ureia pode ser dividido em cinco reações:
▪ O fornecimento do primeiro átomo de nitrogênio da ureia
ocorre com a formação do carbamoilfosfato através da carbamoilfosfato-
sintetase, que teoricamente não seria um componente do ciclo da ureia, já que
é responsável pela produção do precursor carbamoilfosfato, este sim,
componente do ciclo. Essa reação envolve três passos e podem ocorrer sob
duas formas, ambas em etapas irreversíveis, sendo o passo limitante do ciclo
da ureia.
▪ O grupo carbamoil do carbamoilfosfato é então transferido
para a ornitina, produzindo citrulina pela ornitina-transcarbamoilase. Esta
reação ocorre na mitocôndria e a ornitina entra nesta organela por meio de um
transportador específico. A citrulina produzida é exportada para o citosol, onde
o ciclo é continuado.
▪ O grupo ureído da citrulina é condensado com um grupo
amino do aspartato através da argininosuccinato sintetase, fornecendo o
segundo átomo de nitrogênio da ureia.
▪ A enzima argininossuccinase elimina a arginina ligada ao
esqueleto do aspartato, que forma fumarato (que segue outras vias para formar
oxaloacetato). A arginina liberada é o precursor da ureia.
▪ A arginina é então hidrolisada na última etapa do ciclo
catalisada pela arginase, produzindo ureia e regenerando a ornitina, que
retorna para a mitocôndria, dando continuidade ao ciclo.
Todo o processo é energeticamente custoso e o ATP
utilizado provém da oxidação do acetil-CoA pela degradação dos esqueletos de
carbono dos aminoácidos.

A regulação deste ciclo envolve a ativação alostérica por N-


acetilglutamato, sintetizado a partir de glutamato e acetil-CoA pela enzima N-
acetilglutamato sintase seguido de um processo de hidrólise. As demais etapas
da via são controladas pela concentração do substrato disponível.

CASO CLÍNICO: INTOXICAÇÃO POR AMÔNIA

Como vimos anteriormente, a amônia é a principal forma de excreção do


nitrogênio no ambiente aquático. Porém, em seres humanos uma exposição a
altas concentrações de amônia pode levar ao quadro de intoxicação.
Essa exposição pode ocorrer por inalação de produtos de limpeza, ou
mesmo o contato destes com a pele, inalação durante a aplicação de fertilizantes
em áreas agrícolas e ingestão de água e alimentos contaminados com amônia
(usada, por exemplo, como estabilizante em alguns alimentos).
A intoxicação por amônia pode levar a quadros de
irritação nos olhos e no nariz, queimaduras na pele e corrosão da boca, garganta
e estômago. Por isso, evite campos com fertilizantes, mantenha a casa sempre
arejada e proteja-se durante a utilização de materiais de limpeza.
Aqui termina nosso curso de Bioquímica – Biomoléculas e Metabolismo.
Espero que você tenha aprendido bastante. Em caso de dúvida não hesite em
contatar nossos tutores. Tenho certeza que você já possui as ferramentas
necessárias para conseguir se aprofundar em temas específicos da bioquímica
que possam estar envolvidos em seu ambiente de estudo ou de trabalho.
REFERÊNCIAS

ALUNOS ONLINE . Disponível em: <http://www.alunosonline.com.br/quimica>.


Acesso em: 18 jul. 2011.
BRENDA. Disponível em: <http://brenda-enzymes.org>. Acesso em: 18 jul 2011.
CONSTRUINDO CONHECIMENTO. Disponível em:
<http://fisioterapiafateci20082.blogspot.com/2009/06/cadeia-transportadora-de-
eletrons.html>. Acesso em: 18 jul 2011.
EICN. Disponível em: <http://www.eicn.ucla.edu/projects#hpdc>. Acesso em: 18
jul 2011.
HUBER, P. C.; ALMEIRA, W. P.; de FÁTIMA, A. Glutationa e enzimas
relacionadas: papel biológico e importância em processos patológicos. Química
Nova, v. 31, n. 5, p. 1170-1179, 2008.
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JUNIOR, W. E. F. Carboidratos: estrutura, propriedades e funções. Disponível
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<http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc29/03-CCD-2907.pdf>. Acesso em: 18 jul.
2011;
LABORATÓRIOCENTRAL. Disponível em:
<http://www.laboratoriocentral.com.br/wp/wp-
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NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger. Princípios de Bioquímica. Sarvier Editora
de Livros Médicos LTDA., 4. ed. ISBN: 85-7378-166-1, 2006.
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em: 18 jul 2011.
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VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. Artmed, 3. ed. ISBN: 978-85-363-0680-3,
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